quinta-feira, 29 de julho de 2010

2395 - HISTÓRIA DA IMPRENSA

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – UnB – 6 a 9 de setembro de 2006
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Nelson Werneck Sodré e “História da Imprensa no Brasil”:
uma Análise da Relação entre Estado e Meios de Comunicação de Massa 1
Octavio Penna Pieranti 2
Doutorando em Administração na Escola Brasileira de Administração Pública e de
Empresas da Fundação Getulio Vargas – EBAPE/FGV
Paulo Emílio Matos Martins 3
Professor Titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da
Fundação Getulio Vargas – EBAPE/FGV
Resumo
Estado e meios de comunicação de massa apresentam, no Brasil, relação de
proximidade tamanha que, em momentos específicos de nossa história, proporcionam
uma confusão de interesses. À luz de uma perspectiva marxista, o historiador Nelson
Werneck Sodré analisou a simbiose entre governantes e imprensa no país no livro
intitulado História da Imprensa no Brasil. Este artigo tem por objetivo resgatar as idéias
do autor difundidas naquela obra, estabelecendo uma relação analítica deste intérprete
da realidade brasileira. Fica patente a atualidade de seus questionamentos e debates,
encontrando eco até o presente e passados mais de seis anos de seu falecimento.
Palavras-chave
Imprensa; Estado; Nelson Werneck Sodré
Introdução
General do Exército reformado, Nelson Werneck Sodré viu publicada, no fim da
década de 1960, já durante o regime militar, obra que escrevera durante os trinta anos
anteriores: História da Imprensa no Brasil. A pesquisa minuciosa e precisa tornar-se-ia
principal referência no estudo da atividade jornalística no Brasil. Ressalte-se que,
paralelamente ao tema do livro, Sodré retratava o desenvolvimento do capitalismo no
Brasil, considerando intimamente ligados o sistema econômico e a imprensa.
A obra de Sodré – toda ela, não só História da Imprensa no Brasil – foi escrita
referenciada na teoria marxista. Essa postura política rendeu ao militar reformado
alguns livros proibidos e duas prisões, a última em 1964, ao não apoiar o regime recéminstaurado.
Parte de seus livros, ainda que obras determinantes para a compreensão do
país, estiveram indisponíveis durante décadas, caso, por exemplo, de História da
1 Trabalho apresentado ao Seminário de Temas Livres em Comunicação.
2 Octavio Penna Pieranti é jornalista, doutorando em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública
e de Empresas da Fundação Getulio Vargas – EBAPE/FGV e mestre em Administração Pública pela mesma
instituição. E-mail: octavio@fgvmail.br
3 Paulo Emílio Matos Martins é professor titular da EBAPE/FGV e coordenador do Programa de Pesquisa em
Administração Brasileira. E-mail: pemiliom@fgv.br
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Imprensa no Brasil. A edição analisada neste trabalho é a quarta, de 1999, com prefácio
inédito do autor, escrito meses antes de sua morte.
O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre imprensa e Estado, e o papel
desse para o desenvolvimento daquela, em História da Imprensa no Brasil. Assinala
Sodré a relação de interdependência entre os dois atores, majoritariamente de
dependência econômica da imprensa em relação ao poder público. A análise será feita
segundo a ordem cronológica dos fatos, mesmo método empreendido pelo autor.
Em uma primeira seção será vista a instalação da imprensa no Brasil,
tardiamente na fase colonial. A independência do país e a execução de novas políticas
para o setor será o tema da segunda etapa deste artigo. Em um terceiro momento será
analisada a República, de sua proclamação à consolidação da ditadura militar na década
de 1960. Antes das considerações finais serão analisadas as conclusões do autor,
segundo o prefácio escrito em 1999.
Os Primórdios da Imprensa no Brasil
Duradouros foram os séculos em que não houve acesso à informação escrita no
Brasil, pelo menos, do ponto de vista legal. Livros foram, em parte, proibidos durante a
fase colonial do país. Jornais eram distantes objetos de curiosidade, ainda afastados do
padrão cultural da nobreza imigrante. A ignorância total, ao raiar do século XVIII, era
castigo destinado exclusivamente aos brasileiros: mexicanos conheceram a imprensa em
1539; peruanos, em 1583; habitantes das colônias inglesas, em 1650.
Ressalta Sodré que, apesar da proibição da Coroa, os livros aportaram por aqui
no fim do século XVIII – quase três séculos depois de encontrada por navegadores a
Ilha de Vera Cruz. Liam-se principalmente textos filosóficos e históricos considerados
subversivos, das leis constitucionais norte-americanas, encontradas com Tiradentes, à
Enciclopédia, achada com o cônego Luís Vieira, todos trazidos por brasileiros que
estudaram na Europa ou por contrabandistas. Em 1792 eram duas as livrarias no Rio de
Janeiro, mantidas com as vendas de poemas e calendários.
