sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

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A destruição de uma civilização
A guerra dos EUA contra o Iraque
por James Petras*

Bagdade era considerada a ‘Paris’ do mundo Árabe no que diz respeito a cultura, arte, ciência e educação. A destruição da estrutura científica, académica, cultural e legal de um estado independente significa agora um aumento na dependência de empresas multinacionais ocidentais e de suas infra-estruturas técnicas. Isso irá facilitar a penetração e a exploração da economia imperialista. Neste artigo, James Petras analisa as forças, estratégias e interesses convergentes que contribuíram para o desmembramento em todos os níveis da sociedade Iraquiana.

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18 de Setembro de 2009

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Nova lorque (Estados Unidos)

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Iraque

Assuntos
CentCom : Controlo do «Grande Médio-Oriente»


A medieval Universidade de Mustansiriya sobreviveu durante séculos e torna-se um tribute da era em que Bagdade era o centro da cultura e do ensino Introdução
A guerra e ocupação do Iraque pelos EUA, que já dura há sete anos, é ditada por várias importantes forças políticas e serve uma série de interesses imperialistas. Mas esses interesses não explicam, só por si, a profundidade e o âmbito da maciça e prolongada destruição, que continua, de toda uma sociedade e a sua redução a um permanente estado de guerra. A gama de forças políticas que contribuiu para o desencadear da guerra e a subsequente ocupação americana, incluem as seguintes (por ordem de importância):

A força política mais importante foi também a última a ser discutida abertamente. A Zionist Power Configuration (ZPC), que inclui o proeminente papel de apoiantes radicais incondicionais de longa data do Estado de Israel, nomeados para altos cargos no Pentágono de Bush (Douglas Feith e Paul Wolfowitz), operacionais chave no Gabinete do Vice-Presidente (Irving (Scooter) Libby), no Departamento do Tesouro (Stuart Levey), no Conselho Nacional de Segurança (Elliot Abrams) e uma falange de consultores, redactores de discursos presidenciais (David Frum), funcionários secundários e conselheiros políticos no Departamento de Estado. Estes empenhados sionistas, inseridos na administração, eram apoiados por milhares de funcionários a tempo inteiro da Israel-First nas 51 principais organizações judaicas americanas, que formam a President of the Major American Jewish Organizations (PMAJO). Declaravam abertamente que a sua principal prioridade era implementar a agenda de Israel que, neste caso, era uma guerra dos EUA contra o Iraque para derrubar Saddam Hussein, ocupar o país, dividir fisicamente o Iraque, destruir as suas capacidades militares e industriais e impor um regime fantoche favorável a Israel e aos EUA. Se se fizesse uma limpeza étnica no Iraque e este fosse dividido, conforme defendia o primeiro-ministro israelense Benyamin Netanyahu, de extrema direita, e o militarista-sionista e "liberal" Leslie Gelb, Presidente Emérito do Conselho de Relações Externas, passaria a haver vários ’regimes clientes’.

Inicialmente, os políticos de topo pró-Israel que promoveram a guerra não avançaram directamente com a política de destruir sistematicamente o que, na verdade, era toda a civilização iraquiana. Mas o seu apoio e objectivo de uma política de ocupação incluíam o total desmembramento do aparelho de estado iraquiano e o recrutamento de conselheiros israelenses para lhes proporcionar a sua ’perícia’ em técnicas de interrogatório, repressão da resistência civil e contra-insurreição. Obviamente, a experiência israelense, que Israel adquiriu na Palestina, contribuiu para fomentar a luta religiosa e étnica entre os iraquianos. O ’modelo’ israelense de guerra colonial e ocupação – a invasão do Líbano em 1982 – e a prática de ’destruição total’ utilizando a divisão sectária, étnico-religiosa, foi evidente nos conhecidos massacres nos campos de refugiados Sabra e Shatila em Beirute, que se efectuaram sob a supervisão militar israelense.

