sexta-feira, 19 de outubro de 2012

CARTA DE FERNANDO PESSOA SOBRE HETERÔNIMOS (LITERATURA DE MANICÔMIO) A CASAIS MONTEIRO

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F E R N A N D O P E S S O A

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Autobiografia?

Carta a Adolfo Casais Monteiro







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Caixa Postal 147



Apartado Postal 147





Lisboa, 13 de Janeiro de 1935



Lisboa, 13 de Enero de 1935





Meu prezado Camarada:



Mi apreciado Camarada:





Muito agradeço a sua carta, a que vou responder imediata e integralmente. Antes de, propriamente, começar, quero pedir-lhe desculpa de lhe escrever neste papel de cópia. Acabou-se-me o decente, é domingo, e não posso arranjar outro. Mas mais vale, creio, o mau papel que o adiamento.



Agradezco mucho su carta, la que voy a responder inmediata e integralmente. Andes de, propiamente, comenzar, quiero pedirle disculpas de escribirle en este papel de copia. Se me acabó el decente, es Domingo, y no puedo conseguir otro. Pero más vale, creo, el mal papel que la prórroga.





Em primeiro lugar, quero dizer-lhe que nunca eu veria «outras razões» em qualquer cousa que escrevesse, discordando, a meu respeito. Sou um dos poucos poetas portugueses que não decretou a sua própria infalibilidade, nem toma qualquer crítica., que se lhe faça, como um acto de lesa-divindade. Além disso, quaisquer que sejam os meus defeitos mentais, é nula em mim a tendência para a mania da perseguição. À parte isso, conheço já suficientemente a sua independência mental, que, se me é permitido dizê-lo, muito aprovo e louvo. Nunca me propus ser Mestre ou Chefe-Mestre, porque não sei ensinar, nem sei se teria que ensinar; Chefe, porque nem sei estrelar ovos. Não se preocupe, pois, em qualquer ocasião, com o que tenha que dizer a meu respeito. Não procuro caves nos andares nobres.



En primer lugar, quiero decirle que yo nunca vería «otras razones» en cualquier cosa que escribiera, discordando, a mi respecto. Soy uno de los pocos poetas portugueses que no decretaron su propia infalibilidad, ni toman ninguna crítica que se les haga, como un acto de lesa-divinidad. Más allá de eso, cualquieras que sean mis defectos mentales, es nula en mí la tendencia para la manía de la persecusión. Aparte de eso, conozco ya suficientemente su independencia mental, que, se me es permitido decirlo, mucho lo apruebo y alabo. Nunca me propuse ser Maestro o Maestro en Jefe, porque no sé enseñar, ni sé si tendría qué enseñar; Jefe, porque ni sé romper huevos. No se preocupe, pues, en cualquier ocasión, con lo que tenga que decir a mi respecto. No busco excavar en los andares nobles.





Concordo absolutamente consigo em que não foi feliz a estreia, que de mim mesmo fiz com um livro da natureza de «Mensagem». Sou, de facto, um nacionalista místico, um sebastianista racional. Mas sou, à parte isso, e até em contradição com isso, muitas outras cousas. E essas cousas pela mesma natureza do livro, a «Mensagem» não as inclui.



Concuerdo absolutamente consigo en que no fue feliz la estrella, que de mi mismo hice con un libro de la naturaleza del «Mensagem», Soy, de facto, un nacionalista místico, un sebastianista racional. Pero soy, aparte de eso, y hasta en contradicción con eso, muchas otras cosas. Y esas cosas por la misma naturaleza del libro, el «Mensagem» no las incluí.





Comecei por esse livro as minhas publicações pela simples razão de que foi o primeiro livro que consegui, não sei porquê, ter organizado e pronto. Como estava pronto incitaram-me a que o publicasse: acedi. Nem o fiz, devo dizer, com os olhos postos no prémio possível do Secretariado, embora nisso não houvesse pecado intelectual de maior. O meu livro estava pronto em Setembro, e eu julgava, até, que não poderia concorrer ao prémio, pois ignorava que o prazo para entrega dos livros, que primitivamente fora até fim de Julho, fora alargado até ao fim de Outubro. Como, porém, em fim de Outubro já havia exemplares prontos da «Mensagem», fiz entrega dos que o Secretariado exigia. O livro estava exactamente nas condições (nacionalismo) de concorrer. Concorri.



Comencé por ese libro mis publicaciones por la simple razón de que fue el primer libro que conseguí, no sé porqué, tener organizado y listo. Como estaba pronto, incitáronme a que lo publicara: accedí. Ni lo hice, debo decir, con los ojos puestos en el posible premio del Secretariado, enhorabuena en eso no hubiera pecado intelectual mayor. Mi libro estaba listo en Septiembre, y yo juzgaba, hasta, que no podría concurrir al premio, pues ignoraba que el plazo para la entrega de los libros, que primitívamente fuera hasta fin de Julio, fuese alargado hasta el fin de Octubre. Como, pese a todo, a fin de Octubre ya había ejemplares listos del «Mensagem», hice entrega de los que el Secretariado exigía. El libro estaba exactamente en las condiciones (nacionalismo) de concurrir. Concurrí.