A abertura dos portos brasileiros ao comércio com as nações amigas, em 1805,
facilitaria o contrabando de objeto difundido precariamente, impresso em escassas
folhas, com periodicidade inconstante – os jornais, gazetas ou, mais adequadamente,
folhetos. Lia-se cada vez mais, ainda que as letras fossem insignificantes para quase
toda a população nativa, analfabeta na sua quase totalidade. Criavam-se, então, as
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condições mínimas para o estabelecimento de uma imprensa onde quer que seja: já
havia parcos leitores e começava a surgir a infra-estrutura para o seu desenvolvimento.
Pequenas tipografias eram abertas ora no Recife, ora no Rio de Janeiro, para imprimir
letras de câmbio e orações, sendo fechadas logo em seguida.
Um Brasil civilizado não era um objetivo da Coroa. Por outro lado, não era
possível mais fingir ignorância em relação aos livros, folhetos, tipografias e jovens
universitários que por aqui se multiplicavam. Se havia tipos e leitores, haveria imprensa
– pacificamente ou com resistência e luta. Melhor que não as houvesse e que o processo
fosse todo controlado por Sua Majestade.
Surgiu, então, a Gazeta do Rio de Janeiro, pioneira na atividade, segundo Sodré,
dentre os jornais publicados em solo brasileiro. Periódico reservado às notícias
pequenas da Coroa (e financiado por ela) e de seus acólitos – notinhas sobre
aniversários, estado de saúde e pequenas futricas de nobres europeus -, retratava um
Brasil e um mundo perfeitos e ilusórios. O conteúdo, tão floreado, ainda sofria a censura
de dois nobres escalados para a tarefa.
Três meses antes do lançamento da Gazeta, o jornal Correio Braziliense, feito
em Londres e voltado aos leitores brasileiros, começou a destinar ácidos comentários
em relação à Corte, ora recém-chegada à sua maior colônia. Até 1822 Hipólito da Costa
foi o responsável pelo Correio Braziliense, com edições de cerca de cem páginas, que
chegavam ao Brasil por contrabando. Consolidada a Independência, o jornalista julgou
sua missão encerrada e deu fim à trajetória do jornal.
Reservou a Coroa à imprensa atitude que marcaria a história do jornalismo
brasileiro em todos os séculos: aos amigos, tudo; aos inimigos, o combate. Jornais
simpáticos ao governo, desde o período colonial, recebem verbas publicitárias fartas e
empréstimos facilitados de bancos oficiais. Jornais excessivamente críticos têm o acesso
às verbas oficiais dificultado e, dependendo do grau de autoritarismo do regime, sofrem
censura e coerções as mais diversas.
Já no raiar do século XIX, semeando os pilares para o futuro, a Coroa combateu
periódicos de oposição com a força das armas – sem metáforas. Tipografias foram
fechadas; jornais, censurados; profissionais, espancados. Não é mera coincidência a
curta vida da maioria dos periódicos, submetidos a prejuízos diversos. Ainda assim, em
contraste com a penúria dos jornais, a imprensa, como instituição, prosperava,
espalhando publicações e tipografias pelo país. Até 1825, vivendo o Brasil já sob o
regime de uma monarquia independente, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Bahia,
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Minas Gerais, Maranhão, Pará e Pernambuco, pelo menos, eram sedes de jornais e/ou
tipografias. A liberdade de imprensa era defendida por grupos radicais, notadamente os
protagonistas dos mo vimentos pró- independência antes de 1822.
Difundida a imprensa, tornava-se necessário regulá-la. Lei viria, dúbia e
imprecisa, em conformidade com a tradição legal brasileira. Nova Constituição
portuguesa defendeu matéria inédita:
“A livre comunicação do pensamento é um dos mais preciosos direitos
do homem. Todo cidadão pode, conseqüentemente, sem dependência de
censura prévia, manifestar suas opiniões em qualquer matéria, contanto
que haja de responder pelo abuso desta liberdade nos casos e na forma
que a lei determinar.” (SODRÉ, 1999, p. 41)
A lei determinava a proibição de escritos contra a moral, os bons costumes, a
Constituição, o Imperador, a tranqüilidade pública - enfim, como destacou Sodré, contra
quase tudo. Assim regulou, no Brasil, o Aviso de 28 de agosto de 1821, cinco meses
depois da regulamentação portuguesa:
“Tomando S. A. Real em consideração quanto é injusto que, depois do
que se acha regulado pelas Cortes Gerais Extraordinárias da Nação
Portuguesa sobre a liberdade de imprensa, encontrem os autores e
editores inesperados estorvos à publicação dos escritos que pretenderem
imprimir: É o mesmo Senhor servido mandar que se não embarasse por
pretexto algum a impressão que se quiser fazer de qualquer escrito,
devendo unicamente servir de regra o que as mesmas Cortes têm
determinado sobre este objeto.” (SODRÉ, 1999, p. 41)
Na prática, os artigos teriam que ser assinados e as provas tipográficas seriam
submetidas ao procurador da Coroa. Ficava garantida a liberdade de imprensa, feitas as
inúmeras ressalvas legais. Ou seja: a imprensa livre era uma falácia.