A segunda poderosa força política por detrás da Guerra do Iraque foram os militaristas civis (como Donald Rumsfeld e o vice-presidente Cheney) que tentaram alargar o alcance imperialista dos EUA no Golfo Pérsico e reforçar a sua posição geo-política eliminando um forte e secular apoiante nacionalista da insurreição árabe anti-imperialista no Médio Oriente. Os militaristas civis procuraram alargar o cerco de bases militares americanas à Rússia e assegurar o controlo sobre as reservas do petróleo iraquiano como um ponto de pressão contra a China. Os militaristas civis estavam menos interessados nas antigas ligações do vice-presidente Cheney à indústria petrolífera do que no papel dele como director-geral da Kellogg-Brown and Root, a gigantesca construtora de bases militares, subsidiária da Halliburton, que estava a consolidar o Império Americano através da expansão de bases militares por todo o mundo. As maiores companhias petrolíferas americanas, que receavam ser ultrapassadas pelos seus concorrentes europeus e asiáticos, já andavam ansiosas para negociar com Saddam Hussein, e alguns dos apoiantes de Bush na indústria petrolífera já se tinham envolvido em negócios ilegais com o regime iraquiano embargado. A indústria petrolífera não estava inclinada a promover a instabilidade regional com uma guerra.

A estratégia militarista de conquista e ocupação foi traçada para instaurar uma presença militar colonial a longo prazo, sob a forma de bases militares estratégicas com um significativo e prolongado contingente de conselheiros militares colonialistas e unidades de combate. A brutal ocupação colonialista de um estado laico independente, com uma forte história nacionalista e infra-estruturas avançadas, com um sofisticado aparelho militar e policial, amplos serviços públicos e uma literacia muito alargada, conduziu naturalmente ao desenvolvimento de uma série de movimentos, militantes e armados, contra a ocupação. Em resposta, os funcionários coloniais americanos, a CIA e as organizações de defesa e informações conceberam uma estratégia de ’dividir para reinar’ (a chamada ’solução El Salvador’ associada ao ex-embaixador e antigo director da National Intelligence, John Negroponte), fomentando conflitos armados com uma base sectária e promovendo assassinatos inter-religiosos para debilitar quaisquer esforços no sentido de um movimento unificado, nacionalista e anti-imperialista. O desmantelamento da burocracia civil laica e das forças armadas foi traçado pelos sionistas da administração Bush para reforçar o poder de Israel na região e para encorajar a subida de grupos islâmicos militantes, que tinham sido reprimidos pelo deposto regime baathista de Saddam Hussein. Israel já dominava esta estratégia: inicialmente patrocinara e financiara grupos militantes islâmicos sectários, como o Hamas, em alternativa à Organização de Libertação da Palestina, laica, e montara o cenário para a luta sectária entre os palestinos.

O resultado da política colonial americana foi financiar e multiplicar uma ampla gama de conflitos internos, enquanto proliferavam mulás, chefes tribais, gangsters políticos, senhores da guerra, expatriados e esquadrões da morte. Esta ’guerra de todos contra todos’ servia os interesses das forças americanas de ocupação. O Iraque tornou-se num ninho de jovens desempregados, armados, entre os quais se podia recrutar um novo exército de mercenários. A ’guerra civil’ e o ’conflito étnico’ forneceram o pretexto para os EUA e os seus fantoches iraquianos despedirem centenas de milhares de soldados, polícias e funcionários do regime anterior (principalmente se eram de famílias sunitas, mistas ou laicas) e minar a base do emprego civil. Sob a capa da ’guerra contra o terrorismo’ generalizada, as Forças Especiais americanas e os esquadrões da morte dirigidos pela CIA espalharam o terror no seio da cidade civil iraquiana, visando todo e qualquer suspeito de crítica ao governo fantoche – principalmente entre as classes instruídas e profissionais, precisamente os iraquianos mais aptos para a reconstrução de uma república laica independente.

A guerra do Iraque foi alimentada por um influente grupo de ideólogos neo-conservadores e neo-liberais com fortes ligações a Israel. Consideravam o êxito da guerra do Iraque (por êxito queriam dizer o total desmembramento do país) como o primeiro ’dominó’ numa série de guerras para ’re-colonizar’ o Médio Oriente (conforme diziam: "para corrigir o mapa"). Disfarçavam a sua ideologia imperialista com uma fina camada de retórica sobre ’a promoção de democracias’ no Médio Oriente (excluindo, claro, as políticas anti-democráticas da sua Israel ’natal’ para com os palestinos, por ela subjugados). Unindo as ambições israelense de hegemonia regional com os interesses imperialistas dos EUA, os neo-conservadores e os seus companheiros de viagem neo-liberais do Partido Democrata, primeiro apoiaram o presidente Bush e depois o presidente Obama na escalada das guerras contra o Afeganistão e o Paquistão. Apoiaram unanimemente a selvagem campanha de bombardeamento de Israel contra o Líbano, o ataque terrestre e aéreo e o massacre de milhares de civis encurralados em Gaza, o bombardeamento de instalações sírias e a forte pressão (de Israel) para um ataque militar preventivo, de grande escala, contra o Irão.

