terça-feira, 13 de julho de 2010

1487 - HISTÓRIA DAS BIBLIOTECAS

ARTIGO
© Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, Nova Série, São Paulo, v.4, n.1, p. 35-45, jan./jun. 2008.
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A FORMAÇÃO DO LEITOR ATRAVÉS DAS BIBLIOTECAS:
o letramento e a ciência da informação como pressupostos
Caroline da Rosa Ferreira Becker
Maria Selma Grosch
Resumo: Contribuição para que as ações pedagógicas nas bibliotecas sejam voltadas para a formação de
leitores, para seu desenvolvimento social e educacional. O estudo foi feito através de uma fundamentação
teórica sobre leitura e letramento, sobre ciência da informação e sua relação com a formação de leitores, e
sobre o papel do bibliotecário como agente na formação do leitor. Em considerações finais, propõe
recomendações que contribuem para a formação do leitor através das bibliotecas. A relevância desta pesquisa
constitui-se na possibilidade de buscar elementos-chave na educação, contribuindo assim para a formação de
um país de leitores que busquem e utilizem criticamente a informação, através das bibliotecas.
Palavras-chave: Leitura. Letramento. Ciência da informação. Formação do leitor.
THE READER’S DEVELOPMENT THROUGH THE LYBRARIES:
the literacy and the information science as pressuposition
Abstract : This article focuses on the contribution to the pedagogical actions at the libraries for the social
and educational development of the readers. This study was performed through a theoretical basis on reading
and literacy, information science and its relationship with the readers’ development, and on the librarian role
as an agent in this development. As a final consideration, it proposes recommendations that contribute to the
readers’ development through the libraries. The importance of this research is given due to the possibility of
searching key elements in the education, contributing for the development of a country of readers who search
for and critically use the information, through the libraries.
Keywords: Reading. Literacy. Information science. Readers’ development.
1 INTRODUÇÃO
A leitura deve ser algo de elevado significado para o leitor, acrescentando-lhe novas
experiências e reformulando as idéias já existentes. Que faça parte do seu contexto e que lhe
permita aprender ou re-aprender. Abordando este novo sentido sobre a leitura e sua função, surge o
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termo letramento, que significa o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e
escrever. Não basta apenas saber ler e escrever, ser alfabetizado. É preciso saber fazer uso do ler e
do escrever, respondendo às exigências de leitura da sociedade. É preciso ser letrado.
Neste sentido, as bibliotecas assumem papel fundamental ao possibilitar as pessoas o
acesso à leitura, através do seu acervo e, mais precisamente, por meio daqueles que são a mais fiel
tradução do conhecimento disponibilizado no mundo: os livros. Tamanha é a responsabilidade
daqueles que a administram, pois pequenas ações dentro das bibliotecas podem constituir-se em
eventos significativos na promoção da leitura.
A palavra biblioteca etimologicamente quer dizer caixa/armário de livros. Guardiã dos
saberes da humanidade, muito tem se preocupado em conservar seus acervos e, infelizmente em
algumas, também se conservam os seus segredos. Com a multiplicação de livros, aos poucos as
bibliotecas adquirem caráter leigo e civil, preocupando-se também em divulgar seus conhecimentos.
Novas tecnologias surgem diariamente e as pessoas não se dão conta de que ações
pedagógicas são mais importantes que meras organizações de atividades. Bibliotecas e livros são
memória e construção do mundo, faltando cogitar mais explicitamente sobre a leitura, elemento
fundamental na ação com os acervos.
Nossos leitores possuem necessidades que outrora não existiam, seja no caso de
informação, como também no seu suporte. Em virtude disso, também as bibliotecas têm que se
adequarem à esta nova demanda, oferecendo serviços e atividades que promovam o prazer de ler em
nossos leitores.