A observação de Sodré deixa ainda mais claro outro fundamento da regulação da
atividade jornalística no Brasil: a lentidão. Funcionam os poderes Executivo e
Legislativo como forças reativas, nunca pró-ativas. A imprensa, inclusive a de
oposição, era uma realidade trinta anos antes de o governo decidir regular sua liberdade.
Independência Política, Imprensa sem Independência
Note-se que imprensa foi – e, em parte, ainda é – atividade da classe dominante,
portanto ligada à ordem vigente. Não era praticada, pois, por revolucionários. Não
estavam os timoneiros do jornalismo brasileiro de então dispostos a se aliar ao povo em
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uma luta pela liberdade política. Estavam, sim, dispostos a, no máximo, se afirmar como
burgueses que eram e a lutar por idéias mais liberais, condizentes com um novo modelo
de desenvolvimento. Por vezes, quando do apoio à declaração de independência, por
exemplo, não hesitaram em se aliar à nobreza. Os rumos políticos da nação dependiam,
pois, como metaforizou Golberi do Couto e Silva (1981), de sucessivos movimentos de
sístole e diástole de dois segmentos – nobreza e burguesia incipiente - tão distantes em
sua perspectiva de futuro, tão próximas em alianças pragmáticas.
O grito às margens do rio Ipiranga não representou mudança imediata para a
imprensa brasileira. Às vésperas da Independência, cresciam os empastelamentos de
jornais de oposição por forças ligadas à Coroa. Aquietados os ânimos do povo ora, em
tese, independente, continuavam os empastelamentos. A luta, porém, era distinta: se,
antes, a burguesia clamava por um país com governo próprio, agora cobrava da
Constituinte a afirmação de conquistas liberais e de seus direitos, restringindo os
poderes do Imperador. Tratava-se de repensar o Estado, tarefa que separava burguesia e
nobreza. Frisa Sodré que a direita, acuada, buscaria apoio dos portugueses, já que
“temia a Independência, como tantos pretensos revolucionários que, no fundo, temem a
revolução” (1999, p. 56). Perceba-se que o autor passa, então, a usar os termos “direita”
e “esquerda”, mais afeitos à realidade pós-Revolução Francesa, depois da qual
declinariam definitivamente a nobreza clássica e os resquícios das sociedades feudais
ainda vigentes pelo mundo.
A esquerda apostava em periódicos visceralmente políticos e explosivos para
minar, quando possível, os que conduziam as rédeas do processo político. A direita,
quando à frente do movimento, imprimia aos jornais de oposição a força da repressão.
Venceu o conservadorismo. D. Pedro dissolveu a Constituinte, negou respeito ao projeto
de Carta Magna por ela defendido e tornou-se soberano com poderes totais, caminhando
para o despotismo e atendendo aos clamores da direita por um governo forte e capaz de
controlar a turba barulhenta. A imprensa, então, já prosperava em todo o país. Aos
jornalistas de esquerda restavam duas opções: apanhar ou silenciar. Luís Augusto May,
de A Malagueta, foi agredido e Cipriano Barata, de O Sentinela, preso, sem que
cessasse, da cadeia, a produção de seus periódicos.
O autoritarismo do regime decaiu com o passar dos anos. Aos poucos,
proliferaram periódicos com o clamor por mais liberdade, concedida aos poucos. O
controle do Império sobre a sociedade diminuiria até 1831, menos de nove anos depois
de D. Pedro I chegar ao poder. Em 1826, a primeira concessão: a instalação de Senado e
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Câmara, que prontamente criariam condições para a implantação de cursos de Direito,
formação escolhida por inúmeros jornalistas. Depois, em 1827, o fim oficial da censura
à imprensa, medida constantemente desrespeitada. Havendo oposição constituída,
existia assunto para as páginas dos periódicos, impressos em tipografias mais modernas,
parte delas com máquinas trazidas da Europa. Juntos, clamando por um ministério e
ideais mais liberais, imprensa e Poder Legislativo contribuiriam para a abdicação em 7
de abril de 1831.
