quarta-feira, 21 de julho de 2010

1832 - HISTÓRIA DA PSICOLOGIA

Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, n. 1, 2008.
Retirado do World Wide Web http://www.psicologia.ufrj.br/abp/ 159
RESENHA
História da psicologia: rumos e percursos
JACÓ-VILELA, Ana Maria; FERREIRA, Arthur Arruda Leal; PORTUGAL, Francisco
Teixeira (org.). História da psicologia: rumos e percursos. Rio de Janeiro: Nau
Ed., 2006. 598 p.
Luciana Chauí-Berlinck
Universidade de São Paulo (USP)
Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, n. 1, 2008.
Retirado do World Wide Web http://www.psicologia.ufrj.br/abp/ 160
História da psicologia: rumos e percursos convida-nos a uma viagem ao passado. Viajar no tempo,
descobrir a história, adentrar pelos mistérios das idéias pode ser uma aventura inigualável e cheia de
emoções. E, de fato, é assim que nos sentimos ao ler o livro organizado por Ana Maria Jacó-Vilela,
Arthur Arruda Leal Ferreira e Francisco Teixeira Portugal. Entretanto, podemos nos questionar sobre por
que escrever um livro de história da psicologia ou, mais ainda, por que estudar a história da psicologia?
Sem nos esquecermos do que escreve Luís Cláudio Figueiredo no prefácio do livro, isto é, que não
podemos falar de uma história da psicologia e sim de histórias do campo psicológico no qual
encontraremos várias psicologias, os questionamentos acima nos levam a pensar, em primeiro lugar,
sobre o que é a história e qual a sua importância como disciplina. Se seguirmos o pensamento de
Alfredo Bosi (1992, p. 21), quando escreve que “o antes é a semente, o germe, a raiz do depois”, somos
levados a pensar que é conhecendo o antes que poderemos entender o sentido do depois; podemos
pensar a história como a busca da compreensão da construção de um caminho que foi sendo trilhado ao
longo do tempo, como o que nos permite dar sentido, e compreender o presente. O hoje, de alguma
maneira, estava em germe no ontem. Contudo, pensar a história não é necessariamente pensar uma
continuação. Podemos pensar rupturas, como faz Michel Foucault, e entender que a história se faz pelas
diferenças dadas a cada época e que só é possível compreender o modo de funcionamento de uma
época conhecendo-se suas várias tensões econômicas, sociais, políticas etc. De toda maneira, há um
passado que deve ser levado em conta, um passado com o qual se rompe, e, ainda como disse Bosi
(1992, p. 22, grifo nosso): “a seqüência dos tempos não produz necessária e automaticamente uma
evolução do inferior para o superior”, ou seja, o hoje estava no ontem não porque tenha evoluído dele,
mas porque se transformou a partir dele. Essas transformações devem ser entendidas quanto às
construções de significados e valores que, uma vez conhecidos, dão sentido ao presente. Desta forma,
estudar a história é tentar compreender o presente pelas vias do passado. Com esta idéia, podemos
pensar que a importância de um livro de história da psicologia está em tentar compreender por esse
percurso os sentidos e a importância da psicologia hoje, como ela foi se transformando, quais as
questões e temas que lhe foram apresentados e como estes foram sendo estudados.
O livro objeto desta resenha nos encanta por sua linguagem de fácil assimilação, de fácil compreensão;
um livro que dialoga sem prepotência com o leitor. Apesar de didático, muitas vezes (em muitas de suas
partes) sentimos como se estivéssemos lendo um romance histórico, escrito por vários autores, cujo
resultado surpreende.
É difícil encontrar na bibliografia sobre a história da psicologia um livro que consiga falar da diversidade
sem homogeneizá-la. Normalmente, é de um único ponto de vista que esta história é contada; o ponto
de vista do autor, que já tendo tomado algum “partido” reflete sobre as outras escolas, que não são as
de sua escolha, com crítica e preconceito.
Na época em que vivemos, com a preocupação da aceitação das diferenças e das questões da inclusão
em todos os âmbitos, este livro vem a calhar, pois podemos ler a história da psicologia de diversos
pontos de vista, todos contados com a paixão daquele que se dedica ao estudo daquele “setor” do
campo. São vários canteiros, todos muito bem cuidados, cada um por um jardineiro que entende de uma
flor determinada, e juntos fazem um jardim harmônico, ora com cores mais vibrantes, ora mais suaves,
mas todas apreciadas em suas belezas próprias.
Poderíamos achar que um livro feito por tantas mãos correria o risco de se tornar uma miscelânea à qual
faltaria coerência. Contudo, a pluralidade foi aqui preciosa: cada capítulo é escrito por quem estuda
determinado aspecto da psicologia, ou seja, escrito por especialistas, estudiosos de cada um dos
sistemas e teorias, e que, por isso, podem apresentar versões mais aprofundadas de todos eles.
Os capítulos são curtos, apresentam de forma didática o tema e de maneira que, além de serem lidos
pelos alunos, também podem ser (e são) apreciados por eles. Em vez de longos capítulos com
linguagem extremamente técnica, cada pequeno capítulo introduz o leitor paulatinamente nas questões,
transformações, conceitos e vocabulário da psicologia.
Cabe ainda salientar a importância deste livro. De fato, geralmente, os livros utilizados para as aulas de
história da psicologia e de teorias e sistemas em psicologia são traduções e, por este motivo, falta-lhes a
importante referência quanto ao desenvolvimento da psicologia no Brasil. Este me parece ser um dos
maiores méritos de História da psicologia: rumos e percursos:não nos falta em nenhum capítulo a
referência ao Brasil. Assim, com seus textos escritos de tal forma que fazem refletir sobre nossa
Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, n. 1, 2008.