Tendo realizado a pesquisa intitulada A biblioteca escolar e sua influência na formação
de leitores na representação dos alunos da Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul – EAFRS em
2005, durante a Pós-graduação em Educação: Leitura, Letramento e Literatura, constatou-se, em um
dos objetivos específicos investigados, que os alunos da Escola Agrotécnica Federal de Rio do Sul
possuem características de alunos ledores, quando responderam no questionário que possuem
dificuldades de leitura, sendo a dificuldade mais citada: ler e depois esquecer o que foi lido.
Enquanto atuando na biblioteca acima pesquisada, o estudo me fez surgir outras
indagações e também, a me inquietar as seguintes questões: como nós, gestores de bibliotecas,
podemos estar contribuindo para a educação de leitores? Que ações contínuas poderemos estar
implementando nas bibliotecas escolares para que os leitores sejam sujeitos numa educação de
qualidade, que possui o letramento e a ciência da informação como pressupostos?
Alguns caminhos, para que possamos repensar a questão da formação do leitor através
das bibliotecas, encontrando sugestões para responder as perguntas do parágrafo anterior, são
propostas a seguir.
2 LEITURA E LETRAMENTO
Na medida, porém, em que me fui
tornando íntimo do meu mundo, em que
melhor o percebia e o entendia na
‘leitura’ que dele ia fazendo, os meus
temores iam diminuindo.
Paulo Freire
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O ato de ler vem sendo historicamente questionado por pesquisadores, apresentando
evolução do seu conceito, do seu objetivo e de suas práticas. O número ilimitado de fontes de
informação disponibilizado atualmente faz com que surjam barreiras na busca, filtragem,
organização e apropriação da leitura.
Dentro deste contexto, surge nos Estados Unidos da América, em 1974, a expressão
information literacy (IL), que, no Brasil, é conhecida como competência em informação ou
letramento.
Na década de 70, a information literacy era considerada uma série de conhecimentos
para a busca e o uso da informação.
A década de 70 se caracterizou pela admissão de que a informação é essencial à
sociedade. Portanto, um novo conjunto de habilidades era necessário para o uso
eficiente e eficaz da informação. Antevia-se uma realidade de mudanças nos
sistemas de informação e no papel exercido pelos bibliotecários (DUDZIAK, 2003,
p.4).
Constata-se que o profissional bibliotecário nos EUA é visto, desde 1970, como
profissional da informação. Aquele que não apenas lida com trabalhos técnicos e administrativos,
mas também que promove a disseminação e a mediação da informação.
Na década de 80, quando ocorre o surgimento de novas tecnologias da informação no
mundo, há nos EUA a alteração dos sistemas de informação e das bibliotecas. Segundo Elisabeth
Adriana Dudziak, 2003, p.5, “os bibliotecários começavam a prestar atenção às conexões existentes
entre bibliotecas e educação, a information literacy e o aprendizado ao longo da vida”. Os
currículos eram integrados e a construção do conhecimento era feita a partir da busca e do uso da
informação, tendo a biblioteca como elemento-chave na educação. Este conceito fez com que
diminuíssem as lacunas existentes entre a sala de aula e a biblioteca.
Uma série de programas educacionais voltados para a IL foi implementada ao redor do
mundo nos anos 90, principalmente a partir das bibliotecas universitárias. Houve crescente
integração e colaboração entre bibliotecários e docentes na implantação destes programas. O
bibliotecário é visto como educador e participante fundamental na aplicação da information
literacy. Foram também nesta década, segundo Doyle (apud DUDZIAK, 2003), traçadas as
diretrizes da IL, considerando-a um conjunto integrado de habilidades, conhecimentos e valores
ligados à busca, acesso, organização, uso e apresentação da informação na resolução de problemas,
utilizando, para tanto, o pensamento crítico.