Viveria, então, o país, por menos de uma década, durante a Regência, período de
liberdade de imprensa nunca antes experimentado. Formou-se, refletida em periódicos
que ganharam a alcunha de pasquins (jornais de poucas páginas, periodicidade incerta e
ferozes no trato da política), imprensa combativa e exaltada – insuportavelmente
exaltada, sob a ótica dos segmentos de direita. Durou pouco a experiência, marcada pela
agitação do povo e de jornalistas. Com as forças de direita aliadas e D. Pedro I, então D.
Pedro IV de Portugal, morto, desferiu-se o Golpe da Maioridade. O Brasil tinha, então,
novo Imperador: D. Pedro II.
Data daí a expansão para o interior da imprensa no Brasil. Funcionaram os
jornais, de norte a sul da nação, como debatedores da política palaciana, fazendo chegar,
nos municípios mais longínquos, a ebulição da capital. Foram os jornais responsáveis
ou, pelo menos, incentivadores de insurreições pelo país, sofrendo as conseqüências:
nunca, na história do Império, havia sido tão difícil a distribuição de periódicos pelo
país, sabotada por atores afinados com o conservadorismo. Note-se que chegava ao
ápice a importância de uma postura cada vez mais presente nos veículos jornalísticos de
então: a militância política. A imprensa não era – como, de fato, anteriormente nunca
fora – fiscalizadora independente do poder público; alinhava-se, pelo contrário, com ele
ou com a oposição, de forma clara e inequívoca, estimulando, como agravante, revoltas
e atos de rebeldia armados.
Reconhece Sodré uma concepção pré-marxista de luta de classes nesses
pasquins. Ilustra bem essa tendência o número de 4 de novembro de 1845 do Sete de
Setembro, de Recife:
“Em todos os países e em todas as épocas, essas classes privilegiadas,
ciosas das vantagens que possuíam, desveladas por entendê-las todas as
vezes que julgaram oportuno o ensejo, já por egoísmo, já por orgulho e
cobiça, sempre procuraram manter-se em um poder discricionário, e por
isso sempre se constituíram em guerra permanente com os povos por
elas deserdados e oprimidos.” (apud SODRÉ, 1999, p. 140)
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Na mesma linha, a Voz do Brasil, circulante desde 27 de outubro de 1847,
publicou:
“Sim, a população brasileira vive em sua pátria escravizada, ou, para
melhor dizer, esmagada pela influência estrangeira, e até hoje ainda não
apareceu um escritor generoso e verdadeiramente patriota que tratasse
de debelar pela imprensa essa influência maligna, que faz com que, em
vez de constituirmos uma nação rica, pelos recursos que oferece o nosso
território, vivamos na miséria e na ignomínia.” (apud SODRÉ, 1999, p.
149)
Interessante notar que os órgãos de imprensa, apesar de comandados por
membros da burguesia, não descartavam a participação do povo (ou, ao menos,
daqueles que sabiam ler) em revoltas contra o poder constituído, bem como discutiam as
relações vigentes na sociedade e entre ela e o poder público. Comportamento similar
não seria visto na imprensa brasileira em outros momentos de sua história, exceção feita
a jornais de baixa circulação e ligados a movimentos político-partidários ou sociais.
Destaca Sodré que os pasquins, pró ou contra o governo, atacavam, difamavam e
injuriavam com igual torpeza e voracidade. Não conheciam seus donos outra forma de
fazer jornalismo, encarando a atividade como forma de dar vazão à sua opinião, não
necessariamente atrelada à busca por credibilidade. Eram os pasquins, ainda,
comumente frutos de um só autor, polemistas em sua essência.
Os pasquins perderam força na primeira metade do século XIX. Com a
introdução na imprensa brasileira de inovações gráficas e técnicas incompatíveis com a
essência desses periódicos (datam da época, por exemplo, os primeiros jornais diários),
debeladas as revoltas liberais e confrontada, novamente, a liberdade de expressão com a
figura do Imperador, pasquins e seus autores eram catapultas na Era da Pólvora. Sua
força era imensa, mas se tornaram peças arcaicas de um passado combativo.
Fortalecido o Império, mudava a gestão da imprensa. Eram os novos veículos
comandados pela burguesia palaciana e pelos amigos do Imperador. Não havia grande
espaço para a oposição em sociedade cujos atores centrais valiam-se das armas para
combater as letras. Até o fim da década de 1860, quando se deu o fim da conciliação
em torno do novo governo, pouco haveria de vozes dissonantes no cenário jornalístico.