Os defensores americanos de guerras sequenciais e múltiplas, em simultâneo, no Médio Oriente e no sul da Ásia achavam que só podiam desencadear toda a força do seu poder altamente destrutivo depois de terem assegurado o controlo total da sua primeira vítima, o Iraque. Estavam convencidos de que a resistência iraquiana se desmoronaria rapidamente depois de 13 anos de brutais sanções de fome impostas à república pelos EUA e pelas Nações Unidas. A fim de consolidar o controlo imperial, os políticos americanos decidiram silenciar permanentemente todos os dissidentes iraquianos civis independentes. Viraram-se para o financiamento de clérigos xiitas e de assassinos tribais sunitas e para a contratação de muitos milhares de mercenários privados entre os senhores da guerra curdos Peshmerga para que realizassem assassínios selectivos de líderes de movimentos da sociedade civil.

Os EUA criaram e treinaram um exército fantoche colonial de 200 mil iraquianos, constituído quase exclusivamente por soldados xiitas e excluíram os militares iraquianos experientes, de origem laica, sunita ou cristã. Uma consequência pouco conhecida da constituição destes esquadrões da morte, treinados e financiados pelos americanos, e do seu exército fantoche ’iraquiano’, foi a destruição quase total da antiga população iraquiana cristã, que foi desalojada, e viu as suas igrejas bombardeadas e os seus líderes, bispos e intelectuais, académicos e cientistas, assassinados ou exilados. Os conselheiros americanos e israelenses sabiam muito bem que os iraquianos cristãos tinham desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento histórico dos movimentos laicos, nacionalistas, anti-britânicos e anti-monárquicos, e a sua eliminação enquanto força influente durante os primeiros anos de ocupação americana não aconteceu por acaso. O resultado da política dos EUA foi a eliminação da maior parte dos líderes e dos movimentos anti-imperialistas, democráticos e laicos e a apresentação da sua rede assassina de colaboradores ’etno-religiosos’ como seus ’parceiros’ incontestados a fim de sustentar a presença colonial americana a longo prazo no Iraque. Com os seus fantoches no poder, o Iraque serviria de plataforma de lançamento para a sua perseguição estratégica dos outros ’dominós’ (Síria, Irão, repúblicas da Ásia central…).

A prolongada purga sangrenta do Iraque durante a ocupação americana resultou na matança de 1,3 milhão de civis iraquianos durante os primeiros sete anos após a invasão de Bush em Março de 2003. Até meados de 2009, a invasão e a ocupação do Iraque custou oficialmente ao tesouro americano mais de 666 mil milhões de dólares. Esta despesa enorme atesta a sua centralidade na estratégia imperialista mais alargada dos EUA para toda a região do Médio Oriente e da Ásia do sul e central. A política de Washington para politizar e militarizar as diferenças etno-religiosas, armar e encorajar líderes tribais, religiosos e étnicos rivais a entrar numa sangria mútua, serviu para destruir a unidade e a resistência nacionais. A táctica de ’dividir para reinar’ e o apoio nas organizações sociais e religiosas retrógradas é a prática mais vulgar e mais conhecida de conseguir a conquista e a subjugação de um estado nacionalista, unificado e avançado. A destruição do estado nacional, pela eliminação da consciência nacionalista e encorajamento das primitivas fidelidades etno-religiosas, feudais e regionais, exigia a destruição sistemática dos principais transmissores dessa consciência nacionalista, da memória histórica e do pensamento científico laico. O fomento de ódios etno-religiosos destruiu casamentos mistos, destruiu comunidades e instituições mistas onde existiam amizades pessoais de longa data e laços profissionais entre gente de diversas origens. A eliminação física de académicos, escritores, professores, intelectuais, cientistas e técnicos, em especial médicos, engenheiros, advogados, juristas e jornalistas foi decisiva para impor a regra etno-religiosa sob uma ocupação colonial. A fim de instaurar um domínio a longo prazo e apoiar os dirigentes etno-religiosos seus clientes, os EUA e os seus fantoches iraquianos destruíram fisicamente todo o edifício cultural preexistente, que sustentava um estado nacionalista laico independente. Isso incluiu a destruição das bibliotecas, dos gabinetes de recenseamento, e dos arquivos de todos os registos de propriedade e dos tribunais, dos departamentos de saúde, dos laboratórios, das escolas, dos centros culturais, das instalações médicas e, sobretudo, de toda a classe de profissionais das áreas científica, literária, social, de ciências sócio-humanísticas. O terror levou centenas de milhares de profissionais iraquianos e seus familiares a um exílio interno e externo. Todo o financiamento às instituições nacionais laicas, científicas e educativas, foi cortado. Os esquadrões da morte empenhados no assassínio sistemático de milhares de académicos e profissionais suspeitavam do mais ínfimo dissidente, do mais ínfimo sentimento nacionalista; quem quer que apresentasse a mais pequena capacidade de reconstruir a república ficava marcado.