Quando às vezes pensava na ordem de uma futura publicação de obras minhas, nunca um livro do género de «Mensagem» figurava em número um. Hesitava entre se deveria começar por um livro de versos grande – um livro de umas 350 páginas –, englobando as várias sub-personalidades de Fernando Pessoa ele mesmo, ou se deveria abrir com uma novela policiária, que ainda não consegui completar.



Cuando a veces pensaba en la orden de una futura publicación de obras mías, nunca un libro del género de «Mensagem» figuraba en número uno. Tituveaba entre si debía comenzar por un libro de versos grande - un libro de unas 350 páginas -, englobando las varias sub-personalidades de Fernando Pessoa él mismo, o si debería abrir con una novela policial, que todavía no conseguí completar.





Concordo consigo, disse, em que não foi feliz a estreia, que de mim mesmo fiz, com a publicação de «Mensagem». Mas concordo com os factos que foi a melhor estreia que eu poderia fazer. Precisamente porque essa faceta – em certo modo secundária – da minha personalidade não tinha nunca sido suficientemente manifestada nas minhas colaborações em revistas (excepto no caso do Mar Português, parte deste mesmo livro) – precisamente por isso convinha que ela aparecesse, e que aparecesse agora. Coincidiu, sem que eu o planeasse ou o premeditasse (sou incapaz de premeditação prática), com um dos momentos críticos (no sentido original da palavra) da remodelação do subconsciente nacional. O que fiz por acaso e se completou por conversa, fora exactamente talhado, com Esquadria e Compasso, pelo Grande Arquitecto.



Concuerdo consigo, dije, en que no fue feliz la estrella, que de mi mismo hice, con la publicación de «Mensagem». Pero concuerdo con los actos que fue la mejor estrella que hubiera podido hacer. Precisamente porque esa faceta - en cierto modo secundaria - de mi personalidad no había sido nunca suficientemente manifestada en mis colaboraciones en revistas (excepto en el caso del Mar Português, parte de este mismo libro) - precisamente por eso convine que ella apareciese, y que apareciera ahora. Coincidió, sin que yo lo planease o premeditase (soy incapaz de premeditación práctica), con uno de los momentos críticos (en el sentido original de la palabra) de la remodelación del subconsciente nacional. El que hice por si acaso y se completó por conversación, fuera exactamente tallado, con Escuadra y Compás, por el Gran Arquitecto.





(Interrompo. Não estou doido nem bêbado. Estou, porém, escrevendo directamente, tão depressa quanto a máquina mo permite, e vou-me servindo das expressões que me ocorrem, sem olhar a que literatura haja nelas. Suponha – e fará bem em supor, porque é verdade – que estou simplesmente falando consigo.)



(Interrumpo. No estoy ni dolido ni borracho. Estoy, pese a todo, escribiendo directamante, tan deprisa cuanto la máquina me lo permite, y voy sirviéndome de las expresiones que me ocurren, sin mirar que la literatura esté en ellas. Suponga - y hará bien en suponer, porque es verdad - que estoy simplemente hablando consigo.)





Respondo agora directamente às suas três perguntas: (1) plano futuro da publicação das minhas obras, (2) génese dos meus heterónimos, e (3) ocultismo.



Respondo ahora directamente a sus tres preguntas: (1) plano futuro de la publicación de mis obras, (2) génesis de mis pseudónimos, y (3) ocultismo.





Feita, nas condições que lhe indiquei, a publicação da «Mensagem», que é uma manifestação unilateral, tenciono prosseguir da seguinte maneira. Estou agora completando uma versão inteiramente remodelada do Banqueiro Anarquista; essa deve estar pronta em breve e conto, desde que esteja pronta, publicá-la imediatamente. Se assim fizer, traduzo imediatamente esse escrito para inglês, e vou ver se o posso publicar em Inglaterra. Tal qual deve ficar, tem probabilidades europeias. (Não tome esta frase no sentido de Prémio Nobel imanente.) Depois – e agora respondo propriamente à sua pergunta, que se reporta a poesia – tenciono, durante o verão, reunir o tal grande volume dos poemas pequenos do Fernando Pessoa ele mesmo, e ver se o consigo publicar em fins do ano em que estamos. Será esse o volume que o Casais Monteiro espera, e é esse que eu mesmo desejo que se faça. Esse, então, será as facetas todas, excepto a nacionalista, que «Mensagem» já manifestou.



Hecha, en las condiciones que le indiqué, la publicación del «Mensagem», que es una manifestación unilateral, intento continuar de la siguiente manera. Estoy ahora completando una versión enteramente remodelada del Barqueiro Anarquista; esa debe estar lista en breve y cuento, desde que estuviera lista, publicarla inmediatamente. Si así hiciera, traduciría inmediatamente ese escrito para el inglés, y voy a ver si lo puedo publicar en Inglaterra. Tal cual debe quedar, tiene pobabilidades europeas. (No tome esta frase en el sentido de Premio Nóbel inherente.) Después - y ahora respondo propiamente a su pregunta, que se reporta a poesía - intento, durante el verano, reunir el tal grande volumen de los poemas pequeños de Fernando Pessoa él mismo, y ver si lo configo publicar en fin del año en que estamos. Será ese el volumen que Casais Monteiro espera, y es ese que yo mismo deseo que se haga. Ese, entonces, será todas las facetas, excepto la nacionalista, que «Mensagem» ya manifestó.