No Brasil, na segunda metade dos anos 80, é que a palavra letramento surge no discurso
dos especialistas das áreas da educação e das ciências lingüísticas. Segundo Magda Soares (2003,
p.17), “literacy é o estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever”. Não se
trata, portanto, de ser alfabetizado, saber ler e escrever, ato adquirido “mecanicamente”. Mas, sim,
de saber que a leitura e a escrita trazem conseqüências sociais, políticas, culturais, econômicas,
cognitivas e lingüísticas para o grupo social ou para o indivíduo que aprende a usá-las. É fazer
relações com as leituras já realizadas, é avaliar criticamente a informação, é ser aprendiz
independente, é aprender a aprender e buscar aprendizado sempre.
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Nas escolas onde podem ser realizados, para muitos alunos, os primeiros contatos com a
leitura e a escrita, é preciso possibilitar a implantação de programas educacionais voltados para o
letramento, através da integração entre professores e bibliotecários. Promovendo ações que utilizem
a biblioteca como forte influente na formação de leitor dos alunos.
O leitor competente ou letrado, em síntese, é aquele que apresenta os seguintes
comportamentos:
· Sabe buscar textos de acordo com o seu horizonte de expectativas, segundo seus
interesses e necessidades;
· Adquire livros;
· Conhece os locais onde os livros e materiais de leitura se encontram, sejam em
bibliotecas, livrarias, entre outros;
· Freqüenta espaços mediadores de leitura;
· Orienta-se fácil nas estantes, sendo independente na busca daquilo que lhe interessa;
· Segue as orientações de leitura oferecidas pelo autor;
· É capaz de dialogar com novos textos, posicionando-se critica e criativamente diante
deles;
· Troca impressões e informações com outros leitores;
· É receptivo a novos textos que não confirmem seu horizonte de expectativas;
· Amplia seu horizonte de expectativas e sua visão de mundo a cada leitura.
(AGUIAR, 1996).
A tarefa de fazer com que os alunos passem da condição de realizar suas leituras
comuns, cotidianas, corriqueiras e obrigatórias, para leituras de prestígio e de satisfação,
consideradas uma experiência de liberdade, de felicidade e de encantamento, são objetivos expostos
nas práticas do letramento.
Na obra “Livro que te quero livre”, dos autores Sueli de Souza Cagneti e Werner Zotz,
publicado em 1986, são feitos alguns relatos sobre as práticas de leitura onde, apesar de não serem
chamados de relatos de letramento, muito se assemelham ao tema. Cita-se abaixo um desses relatos,
encontrado à página 38:
Mais: não existe um caminho único; cada ser humano, ao longo da existência, traça
sua própria vereda, de modo muito particular e individual. Como tomar decisões,
optar, escolher, definir, quando não se aprendeu a pensar, a raciocinar? A leitura
contribui, de forma decisiva, para preencher esta lacuna na formação do ser
humano. Ela desenvolve a reflexão e o espírito crítico. É fonte inesgotável de
assuntos para melhor compreender a si e ao mundo. Propicia o crescimento
interior. Leva-nos a viver as mais diferentes emoções, possibilitando a formação de
parâmetros individuais para medir e codificar nossos próprios sentimentos.
Apesar de ser um tema novo, onde no Brasil inicia-se sua exploração e seu entendimento, os
desafios são grandes e o aprendizado é longo. Repensar o papel do bibliotecário e da função
educativa de nossas bibliotecas na formação do leitor são projetos que englobam o letramento.
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3 A CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM A FORMAÇÃO DE
LEITORES
Durante toda a história das bibliotecas escolares, no período compreendido entre 1930 e
1940 é que ficaram evidenciadas as efetivas práticas de leitura, quando o sentido maior de sua
utilização foi o de promover a leitura. Segundo Diana Gonçalves Vidal (2000, p.12):
Não apenas as alunas eram empurradas à biblioteca, como se criava todo um
ambiente favorável à leitura: hora específica para a atividade inserida no tempo
escolar; indicação de impressos nos programas de disciplinas, trabalhos de
seminário e discussão de textos; além de compras freqüentes de livros, incentivos a
professores e professoras, e as alunas, da escola para a publicação de escritos,
detalhamento da escrituração bibliotecal, dentre outros. (Grifo do autor)
Desde que foram criadas, as bibliotecas levaram mais de três séculos para começarem a
realizar ações promotoras da leitura e que incentivavam o prazer de ler. Todo o processo deste novo
fazer sobre a leitura nas bibliotecas foi lento e, somente com ações efetivas e reais, foi possível.
