domingo, 28 de outubro de 2012

POR QUE A MATEMÁTICA É O BICHO PAPÃO DA ESCOLA?




















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Por que a matemática é o bicho-papão da escola?

Marcelo Bessa





Pior que o boitatá e a mula-sem-cabeça somente a matemática. Essa comparação de horror pode ser ouvida diariamente, ainda que em palavras diversas, em escolas particulares e públicas, do ensino fundamental e do ensino médio. Para os alunos, horror é tanto que, muitas vezes, perdura por toda a vida. Assim, não é incomum encontrar pessoas adultas que ainda carregam uma aversão à matemática, às vezes até traumatizadas por reprovações seguidas por causa de um desempenho insuficiente na disciplina.



Para ouvir o que alunos e mestres que são leitores do Portal da Educação Pública têm a dizer sobre o assunto, o fórum Discutindo lançou a seguinte questão: "Por que a matemática é o bicho-papão da escola?", sugerida por Joyce Moraes Pereira.



Diversas mensagens foram recebidas e quase todas foram enfáticas: a culpa é do professor. Antes que os mestres repliquem indignados, é preciso dizer que os missivistas não quiseram afirmar que a disciplina é terrível por conta de um sentimento sádico dos professores em relação aos alunos. Assim, não se fala que os mestres sejam uma espécie de carrasco ou de uma Cruela Cruel dos números e operações matemáticas. Despreparo, condições indignas de trabalho, falta de orientação pedagógica, foram essas algumas das razões apontadas para indicar a figura do professor como responsável pela criação e perpetuação dessa imagem da disciplina.



Para o leitor Carlos Henrique de Medeiros, há motivos diversos para que a figura do bicho-papão persista em virtude dos professores. Segundo ele, muitas vezes os mestres trabalham desmotivados e descomprometidos em função das condições de trabalho. "É importante ressaltar", lembra ele, "que existem muitos profissionais que desenvolvem ótimos trabalhos, porém o meio e a estrutura oferecida muitas vezes são precários."



As condições indignas, sim, são o verdadeiro bicho-papão, diz um leitor que assina simplesmente Carlos. Para ele, nenhuma disciplina é um monstro, e sim as mazelas sociais que existem fora da escola, como a pobreza, miséria, falência familiar, ausência dos pais, entre tantas outras coisas. O professor, segundo Carlos, é apenas mais um elo nesse despreparo social, que, infelizmente, interfere na educação. Assim, ele sugere que, para que as disciplinas não continuem a ser um monstro e que a educação funcione de verdade, é preciso dar condições dignas aos alunos e aos professores, ou, mais amplamente, à população em geral. "A matemática apenas educa, não mata e não fere", ele conclui.



A professora Cida também concorda que a aversão à matemática se deve aos professores. Depois de muito ouvir alunos da rede pública, ela considera que há uma falha na transmissão de conhecimentos. Os professores "são maravilhosos, sabem muito, mas ainda não se deram conta de que os alunos não sabem tanto quanto [eles]". Para que isso seja contornado, ela sugere que os professores se coloquem no lugar dos alunos. Essa dificuldade em ver o outro, ou de pensar o ensino colocando-se no lugar dos alunos, também é observada por Carlos Henrique Medeiros: "Alguns [professores] apresentam um certo despreparo no trato da diversidade cultural dos alunos".



Outros missivistas indicaram a metodologia utilizada pelos mestres como responsável. A leitora Alexsandra afirma que muitos professores ensinam matemática "de forma enfadonha e sem atrativos; logo, a aprendizagem se torna enfadonha". Desse modo, o incentivo para que os mestres deem aulas mais criativas e sedutoras não seria dependente apenas do programa pedagógico de cada escola, mas, sim, da própria formação dos professores. É o que acredita a leitora Minna. Segundo ela, a formação que os professores recebem trata a matemática de uma forma conteudista, sem discutir sua metodologia. E ela acrescenta: "É preciso fazê-lo pensar, conhecer o raciocínio infantil, o método, as noções que irá trabalhar, seus objetivos, as características e os interesses de cada faixa etária. Enfim, devemos repensar a nossa formação".



Conforme apontaram certos leitores, outro problema ligado a uma metodologia inadequada é a aplicação do conhecimento ensinado. Para Carla Cruz, os professores não conseguem mostrar aos alunos "a grande ponte que existe entre a matemática e a vida". Opinião semelhante tem Mônica Norris, para quem a ausência de aplicabilidade dos conteúdos estudados é a causa da aversão à matemática. E isso, segundo ela, há muito tempo vem se perpetuando como um ciclo vicioso. "O que a escola apresenta como conteúdo da área dificilmente, a não ser por iniciativa de alguns colegas mais ousados, tem vínculo com a realidade e a vida prática do aluno. O nível de exigência é enorme com relação à aplicação de fórmulas em geral e fixação de processos, desvalorizando o raciocínio lógico e a busca de soluções próprias." Assim, para a professora Mônica, existe um problema na formação de professores, que precisam pensar numa prática pedagógica mais concreta e, consequentemente, que seja mais "fácil" para os alunos.



Mas a resposta mais incisiva veio de Marcelo Mello. Como Carla e Mônica, Marcelo concorda que a matemática ensinada nas escolas não é muito convidativa. Mas ele retorque: "Porém, a matemática voltada somente para a prática não o é". Para ele, há muito tempo diz-se que a matemática é o bicho-papão, mas pouco é feito para que isso se reverta: "o que mais me espanta é que ninguém toma uma atitude para que a disciplina não seja mais considerada vilã dos bancos escolares".



Marcelo Mello vai mais fundo e diz: "O mito que se criou em cima da matemática é coisa que deixa qualquer governo comunista de cabelo em pé. [...] Me dá muito medo quando uma corrente educacional começa a bombardear ideias de que certa disciplina é isso ou aquilo". De certa forma, Marcelo tem razão, pois, como os mitos, de tanto se afirmar que uma disciplina é um terror, ela se perpetuará e se cristalizará como um terror. "O mito que envolve a matemática é justamente por isto: não sei raciocinar logo, não sei viver", diz ele.



Assim, pelas respostas, percebe-se que uma mudança na prática pedagógica é bem-vinda, fazendo que a disciplina seja ensinada aos alunos de uma forma prazerosa e convidativa, além do equilíbrio entre teoria e prática. "A matemática instrui para uma vida sem muitas dificuldades", conclui Marcelo Mello.



Publicado em setembro de 2004



Participantes

Com a participação de Alexsandra, Carla Cruz, Carlos, Carlos Henrique Medeiros, Cida, Marcelo Mello, Minna e Mônica Norris.S



O tema continua em aberto. Participe!



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