Referi-me, como viu, ao Fernando Pessoa só. Não penso nada do Caeiro, do Ricardo Reis ou do Álvaro de Campos. Nada disso poderei fazer, no sentido de publicar, excepto quando (ver mais acima) me for dado o Prémio Nobel. E contudo – penso-o com tristeza – pus no Caeiro todo o meu poder de despersonalização dramática, pus em Ricardo Reis toda a minha disciplina mental, vestida da música que lhe é própria, pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida. Pensar, meu querido Casais Monteiro, que todos estes têm que ser, na prática da publicação, preteridos pelo Fernando Pessoa., impuro e simples!



Me referí, como vió, a Fernando Pessoa solamente. No pienso nada de Caeiro, de Ricardo Reis o de Álvaro de Campos. Nada de eso podré hacer, en el sentido de publicar, excepto cuando (ver más encima) me fuera dado el Premio Nóbel. Y con todo - lo pienso con tristeza - puse en Caeiro todo mi poder de despersonalización dramática, puse en Ricardo Reis toda mi disciplina mental, vestida de la música que le es propia, puse en Álvaro de Campos toda la emoción que no doy mi a mí ni a la vida. Pensar, mi querido Casais Monteiro, que todos estos tienen que ser, en la práctica de la publicación, preteridos por Fernando Pessoa, ¡impuro y simple!





Creio que respondi à sua primeira pergunta.



Creo que respondí a su primera pregunta.





Se fui omisso, diga em quê. Se puder responder, responderei. Mais planos não tenho, por enquanto. E, sabendo eu o que são e em que dão os meus planos, é caso para dizer, Graças a Deus!



Si fui omiso, diga en qué. Si puedo responder, responderé. Más planes no tengo, por ahora. Y, sabiendo lo que son y en que dan a mis planes, es caso para decir, ¡Gracias a Dios!





Passo agora a responder à sua pergunta sobre a génese dos meus heterónimos. Vou ver se consigo responder-lhe completamente.



Paso ahora a responde a su pregunta sobre el génesis de mis pseudónimos. Voy a ver si consigo responderle completamente.





Começo pela parte psiquiátrica. A origem dos meus heterónimos é o fundo traço de histeria que existe em mim. Não sei se sou simplesmente histérico, se sou, mais propriamente, um histero-neurasténico. Tendo para esta segunda hipótese, porque há em mim fenómenos de abulia que a histeria, propriamente dita, não enquadra no registo dos seus sintomas. Seja como for, a origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação. Estes fenómenos – felizmente para mim e para os outros – mentalizaram-se em mim; quero dizer, não se manifestam na minha vida prática, exterior e de contacto com outros; fazem explosão para dentro e vivo-os eu a sós comigo. Se eu fosse mulher – na mulher os fenómenos histéricos rompem em ataques e cousas parecidas – cada poema de Álvaro de Campos (o mais histericamente histérico de mim) seria um alarme para a vizinhança. Mas sou homem – e nos homens a histeria assume principalmente aspectos mentais; assim tudo acaba em silêncio e poesia...



Comienzo por la parte psiquiátrica. El origen de mis pseudónimos es el hondo trazo de histeria que existe en mí. No sé si soy simplemente histérico, si soy, más propiamente, un hísteroneurastémico. Tiendo para esa segunda hipótesis, porque hay en mí fenómenos de apatía que la histeria, propiamente dicha, no encuadra en el registro de sus síntomas. Sea como fuere, el origen natural de mis pseudónimos está en mi tendencia orgánica y constante para la despersonalización y para la simulación. Estos fenómenos - felizmente para mí y para los otros - mentalizáronse en mí; quiero decir, no se manifestan en mi vida práctica, exterior y de contacto con otros; hacen explosión para dentro y los vivo yo a solas conmigo. Si yo fuera mujer - en la mujer los fenómenos histéricos rompen en ataques y cosas parecidas - cada poema de Álvaro de Campos (el más histericamente histérico de mí) sería una alarma para la vecindad. Pero soy hombre - y en los hombres la histéria asume principalmente aspectos mentales; asi todo, acaba en silencio y poesía...





Isto explica, tant bien que mal, a origem orgânica do meu heteronimismo. Vou agora fazer-lhe a história directa dos meus heterónimos. Começo por aqueles que morreram, e de alguns dos quais já me não lembro – os que jazem perdidos no passado remoto da minha infância quase esquecida.



Esto explica, tant(sic) bien que mal, el origen orgánico de mis pseudónimos. Voy ahora a hacerle la historia directa de mis pseudónimos. Comienzo por aquellos que murieran, y de algunos de los cuales ya no me acuerdo - los que yacen perdidos en el pasado remoto de mi infancia casi olvidada.





Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. (Não sei, bem entendido, se realmente não existiram, ou se sou eu que não existo. Nestas cousas, como em todas, não devemos ser dogmáticos.) Desde que me conheço como sendo aquilo a que chamo eu, me lembro de precisar mentalmente, em figura, movimentos, carácter e história, várias figuras irreais que eram para mim tão visíveis e minhas como as cousas daquilo a que chamamos, porventura abusivamente, a vida real. Esta tendência, que me vem desde que me lembro de ser um eu, tem-me acompanhado sempre, mudando um pouco o tipo de música com que me encanta, mas não alterando nunca a sua maneira de encantar.



Desde niño tuve la tendencia de crear en torno a mí un mundo ficticio, de cercarme de amigos y conocidos que nunca existieron. (no sé, bien entendido, si realmente no existieron, o si soy yo que no existo. En estas cosas, como en todas, no debemos ser dogmáticos.) Desde que me conozco como siendo aquello a lo que llamo yo, me acuerdo de precisar mentalmente, en figura, movimientos, carácter e historia, varias figuras ireales que eran para mí tan visibles y mias como las cosas de aquello a lo que llamamos, por ventura abusivamente, la vida real. Esta tendencia, que me viene desde que me acuerdo de ser un yo, me ha acompañado siempre, mudando un poco el tipo de música en que me encanta, pero no alterando nunca su manera de encantar.





Lembro, assim, o que me parece ter sido o meu primeiro heterónimo, ou, antes, o meu primeiro conhecido inexistente – um certo Chevalier de Pas dos meus seis anos, por quem escrevia cartas dele a mim mesmo, e cuja figura, não inteiramente vaga, ainda conquista aquela parte da minha afeição que confina com a saudade. Lembro-me, com menos nitidez, de uma outra figura, cujo nome já me não ocorre mas que o tinha estrangeiro também, que era, não sei em quê, um rival do Chevalier de Pas... Cousas que acontecem a todas as crianças? Sem dúvida – ou talvez. Mas a tal ponto as vivi que as vivo ainda, pois que as relembro de tal modo que é mister um esforço para me fazer saber que não foram realidades.



Recuerdo, así, lo que me parece haber sido mi primer pseudónimo, o, antes, mi primer conocido inexistente - un cierto Chevalier de Pas de mis seis años, por quien escribía cartas a mí mismo, y cuya figura, no enteramente vaga, todavía conquista aquella parte del afecto que confina con la añoranza. Me acuerdo, con menos nitidez, de otra figura, cuyo nombre ya no me acuerdo más que que era extranjero también, que era, no sé en qué, un rival de Chevalier de Pas... ¿Cosas que le suceden a todos los niños? Sin duda - o tal vez. Pero a tal punto las viví que las vivo todavía, pues las recuerdo de tal modo que es menester un esfuerzo para hacerme saber que no fueron realidades.





Esta tendência para criar em torno de mim um outro mundo, igual a este mas com outra gente, nunca me saiu da imaginação. Teve várias fases, entre as quais esta, sucedida já em maioridade. Ocorria-me um dito de espírito, absolutamente alheio, por um motivo ou outro, a quem eu sou, ou a quem suponho que sou. Dizia-o, imediatamente, espontaneamente, como sendo de certo amigo meu, cujo nome inventava, cuja história acrescentava, e cuja figura – cara, estatura, traje e gesto – imediatamente eu via diante de mim. E assim arranjei, e propaguei, vários amigos e conhecidos que nunca existiram, mas que ainda hoje, a perto de trinta anos de distância, oiço, sinto, vejo. Repito: oiço, sinto, vejo... E tenho saudades deles.



Esta tendencia para crear en torno de mí otro mundo, igual a este mas con otra gente, nunca me salió de la imaginación. Tuve varias fases, entre las cuales está, sucedida ya en mayoría. Se me ocurría un dicho de espíritu, absolutamente ajeno, por un motivo u otro, a quien soy, o lo que supongo que soy. Lo decía inmediatamente, espontameamente, como siendo de cierto amigo mio, cuyo nombre inventaba, cuya historia agrandaba, y cuya figura - cara, estatura, traje y gesto - inmediatamente veia delante de mí. Y así conseguí, y propagué, varios amigos y conocidos que nunca existieron, pero que todavía hoy, a cerca de treinta años de distancia, oigo, siento, veo, Repio: oigo, siento, veo... y tengo añoranzas de ellos.





(Em eu começando a falar – e escrever à máquina é para mim falar –, custa-me a encontrar o travão. Basta de maçada para si, Casais Monteiro! Vou entrar na génese dos meus heterónimos literários, que é, afinal, o que V. quer saber. Em todo o caso, o que vai dito acima dá-lhe a história da mãe que os deu à luz.)



(En mí comenzando a hablar - y escribir a máquina es para mí hablar -, cuestame encontrar el freno. ¡Basta de conversación incómoda para sí, Casais Monteiro! Voy a entrar en la génesis de mis pseudónimos literarios, que es, al final, lo que Ud. quiere saber. En todo caso, lo que va dicho encima le da a la historia la madre que los dio a luz.)