Durante toda a história das bibliotecas escolares não existiu uma continuidade de suas
ações, já que a informação, ainda hoje, é uma grande ameaça aos governantes. A comunicação de
massa dirige as ações e manipula as pessoas, tornando-as marionetes num sistema de imposição de
regras. “Acredito que a tomada de consciência sobre a verdadeira gênese da crise da leitura no
Brasil seja um primeiro passo para sua superação e transformação” (SILVA, 1993, p.37).
A crise da leitura no Brasil, onde se lê 1,8 livros por habitante por ano, segundo dados
da Câmara Brasileira do Livro, pode ser também estudada e analisada através da ciência da
informação (CI). Tefko Saracevic (1996, p.41), aborda: “a CI é definida como um campo
englobando, tanto a pesquisa científica quanto a prática profissional, pelos problemas que propõe e
pelos métodos que escolheu, ao longo do tempo, para solucioná-los”.
Seria a CI um meio através do qual se poderiam buscar alternativas para minimizar ou
até solucionar a crise de leitura do Brasil? Já que tanto o letramento, como a ciência da informação,
abordam o uso, acesso, organização, busca, disseminação e apresentação da informação.
Transformar o Brasil em um país de leitores não é tarefa fácil, sobretudo no
contexto da sociedade da informação, no qual novos suportes informacionais
direcionam as políticas não apenas para as práticas leitoras e para a alfabetização
cidadã, mas principalmente para o domínio das novas tecnologias, muitas vezes
distantes da formação do cidadão leitor e apenas instrumentalizadoras de
habilidades primárias que têm como objetivo incluir o cidadão nessa sociedade
(ROSA; ODDONE, 2006, p.183).
Passados estes períodos críticos na história da leitura e das bibliotecas, no sentido da
disseminação da informação, temos acesso à praticamente tudo o que é produzido e publicado no
mundo, seja através do meio físico ou do meio virtual (Internet). Vivemos na sociedade da
informação, onde há um crescimento exponencial da informação, seja no meio acadêmico, como
também no senso comum. Controlar essa gama de informações e transmitir o conhecimento para
aqueles que deles necessitam é um dos pressupostos da ciência da informação.
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CI é a disciplina que investiga as propriedades e o comportamento da informação,
as forças que governam seu fluxo, e os meios de processá-la para otimizar sua
acessibilidade e uso. A CI está ligada ao corpo de conhecimentos relativos a
origem, coleta, organização, estocagem, recuperação, interpretação, transmissão,
transformação e uso da informação (BORKO, 1968, p.4).
Principalmente no que se refere à interpretação da informação citada acima, tanto a
ciência da informação, como o letramento, são pressupostos para a formação do leitor. E as
bibliotecas, são as organizações onde este conhecimento muitas vezes está guardado, porém, nem
sempre socializado. Segundo informações do 5º Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional,
realizado pelo Instituto Paulo Montenegro, em 2005:
[...] a escola é a principal responsável pela inserção das pessoas na cultura letrada.
Espera-se que a educação básica crie as condições para que todos os cidadãos
possam participar, de forma autônoma, de uma sociedade onde quase tudo depende
da capacidade de processar informação escrita: comunicar-se, informar-se,
planejar, prestar contas, reivindicar, etc.
Embora a escola devesse ser o local responsável em promover ações que desenvolvam o
prazer de ler, indo ao encontro de práticas do letramento, as práticas em nossas escolas nem sempre
contribuem para formar cidadãos leitores. E as bibliotecas, que deveriam ser o cérebro das
instituições escolares, funcionam (quando existem), como apêndice da educação: sem bibliotecário,
localizadas em salas impróprias, com acervo desatualizado e sem diversidade de leituras (escrita,
virtual, etc), sem atividades que promovam o prazer de ler, etc.
