sexta-feira, 30 de julho de 2010

2404 - HISTÓRIA DA IMPRENSA

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A imprensa que a história esqueceu

Fernando Torres

História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré (Mauad; 1999; 501 páginas; R$ 65,00)

Ler Nelson Werneck Sodré (1911-1999) é um dever de todos os jornalistas. Compreendê-lo, porém, acaba sendo um desafio para a maioria, pois seu texto exige esforço extra e tempo hábil, verdadeiro debruçar sobre suas páginas. História da Imprensa no Brasil não é exceção. Mas vencidos os obstáculos, o leitor irá se deparar com a mais completa e fundamentada obra sobre o jornalismo brasileiro e, de brinde, sobre a história do País.

Sodré estreou nas letras em 1929, quando publicou o conto "Satânia" na então estreante revista O Cruzeiro. À época, ninguém poderia imaginar que o jovem carioca de 18 anos se transformaria em historiador, pensador marxista, crítico literário e general do Exército, um dos homens mais cultos do País.

História da Imprensa é apenas um de seus mais de 50 títulos. Entre eles, destacam-se História da Literatura Brasileira e Tudo é Política. Este, seu último, resgata meio século do pensamento do historiador em uma coletânea de ensaios.

Inicialmente publicada em 1966, História da Imprensa ficou fora do mercado literário por mais de 15 anos. Valeu a pena esperar. A atual edição, a quarta, é complementada com um capítulo inédito em que Sodré expõe seu pensamento sobre a imprensa e os mass media brasileiros. Começa aí sua singularidade, pois para ele, "a imprensa não é meio de massa, em nosso País".

A partir daí, não é de se admirar que a obra seja permeada por flashes de ideologia esquerdista e análises subjetivas. Melhor que seja assim. Sem essa interpretação, História da Imprensa se assemelharia a um imenso registro de nomes curiosos de todos os jornais que já passaram pelo solo brasileiro e seus fundadores, de 1808 até os anos 60.

História nas manchetes

A obra ressalta os veículos impressos que surgiram em momentos políticos importantes do País e seu subsídio histórico. O clímax do livro se concentra no período da independência - é quando tem sabor de novidade. Mas Sodré também fala sobre a imprensa regencial, imperial, republicana e contemporânea, sem, contudo, o notável brilho da anterior.

Um aspecto interessante destacado na obra é a existência de epígrafes nos primeiros jornais tupiniquins. A inscrição grafada na primeira página declarava a que tinha vindo aquela folha. Sodré fez questão de manter as epígrafes na língua original, geralmente latim e alemão.

O livro também mostra a contribuição para a história de pasquins virulentos, desconhecidos e sem periodicidade. Títulos do nível de O Diabo Coxo e O Carijó enfileiram-se na genealogia de Sodré. Tal destaque resulta da sutil, mas notória, apreciação do historiador pela pequena imprensa, a proletária.

Pode-se sentir a mesma estima quando o autor destaca jornalistas "no mínimo ridicularizados pela historiografia social brasileira". Um deles é o libertário baiano Cipriano Barata (1762-1838), fundador das Sentinelas, 11 no total. Segundo Sodré, os jornais mudavam de nome conforme os lugares onde eram escritos, muitas vezes, dentro do cárcere, como o sétimo, a Sentinela da Liberdade na Guarita do Quartel General de Pirajá Hoje Presa na Guarita de Villegainon em o Rio de Janeiro, de 1832.

Em contrapartida, o livro refuta a biografia de homens aclamados pela história. Até José Bonifácio, imortal patriarca da independência, não escapa das acusações. O historiador narra que o então primeiro-ministro reprimia os jornais liberais e perseguia seus fundadores "anarquistas", pondo em risco a verdadeira independência brasileira. Redimiu-se parcialmente ao lançar o jornal oposicionista O Tamoio, quando de sua queda do ministério, em 1823.

Por aí, percebe-se o quanto tem de peculiar a imprensa de Sodré. Ao mesmo tempo em que ele se compromete em narrar fielmente os fatos, contradiz seu papel de historiador ao interferir na interpretação dos fatos. Para quem lê a obra, é inevitável desvencilhá-lo da imagem de panfletário idealista do século XIX.

De maneira alguma tal constatação torna História da Imprensa ruim. Há algum tempo, em entrevista ao caderno Prosa e Verso do jornal O Globo, Sodré confessou orgulhoso que demorou 30 anos para escrever a obra: "Há livros que se fazem em cima da perna, e outros que demoram muito mais, como História da Imprensa no Brasil." A frase tornou-se célebre e foi adicionada à capa da atual edição. Como uma epígrafe.






criação: lisandro staut




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