Aí por 1912, salvo erro (que nunca pode ser grande), veio-me à ideia escrever uns poemas de índole pagã. Esbocei umas cousas em verso irregular (não no estilo Álvaro de Campos, mas num estilo de meia regularidade), e abandonei o caso. Esboçara-se-me, contudo, numa penumbra mal urdida, um vago retrato da pessoa que estava a fazer aquilo. (Tinha nascido, sem que eu soubesse, o Ricardo Reis.)



Ahí por 1912, salvo error (que nunca puede ser grande), me vino a la idea escribir unos poemas de índole pagana. Esbocé unas cosas en verso irregular (no en el estilo Álvaro de Campos, mas en un estilo de media regularidad), y abandoné el caso. Se me esbozara, con todo, en una penumbra mal urdida, un vago retrato de persona que estaba por hacer aquello. (Había nacido, sin que yo supiera, Ricardo Reis.)





Ano e meio, ou dois anos depois, lembrei-me um dia de fazer uma partida ao Sá-Carneiro – de inventar um poeta bucólico, de espécie complicada, e apresentar-lho, já me não lembro como, em qualquer espécie de realidade. Levei uns dias a elaborar o poeta mas nada consegui. Num dia em que finalmente desistira – foi em 8 de Março de 1914 – acerquei-me de uma cómoda alta, e, tomando um papel, comecei a escrever, de pé, como escrevo sempre que posso. E escrevi trinta e tantos poemas a fio, numa espécie de êxtase cuja natureza não conseguirei definir. Foi o dia triunfal da minha vida, e nunca poderei ter outro assim. Abri com um título, O Guardador de Rebanhos. E o que se seguiu foi o aparecimento de alguém em mim, a quem dei desde logo o nome de Alberto Caeiro. Desculpe-me o absurdo da frase: aparecera em mim o meu mestre. Foi essa a sensação imediata que tive. E tanto assim que, escritos que foram esses trinta e tantos poemas, imediatamente peguei noutro papel e escrevi, a fio, também, os seis poemas que constituem a Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Imediatamente e totalmente... Foi o regresso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro a Fernando Pessoa ele só. Ou, melhor, foi a reacção de Fernando Pessoa contra a sua inexistência como Alberto Caeiro.



Año y medio, o dos años después, me acordé un día de hacer una partida al Sá-Carneiro - de inventar un poeta bucólico, de especie complicada, y presentarlo, ya no recuerdo como, en cualquier especie de realidad. Llevé unos días para elaborar al poeta mas nada conseguí. Un día en que finalmente desistiría - fue el 8 de Marzo de 1914 - me acerqué desde una cómoda alta, y tomando un papel, comencé a escribir, de pie,como escribo siempre que puedo. Y escribí treinta y tantos poemas al hilo, en una especie de éxtasis cuya naturaleza no conseguiré definir. Fue el dia triufal de mi vida, y nunca podré tener otro así. Abrí con un título, O Guardador de Rebanhos. Y lo que le siguió fue la aparición de alguien en mí, a quien di desde luego el nombre de Alberto Caeiro. Discúlpeme el absurdo de la frase: apareció en mí mi maestro. Fue esa la sensación inmediata que tuve. Y tanto así que, escritos que fueran esos treinta y tantos poemas, inmediatamante agarré otro papel y escribí, al hilo, también, los seis poemas que constituyen la Chuva Oblíqua, de Fernando Pessoa. Inmediatamente y totalmente... Fue el regreso de Fernando Pessoa-Alberto Caeiro a Fernando Pessoa él solo. O, mejor, fue la reacción de Fernando Pessoa contra a su existencia como Alberto Caeiro.





Aparecido Alberto Caeiro, tratei logo de lhe descobrir – instintiva e subconscientemente – uns discípulos. Arranquei do seu falso paganismo o Ricardo Reis latente, descobri-lhe o nome, e ajustei-o a si mesmo, porque nessa altura já o via. E, de repente, e em derivação oposta à de Ricardo Reis, surgiu-me impetuosamente um novo indivíduo. Num jacto, e à máquina de escrever, sem interrupção nem emenda, surgiu a Ode Triunfal de Álvaro de Campos – a Ode com esse nome e o homem com o nome que tem.



Aparecido Alberto Caeiro, traté luego de descubrirle - instintiva y subconscientemente - unos discípulos. Arranqué de su falso paganismo al Ricardo Reis latente, le descubrí el nombre, y lo ajusté a sí mismo, porque a esa altura ya lo veia. Y, de repente, y en derivación opuesta a la de Ricardo Reis, me surgió impestuosamente un nuevo individuo. En un acto, y la máquina de escribir, sin interrupción ni enmienda, surgió la Ode Triunfal de Álvaro de Campos - la Oda con ese nombre y el hombre con el nombre que tiene.





Criei, então, uma coterie inexistente. Fixei aquilo tudo em moldes de realidade. Graduei as influências, conheci as amizades, ouvi, dentro de mim, as discussões e as divergências de critérios, e em tudo isto me parece que fui eu, criador de tudo, o menos que ali houve. Parece que tudo se passou independentemente de mim. E parece que assim ainda se passa. Se algum dia eu puder publicar a discussão estética entre Ricardo Reis e Álvaro de Campos, verá como eles são diferentes, e como eu não sou nada na matéria.