Bagdade antes da ocupação A destruição de uma civilização árabe moderna
O Iraque laico, independente, tinha o estatuto científico-cultural mais avançado do mundo árabe, apesar da natureza repressiva do estado policial de Saddam Hussein. Havia um sistema nacional de cuidados de saúde, instrução pública universal e abundantes serviços de previdência, aliados a níveis de igualdade de sexo sem precedentes. Era isto que distinguia a natureza avançada da civilização iraquiana no final do século XX. A separação entre igreja e estado e a estrita protecção das minorias religiosas (cristãos, assírios e outros) contrasta fortemente com o que resultou da ocupação americana e da destruição das estruturas governamentais e civis iraquianas. O cruel domínio ditatorial de Saddam Hussein presidia assim a uma civilização moderna, altamente desenvolvida, em que o trabalho científico avançado andava de mãos dadas com uma forte identidade nacionalista e anti-imperialista. Isso verificou-se principalmente nas expressões de solidariedade do povo e do regime iraquianos em relação à sujeição do povo palestino ao domínio e ocupação israelense.

Uma simples ’mudança de regime’ não conseguiria extirpar esta avançada cultura laica republicana profundamente entranhada no Iraque. Os arquitectos da guerra nos EUA e os seus conselheiros israelenses estavam bem conscientes de que a ocupação colonial aumentaria a consciência nacionalista iraquiana a não ser que essa nação laica fosse destruída e, por isso, era um imperativo imperialista desenraizar e destruir os transmissores da consciência nacionalista através da eliminação física dos instruídos, dos talentosos, dos científicos, ou seja, dos elementos mais laicos da sociedade iraquiana. O retrocesso tornou-se no instrumento principal que os EUA impuseram aos seus fantoches coloniais, com as suas fidelidades primitivas, ’pré-nacionais’, e que estavam no poder numa Bagdad culturalmente purgada, privada dos seus estratos sociais mais sofisticados e nacionalistas.

Segundo o Centro de Estudos Al-Ahram do Cairo, durante os primeiros 18 meses da ocupação americana, foram eliminados mais de 310 cientistas iraquianos – um número que o ministro da Educação iraquiano não contestou.

Um outro relatório listou as mortes de mais de 340 intelectuais e cientistas entre 2005 e 2007. Os bombardeamentos de institutos superiores de ensino fizeram baixar as inscrições para 30% do número anterior à invasão. Num bombardeamento em Janeiro de 2007, à Universidade Mustansiriya de Bagdad, foram mortos 70 estudantes e ficaram feridos centenas. Estes números obrigaram a UNESCO a alertar que o sistema universitário do Iraque estava à beira do colapso. O número de cientistas e profissionais proeminentes iraquianos que fugiram do país aproximou-se dos 20 mil. O Los Angeles Times noticiou que, dos 6 700 professores universitários iraquianos que fugiram desde 2003, apenas 150 tinham regressado até Outubro de 2008. Apesar das declarações dos EUA sobre a melhoria das condições de segurança, em 2008 assistiu-se a inúmeros assassínios, incluindo o do único neurocirurgião em exercício em Basra, a segunda maior cidade do Iraque, cujo corpo foi abandonado nas ruas da cidade.

Os dados por alto sobre os académicos, cientistas e profissionais iraquianos assassinados pelos EUA e forças de ocupação aliadas, e pelas milícias e forças secretas por eles controlados foram retirados duma lista publicada pelo Pakistan Daily News ( www.daily.pk) em 26 de Novembro de 2008. Esta lista contribui para uma leitura muito desconfortável da realidade quanto à eliminação sistemática de intelectuais no Iraque sob a máquina trituradora da ocupação americana.

Assassínios
A eliminação física de um indivíduo por assassínio é uma forma extrema de terrorismo, que tem efeitos de longo alcance repercutindo por toda a comunidade a que esse indivíduo pertence – neste caso o mundo iraquiano dos intelectuais, académicos, profissionais e líderes criativos nas artes e nas ciências. Por cada intelectual iraquiano assassinado, milhares de iraquianos instruídos fugiram do país ou abandonaram o seu trabalho em troca de uma actividade mais segura e menos vulnerável.

Bagdad era considerada a ’Paris’ do mundo árabe, quanto à cultura e arte, ciência e educação. Nos anos 70 e 80, as suas universidades eram a inveja do mundo árabe. A campanha americana de ’choque e terror’ que se abateu sobre Bagdad suscitou emoções idênticas a um bombardeamento aéreo do Louvre, da Sorbonne ou das maiores bibliotecas da Europa. A Universidade de Bagdad era uma das universidades mais prestigiadas e mais produtivas do mundo árabe. Muitos dos seus académicos possuíam graus de doutoramento e estavam envolvidos em estudos pós-doutoramento em instituições prestigiadas, no estrangeiro. Ensinou e formou muitos dos profissionais e cientistas de topo no Médio Oriente. Mesmo debaixo do aperto mortal das sanções económicas impostas pelos EUA/ONU, que espalharam a fome pelo Iraque durante os 13 anos anteriores à invasão de Março de 2003, entraram no Iraque milhares de estudantes graduados e de jovens profissionais para formação pós-graduação. Jovens médicos de todo o mundo árabe receberam treino médico avançado nas suas instituições. Muitos dos seus académicos apresentaram comunicações científicas em importantes conferências internacionais, e escreveram artigos em jornais prestigiados. Mais importante ainda, a Universidade de Bagdad formava e mantinha uma cultura científica laica, profundamente respeitada, liberta de qualquer discriminação sectária – com académicos de todas as origens étnicas e religiosas.

Este mundo foi estilhaçado para sempre: sob a ocupação americana, até Novembro de 2008, foram assassinados oitenta e três académicos e investigadores que ensinavam na Universidade de Bagdad e vários milhares dos seus colegas, estudantes e familiares foram forçados a fugir.

Selecção de académicos assassinados por disciplina
O artigo de Novembro de 2008, publicado pelo Pakistan Daily News, lista os nomes de um total de 154 académicos de topo com base em Bagdad, conhecidos nas suas áreas, que foram assassinados. No conjunto, um total de 281 intelectuais bem conhecidos que ensinavam nas principais universidades do Iraque, caíram vítimas dos ’esquadrões da morte’ sob a ocupação americana.


Estudantes no Colégio de Medicina de Bagdade Antes da ocupação americana, a Universidade de Bagdad possuía a principal faculdade de investigação e ensino de medicina em todo o Médio Oriente que atraía centenas de jovens médicos para formação avançada. Esse programa foi devastado durante a ascensão do regime dos EUA e dos esquadrões de morte, com poucas perspectivas de recuperação. Dos assassinados, 25% (21) eram os professores mais antigos e os leitores da faculdade médica da Universidade de Bagdad, a percentagem mais alta de todas as faculdades. A segunda percentagem mais alta de faculdade trucidada foram os professores e investigadores da afamada faculdade de engenharia da Universidade de Bagdad (12), seguida pelos académicos de topo em humanidades (10), ciências físicas e sociais (8 académicos seniores em cada), educação (5). Os restantes académicos de topo da Universidade de Bagdad, assassinados, distribuíam-se pelas faculdades de agronomia, gestão, educação física, comunicações e estudos religiosos.

