sexta-feira, 30 de julho de 2010

2405 - HISTÓRIA DA IMPRENSA

por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA

Professor de História do Instituto de Educação Olavo Bilac e do UP Vestibulares, de Santa Maria-RS. Especialista em História do Brasil (UFSM) e mestrando em Integração latino-americana (UFSM)


Imprensa e História Política:
Gramsci como alternativa teórico-metodológica


Desde os anos 1970, o campo da história política tem dialogado com um conjunto de novas temáticas, num processo desenvolvido a partir de uma perspectiva de renovação teórico-metodológica deste campo historiográfico. Entre estas novas temáticas vêm ganhando destaque as análises do papel que a imprensa escrita tem tido ao longo da história, trazendo a tona uma noção mais ampla das formas de difusão da ideologia dominante em nossa sociedade.

Conforme Falcon, a história política nasceu juntamente com a concepção de história criada pelos gregos. Porém, é posteriormente que acaba “identificada como um tipo de história: a história política tradicional” (FALCON, 1997:62). Esta identificação é iniciada no processo da Revolução Francesa quando os historiadores pretendiam ir contra uma história dos reis e da nobreza, construindo uma história verdadeiramente nacional destinada a formar patriotas (FONTANA, 1998).

No século XIX, com a definição da ciência histórica, é que teremos o auge da história política tradicional. É no contexto de afirmação da nova ordem burguesa que surgiram as correntes historiográficas definidoras da história política tradicional, sobretudo, o positivismo de Auguste Comte, na França, e o historicismo de Leopold von Ranke, na Alemanha. Para estes, a história seria um meio eficaz “para assegurar-se a difusão dos valores e idéias da nova sociedade” (FONTANA, 1998: 118).

Assim,

“Prisioneira da visão centralizadora e institucionalizada do poder, a história política tradicional foi definindo progressivamente temas, objetos, princípios e métodos. Ligada intimamente ao poder essa história pretendeu ser também memória. Coube-lhe então, durante séculos, lembrar e ensinar pelos exemplos reais e ilustres de que era a única depositária. Esta história magistra vitae pôde então servir com equanimidade aos políticos, filósofos, juristas e pedagogos”.(FALCON, 1997: 62).

Esta função foi ainda mais acentuada a partir da ascensão do nacionalismo, quando a rivalidade entre as potências passava também pela competição no plano da organização de arquivos, fazendo com que a consolidação da história como disciplina fosse associada ao nacionalismo nas suas mais variadas manifestações. Na Alemanha este processo demonstrou-se conjuntamente à Unificação:

“Ao movimento político militar que culminou com a unificação alemã (1871) corresponde, com anterioridade, um movimento intelectual intensificado sobretudo após as guerras napoleônicas que, de certa forma, procurava justificação histórica para amparar as pretensões políticas daqueles que aspiravam a unificação alemã sob hegemonia prussiana. Da mesma forma que o movimento romântico incentivava o interesse pelo folclore e literatura alemã, passou a existir uma preocupação deliberada de buscar e explicitar as raízes da ‘nação alemã’ na história medieval” (R.F. SILVA, 2001: 55).

Esta unidade entre a história política tradicional e o nacionalismo entra em crise no período posterior a Primeira Guerra Mundial onde “a vontade deliberadamente pacifista” incitou “à superação do relato da história puramente nacionalista, chauvinista” (DOSSE, 1992: 23). Nesse contexto é que surge a Escola dos Annales, de Marc Bloch e Lucien Febvre, que na busca de uma abordagem nova e interdisciplinar da história condenava a história política tradicional caracterizando-a como elitista, biográfica, idealista e parcial (BURKE, 1997). A partir desta sentença, “o jogo político, a vida parlamentar, os postos políticos são postos de lado” e, abandonado completamente, o campo político “se torna supérfluo, anexo, ponto morto no horizonte” (DOSSE, 1992: 25). Nesse sentido é que podemos falar que a partir dos anos 1929/30 a história política tradicional inicia o seu declínio que culminará no período de 1945 à 1968/70 com a sua “crise final”.

Porém, no período seguinte a “crise final da história política tradicional” iniciou-se a progressiva constituição da “nova história política”. Este fenômeno está ligado a dois fatores. Primeiramente, o fato de a quarta geração dos Annales ter ido “buscar fora da historiografia os modelos e a sustentação teórica para repensar as relações Estado-sociedade imposto pelo seu interesse em renovar o estudo político” (FALCON, 1997:75). Isso os levou ao encontro com o weberianismo, com o estruturalismo e a descoberta de Foucault, permitindo a abertura para novas e variadas concepções a respeito de temas pouco freqüentados pela historiografia: os poderes, os saberes enquanto poderes, as instituições supostamente não políticas e as práticas discursivas.

