sexta-feira, 19 de outubro de 2012

JOSÉ ´RÉGIO




José Régio



Cântico Negro



"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces

Estendendo-me os braços, e seguros

De que seria bom que eu os ouvisse

Quando me dizem: "vem por aqui!"

Eu olho-os com olhos lassos,

(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)

E cruzo os braços,

E nunca vou por ali...



A minha glória é esta:

Criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

Com que rasguei o ventre à minha mãe



Não, não vou por aí! Só vou por onde

Me levam meus próprios passos...



Se ao que busco saber nenhum de vós responde

Por que me repetis: "vem por aqui!"?



Prefiro escorregar nos becos lamacentos,

Redemoinhar aos ventos,

Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

A ir por aí...



Se vim ao mundo, foi

Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.



Como, pois sereis vós

Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

Para eu derrubar os meus obstáculos?...

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

E vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

Amo os abismos, as torrentes, os desertos...



Ide! Tendes estradas,

Tendes jardins, tendes canteiros,

Tendes pátria, tendes tectos,

E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura !

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...



Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;

Mas eu, que nunca principio nem acabo,

Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.



Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!

Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: "vem por aqui"!

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou...

Não sei por onde vou,

Não sei para onde vou

- Sei que não vou por aí!





--------------------------------------------------------------------------------



Quando eu nasci,

ficou tudo como estava,

Nem homens cortaram veias,

nem o Sol escureceu,

nem houve Estrelas a mais...

Somente,

esquecida das dores,

a minha Mãe sorriu e agradeceu.



Quando eu nasci,

não houve nada de novo

senão eu.



As nuvens não se espantaram,

não enlouqueceu ninguém...



P'ra que o dia fosse enorme,

bastava

toda a ternura que olhava

nos olhos de minha Mãe...





--------------------------------------------------------------------------------



Soneto de amor



Não me peças palavras, nem baladas,

Nem expressões, nem alma...Abre-me o seio,

Deixa cair as pálpebras pesadas,

E entre os seios me apertes sem receio.



Na tua boca sob a minha, ao meio,

Nossas línguas se busquem, desvairadas...

E que os meus flancos nus vibrem no enleio

Das tuas pernas ágeis e delgadas.



E em duas bocas uma língua..., - unidos,

Nós trocaremos beijos e gemidos,

Sentindo o nosso sangue misturar-se.



Depois... - abre os teus olhos, minha amada!

Enterra-os bem nos meus; não digas nada...

Deixa a Vida exprimir-se sem disfarce!







--------------------------------------------------------------------------------



Poema do silêncio



Sim, foi por mim que gritei.

Declamei,

Atirei frases em volta.

Cego de angústia e de revolta.



Foi em meu nome que fiz,

A carvão, a sangue, a giz,

Sátiras e epigramas nas paredes

Que não vi serem necessárias e vós vedes.



Foi quando compreendi

Que nada me dariam do infinito que pedi,

-Que ergui mais alto o meu grito

E pedi mais infinito!



Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,

Eis a razão das épi trági-cómicas empresas

Que, sem rumo,

Levantei com sarcasmo, sonho, fumo...



O que buscava

Era, como qualquer, ter o que desejava.

Febres de Mais. ânsias de Altura e Abismo,

Tinham raízes banalíssimas de egoísmo.



Que só por me ser vedado

Sair deste meu ser formal e condenado,

Erigi contra os céus o meu imenso Engano

De tentar o ultra-humano, eu que sou tão humano!



Senhor meu Deus em que não creio!

Nu a teus pés, abro o meu seio

Procurei fugir de mim,

Mas sei que sou meu exclusivo fim.



Sofro, assim, pelo que sou,

Sofro por este chão que aos pés se me pegou,

Sofro por não poder fugir.

Sofro por ter prazer em me acusar e me exibir!



Senhor meu Deus em que não creio, porque és minha criação!

(Deus, para mim, sou eu chegado à perfeição...)

Senhor dá-me o poder de estar calado,

Quieto, maniatado, iluminado.



Se os gestos e as palavras que sonhei,

Nunca os usei nem usarei,

Se nada do que levo a efeito vale,

Que eu me não mova! que eu não fale!



Ah! também sei que, trabalhando só por mim,

Era por um de nós. E assim,

Neste meu vão assalto a nem sei que felicidade,

Lutava um homem pela humanidade.



Mas o meu sonho megalómano é maior

Do que a própria imensa dor

De compreender como é egoísta

A minha máxima conquista...



Senhor! que nunca mais meus versos ávidos e impuros

Me rasguem! e meus lábios cerrarão como dois muros,

E o meu Silêncio, como incenso, atingir-te-á,

E sobre mim de novo descerá...



Sim, descerá da tua mão compadecida,

Meu Deus em que não creio! e porá fim à minha vida.

E uma terra sem flor e uma pedra sem nome

Saciarão a minha fome.







COPYRIGHT WIKIPÉDIA.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas