sexta-feira, 16 de julho de 2010

1682 - HISTÓRIA DOS BIBLIOTECONOMISTAS

Evento reúne, em Marília, 30 palestrantes de 17 universidades, brasileiras e estrangeiras, para celebrar o centenário de nascimento de Gilberto Freyre e repensar a vasta obra do sociólogo pernambucano
Por Oscar D'Ambrosio

Complexo e contraditório. Esse é o perfil do escritor e sociólogo pernambucano Gilberto Freyre que emergiu depois de quatro dias de intensos debates entre mais de 30 pesquisadores de 17 universidades brasileiras e estrangeiras. Os pesquisadores reuniram-se a propósito do centenário de nascimento de Freyre, que está sendo celebrado este ano, durante a VII Jornada de Ciências Sociais "Jornada de Estudos Gilberto Freyre", promovida pela Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da UNESP, câmpus de Marília, realizada naquela cidade, entre 6 e 9 de novembro passado. "O evento repensou a vasta e diversificada obra de Gilberto Freyre, uma fonte de referência fundamental para que se saiba quem é o povo brasileiro", diz a socióloga Ethel Volfzon Kosminsky, coordenadora do encontro e docente da FFC.

Os palestrantes e os cerca de 200 participantes do evento foram unânimes em apontar o pioneirismo de Freyre (1900-1987) em se opor ao determinismo vigente em sua época, que atribuía os problemas nacionais ao clima (calor) e à imigração negra. "Ele considerava que a riqueza e a força cultural dos brasileiros estava justamente na mistura de raças. Valoriza o mestiço e é pioneiro em escrever, de maneira agradável, sobre moda, costumes, sexo, alimentação e morte na história do Brasil", diz o biblioteconomista Edson Nery da Fonseca, da Universidade de Brasília, especialista no autor pernambucano.

O historiador norte-americano Thomas Skidmore, da Universidade de Brown, é mais crítico em relação ao estilo de Gilberto Freyre. Acredita que o livro Casa Grande e Senzala, publicado em 1933, não tem argumentos sólidos que provem por que a colonização portuguesa teria sido menos violenta que a de espanhóis, holandeses, franceses ou ingleses. "Não há uma história bem contada, mas detalhes pitorescos sobre plantas nativas, frutas e práticas religiosas africanas. Dois temas garantiram o sucesso com os leitores: sexo entre raças e comida típica. O livro projetava, acima de tudo, otimismo no País e foi produzido e recebido mais como um manifesto e menos como um trabalho universitário de pesquisa. E era isso que Freyre queria, pois se via como ensaísta e escritor, não como acadêmico", disse. (veja entrevista com Skidmore)

Para Fonseca, a repercussão internacional da obra de Freyre se deve, em grande parte, justamente ao caráter literário que seus textos assumiram. "Ele se contrapôs abertamente ao modelo acadêmico de exposição científica, seguindo a tradição ensaísta erudita inglesa, que admirava", argumenta.

Ao discorrer sobre as "Matrizes do pensamento de Gilberto Freyre", a cientista social Maria Lúcia Palhares-Burke, da USP, apontou as afinidades inglesas do autor de Casa Grande e Senzala. "Ele era um nordestino vitoriano, um recifense inglês, que andava de paletó de tweed em pleno Brasil tropical. No campo das idéias, isso se repetia, pois abordava o Brasil com um olhar inglês, baseado, em boa parte, na filosofia de Herbert Spencer, de quem Freyre retirou a idéia da busca constante de um equilíbrio entre os contrários, por mais diferentes que parecessem", explicou. "Admirador da cultura inglesa, que via como conciliadora, analisou o Brasil por um olhar igualmente conciliador."

POLEMISTA NATO

Para Fonseca, Freyre soube utilizar seu talento de escritor sem abrir mão da pesquisa e do rigor sociológico. "Compôs assim um retrato rigoroso, mas otimista, do processo de formação social brasileiro, para ele demarcado por características democráticas e anti-racistas", afirmou.

Para o advogado e administrador de empresas Fernando Freyre, presidente da Fundação Joaquim Nabuco e filho de Gilberto, o pai foi um polemista nato, crítico profundo e intérprete original do fenômeno social brasileiro. "Ele tem sido celebrado como um dos principais intelectuais brasileiros de todos os tempos, e os numerosos eventos no Brasil, Argentina e França, neste centenário, me surpreenderam, principalmente por se tratar da celebração dos 500 anos do Descobrimento e dos centenários de outras figuras ilustres, como Anísio Teixeira e Gustavo Capanema", afirmou.