De acordo com Saracevic (1996, p.49): “o campo comum entre a biblioteconomia e a
CI, que é bastante forte, consiste no compartilhamento do seu papel social e sua preocupação
comum com os problemas da efetiva utilização dos registros gráficos”. Esta preocupação comum
entre CI e biblioteconomia quanto a utilização dos registros gráficos, poderia ser chamada de
efetiva preocupação com a formação de leitores.
4 O BIBLIOTECÁRIO COMO AGENTE NA FORMAÇÃO DO LEITOR
Segundo a Diretriz Curricular Nacional do Curso de Biblioteconomia, aprovada em 03 de
abril de 2001, “a formação do bibliotecário supõe o desenvolvimento de determinadas competências
e habilidades e o domínio dos conteúdos da Biblioteconomia. Além de preparados para enfrentar
com proficiência e criatividade os problemas de sua prática profissional, produzir e difundir
conhecimentos, refletir criticamente sobre a realidade que os envolve, buscar o aprimoramento
contínuo e observar padrões éticos de conduta, os egressos dos referidos cursos deverão ser capazes
de atuar junto a instituições e serviços que demandem intervenções de natureza e alcance variados:
Considero impossível uma revolução
qualitativa na área da leitura sem a
participação e sem o compromisso dos
bibliotecários para com os processos de
mudança e de transformação social.
Ezequiel Theodoro da Silva
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bibliotecas, centros de documentação ou informação, centros culturais, serviços ou redes de
informação, órgãos de gestão do patrimônio cultural etc”.
A profissão de Bibliotecário, surgida em 1962, foi ao longo dos tempos tendo que se
aprimorar em virtude das modificações que ocorreram no ambiente sócio-político-econômico e,
principalmente, tecnológico brasileiro.
O final da década de 80 trouxe para a Biblioteconomia uma indagação que ainda
não encontrou resposta definitiva: quem é o profissional da informação capaz de
enfrentar desafios e dificuldades provocados pelas grandes mudanças ocorridas
pela chegada da era da informação? (VALENTIM, 2000, p.107).
Será que este profissional da informação que pode atuar em mais diversos locais de
trabalho preocupa-se em desenvolver ou alimentar cada vez mais em seus usuários o gosto da
leitura? E as bibliotecas, estão cumprindo com seu papel social de formar cidadãos leitores?
Lourenço Filho (apud SILVA, 1995), nos esclarece:
Ensino e biblioteca são instrumentos complementares [...], ensino e biblioteca não
se excluem, complementam-se. Uma escola sem biblioteca é um instrumento
imperfeito. A biblioteca sem ensino, ou seja, sem a alternativa de estimular,
coordenar e organizar a leitura, será por seu lado, instrumento vago e incerto.
Como estimular, coordenar e organizar a leitura, se dentro das próprias bibliotecas, nós
bibliotecários, não sabemos como envolver nossos usuários em atividades que contribuam para a
sua formação de leitor? Nossos currículos estão recheados de disciplinas técnicas, porém pouco ou
nada direcionados para a formação de nossos usuários, de nossos leitores.
Segundo a Lei Nº 4.084, de 30 de junho de 1962, são atribuições dos Bacharéis de
Biblioteconomia a organização, direção e execução dos serviços técnicos de repartições públicas
federais, estaduais, municipais e autárquicas e empresas particulares concernentes às matérias e
atividades seguintes: o ensino de Biblioteconomia; a fiscalização de estabelecimentos de ensino de
Biblioteconomia reconhecidos, equiparados ou em via de equiparação; administração e direção de
bibliotecas; a organização e direção dos serviços de documentação; a execução dos serviços de
classificação e catalogação de manuscritos e de livros raros e preciosos, de mapotecas, de
publicações oficiais e seriadas, de bibliografia e referência.