Em 1869 anunciou o jornal republicano cearense O Barrete Frígio: “Façamos a
revolução. Fora o rei. Cuidado com o exército; onde ele predomina, a liberdade é uma
mentira.” (SODRÉ, 1999, p. 211) A edição do jornal foi destruída e o seu diretor, preso.
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Representava esse jornal corrente que começava a se desenhar e que se fortaleceria até
1889: a de repúdio ao regime imperial, tão destoante da nova era republicana.
E não era o regime o único alvo dos periódicos que proliferavam de norte a sul
do país – entre 1881 e 1887, só no Rio Grande do Sul, foram mais de 35 novos jornais.
Reformas trabalhistas, com o fim da escravidão, e reformas administrativas, com a
implantação de um regime federativo, dando maior autonomia às regiões interioranas,
faziam parte da pauta de discussões. Eram questionados, assim, não só o regime
autoritário, como também sua essência e seus alicerces. Com poder dividido e sem o
sustentáculo dos latifundiários escravocratas, o Império não sobreviveria – e não haveria
por quê fazê- lo, nessas condições.
À imprensa se associavam a burguesia nacional - na verdade comandante das
letras, sempre apoiando o fim do autoritarismo quando esse chega perto de sua ruína -,
setores populares, militares e figuras icônicas da nação. Em 1884, o Ceará aboliu o
cativeiro de negros e mestiços. Em 1888, a determinação passou a valer para todo o
país. A abolição não cairia sozinha. Bradou a Gazeta da Tarde, em 22 de junho de
1889: “Os dias da monarquia estão contados” (SODRÉ, 1999, p. 239). Estavam, como
se confirmou em novembro do mesmo ano.
Um Novo Tempo?
Para Sodré, a República não mudou, a princípio, a essência do Estado. Saiu D.
Pedro II, entrou Deodoro da Fonseca – troca simples de ditadores, reconhecida
internacionalmente, segundo o autor. A imprensa, em linhas gerais, tampouco sofreria
grandes mudanças: o primeiro grande periódico da fase, o Jornal do Brasil, só surgiria
dois anos depois; outros pequenos jornais e panfletos surgiriam e morreriam pelos anos
vindouros, notadamente em épocas agitadas da política nacional.
Também não mudou o comportamento do Poder Executivo em relação à
imprensa. A Tribuna, do Rio de Janeiro, criticou e ofendeu duramente Deodoro da
Fonseca. O governo reagiu com sua principal política para o setor: o empastelamento.
Mudou, sim, nesse momento, a forma de a imprensa lidar com esse mesmo problema,
tão presente em sua história. Dezessete periódicos com redação no estado, inclusive
estrangeiros, subscreveram uma nota em que se exigia a punição dos culpados pelo
empastelamento d´A Tribuna. Ainda que não viesse a ter conseqüência prática, o
movimento significou inédita tomada de postura conjunta da imprensa. Práticas
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corporativistas voltariam a ser adotadas por empresários do setor de quando em quando,
principalmente depois da criação das associações patronais nas décadas de 1970 e 1980.
Não perdeu a imprensa, na passage m de regime, vocação pela temática política.
Atacavam uns – e muitos, depois de meses – o governo de Deodoro da Fonseca,
defendendo a renúncia e a assunção do vice-presidente, Floriano Peixoto. Atacavam
outros a República, como o Jornal do Brasil, clamando pela volta do Império e sofrendo
com as armas da democracia. Venceram os primeiros. A monarquia, aliás, viraria chaga
a ser extirpada: a cidadela de Antônio Conselheiro foi acusada, pela A Gazeta de
Notícias, de reduto de “monarquismo revolucionário”, devendo, pois, ser destroçada
(como foi).
Com o fortalecimento da política café-com-leite, já estava consolidada a
República. Consolidada a República, sem que a imprensa se desse conta da mesmice do
regime pela ótica de Sodré: o latifúndio era a tônica dos campos; representantes de uma
minoria, os cafeicultores, elegiam governantes; o país pouco apresentava sinais de
modernização; e a violência era praticada contra toda e qualquer oposição – violência,
essa, que se repetia há mais de um século contra a liberdade de expressão. O Império,
câncer extirpado, era, agora, inofensivo. O foco da luta deveria dirigir-se ao estado de
coisas vigente, alvo mais amplo e impossível de ser combatido por uma imprensa cada
vez mais cara e, assim, restrita à alta burguesia.
