sábado, 10 de julho de 2010

1422 - HISTÓRIA DO LIVRO

ENSINAMENTOS DE CLIO:
O LIVRO DIDÁTICO DE HISTÓRIA E A HIATORIOGRAFIA BRASILEIRA
Olivia Morais de Medeiros Neta
UFRN
O “Fazer Histórico” como um campo de saberes, um caminho de rupturas, um palco de múltiplos scripts e encenações escreve, compõe e recompõe conhecimentos históricos, saberes ensináveis que se firmam em narrativas.
No Brasil é o ensino de História e suas feições disciplinares une fazeres históricos e investimentos didáticos em que, pesquisa e ensino herdam marcas da tradição iluminista, fornecida pela elite que no século XIX pensa a História do Brasil de forma sistematizada no processo de consolidação do Estado Nacional.
O Instituto Histórico Geográfico Brasileiro – IHGB – é diretriz central da “coleta e publicação” de documentos; sob a influência historicista, o culto ao documento escrito e rigor do método crítico pautando à História uma concepção essencialmente política de abordagem cronológica que conceitua a “memorização dos fatos históricos”. O Ensino de História, seus currículos, suas metodologias, seus recursos formavam uma história ensinada, num primeiro momento, por homens de letras que produzem a “História Pátria do Brasil”; homens como Francisco Adolfo de Varnhagen, Capistrano de Abreu, João Francisco Lisboa que viam nos documentos, rastros das ações passadas e nos fatos as impressões de atos, pensamentos e sentidos.
O Brasil enquanto escriturado historicamente constitui-se “corpo escrito”, um campo de produção e consumo com dizeres e fazeres atuando no palco da operação histórica com seus lugares sociais, institucionais de produção. Para a configuração do corpo escrito brasileiro muitos são os projetos, os eixos que regem interpretações.
Francisco Adolfo de Varnhagen (1816 -1878) projeta um Brasil em meados do século XIX a partir da costura de elogios à colonização portuguesa, espelho de uma Nação e Civilização nos trópicos, montada na obra História Geral do Brasil (1854 - 1857) que refletia
uma preocupação com a História, com a documentação sobre o passado brasileiro que o recém-fundado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro representava. (REIS, 2001).
Assim, cartografava o Brasil por uma História Pátria com rumos a um futuro otimista e reforço a busca de identidade, unidade e longevidade à Nação recém-independente. História Geral do Brasil uma síntese com elogios, heróis portugueses, sem tensões, sem leis balizantes seria produto da defesa do português. Uma História do Brasil centrada a partir do olhar do colonizador português no cenário do descobridor/conquistador que corrompe, civiliza e evangeliza.
A nacionalidade brasileira constituía-se enquanto uma necessidade vivencial e intelectual no Brasil do século XIX e, a narrativa de Varnhagen denota um engajamento, um pertencimento a história e ao tempo, um patriotismo e uma opção intelectual que olha ao passado e aponta fazeres no futuro, com preocupação constante de fazer uma história rigorosamente apoiada na erudição e capaz de realçar o papel do Estado na formação da Nação e do homem brasileiro onde, fatos e interpretações articulam momentos necessários a partir do passado colonial, revelador de uma preocupação com a classe social dirigente do país no século XIX que, no processo de consolidação da monarquia articula um projeto de História ilustrado pela nação branca e européia, pelo Estado forte e centralizado para um homem branco brasileiro (a mistura das três raças).
Guerras de conquista dão forma e conteúdo do projeto político brasileiro de onde surgiria um sentimento pátrio. História Geral do Brasil descobre o Brasil, seu povo, seus tempos, suas continuidades, os fatos ícones que se constituem pilares à produção histórica brasileira pretensiosa quanto a uma generalização.
O Brasil como um corpo escrito é passível de leituras é uma produção ancorada em subjetividades que dão a multiplicidade do ser Brasil e brasileiro; Varnhagen como produtor de uma leitura histórica fora também sujeito inserido numa dada episteme que lhe compôs socialmente, intelectualmente e institucionalmente e a produção do sujeito é elo à obra enquanto guardiã de discurso histórico.
A História e sua disciplinarização são frutos de caminhos teórico-metodológicos que caracterizam pressupostos e seus estatutos científicos e, passear pela produção historiográfica é vislumbrar anseios de sujeitos, de épocas e orientações históricas.