Creé, entonces, una coterie inexistente. Fijé todo aquello en moldes de realidad. Gradué las influencias, conocí a las amistades, oí, dentro de mí, las discusiones y las divergencias de criterios, y en todo esto me parece que fui yo, creador de todo, el que menos estuvo ahí. Parece que todo se pasó independientemente de mí. Y parece que así todavía se pasa. Si algún día pudiera publicar la discusión estética entre Ricardo Reis y Álvaro de Campos, verá como ellos son direrentes, y como yo no soy nada en la materia.





Quando foi da publicação de Orpheu, foi preciso, à última hora, arranjar qualquer cousa para completar o número de páginas. Sugeri então ao Sá-Carneiro que eu fizesse um poema «antigo» do Álvaro de Campos – um poema de como o Álvaro de Campos seria antes de ter conhecido Caeiro e ter caído sob a sua influência. E assim fiz o Opiário, em que tentei dar todas as tendências latentes do Álvaro de Campos, conforme haviam de ser depois reveladas, mas sem haver ainda qualquer traço de contacto com o seu mestre Caeiro. Foi dos poemas que tenho escrito, o que me deu mais que fazer, pelo duplo poder de despersonalização que tive que desenvolver. Mas, enfim, creio que não saiu mau, e que dá o Álvaro em botão...



Cuando fue la publicación de Orpheu, fue preciso, a la última hora, conseguir cualquier cosa para completar el número de páginas. Sugerí entonces al Sá-Carneiro que yo hiciera un poema «antiguo» de Álvaro de Campos - un poema de como Álvaro de Campos sería antes de haber conocido a Caeiro y haber caido bajo su influencia. Y así hice al Opiário, en que intenté dar todas las tendencias latentes de Álvaro de Campos, conforme habían de ser después reveladas, pero sin haber todavía cualquier trazo de contacto con su maestro Caeiro. Fue de los poemas que tengo escritos, el que me dio más que hacer, por el duplo poder de despersonalización que tuve que desenvolver. Pero, en fin, creo que no salió mal, y que muestra a Álvaro en pimpollo...





Creio que lhe expliquei a origem dos meus heterónimos. Se há porém qualquer ponto em que precisa de um esclarecimento mais lúcido – estou escrevendo depressa, e quando escrevo depressa não sou muito lúcido –, diga, que de bom grado lho darei. E, é verdade, um complemento verdadeiro e histérico: ao escrever certos passos das Notas para recordação do meu Mestre Caeiro, do Álvaro de Campos, tenho chorado lágrimas verdadeiras. É para que saiba com quem está lidando, meu caro Casais Monteiro!



Creo que le expliqué el origen de mis pseudónimos. Si hay con todo cualquier punto en el que precisa de un esclarecimiento más lúcido - estoy escribiendo deprisa, y cuando escribo deprisa no soy muy lúcido -, diga que de buen grado se lo daré. Y, es verdad, un complemento verdadero e histérico: al escribir ciertos pasajes de las Notas para recordação do meu Mestre Caeiro, de Álvaro de Campos, he llorado lágrimas verdaderas. Es para que sepa con quién está lidiando, ¡mi querido Casais Monteiro!





Mais uns apontamentos nesta matéria... Eu vejo diante de mim, no espaço incolor mas real do sonho, as caras, os gestos de Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. Construí-lhes as idades e as vidas. Ricardo Reis nasceu em 1887 (não me lembro do dia e mês, mas tenho-os algures), no Porto, é médico e está presentemente no Brasil. Alberto Caeiro nasceu em 1889 e morreu em 1915; nasceu em Lisboa, mas viveu quase toda a sua vida no campo. Não teve profissão nem educação quase alguma. Álvaro de Campos nasceu em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 (às 1,30 da tarde, diz-me o Ferreira Gomes; e é verdade, pois, feito o horóscopo para essa hora, está certo). Este, como sabe, é engenheiro naval (por Glasgow), mas agora está aqui em Lisboa em inactividade. Caeiro era de estatura média, e, embora realmente frágil (morreu tuberculoso), não parecia tão frágil como era. Ricardo Reis é um pouco, mas muito pouco, mais baixo, mais forte, mas seco. Álvaro de Campos é alto (1,75 in de altura, mais 2 cm do que eu), magro e um pouco tendente a curvar-se. Cara rapada todos – o Caeiro louro sem cor, olhos azuis; Reis de um vago moreno mate; Campos entre branco e moreno, tipo vagamente de judeu português, cabelo, porém, liso e normalmente apartado ao lado, monóculo. Caeiro, como disse, não teve mais educação que quase nenhuma – só instrução primária; morreram-lhe cedo o pai e a mãe, e deixou-se ficar em casa, vivendo de uns pequenos rendimentos. Vivia com uma tia velha, tia-avó. Ricardo Reis, educado num colégio de jesuítas, é, como disse, médico; vive no Brasil desde 1919, pois se expatriou espontaneamente por ser monárquico. É, um latinista por educação alheia, e um semi-helenista por educação própria. Álvaro de Campos teve uma educação vulgar de liceu; depois foi mandado para a Escócia estudar engenharia, primeiro mecânica e depois naval. Numas férias fez a viagem ao Oriente de onde resultou o Opiário. Ensinou-lhe latim um tio beirão que era padre.