Em três outras universidades de Bagdad, foram chacinados 53 académicos seniores, incluindo 10 nas ciências sociais, 7 na faculdade de direito, em medicina e humanidades 6 cada, 9 em ciências físicas e 5 em engenharia. Antes da invasão, em 20 de Agosto de 2002, o secretário da Defesa Rumsfeld gracejou, "…temos que partir do princípio que eles (os cientistas) não têm andado a brincar "joguinhos infantis" (justificando a purga sangrenta de cientistas de física e química do Iraque). Um aviso sinistro para o banho de sangue dos académicos que se seguiu à invasão.

Em todas as universidades da província ocorreram semelhantes purgas sangrentas de académicos: 127 académicos e cientistas seniores foram assassinados nas várias universidades, bem cotadas, em Mosul, Kirkuk, Basra e noutros locais. As universidades provinciais com o maior número assassínios de membros seniores de faculdades situavam-se nas cidades em que os militares americanos e britânicos e os seus aliados mercenários curdos estiveram mais activos: Basra (35), Mosul (35), Diyala (15) e Al-Anbar (11).

Os militares iraquianos e os esquadrões de morte seus aliados executaram a maior parte da matança de académicos nas cidades sob controlo americano ou ’aliado’. O assassínio sistemático de académicos foi um movimento à escala nacional, multi-disciplinar, para destruir as bases culturais e educacionais duma civilização árabe moderna. Os esquadrões de morte que efectuaram a maior parte desses assassínios eram grupos etno-religiosos primitivos, pré-modernos, "deixados à solta" ou instrumentalizados por estrategas militares americanos para varrer quaisquer intelectuais e cientistas nacionalistas politicamente conscientes, que pudessem lutar por um programa de reconstrução de uma república unificada, independente, moderna, de sociedade laica.

No seu pânico para impedir a invasão pelos EUA, o Directorado Nacional de Monitorização Iraquiano forneceu à oNU, em 7 de Dezembro de 2002, uma lista que identificava mais de 500 cientistas iraquianos importantes. Não restam dúvidas de que essa lista veio a ser um elemento chave para a lista de alvos das forças militares americanas, para eliminação da elite científica do Iraque. No conhecido discurso pré-invasão nas Nações Unidas, o secretário de Estado Colin Powell citou uma lista de mais de 3 500 cientistas e técnicos iraquianos que teriam que ser ’contidos’ a fim de evitar que os seus conhecimentos fossem utilizados por outros países. Os EUA criaram mesmo um ’orçamento’ de centenas de milhões de dólares, retirados do dinheiro iraquiano "Petróleo em troca de alimentos", nas mãos das Nações Unidas, para instituir programas de "reeducação civil" a fim de re-treinar cientistas e engenheiros iraquianos. Estes programas fortemente publicitados nunca foram verdadeiramente implementados. Tornou-se claro quais eram as formas mais baratas de conter o que um especialista político americano designou por ’excesso de cientistas, engenheiros e técnicos’ do Iraque num Documento da Carnegie Endowment (Política RANSAC, Abril de 2004). Os EUA tinham decidido adoptar e alargar a operação secreta do Mossad israelense de assassinar importantes cientistas iraquianos seleccionados, à escala industrial.

As campanhas americanas ’arrasar’ e ’auge de assassínios’: 2006-2007
A maré alta do terror contra os académicos coincide com a renovação da ofensiva militar americana em Bagdad e nas províncias. Do número total de assassínios de académicos com base em Bagdad, para os quais está registada uma data (110 conhecidos intelectuais chacinados), quase 80% (87) ocorreram em 2006 e 2007. Encontra-se um padrão semelhante nas províncias com 77% de um total de 84 intelectuais assassinados fora da capital durante o mesmo período. O padrão é claro: a taxa de assassínios de académicos aumenta quando as forças americanas de ocupação organizam uma força militar e policial de mercenários iraquianos e entram com dinheiro para o treino e recrutamento de homens das tribos rivais xiitas e sunitas e de milícias como modo de reduzir as baixas americanas e de expurgar potenciais dissidentes críticos da ocupação.