Um segundo fator que veio em auxílio dessa renovação da história política diz respeito à difusão de novas correntes marxistas. Estas, em graus e segundo visões diferentes, travaram discussões que “lançaram luzes novas sobre o político, o Estado, suas relações com a sociedade civil” e abriram a “investigação histórica à questão muito mais ampla do poder, e daí à das suas formas de dominação” (FALCON, 1997:76). Nesse caso foram de fundamental importância alguns conceitos althusserianos – autonomia relativa, sobredeterminação, determinação em última instância, aparelhos ideológicos do Estado – e gramscianos – hegemonia, bloco histórico, dominação versus direção, intelectuais tradicionais e orgânicos – para as novas abordagens e perspectivas da história política.

Nesse sentido a partir desta renovação:

“(...) A história política deixou de ser simplesmente factual, escolhendo temas a serem analisados na longa duração e trabalhando a questão fundamental do poder em suas múltiplas dimensões. Estabeleceu, ainda, pontes com outras disciplinas, ampliando objetos de estudo, encontrando novos conceitos (cultura, política, representação, imaginário)”.(MISKULIN, 2003:16).

Nesta tendência de novas abordagens e perspectivas da história política é que podemos situar as análises da imprensa a partir dos conceitos oriundos da perspectiva gramsciana de abordagem dos fenômenos políticos[1].

Para Fontana,

“Uma das contribuições mais interessantes de Gramsci é a sua reflexão sobre os mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a dominação sobre as outras, estabelecendo a sua hegemonia não somente pela coerção, como também mediante o consenso, transformando a sua ideologia de grupo num conjunto de verdades que se supõem válidas para todos e que as classes subalternas aceitaram”.(FONTANA, 1998:238).

Entre estes “mecanismos pelos quais uma classe pode exercer a dominação sobre as outras”, encontram-se aqueles que Gramsci denominou de aparelhos privados de hegemonia, escolas, partidos, sindicatos, imprensa, entre outros organismos coletivos que elaboram e reproduzem as ideologias formando a consciência social (GRAMSCI, 1987). É o conjunto dos aparelhos privados de hegemonia que constituem a sociedade civil, um outro conceito chave para a teoria gramsciana.

Diferentemente de Marx, para quem a sociedade civil é a base econômica, a infra-estrutura de uma sociedade. Para Gramsci, a Sociedade Civil corresponde a um espaço de mediação entre a infra-estrutura econômica de uma sociedade e o aparelho burocrático do Estado, o Estado propriamente dito. Sendo, portanto, parte da superestrutura que juntamente com a infra-estrutura econômica compõem o Bloco Histórico (PORTELLI, 1984).

Conforme a teoria gramsciana, há dois níveis superestruturais que se compõem nas sociedades ocidentais[2] o Estado Ampliado: a Sociedade Civil, que reúne o conjunto dos aparelhos privados de hegemonia, e a Sociedade Política, ou o Estado no sentido restrito do termo, ou seja, os organismos coercitivos do aparelho burocrático-militar de dominação política. Nesse sentido é que podemos afirmar o espaço da sociedade civil como o espaço do domínio da ideologia, em outras palavras, portador material da hegemonia, pois, é aonde se encontra a possibilidade de legitimidade, consenso, através dos aparelhos privados de hegemonia que se formam e divulgam valores e princípios ideológicos.

A partir da análise dos aparelhos privados de hegemonia, Gramsci chega à concepção da imprensa como agente partidário,[3] “sujeito político construtor de consenso e de hegemonia: formulador, organizador e fiscalizador de programas e projetos dos quais as próprias empresas jornalísticas fazem parte” (C.SILVA, 2005:26). Nesse sentido é que os jornais cumprem a sua função como “meio para organizar e difundir determinados tipos de cultura", articulados de forma orgânica com um determinado agrupamento social “mais ou menos homogêneo, de um certo tipo e, particularmente, com uma certa orientação geral” (GRAMSCI, 2004:32). Desta forma, temos definida a ação partidária dos jornais.