Falar de nossa profissão, hoje, é falar de um profissional que está deixando de lado
os estereótipos arraigados há muito tempo na figura da pessoa de óculos e coque
que pedia silêncio na Biblioteca, na imagem de um profissional que era um
guardião de livros e que tinha a Biblioteca como sua. (SOUZA; PARDINI;
BRAGA, 2002, p.2).
Com o advento da Internet, os profissionais passaram a trabalhar com uma grande
quantidade de informação e necessitam dominar as novas mídias de acesso aos principais bancos de
dados na rede mundial de computadores.
A nova era da informação requer um profissional que assuma uma nova postura
diante das tecnologias existentes e das que estão por vir. Ao trabalhar com os
serviços disponíveis pela Internet, o Bibliotecário depara-se com uma gama de
informações e alternativas [...] que aumentam a qualidade e a capacidade dos
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serviços prestados pela Biblioteca ou pelo Centro de Informação em que ele atua
(VARGAS, 2002, p.5).
Em se tratando da leitura, o uso de bibliotecas deve ser incentivado e começar o mais
cedo possível na vida do indivíduo. Infelizmente, isto ocorre precariamente no Brasil: o primeiro
contato com a biblioteca escolar é muita vezes um acontecimento negativo, onde a biblioteca passa
a ser sinônimo de castigos, imposições, proibições e desconfortos, enquanto deveria constituir-se de
uma experiência extremamente positiva.
Targino (apud SILVA, 1995, p.47), ressalta o quanto “é importante que este contato seja
marcado positivamente, pois as representações que as pessoas têm da biblioteca estão, em geral,
impregnadas pelas suas experiências enquanto usuários”.
O perfil do Bibliotecário, neste primeiro contato, é imprescindível e deve contar com
uma boa comunicação com os estudantes, ser agradável, criativo, responsável, e principalmente,
saber compreender as crianças e saber conquistá-las.
Precisamos, dentro de nossas bibliotecas escolares, não de guardiões de acervos,
mas de articuladores de ações dinamizadoras; não de contadores de livros, mas
contadores de histórias; não de estatísticas, mas de qualidade de leitura
(FRAGOSO, 1996, p.257).
A leitura torna-se tarefa primordial destes profissionais, já que para incentivar a ler, o
bibliotecário deverá ser, antes de tudo, um grande leitor. Não basta apenas a formação acadêmica,
mas a auto-educação, através da pesquisa, da reflexão e do crescimento intelectual.
O bibliotecário, pela especificidade de sua ação, deve namorar os livros,
demonstrando, sempre, uma paixão pessoal pela leitura. Para isso, deve refletir
muito sobre a sua própria formação. Quer dizer: perguntar se o seu trajeto e seus
processos de formação acadêmica estão permitindo o desenvolvimento do gosto
pela leitura e o incremento do seu repertório de leitura (SILVA, 1999, p.128).
A profissão de bibliotecário está, ainda, muito regrada por conceitos de organização e
administração de centros de informação, pouco expondo sua função educativa no sentido de auxiliar
a comunidade de usuários na utilização correta das fontes de informação, de incentivar o estudante
ou pesquisador a ler e freqüentar a biblioteca e, principalmente, de desenvolver o gosto pela leitura.
O problema da biblioteconomia brasileira está na mentalidade retrógrada de um
grande número de bibliotecários, que se apresentam como pequenas autoridades:
donas dos espaços públicos; reprodutoras cegas de normas esclerosadas; escravas
das fichas de catalogação e de sistemas fechados de consulta; seguidoras servis dos
códigos (e não dos caminhos concretos da vida); zumbis de espaços
compartimentalizados; marionetes alienadas que só funcionam ao toque da
burocracia, incapazes de sair dos enferrujados trilhos do tecnicismo; débeis
vivendo atrás das barreiras de seus balcões; seres desacostumados ao diálogo;
cópias carbono dos totens autoritários e tocadores da mesmice, cujo único desafio
na vida é saber quando vai sair a aposentadoria para que continuem a fazer nada do
nada que sempre fizeram (SILVA, 1999, p.99).