Histórica Geral do Brasil e a História Ensinada e engessada nos livros didáticos produzidos na última metade do século XX, suscita discussões acaloradas em que a historiografia debruça-se, digladiando-se nas categorias já firmadas no saber acadêmico e explicação das tendências da escrita histórica. Julgando obras históricas, a historiografia – concepção das sociedades sobre si mesmos em momentos históricos – vê a História como referencial teórico obrigatório à organização do pensamento social. Interligando historiador e crítica – obras, discursos históricos, produção e reproduções ideológicas – o caminhar historiográfico em vias ao entendimento do ensino da História e orientações é suportado pela concepção do livro didático como “construção discursiva” que evoca signos, práticas e interesses constituindo-se em “peças de momentos históricos”, produzidos por autores jurídicos, objetivando formar-se enquanto significado do sujeito, um sujeito jurídico que lê e significa, (re)estruturando suas memórias discursivas. (FOUCAULT, 1992).
Os livros didáticos têm distinções teórico-metodológicas, respondem a propostas curriculares orientadas por discursos político-educacionais que fazem e trazem à tona a produção de momento histórico. Assim, contexto, proposta curricular e processo ensino-aprendizagem acham-se interligados. Na rede de produção dos livros didáticos olharemos fragmentos de discursos históricos acerca da escrita da história para os livros didáticos, considerando em tal análise a intercessão dessa produção didática com a obra História Geral do Brasil.
Não como livro didático, mas como obra-marco da produção historiográfica brasileira História Geral do Brasil em seus cinco tomos e suas inúmeras secções (abordagem conforme publicação de História Geral do Brasil pela Editora Melhoramentos, 1975, em sua 8ª edição) engessa um Brasil a partir da descrição da terra, dos índios e seus usos e costumes, dos esforços de colonização portuguesa pelas expedições, organização de capitanias hereditárias, do governo-geral, da fundação de vidas e cidades, da fixação litorânea, das ordens religiosas e sua catequese, invasões, fronteiras, bandeiras, movimentos emancipancionista, da Família Real e outros temas.
Haddock Lobo em História do Brasil de 1965 produz um projeto didático ao ensino da História do Brasil dividido em “O domínio português” e “O Brasil politicamente independente”. Na primeira aparte do livro, reservada aos estudos do Brasil Colonial, Haddock privilegia o português e suas ações e procura explicar este período histórico a partir
de considerações sobre temas como o “descobrimento”, “o povoamento”, “A formação étnica” e “Os primórdios da colonização” e outras temáticas.
A estrutura considerada por Haddock Lobo em História do Brasil parece caminhar com o Brasil conteudizado por Varnhagen, no I tomo, considerando os atos à colonização, descrevendo o “indígena brasileiro”, a catequese dos jesuítas, a implantação dos governos gerais, a descoberta das terras americanas e seus reconhecimentos, um povoamento como defensivo à exploração de nações estrangeiras.
Privilegiando uma História política, uma abordagem cronológica e incentivadora da memorização dos fatos o Programa de Admissão – para o 5º ano – de 1971 na ementa de História do Brasil destaca: Descobrimento da América e do Brasil; Capitanias Hereditárias; os três primeiros governadores-gerais; A invasão do Rio de Janeiro pelos franceses, dentre outros assuntos; todos estes correspondem à estrutura e disposição de secções do tomo I de História Geral do Brasil, as quais concebem o Brasil no projeto português de expansão, conquista e colonização.
Da descoberta aos Governos Gerais – 3 primeiros – o tomo I de História Geral do Brasil engessa o Brasil e os primeiros passos a sua organização administrativa; sendo seqüenciado pela análise da colonização portuguesa nas várias partes do Brasil, as invasões holandesas, a cana-de-açúcar como riqueza, as conquistas territoriais e seus avanços e delineamentos, o que torna o “esforço de colonização” eixo do II tomo.
Os múltiplos e dramáticos episódios da colonização, as lutas para expulsão dos holandeses, contra a ameaça francesa e inglesa, os mecanismos administrativos como os tratados de fronteiras, as bandeiras, a busca do ouro e permeando estes cenários o espírito nacionalista advindo das resoluções, o “aparecimento” de uma cultura brasileira com autores como Antonil que pensam o Brasil, são impressões do III tomo de História Geral do Brasil.
O esforço de colonização, a produção do sentimento nacional seja em livros didáticos das décadas de 1960, 1970, 1980 ou 1990 são expressões recorrentes acima dos empréstimos culturais aguçados nos anos de 1970 do materialismo dialético, das rupturas e/ou continuidades, dos novos temas e abordagens, dos caminhos à História Social e Cultural em substituição à História Política em que novos personagens ganharam espaço. Nos manuais didáticos, nos compêndios, nos livros didáticos com histórias temáticas encontramos Histórias do Brasil sejam positivistas, marxistas, social ou cultural em que as bandeiras, as invasões
estrangeiras, a mineração, as lutas para expulsão holandesa são expoentes às explicações conteudistas, as discussões temáticas. História: Memória Viva de Cláudio Vicentino, 1997, pensando o Brasil do Período Colonial à Independência da República reserva espaço a capítulos como: “Invasões estrangeiras”, “A expansão territorial Brasileira”, “O Ciclo da Mineração”, “Rebeliões contra Portugal” e mesmo pautando uma História do Brasil com ícones presentes em História Geral do Brasil de 1854-1857 parte da concepção que a História é a grande memória viva que define o nosso presente, ela é um patrimônio humano que precisa ser conquistado pelo conhecimento e a compreensão; sendo um conhecimento de nós mesmos coloca-se como “transformadora”. (VICENTINO, 1997).