Gramsci exemplifica esta tarefa ao analisar os jornais italianos do início do século XX:

“Jornais italianos muito mais bem-feitos do que os franceses: eles cumprem duas funções – a de informação e de direção política geral, e a função de cultura política, literária, artística, científica, que não tem um seu órgão próprio difundido (a pequena revista para a média cultura). Na França, aliás, mesmo a função distinguiu-se em duas séries de cotidianos: os de informação e os de opinião, os quais, por sua vez, ou dependem diretamente de partidos, ou têm uma aparência de imparcialidade (Action Française – Temps – Débats). Na Itália, pela falta de partidos organizados e centralizados, não se pode prescindir dos jornais: sãos os jornais, agrupados em série, que constituem os verdadeiros partidos” (GRAMSCI, 2004:218).

Assim, podemos verificar que ao definir as impressas jornalísticas como agentes partidários, Gramsci rompe com as concepções liberais que entendem a imprensa como um quarto poder, cuja natureza própria é a responsabilidade social de vigiar o poder, aferindo a “opinião pública”, garantindo desta forma a liberdade de opinião.

Neste sentido, é que a perspectiva gramsciana ao propor um conjunto de conceitos e categorias que compõe uma interpretação crítica do papel desenvolvido pela imprensa nos processos históricos, rompe com a visão tradicional da história política abrindo novas possibilidades para os estudos da História Política.

__________

[1] Entre as análises feitas a partir desta perspectiva podemos destacar: SILVA, Carla Luciana Souza da. Veja: o indispensável partido neoliberal (1989 a 2002). Tese (Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005. SILVA, Carla Luciana Souza da. Imprensa como partido: uma leitura marxista de Gramsci a partir de VEJA. In. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina-PR: julho de 2005. SILVEIRA, Caren Santos da. Aspectos da organicidade entre as formas discursivas de oposição veiculadas na revista Veja nos anos 1980. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: PUC-RS, 2003.

[2] Aqui, Gramsci, diferencia as sociedades ocidentais e as sociedades orientais conforme a organização de suas estruturas de Estado. Enquanto no Ocidente ocorre uma estrutura de Estado ampliado, no Oriente há uma estrutura de Estado restrito que tem por base a manutenção e a reprodução da dominação a partir tão somente do poder coercitivo. Cabe ressaltar também que a divisão entre Ocidente é Oriente em Gramsci não é uma divisão geográfica, mas sim, conceitos históricos de conteúdo sócio-econômico que representam o tipo de sociedade e o papel desempenhado pela Sociedade Civil e pela Sociedade Política na organização e reprodução das estruturas sociais.

[3] Esta visão já pode ser encontrada de uma forma ainda não elaborada no texto onde Karl Marx analisou a imprensa inglesa, mostrando as diferenciações entre a imprensa ligada ao Partido Tory e a imprensa ligada ao Partido Whig. Ver: MARX, Karl. A opinião dos jornais e a opinião do povo (1861). In. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre, LP&M, 2006.

por LEONARDO DA ROCHA BOTEGA



Referências Bibliográficas
BURKE, Peter. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: UNESP, 1997.

DOSSE, François. A história em migalhas: dos “Annales” à “Nova História”. São Paulo: Ensaio, Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1992.

FALCON, Francisco. História e poder. In. CARDOSO, Ciro Flamarion, & VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.

FONTANA, Joseph. História: análise do passado e projeto social. Bauru-SP: EDUSC, 1998.

GRAMSCI, Antonio. Cadernos do cárcere: Os intelectuais. O princípio educativo. Jornalismo. V.2. 3a ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 5ª edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1987.

MARX, Karl. A opinião dos jornais e a opinião do povo (1861). In. Liberdade de Imprensa. Porto Alegre, LP&M, 2006.

MISKULIN, Sílvia Cezar. Cultura Ilhada: imprensa e revolução cubana. São Paulo: Xamã, 2003.

PORTELLI, Hugues. Gramsci e o Bloco Histórico. São Paulo: Editora Paulina, 1984.

SILVA, Carla Luciana Souza da. Imprensa como partido: uma leitura marxista de Gramsci a partir de VEJA. In. Anais do XXIII Simpósio Nacional de História. Londrina-PR: julho de 2005.

SILVA, Carla Luciana Souza da. Veja: o indispensável partido neoliberal (1989 a 2002). Tese (Doutorado em História). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2005.

SILVA, Rogério Forastieri da. História da historiografia: capítulos para uma história das histórias da historiografia. Bauru-SP, EDUSC, 2001.

SILVEIRA, Caren Santos da. Aspectos da organicidade entre as formas discursivas de oposição veiculadas na revista Veja nos anos 1980. Dissertação (Mestrado em História). Porto Alegre: PUC-RS, 2003.

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