Algunas notas más en esta materia... Yo veo delante de mí, en el espacio incoloro pero reali del sueño, las caras, los gestos de Caeiro, Ricardo Reis y Álvaro de Campos. Les construí las edades y las vidas. Ricardo Reis nación en 1887 (no me acuerdo el dia y mes, pero los tengo en algún lugar), en Porto, es médico y está en el presente en Brasil. Alberto Caeiro nació en 1889 y murió en 1915; nació en Lisboa, pero vivió casi toda su vida en el campo. No tuvo profesión ni casi educación alguna. Álvaro de Campos nació en Tavira, en el día 15 de Octubre de 1890 (a la 1:30 de la tarde, me dice Ferreira Gomes; y es verdad, pues, hecho el horóscopo para esa hora, está bien). Este, como se sabe, es ingeniero naval (por Glasgow), pero ahora está aquí en Lisboa en inactividad. Caeiro es de estatura media, y, enhorabuena realmente frágil (murió tuberculoso), no parecía tan frágil como era. Ricardo Reis es un poco, pero muy poco, más bajo, más fuerte, más seco. Álvaro de Campos es alto (1,75 m de altura, 2cm más que yo), flaco y un poco tendiente a encorvarse. Cara afeitada todos - Caeiro es rubio sin color, ojos azules; Reis de un vago moreno mate; Campos entre blanco y moreno, tipo vagamente de judío portugués, cabello, por lo tanto, liso y normalmente apartado al lado, monóculo. Caeiro, como dije, no tuvo más educación que casi ninguna - sólo instrucción primaria; se le murieron temprano el padre y la madre, y se dejó estar en casa, viviendo de unos pequeños intereses. Vivía con una tía vieja, tía abuela. Ricardo Reis, educado en un colegio de jesuitas, es, como dije, médico; vive en el Brasil desde 1919, pues se exilió espontaneamente por ser monárquico. Es, un latinista por educación ajena, y un semi-helenista por educación propia. Álvaro de Campos tuvo una educación vulgar de liceo; después fue mandado para Escocia a estudiar ingeniería, primero mecánica y después naval. En unas vacaciones hizo el viaje a Oriente de donde resultó el Opiário. Le enseñó latín un tío beirão (N.d.T: habitante de las Beiras lisboetas) que era padre.





Como escrevo em nome desses três?... Caeiro, por pura e inesperada inspiração, sem saber ou sequer calcular o que iria escrever. Ricardo Reis, depois de uma deliberação abstracta, que subitamente se concretiza numa ode. Campos, quando sinto um súbito impulso para escrever e não sei o quê. (O meu semi-heterónimo Bernardo Soares, que aliás em muitas cousas se parece com Álvaro de Campos, aparece sempre que estou cansado ou sonolento, de sorte que tenha um pouco suspensas as qualidades de raciocínio e de inibição; aquela prosa é um constante devaneio. É um semi-heterónimo porque, não sendo a personalidade a minha, é, não diferente da minha, mas uma simples mutilação dela. Sou eu menos o raciocínio e a afectividade. A prosa, salvo o que o raciocínio dá de ténue à minha, é igual a esta, e o português perfeitamente igual; ao passo que Caeiro escrevia mal o português, Campos razoavelmente mas com lapsos como dizer «eu próprio» em vez de «eu mesmo», etc., Reis melhor do que eu, mas com um purismo que considero exagerado. O difícil para mim é escrever a prosa de Reis – ainda inédita – ou de Campos. A simulação é mais fácil, até porque é mais espontânea, em verso.)



¿Cómo escribo en nombre de esos tres?... Caeiro, por pura e inesperada inspiración, sin saber o siquiera calcular que iría a escribír. Ricardo Reis, después de una deliberación abstracta, que subitamente se concretiza en una oda. Campos, cuando siento un súbito impulso para escribir y no sé qué. (Mi semi-pseudónimo Bernardo Soares, que además en muchas cosas se parece con Álvaro de Campos, aparece siempre que estoy cansado o somnoliento, de suerte que tenga un poco suspensas las cualidades del raciocinio y de inhibición; aquella prosa es un constante divague. Es un semi-pseudónimo porque, no siendo la personalidad la mia, es, no diferente de la mía, pero una simple mutilación de ella. Soy yo menos el raciocinio y la afectividad. La prosa, salvo lo que el raciocinio da de tenue a la mía, es igual a ésta, y el portugués perfectamente igual; al paso que Caeiro escriba mal el por tugués, Campos razonablemente pero con lapsos como decir «yo propio» en vez de «yo mismo», etc., Reis mejor de lo que yo, pero con un purismo que considero exagerado. Lo difícil para mí es escribir la prosa de Reis - todavía inédita - o la de Campos. La simulación es más fácil, hasta porque es más espontánea, en verso.)