Em sua palestra, Freyre apresentou um resumo da vida do pai, que completaria cem anos em 15 de março último. "Ele foi alfabetizado em inglês. Por isso, teve facilidade em estudar na Universidade de Bayle, em Waco, Texas, indo depois para a Universidade Colúmbia, em Nova York, onde defendeu a tese Vida social no Brasil em meados do século XIX, a matriz de Casa Grande e Senzala", contou. "Como filho dele, aprendi a admirar a natureza e os livros." (veja quadro)

FORA DE SEU TEMPO

Publicado em 1933, Casa Grande e Senzala, ao lado de Sobrados e mucambos (1936) e Ordem e progresso (1959), forma a trilogia Introdução à história da sociedade patriarcal no Brasil. O terceiro volume é, para a pesquisadora do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas, Lucia Lippi, o mais atual e desafiador. "É um livro fora de seu tempo. Só começou a ser recuperado nos anos 1980/90, porque deixa de lado a questão econômica, em voga na época, e se debruça sobre a cultura brasileira, defendendo até o folclore", declarou.

A intertextualidade marcou diversas falas do evento. Integrante da comissão organizadora, a cientista social Fernanda Arêas Peixoto, da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, câmpus de Araraquara, destacou, em sua palestra, os elos entre Freyre e o sociólogo francês Roger Bastide. "Ambos, por exemplo, tiveram formação protestante e admiravam Marcel Proust", disse.

Mais pesquisadores se voltaram para paralelos entre Freyre e outros intelectuais brasileiros e do Exterior. A cientista social Regina Crespo, da FFC de Marília, que trabalha há seis anos na Universidade Nacional Autônoma do México, mostrou o diálogo entre o pensador brasileiro e dois intelectuais mexicanos, Alfonso Reyes, embaixador daquele país no Brasil, e José Vasconcelos, Ministro local da Educação. "Freyre narra como sociólogo, descreve como antropólogo e escreve como escritor", afirmou. "Considero que Freyre e Euclides da Cunha viam a nacionalidade brasileira. Ambos são fundamentais para a construção da idéia de cultura que nós temos hoje", afirmou a cientista social Glaucia Villas Boas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Para Fernanda Peixoto, da FCL de Araraquara, o melhor desta jornada foi justamente a possibilidade de diálogo entre os participantes. "Especialistas de Freyre trocaram idéias com leitores atentos e pesquisadores de gerações diferentes", afirmou. "Todos saíram muito satisfeitos e enriquecidos com o resultado", conclui Ethel Kosminsky.
Pai com açúcar
Freyre, pai, segundo Freyre, filho

"Inquieto, arrojado, instigante, sedutor, vaidoso, pioneiro e incentivador dos mais jovens." Com esses adjetivos, o advogado e administrador de empresas Fernando Freyre definiu seu pai, o sociólogo e escritor Gilberto Freyre, durante a VII Jornada de Ciências Sociais, que homenageou o autor de Casa Grande e Senzala. "Quando nasci, meu pai tinha 41 anos. Por isso, ele foi um pai com açúcar, um verdadeiro avô", disse. "Como ele viajava muito, minha irmã e eu ficávamos com os tios. Mas ele nunca foi um pai ausente. Fomos criados na célebre casa de Apicucos, cheia de árvores, galinhas e muitos livros."

Fernando conta que o pai obrigava os filhos a escrever constantemente. "Por isso, digo que cursei a Universidade Gilberto Freyre", afirma, acentuando o empenho do pai na criação da Fundação Joaquim Nabuco, que hoje preside. "Atuamos com projetos de ordem social no Norte e Nordeste, realizando pesquisas na área canavieira, na região semi-árida e mantendo, desde 1992, um Núcleo de Debates sobre a obra de Gilberto Freyre", explica.




ENTREVISTA

A revisão, depois da canonização

Para Thomas Skidmore, Gilberto Freyre ainda pode ser lido, mas sem paixão

Considerado o maior brasilianista da atualidade, o historiador norte-americano Thomas Skidmore, 69 anos, autor de obras já clássicas, como Brasil de Getúlio a Castelo e Uma História do Brasil, participou, dia 7 de novembro último, da VII Jornada de Ciências Sociais "Jornada de Estudos Gilberto Freyre", organizada pela Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, câmpus de Marília. Diretor do Centro para Estudos Latino-Americanos e professor de História Moderna Latino-Americana e Estudos Brasileiros e Portugueses da Universidade de Brown, EUA, ele proferiu a conferência Raízes de Gilberto Freyre e concedeu esta entrevista, em que conta, com bom humor, como começou a estudar o Brasil, a sua visão do Golpe de 1964, a permanência do autor de Casa Grande e Senzala, o momento atual da política brasileira e a eleição norte-americana para a presidência.

Jornal da UNESP – Como começou seu interesse pela política brasileira?

