quinta-feira, 18 de outubro de 2012

FLORBELA ESPANCA




Florbela Espanca



Languidez



Fecho as pálpebras roxas, quase pretas,

Que poisam sobre duas violetas,

Asas leves cansadas de voar...



E a minha boca tem uns beijos mudos...

E as minhas mãos, uns pálidos veludos,

Traçam gestos de sonho pelo ar...





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Fanatismo



Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida.

Meus olhos andam cegos de te ver!

Não és sequer razão do meu viver

Pois que tu és já toda a minha vida!

...



E, olhos postos em ti, digo de rastros:

«Ah! Podem voar mundos, morrer astros,

Que tu és como Deus: Princípio e Fim!...»





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Fumo



Longe de ti são ermos os caminhos,

Longe de ti não há luar nem rosas;

Longe de ti há noites silenciosas,

Há dias sem calor, beirais sem ninhos!





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O nosso mundo



Que importa o mundo e as ilusões defuntas?...

Que importa o mundo seus orgulhos vãos?...

O mundo, Amor?... As nossas bocas juntas!...





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Não ser



Ah! arrancar às carnes laceradas

Seu mísero segredo de consciência!

Ah! poder ser apenas florescência

De astros em puras noites deslumbradas!



Ser nostálgico choupo ao entardecer,

De ramos graves, plácidos, absortos

Na mágica tarefa de viver!

...



Quem nos deu asas para andar de rastos?

Quem nos deu olhos para ver os astros

- Sem nos dar braços para os alcançar?!...





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Em ti o meu olhar fez-se alvorada,

E a minha voz fez-se gorgeio de ninho,

E a minha rubra boca apaixonada

Teve a frescura do linho





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Aqueles que me têm muito amor

Não sabem o que sinto e o que sou...

Não sabem que passou, um dia, a Dor

À minha porta e, nesse dia, entrou.

E é desde então que eu sinto este pavor,

Este frio que anda em mim, e que gelou

O que de bom me deu Nosso Senhor!

Se eu nem sei por onde ando e onde vou!!



Sinto os passos de Dor, essa cadência

Que é já tortura infinda, que é demência!

Que é já vontade doida de gritar!



E é sempre a mesma mágoa, o mesmo tédio,

A mesma angústia funda, sem remédio,

Andando atrás de mim, sem me largar!





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Os versos que te fiz



Deixe dizer-te os lindos versos raros

Que a minha boca tem pra te dizer !

São talhados em mármore de Paros

Cinzelados por mim pra te oferecer.



Tem dolencia de veludo caros,

São como sedas pálidas a arder...

Deixa dizer-te os lindos versos raros

Que foram feitos pra te endoidecer !



Mas, meu Amor, eu não te digo ainda...

Que a boca da mulher é sempre linda

Se dentro guarda um verso que não diz !



Amo-te tanto ! E nunca te beijei...

E nesse beijo, Amor, que eu te não dei

Guardo os versos mais lindos que te fiz.





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Beija-mas bem!... Que fantasia louca

Guardar assim, fechados, nestas mãos,

Os beijos que sonhei pra minha boca!...





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Ser poeta é ser mais alto, é ser maior

Do que os homens! Morder como quem beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!



É ter de mil desejos o esplendor

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que flameja,

É ter garras e asas de condor!



É ter fome, é ter sede de Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e de cetim...

É condensar o mundo num só grito!



E é amar-te, assim, perdidamente...

É seres alma, e sangue, e vida em mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!



copyright autor do texto.





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