Sodré destaca, então, a contradição entre o comportamento da imprensa e sua
nova essência. Tratava-se, agora, de empresas jornalísticas, dada a necessidade da busca
de recursos para sustentar estrutura cada vez mais complexa, estranhamente afeita a
comportamentos radicais, fossem eles a favor ou contra o governo. Idolatrias e
xingamentos conviviam tranqüilamente com estruturas empresariais e modernas. O
Poder Público entendeu logo a nova essência do jornalismo. Era preciso, no raiar do
novo milênio, sustentar as empresas. Era preciso, segundo Sodré, comprar a opinião da
imprensa, já funcionando, à época, de forma desvirtuada de suas obrigações. Note-se
que a imprensa assumiu sua condição empresarial, sem se preparar para tal: faltavamlhe
(e faltam-lhe ainda) fontes de recursos que garantissem sua sobrevivência sem
verbas oficiais.
À vontade do governo de comprar a opinião da imprensa aliou-se a
predisposição dessa em levar a cobertura política às suas páginas principais. Impossível
dizer o que veio antes, se a vontade da imprensa de se aconchegar no leito tranqüilo das
verbas oficiais, se o interesse do governo em distribuir polpudas quantias para acalmar
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os homens das letras. Pode-se afirmar, com certeza, que o casamento foi perfeito em
muitos casos, aliando a fome com o mecenato.4 A estreita relação não significava,
porém, belos dias para os jornalistas: foram muitos os presos e agredidos nas primeiras
décadas do século, sendo momento marcante a tentativa do governo de tentar conter a
Revolta de 1930. Foram, então, presos jornalistas de cinco periódicos apenas na capital
federal, o Rio de Janeiro.
A prática rotineira de distribuição de verbas ganhou contornos oficiais ainda na
primeira metade do século XX, tendo como exemplo irretorquível a missiva de Alves de
Souza, diretor do governista O País, do Rio de Janeiro, ao então Presidente da
República, Washington Luís. Suplicava Alves – com todas as letras – a manutenção da
ajuda financeira fornecida pelo governo do Rio Grande Sul e ameaçada de suspensão.
Enviou Washington Luís, em 1927, pedido oficial ao presidente do Rio Grande do Sul,
Getúlio Vargas:
“O fim principal desta é transmitir-lhe a carta junto, do Dr. Alves de
Sousa, d´O País, e para lhe pedir a sua boa atenção, com todo empenho.
Julgo indispensável mantermos a nossa atitude, sem o que as
dificuldades serão quase insuperáveis. Não é necessário reproduzir aqui
argumentos a que recorremos tantas vezes, por isso fico aguardando a
sua resposta.” (SODRÉ, 1999, p. 366)
Pudores não eram o forte dos governantes, nem dos empresários da imprensa
daquela época.
O Congresso Nacional começava, então, a encarar o jornalismo de forma
distinta. Passado mais de um século com pequenas e espaçadas referências legais à
questão da informação, a atividade finalmente seria alvo de regulação incisiva. Em 1923
foi aprovada a Lei de Imprensa, discutida desde o ano anterior. A lentidão e o descaso
na aprovação da legislação voltada para o setor viria a se caracterizar como
comportamento comum. A primeira transmissão de rádio no Brasil foi feita em 1922,
mas os primeiros decretos do setor só foram outorgados em 1931 e 1932, no governo de
Getúlio Vargas. Já as rádios comunitárias só foram reguladas em 1998. A primeira
transmissão televisiva aconteceu em 1950 e sua regulamentação, por meio do Código
Brasileiro de Telecomunicações, em 1962. O Conselho de Comunicação Social,
previsto no artigo 224 da Constituição Federal de 1988 somente foi regulado em 1991 e
4 A política seria o tema favorito e incontestável da grande imprensa brasileira até os anos 1970. Deu-se,
então, graças à censura oficial sobre as notícias políticas, o fortalecimento das editorias de economia e de
internacional (ABREU, 2003).
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instalado em 2002. Outros artigos da Carta Magna de 1988, como, por exemplo, o 221,
referente aos objetivos da programação de rádio e televisão, ainda carecem de legislação
específica. Comportaram-se os diversos governos brasileiros, em todas as épocas, de
forma reativa, mas a lentidão dos governantes e, principalmente, do Poder Legislativo,
não se deu por ingenuidade: sempre foi grande, na história republicana, a bancada de
parlamentares que desempenham simultaneamente as funções de empresários da
comunicação e legisladores. Qualquer avanço no setor influencia, assim, diretamente as
empresas de propriedade de alguns congressistas (PIERANTI, 2005).
Nas décadas dos governos de Getúlio Vargas o silenciamento da imprensa pela
ação das verbas oficiais se tornaria ainda mais intenso. O Departamento de Imprensa e
Propaganda (DIP), um dos braços fortes da ditadura, encarregou-se de distribuir as mais
fartas verbas já vistas em jornais e rádios. Comportou-se o DIP, ainda, de forma pouco
usual: interveio em jornais privados, colocando nos postos de chefia homens de sua
confiança, como ocorreu em O Estado de São Paulo.
Frisa Sodré, por fim, a influência do capital estrangeiro, notadamente norteamericano,
na mídia brasileira. Destaca o autor dois vértices do mesmo problema: as
agências de publicidade internacionais e as publicações estrangeiras.
As primeiras eram representantes, no país, das grandes corporações
internacionais. Eram distribuidoras de verbas gigantescas, ainda maiores se comparado
o câmbio do dólar com a moeda brasileira. Não se contentavam, porém, em estabelecer
o destino dos recursos. Segundo Sodré, por estarem afinadas com o conservadorismo e,
conseqüentemente, com o governo brasileiro, as agências influíam no conteúdo
noticioso das empresas jornalísticas, utilizando como forma de pressão as verbas dos
anúncios. Em 1964, por exemplo, estabelecida a postura do Correio da Manhã de
questionamento das arbitrariedades cometidas pelo regime militar, teve o jornal suas
verbas cortadas. Em menos de dez anos, o periódico que representava a classe média
nacional desde 1901 ir ia à falência.
A imprensa estrangeira foi combatida de outra forma. Desde as primeiras
décadas do século começaram a se instalar, no Brasil, publicações, notadamente norteamericanas,
especializadas em segmentos específicos. O avanço das mesmas gerou
protestos por parte da sociedade civil. Sodré destaca o profissionalismo das empresas
jornalísticas estrangeiras, capaz de ameaçar a existência dos grupos brasileiros, sempre
envoltos em dívidas monstruosas. O ápice das contestações veio com a divulgação do
contrato entre a TV Globo e o grupo norte-americano Time-Life. Investia o grupo
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brasileiro, com a força dos dólares, pesadamente em setor ainda novo, candidatando-se,
a médio prazo, a se distanciar enormemente, do ponto de vista de qualidade e de
conhecimentos técnicos, da concorrência. Garantia a emissora brasileira que a parceria
envolvia apenas investimentos, sem controle da programação. Apontavam deputados de
oposição a existência de norte-americanos em cargos de chefia na empresa. Instalada
uma Comissão Parlamentar de Inquérito, venceram os segundos e a TV Globo, prevendo
o desenlace, rompeu o contrato com a empresa sócia.
Novos Dias, Velhos Problemas
Lembra Sodré, no prefácio à quarta edição de História da Imprensa no Brasil,
publicada em 1999, que a imprensa não é meio de comunicação de massa – ao menos,
não no sentido da obra, que entende por imprensa apenas os órgãos impressos. Nesse
sentido, Sodré tem razão: a circulação de revistas, entre 2000 e 2002, período
imediatamente posterior à reedição da obra aqui analisada, caiu de 17,1 milhões para
16,2 milhões de exemplares por ano e a de jornais, de 7,9 milhões para 7 milhões de
exemplares por dia em um país de mais de 170 milhões de habitantes. Cabe à televisão e
ao rádio exercer o papel de meios de comunicação de massa.
A consolidação da Comunicação Social no Brasil acompanhou o
desenvolvimento do capitalismo. Cresceu, firmou-se e desenvolveu-se com o
nascimento e com o fortalecimento de uma burguesia nacional, acompanhando sua saga
brasileira: a formação de pequenos jornais, o fortalecimento desses em momentos de
euforia econômica, a criação dos conglomerados do setor e a adequação do cenário
empresarial com a imersão do país e do mundo no neoliberalismo. Sobre a penúltima
dessas fases, Sodré destaca as grandes empresas, com seus múltiplos braços em distintas
áreas e sua importância para o cenário atual da Comunicação Social. A concentração da
posse dos meios de comunicação de massa, quando em vias de formar monopólio ou
oligopólio, é proibida pela Constituição Federal de 1988 e chegou a ser alvo de estudos
do Conselho de Comunicação Social. Estima-se, por exemplo, que as seis redes
nacionais de televisão congreguem mais de seiscentas emissoras afiliadas ou
retransmissoras da programação (CONGRESSO NACIONAL, 2004). Não há punições
no setor, porém, aos que descumprem o preceito constitucional, já que o mesmo carece
de legislação complementar. Prevalece, pois, o descaso dos legisladores ao tratar do
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tema seja por interesses pessoais, seja por medo da repercussão do assunto na grande
mídia.