As palavras do autor soam bruscamente, mas revelam características infelizmente ainda
existentes em alguns profissionais bibliotecários, que se preocupam muito com a técnica e pouco
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com a prática da disseminação da informação, da formação de leitores, do bom contato com os
usuários. Torna-se evidente que o histórico de nossas bibliotecas contribuiu para alguns desses
procedimentos, já que o profissional bibliotecário teve em alguns períodos da história das
bibliotecas no Brasil, o fim de sua autoridade e a descontinuidade de seus trabalhos.
É necessária a realização de ações conjuntas entre os bibliotecários, criando e
reivindicando propostas para a formação de leitores e para a criação de bibliotecas. Fazendo com
que as bibliotecas sejam vistas e reconhecidas como verdadeiros templos do saber, necessárias para
proporcionar uma educação de qualidade e formar um país de leitores.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O artigo leva a constatar que há muitos pesquisadores preocupados com a formação de
leitor nas escolas. Por outro lado, há uma bibliografia hostil abordando: a leitura nas bibliotecas e
suas relações com o letramento e a CI; e o bibliotecário como agente na formação do leitor.
A falta de profissionais bibliotecários atuando nas bibliotecas é fator relevante na
formação do leitor. A realidade das bibliotecas públicas escolares no Brasil é precária, onde
profissionais não qualificados são colocados para administrarem as bibliotecas. Programas
governamentais em parceria com órgãos de classe deveriam exigir a contratação do bibliotecário
nas bibliotecas. Se houvessem atividades de formação do leitor com nossos alunos, desde a sua
infância, através do profissional bibliotecário, teríamos certamente, uma grande parcela de alunos
letrados. Em contrapartida, também os profissionais bibliotecários têm que estar atentos para as
novas necessidades de leitura e formação de leitor de nossos alunos, diversificando ações que
promovam o prazer de ler e a formação do leitor. Saraus literários, comemoração da Semana
Nacional do Livro e da Biblioteca, concursos de textos, teatro, dança, música, literatura, exposições,
oficinas, etc. são algumas sugestões.
Os cursos de biblioteconomia deveriam oferecer em seus currículos disciplinas
obrigatórias sobre leitura e formação do leitor.
As bibliotecas têm que adequarem seus acervos, oferecendo materiais diversificados
que englobem os mais atualizados suportes informacionais. Não acreditamos no fim do livro
impresso, mas diariamente surgem outros tipos de suportes informacionais que despertam a
curiosidade e o interesse de nossos usuários, criando uma diversidade de escritas e dando lugar,
também, a uma diversidade de leituras.
A Ciência da Informação é uma grande aliada na formação de leitores, pois, através dela
podem-se utilizar e criar métodos para estudar a questão da leitura, da formação do leitor e do
letramento.
O termo letramento é novo e refere-se a um novo pensar frente às práticas de formação
de leitores. Há muito que ser realizado nesta área do conhecimento, e, acredita-se que pesquisa
como esta, pode levar a reflexão e contribuir para a formação de um país de leitores letrados.
REFERÊNCIAS
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© Revista Brasileira de Biblioteconomia e Documentação, Nova Série, São Paulo, v.4, n.1, p. 35-45, jan./jun. 2008.
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Caroline da Rosa Ferreira Becker
Bibliotecária da Escola Agrotécnica Federal do Rio Grande do Sul (EAFRS)
Especialista em Educação: Leitura, Letramento e Literatura
carolzinhaferreira@yahoo.com.br
(47) 8818-1992
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Maria Selma Grosch
Professora orientadora de estágio em Pedagogia
Mestre em Educação (FURB)
Doutoranda em Educação (FURB)
grosch@furb.br
(47) 9981-1260
Recebido para publicação em:20/02/08
Aceito para publicação em: 20/05/08



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