Thomas Skidmore – Foi por acaso. Até 1960, toda minha carreira de historiador era voltada para a Europa. Passei dois anos na Inglaterra, em Oxford, e fiz meu doutorado em Harvard, após um ano trabalhando com arquivos históricos sobre a Alemanha. Harvard não tinha, porém, professores especializados em estudos latino-americanos e achou que seria mais fácil investir nos que já estavam lá do que contratar novos. Me foi então oferecida uma bolsa de três anos, para que eu mudasse de especialidade. Aceitei, sabendo que ficaria no Brasil de 1961 a 1964. Eu já falava, além do inglês, francês e alemão, mas tinha que começar a aprender espanhol ou português. A aula de espanhol era às 8h da manhã e a de português, às 11h. Adivinhe qual escolhi... Foi isso que determinou minha carreira. (risos)

JU – Como foram suas relações com Gilberto Freyre? O senhor chegou a conhecê-lo pessoalmente?

Skidmore – Nos encontramos diversas vezes, nos anos 60 e 70, em Cambridge, Massachusetts e no Recife. Escrevi uma resenha sobre Ordem e progresso, em 1963, na qual apontei a ausência de uma história bem desenvolvida. Gilberto não gostou e me chamou de "sociólogo medíocre". Tudo bem, eu sou historiador.

JU – E a recepção à obra dele, no Exterior? Como o senhor a viu?

Skidmore – Os primeiros críticos tentaram canonizar o Gilberto, mas, a partir de 1950, começaram a surgir problemas. Quando não foi mais possível ocultar as profundas evidências de discriminação racial no Brasil, sua obra sofreu severas críticas, foi banida pela esquerda e encontrou em Florestan Fernandes o principal revisionista. Acho que, hoje, podemos lê-la, mas sem excessos apaixonados.

JU – O senhor estava no Brasil, no dia do golpe?

Skidmore – Estava no Rio de Janeiro e ouvi a notícia pelo rádio. Logo se percebeu que o João Goulart era muito fraco para resistir. Não havia ninguém nas ruas. Todo mundo estava em casa. Carlos Lacerda era a exceção. Fortificou o Palácio do Governo da Guanabara com sacos de areia e duas metralhadoras. Ele aguardava o ataque dos marinheiros fiéis a Jango, mas nada aconteceu. E sabe por quê? A rua era contra-mão (risos). Após o golpe, comecei a pesquisar para ver o que tinha acontecido e retornei até a Revolução de 1930. Assim surgiram livros como Brasil de Getúlio a Castelo, que se tornou uma de minhas obras mais lidas.

JU – Como o senhor vê o quadro para a corrida presidencial no Brasil?

Skidmore – Eu vejo um vácuo, um vazio de liderança. O PT está crescendo, assumindo prefeituras importantes, o que é muito bom, mas dizem que Lula vai concorrer de novo à presidência. Não quer deixar que novas lideranças, como José Genoino e Olívio Dutra, assumam maiores responsabilidades. Marta Suplicy, se fizer uma boa administração, pode ter chance. Como mulher, bonita e com um discurso menos radical, afasta a imagem de que os petistas comem criancinhas. (risos) As outras opções não me animam. Ciro Gomes, por exemplo, foi um desastre no breve período em que foi ministro, e o PSDB vive um desmantelamento devido às alianças do atual presidente para ganhar votos e emendar a Constituição. José Serra é inteligente, mas tem um temperamento muito difícil. Pedro Malan, por sua vez, é um homem fino, um aristocrata de grande capacidade, impressionante poder de decisão e muita coragem para expressar opiniões, algo pouco comum na política brasileira, mas não é uma personalidade política. Para piorar a situação do partido, a opinião pública reprova a política econômica do governo. Quanto ao PFL, tem a habilidade de realizar as mais estranhas coalizões para manter-se no poder. Há ainda o Paulo Maluf, que se assemelha aos políticos mais conservadores e direitistas do Texas, que ainda vivem no período da Guerra Fria e realizam campanhas anti-comunistas.

JU – E a disputada eleição nos EUA? Qual é o perfil dos candidatos?

Skidmore – Al Gore tem uma fraqueza: é o vice de Clinton, o homem que dormiu com Monica Lewinsky. Na sua campanha, mudou muitas vezes a plataforma e criou uma certa insegurança. Bush é um caso incrível, porque tem dislexia e dificuldade de concentração. São problemas do sistema nervoso, que não indicam falta de inteligência, mas são uma desvantagem. Ele não consegue ler mais de meia página e precisa que outros lhe expliquem tudo. Bush, o novo, por sua vez, não tem interesse nem experiência para ser presidente. O que houve foi uma forte união da direita, que, após não conseguir o impeachment ou a renúncia de Clinton, decidiu sepultar as diferenças dentro do Partido Republicano e se unir em torno de um novo rosto. Investiu-se muito para vender a imagem de Bush – e deu certo.



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