A adequação da imprensa, assim como de toda a sociedade, ao pensamento
neoliberal, foi determinante para uma tentativa de ampliação da margem de lucro, capaz
de deixar as empresas competitivas no cenário mundial, e para a redução dos postos de
trabalho. Segundo dados do Ministério do Trabalho, foram cortadas 17 mil vagas em
meios de comunicação de 2001 a 2004 (LOBATO, 2004). A crise nacional foi
precedida por outra, de intensidade um pouco menor e de amplitude regional. No Rio de
Janeiro, por exemplo, cerca de seis mil jornalistas trabalhavam, no início dos anos 1990,
nos sete maiores jornais cariocas, quatro sucursais de outros jornais, mais de vinte
revistas, trinta emissoras de rádio e sete de televisão e diversas assessorias de imprensa.
Em 1998, com dois jornais fechados, A Notícia e Última Hora, uma editora em situação
pré-falimentar, a Bloch, uma emissora de televisão e um grande jornal com problemas
financeiros graves, TV Manchete e Jornal do Brasil, o mercado do setor no estado
comportava 1,5 mil jornalistas – número que chegava a 3,5 mil se levadas em conta as
assessorias de imprensa (PIERANTI, 2003).
Lembra Sodré que não é mais preciso, para se dominar a imprensa, o emprego
de métodos violentos ou autoritários. São necessários apenas recursos financeiros para
que essa, mergulhada em crise jamais vista, se submeta a novos interesses.
Ainda que tenham sido estabelecidas novas formas de combate à crise, como,
por exemplo, a possibilidade de atuação do capital estrangeiro na mídia brasileira,
regulamentada por emenda constitucional, a imprensa brasileira, na visão de Sodré, não
conseguiu adequar-se à realidade neoliberal, sendo prova disso a diminuição
significativa de periódicos importantes no cenário nacional.
Considerações Finais
Os apontamentos de Nelson Werneck Sodré a respeito da crise da imprensa
datam ainda da década de 1960. Estariam os periódicos, então, desde a década anterior,
em processo de perda de credibilidade, bem como de imersão em problemas financeiros
gravíssimos. A imprensa brasileira, pela instabilidade de suas fontes de renda,
estruturava-se sob bases pouco confiáveis.
É difícil confirmar o preâmbulo de uma crise ampla da imprensa já nos anos
1960. Mais correto seria apontá-la como uma dentro de um ciclo: as empresas
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jornalísticas brasileiras, em geral, sempre passaram por problemas financeiros,
principalmente em épocas de turbulência do capitalismo mundial. Os problemas se
estenderam ao conteúdo jornalístico, quando o país viveu sob o jugo autoritário.
Nos momentos de calmaria, relativa instabilidade da imprensa. Nos momentos
de turbulência no mercado financeiro, caos nas empresas jornalísticas. Assim foi, por
exemplo, em 2002 e início de 2003, apresentando o setor, depois, pálida recuperação.
Pode-se dizer que, à época, quando o país acompanhava o desmoronamento do Plano
Real, o setor da Comunicação Social viveu os piores momentos de sua história. Uma
dívida de US$3,5 bilhões, com vencimento a curto prazo, gerou a maior onda de
demissões já vista no jornalismo brasileiro. A solução encontrada pelos empresários do
setor foi um apelo ao governo federal: pretendia-se um imediato empréstimo do
BNDES, posteriormente descartado graças a uma suposta falta de agilidade do banco
para liberar os recursos.
A mídia brasileira, portanto, entregou-se ao poder público. O que antes era feito
de forma velada ou restrita aos gabinetes de governo tornou-se público e transparente.
Não está a imprensa brasileira, assim, apta a cumprir uma de suas principais funções,
segundo as modernas teorias de comunicação: a fiscalização do poder público. Os
periódicos estão, como frisou Sodré em seu prefácio de 1999, controlados e,
principalmente, dispostos a serem controlados por recursos oficiais ou particulares,
nacionais ou estrangeiros.
Dá-se o clamor pela ajuda não apenas por circunstâncias internacionais, como
sugere a prática de reengenharia defendida pelos neoliberais, como também e
prioritariamente pela má administração crônica do setor da Comunicação Social. As
empresas jornalísticas brasileiras sobrevivem às custas de planejamentos pontuais e falta
de estratégias a longo prazo, que apontam para remodelações estruturais e contração de
dívidas constantes em curto espaço de tempo.
A ação direta do poder público sobre a mídia brasileira, representada
principalmente por pedidos de empréstimo e pela veiculação de propaganda oficial,
figura prejuízo à democracia, levando-se em conta os preceitos expostos na Constituição
Federal. Representa, por outro lado, oficialização de prática rotineira e condenável,
podendo-se concluir que a ação do capital estatal é determinante para o futuro da mídia
brasileira: ou se condena a independência da imprensa, ou se condena a própria
imprensa. Sodré, não com essas palavras, mas com espírito semelhante, já previa isso na
década de 1960.
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