A campanha de terror contra académicos intensificou-se em meados de 2005 e atingiu o auge em 2006-2007, levando à fuga maciça de dezenas de milhares de iraquianos intelectuais, cientistas, técnicos e suas famílias. Faculdades inteiras de escolas médicas universitárias passaram a refugiar-se na Síria e noutros locais. Os que não puderam abandonar pais ou parentes idosos que ficaram no Iraque, tomaram medidas extraordinárias para esconder as suas identidades. Alguns optaram por colaborar com as forças de ocupação americanas ou com o regime fantoche na esperança de serem protegidos ou autorizados a imigrar com as suas famílias para os EUA ou para a Europa, embora os europeus, em especial os britânicos, não se mostrem muito inclinados a aceitar intelectuais iraquianos. Depois de 2008, houve uma forte redução no assassínio de académicos – só foram assassinados quatro nesse ano, o que reflecte sobretudo a fuga maciça de intelectuais iraquianos a viver no estrangeiro ou na clandestinidade e não qualquer mudança de política por parte dos EUA e dos seus fantoches mercenários. Por conseguinte, as instalações de investigação do Iraque foram dizimadas. As vidas do restante pessoal de apoio, incluindo técnicos, bibliotecários e estudantes ficaram devastadas com poucas perspectivas para empregos futuros.

A guerra e a ocupação americana do Iraque, conforme declararam os presidentes Bush e Obama, é um ’êxito’ – uma nação independente de 23 milhões de cidadãos foi ocupada pela força, foi instalado um regime fantoche, tropas mercenárias coloniais obedecem aos oficiais americanos e os campos petrolíferos foram postos à venda. Todas as leis nacionalistas do Iraque que protegiam o seu património, os seus tesouros culturais e os seus recursos nacionais foram anuladas. Os ocupantes impuseram uma ’constituição’ que favorece o Império Americano. Israel e os seus lacaios sionistas, tanto na administração de Bush como na de Obama, festejam a derrota de um adversário moderno… e a transformação do Iraque num deserto cultural e político. Em linha com um alegado acordo feito pelo Departamento de Estado americano e por funcionários do Pentágono com coleccionadores influentes do Conselho Americano para a Política Cultural, em Janeiro de 2003, os tesouros pilhados da antiga Mesopotâmia ’encontraram’ o seu destino nas colecções das elites em Londres, Nova Iorque e outros sítios. Os coleccionadores podem agora ficar à espera da pilhagem do Irão.

Aviso ao Irão

“A revolução do batom” no Irão A invasão e ocupação americanas e a destruição duma civilização moderna, científico-cultural, como a que existia no Iraque, é um prelúdio do que o povo do Irão pode esperar se e quando ocorrer um ataque militar EUA-Israel. A ameaça imperial aos fundamentos culturais e científicos da nação iraniana esteve totalmente ausente do discurso de protesto dos estudantes iranianos e das suas ONGs financiadas pelos EUA durante as manifestações de protesto da ’Revolução do Baton’ a seguir às eleições. Os estudantes deviam ter presente que, em 2004, iraquianos instruídos e sofisticados em Bagdad se consolavam com um optimismo fatalmente deslocado de que ’pelo menos não somos como o Afeganistão’. Essa mesma elite encontra-se hoje em sórdidos campos de refugiados na Síria e na Jordânia e o país deles parece-se mais com o Afeganistão do que outro qualquer no Médio Oriente. Cumpriu-se a promessa arrepiante do presidente Bush em Abril de 2003 de transformar o Iraque na imagem do ’nosso recém libertado Afeganistão’. E as notícias de que os conselheiros da administração dos EUA analisaram a política do Mossad israelense para assassínio selectivo de cientistas iranianos deviam levar os intelectuais liberais pró-ocidentais de Teerão a ponderar seriamente a lição da campanha criminosa que praticamente eliminou os cientistas e académicos iraquianos durante 2006-2007.

Conclusão
O que é que os Estados Unidos (e a Grã-Bretanha e Israel) ganham em instaurar no Iraque um regime cliente retrógrado, com base em estruturas medievais etno-clericais e sócio-políticas? Primeiro e acima de tudo, o Iraque passou a ser um posto avançado para o império. Em segundo lugar, é um regime fraco e atrasado incapaz de desafiar o domínio económico e militar israelense na região e que não está interessado em pôr em causa a limpeza étnica em curso dos nativos árabes palestinos de Jerusalém, da Margem Ocidental e de Gaza. Em terceiro lugar, a destruição dos alicerces científicos, académicos, culturais e legais de um estado independente traduz-se numa dependência crescente das corporações multinacionais ocidentais (e chinesas) e das suas infra-estruturas técnicas – facilitando a penetração económica imperialista e a exploração.