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atualidade, alguns capítulos com linguagem mais técnica contrabalançados por outros com linguagem
mais poética vão cumprindo sua função de prender a atenção (fundamental no caso de livros utilizados
por jovens estudantes) e fazem compreender os conceitos e a história da psicologia, tal como construída
desde seus primórdios, mantendo sempre a preocupação de mostrar como o Brasil, ou melhor, a
psicologia no Brasil, foi influenciada pelos desenvolvimentos da psicologia no mundo. Fazemos parte
dessa história e tomamos parte nela.
Os três primeiros capítulos, que compõem a primeira parte do livro, não apresentam o nascimento da
psicologia tal qual estamos acostumados a estudá-la. O leitor é apresentado ao pensamento de Michel
Foulcault e às questões da subjetividade para poder pensar o nascimento da psicologia e, logo adiante, é
levado a fazer uma reflexão, inédita neste tipo de livro, sobre as questões da alma, que embasam e
justificam a ação dos jesuítas nas origens da produção das idéias psicológicas no Brasil. Na segunda
parte, é interessante notar a nova leitura da obra de Wundt (no capítulo 5) e da institucionalização da
psicologia. A “fundação” da psicologia científica é apresentada de maneira muito diferente da com que
estamos acostumados, pois o autor busca desfazer equívocos quanto à compreensão da psicologia
wunditiana, preocupando-se “com o sentido geral do seu sistema de pensamento” (p. 93), e apresenta
Wundt sobretudo como um filósofo. Já no capítulo 8, um daqueles capítulos que nos dão a sensação de
estarmos lendo um romance, somos transportados para o final do século XVIII e princípios do XIX em
uma reflexão a respeito da mudança no olhar e no discurso sobre a doença e a introdução das
psicoterapias, quando a clínica passa do olhar para a escuta. A terceira parte do livro é a mais difícil,
uma vez que nela está presente uma diversidade maior. Nela, vamos sendo apresentados às psicologias
do século XX, e os capítulos que versam sobre os mesmos sistemas se complementam de maneira a nos
fazer compreendê-los sob variados ângulos, dependendo dos autores, o que de fato enriquece muito a
leitura. Desta parte, destacamos o capítulo 11, que explica o processo de surgimento das idéias
skinnerianas, evitando apresentá-las como idéias acabadas. O capítulo 16 termina com uma importante
referência sobre a inserção e a situação atual dos testes psicológicos no Brasil. O capítulo 19 desafia seu
autor a apresentar as idéias filosóficas da fenomenologia e sua articulação com a psicologia. Apesar de a
tarefa se mostrar digna dos filmes “Missão Impossível”, o capítulo é escrito de tal forma que o leitor vai
sendo paulatinamente introduzido neste campo minado, e a decisão do autor de privilegiar as bases
filosóficas do existencialismo foi muito feliz. O capítulo 21 é de extrema importância para um livro de
história da psicologia, pois muito pouco se falou até hoje (por motivos óbvios da política mundial) sobre
a psicologia soviética. Nomes como Vigotsky e Rubinstein, como este capítulo nos mostra, são essenciais
para se pensar a psicologia hoje. O capítulo dedicado à psicanálise brasileira (capítulo 24) deixa-nos
estarrecedoramente claro o quanto ignoramos em nossas aulas o desenvolvimento da psicologia no
Brasil e como esses fatores são imprescindíveis para que possamos compreender os caminhos de nossa
atuação.
Não poderíamos deixar de comentar outra característica importante deste livro, que é a de dedicar a
parte IV à psicologia social. Acreditamos ser de fundamental importância que, em nossos dias, um livro
de história da psicologia apresente esta disciplina do saber psicológico. Esta seção permite que o leitor
compreenda como a preocupação com o social surgiu na psicologia e quais os pensamentos teóricos e
políticos que o sustentam. O capítulo 29 é um importante capítulo para a compreensão da influência do
marxismo nas ciências humanas e especificamente na psicologia, localizando o leitor quanto à história do
marxismo no Brasil e o surgimento da psicologia enquanto instituição em nossas terras. O livro é
coroado com um belo e importante capítulo (capítulo 31) sobre as atualidades da psicologia social a
partir de um resgate histórico dessa disciplina. Escrito de maneira interessante e bem estruturada,
permite que acompanhemos, desde a leitura que os autores fazem de prefácios de livros-textos em
psicologia social, como ela foi se formando e transformando. Buscamos destacar aqueles capítulos que
nos pareceram abordar seus temas de um ponto de vista inovador em relação aos livros didáticos que
conhecemos. Sem dúvida, estamos sendo injustos por destacar apenas alguns capítulos; entretanto, é
impossível referirmo-nos a todos no espaço de uma resenha, embora sejam muitos os que valeriam a
pena receber algum comentário quanto ao seu estilo poético, humorístico, quanto à forma clara de
exposição, quanto à importância do tema etc. De toda forma, acreditamos que podemos ver a
importância deste livro para o ensino da psicologia, um livro feito por “nós” (brasileiros) e que atende as
nossas necessidades, buscando cobrir as lacunas que até agora encontramos nos livros didáticos de
história da psicologia.
REFERÊNCIAS
BOSI, A. O tempo e os tempos. In: NOVAES, A. (org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das
Letras, Secretaria Municipal da Cultura, 1992.
Arquivos Brasileiros de Psicologia, v. 60, n. 1, 2008.
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Endereço para correspondência
Luciana Chauí-Berlinck
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