Mais crítica e menos factualista que Varnhagen as interpretações em História: Memória Viva visibilizam o Brasil na conjuntura colonial a partir da formação territorial e nacional.
O século XVIII e os movimentos regionais emancipacionistas, as disputas fronteiriças no Sul, a interiorização do Brasil, o século XIX adentrando com o Brasil enquanto sede de monarquia portuguesa como transmigração da Família Real para o Brasil, dando nova tônica a uma colônia que passa a ser o centro do Império Português e mergulha numa efervescência social e cultural além de fortes sentimentos nativistas em busca de libertação em busca de libertação são marcas dos tomos IV e V de História Geral do Brasil que, dos movimentos emancipacionistas regionais do Brasil à transformação político-administrativa advinda da chegada da família real em 1808 pensam e constroem o Brasil Pré-independência.
O Brasil como um vasto painel de história é condensado nos cinco tomos de História Geral do Brasil que busca aprender “da descoberta à chegada da Família Real” o Brasil em termos históricos. Um Brasil pelo olhar positivista, factualista é tônica a posteriores produções historiográficas. Varnhagen escriturando Brasil pauta à História Ensinada saberes revistados conforme orientações, epistemes que instituem a cada olhar múltiplas interpretações. História Geral do Brasil e seus temas de estudos por vezes incorporados em produções historiográficas constituem-se enquanto bases para organizações de conteúdos, apresentação de temáticas que pensam e escrevem o Brasil. A História, como discurso nas produções didáticas, é histórica e a cada década, a cada dia muta-se.
No palco da História são muitas as encenações, as visões e a cada script novas interpretações. Da História Geral do Brasil como versão de Varnhagen, autor jurídico,
assentada em disposições de fatos, descrições e uma história político-administrativa colhe-se inspirações às produções históricas que enredam-se como novos objetos, novos olhares e compõem e (re)compõem discursos históricos.
A escrita da história didática, na dimensão estrutural e organizacional dos saberes históricos ensináveis, assentam-se nas formas dispostas e privilegiadas por Varnhagen em História Geral do Brasil, sendo tais saberes (re)compostos por múltiplas concepções históricas, pois o livro didático é uma peça histórica, uma produção e assim diversa; mas na diversidade Varnhagen e ressonâncias de sua obra História Geral do Brasil permanece nas estruturas, continuidades, rupturas...
Das linhas escritas em História Geral do Brasil às produções historiográficas e Histórias Ensinadas no Brasil a questão “o que ensinar em História?”, permeia a disciplinarização da História e o livro didático (MUNAKATA, 2000) como objeto material, produzido por um conjunto de trabalhadores no interior de um circuito bem determinado de produção, distribuição e consumo constitui-se como objeto material destinado para o ensino e daí a relevância da analise das Histórias nos livros didáticos, tendo como moldura História Geral do Brasil, o que faz do corpo escrito brasileiro passível de escrituras, composições e (re)composições no tecido da História, ensinada ou não.
REFERÊNCIAS
FOUCAULT, Michel. O que é um autor?. 4 ed. Tradução António Fernando Cascais; Edmundo Cordeiro. Portugal: Veja/Passagens, 1992.
GUIMARÃES, Manuel Luiz Lima Salgado. Nação e Civilização nos Trópicos: O IHGB e o projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 01, p. 05-27, 1988.
LOBO, R. Haddock . História do Brasil (Ciclo Colegial). 2 ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1965.
MUNAKATA, Kazumi. Indagações sobre a História Ensinada. In: GUAZELLI, C. A. (org.). Questões de Teoria e Metodologia da História. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 303-313.
ODÁLIA, Nilo. (org.). Varnhagen. São Paulo: Ática, 1979. (Coleção Grandes Cientistas Sociais).
REIS, José Carlos. As identidades do Brasil: de Varnhagen a FHC. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2001.
SILVA, J. História. In: Programa de Admissão. 28 ed. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971. p. 358-446.
VARHHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil: antes da sua separação de Portugal. São Paulo: Melhoramentos: Brasília: INL, 1975.
VICENTINO, Cláudio. Historia Memória Viva - Brasil: período Colonial e independência. 8 ed. São Paulo: Scipione, 1997.


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