Nos meados do século XIX, depois das revoluções de 1949, o sociólogo francês conservador Emil Durkheim reconhecia que a burguesia europeia estava a ser confrontada com um aumento de conflitos de classes e com o crescimento de uma classe operária anti-capitalista. Durkheim assinalava que, quaisquer que fossem as suas dúvidas filosóficas sobre religião e clericalismo, a burguesia teria que usar os mitos da religião tradicional para ’criar’ a coesão social e combater a polarização de classes. Apelava à classe capitalista parisiense, instruída e sofisticada, para esquecer a sua rejeição do dogma religioso obscurantista a favor da instrumentalização da religião como meio para manter o seu domínio político. Do mesmo modo, os estrategas americanos, incluindo o Pentágono-Sionistas, instrumentalizaram as forças etno-religiosas dos mulás tribais para destruir a liderança política nacional laica e a cultura avançada iraquiana a fim de consolidar o seu domínio imperial – mesmo que essa estratégia exigisse a eliminação das classes científica e profissional. O domínio imperialista contemporâneo dos EUAS baseia-se no apoio aos sectores social e politicamente mais retrógrados da sociedade e na implementação da mais avançada tecnologia de guerra.

Os conselheiros israelenses desempenharam um papel fundamental na instrução das forças de ocupação americanas no Iraque quanto às práticas de contra-insurreição urbana e de repressão de civis, adquiridas nos seus 60 anos de experiência. O infame massacre de centenas de famílias palestinas em Deir Yasin em 1948 foi emblemática da eliminação sionista de centenas de aldeias agrícolas produtivas, que se encontravam instaladas há séculos pela população nativa, com a sua civilização endógena e laços culturais com a terra, a fim de impor uma nova ordem colonial. A política de total desenraizamento dos palestinos é fundamental nos conselhos de Israel aos políticos americanos no Iraque. A sua mensagem foi implementada pelos seus acólitos sionistas nas administrações de Bush e de Obama, ordenando o desmembramento de toda a burocracia civil e estatal moderna iraquiana e usando os esquadrões de morte tribais pré-modernos constituídos por extremistas curdos e xiitas para expurgar as universidades modernas e as instituições de investigação desta nação em estilhaços.

A conquista imperial americana do Iraque repousa sobre a destruição duma república laica moderna. O deserto cultural que resta (uma ’desolação lamentosa’ bíblica ensopada pelo sangue dos preciosos intelectuais do Iraque) é controlado por mega-vigaristas, criminosos mercenários armados em ’funcionários iraquianos’, iletrados culturais tribais e étnicos, e figuras religiosas medievais. Operam sob a orientação e direcção de graduados de West Point, que defendem ’projectos para o império’, formulados por graduados de Princeton, Harvard, Johns Hopkins, Yale e Chicago, ansiosos em servir os interesses das corporações multinacionais americanas e europeias.

Chama-se a isto ’desenvolvimento combinado e desigual’: O casamento de mulás fundamentalistas com sionistas da Ivy League ao serviço dos EUA.

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James Petras

Sociólogo da Universidade de Binghamton, em Nova York.


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Tradução de Margarida Ferreira (Resistir.info) e David Lopes.

Artigos de referência:

Qui gouverne l’Irak ?, por Thierry Meyssan, Rede Voltaire; 13 Maio 2004.
L’économie de la guerre en Irak, por Arthur Lepic; Rede Voltaire; 24 Novembro 2004.
La planification secrète de la colonisation de l’Irak, por Thierry Meyssan, Rede Voltaire; 9 Maio 2005.
Colin Powell regrette ses accusations contre l’Irak, Rede Voltaire; 16 Setembro 2005.
Stratégie pour la victoire en Irak, por Cyril Capdevielle, Rede Voltaire; 12 Janeiro 2006.
La démission de l’amiral Fallon relance les hostilités en Irak, por Thierry Meyssan, Rede Voltaire; 15 Março 2008.


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