Nesta altura estará o Casais Monteiro pensando que má sorte o fez cair, por leitura, em meio de um manicómio. Em todo o caso, o pior de tudo isto é a incoerência com que o tenho escrito. Repito, porém: escrevo como se estivesse falando consigo, para que possa escrever imediatamente. Não sendo assim, passariam meses sem eu conseguir escrever.(*)



A esta altura estará Casais Monteiro pensando qué mala suerte lo hizo caer, por lectura, en medio de un manicomio. En todo el caso, lo peor de todo esto es la incoherencia con la que he escrito. Repito, pese a todo: Escribo como si estuviera hablando consigo, para que pueda escribir inmediatamente. No siendo así, pasarían meses sin conseguir yo escribir.(*)





Falta responder à sua pergunta quanto ao ocultismo. Pergunta-me se creio no ocultismo. Feita assim, a pergunta não é bem clara; compreendo porém a intenção e a ela respondo. Creio na existência de mundos superiores ao nosso e de habitantes desses mundos, em experiências de diversos graus de espiritualidade, subtilizando-se até se chegar a um Ente Supremo, que presumivelmente criou este mundo. Pode ser que haja outros Entes, igualmente Supremos, que hajam criado outros universos, e que esses universos coexistam com o nosso, interpenetradamente ou não. Por estas razões, e ainda outras, a Ordem Externa do Ocultismo, ou seja, a Maçonaria, evita (excepto a Maçonaria anglo-saxónica) a expressão «Deus», dadas as suas implicações teológicas e populares, e prefere dizer «Grande Arquitecto do Universo», expressão que deixa em branco o problema de se Ele é Criador, ou simples Governador do mundo. Dadas estas escalas de seres, não creio na comunicação directa com Deus, mas, segundo a nossa afinação espiritual, poderemos ir comunicando com seres cada vez mais altos. Há três caminhos para o oculto: o caminho mágico (incluindo práticas como as do espiritismo, intelectualmente ao nível da bruxaria, que é magia também), caminho esse extremamente perigoso, em todos os sentidos; o caminho místico, que não tem propriamente perigos, mas é incerto e lento; e o que se chama o caminho alquímico, o mais difícil e o mais perfeito de todos, porque envolve uma transmutação da própria personalidade que a prepara, sem grandes riscos, antes com defesas que os outros caminhos não têm. Quanto a «iniciação» ou não, posso dizer-lhe só isto, que não sei se responde à sua pergunta: não pertenço a Ordem Iniciática nenhuma. A citação, epígrafe ao meu poema Eros e Psique, de um trecho (traduzido, pois o Ritual é em latim) do Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplesmente – o que é facto – que me foi permitido folhear os Rituais dos três primeiros graus dessa Ordem, extinta, ou em dormência desde cerca de 1888. Se não estivesse em dormência, eu não citaria o trecho do Ritual, pois se não devem citar (indicando a origem) trechos de Rituais que estão em trabalho.(**)



Falta responder a su pregunta en cuanto al ocultismo. Me pregunta si creo en el ocultismo. Hecha así, la pregunta no es bien clara; comprendo pese a eso la intención y a ella respondo. Creo en la existencia de mundos superiores al nuestro y de habitantes de esos mundos, en experiencias de diversos grados de espiritualidad, subutilizandose hasta llegarse a un Ente Supremo, que presumiblemente creó este mundo. Puede ser que hayan otros Entes igualmente Supremos, que hayan creado otros universos, y que esos universos coexistan con el nuestro, interpenetradamente o no. Por estas razones, y todavía otras, la Orden Externa do Ocultismo, o sea, la Maçonaria (N.d.T: Masonería), evita (excepto la Maçonaria anglosajona) la expresión «Deus», dadas sus implicaciones teológicas y populares, y prefiere decir «Grande Arquitecto do Universo», expresión que deja en blanco el problema de si Él es creador, o simple Gobernador del mundo. Dadas estas escalas de seres, no creo en la comunicación directa con Dios, pero, según nuestra afinidad espiritual, podemos ir comunicándonos con seres cada vez más altos. Hay tres caminos para lo oculto: el camino mágico (incluyendo prácticas como las del espiritismo, intelectualmente al nivel de la brujería, que es magia también), camino ese extremadamente peligroso, en todos los sentidos; el camino místico, que no tiene propiamente peligros, pero es incierto y lento; y lo que se llama el camino alquímico, el más difícil y el más perfecto de todos, porque envuelve una transmutación de la propia personalidad que la prepara, sin grandes riesgos, antes con defencas que los otros caminos no tienen. En cuanto a la «iniciación» o no, puedo decirle sólo esto, que no sé si responde a su pregunta: no pertenezco a Ordem Iniciática (N.d.T: Iniciadora) ninguna. La cita, epígrafe a mi poema Eros e Psique, de un pedazo (tradicido, pues el Ritual es en latín), del Ritual do Terceiro Grau da Ordem Templária de Portugal, indica simplemente - lo que es hecho - que me fue permitido hojear los Rituales de los tres primeros grados de esa Orden, extinta, o en letargo desde cerca de 1888. Si no estuviera en letargo, yo no citaría el trech del Ritual, pueso no se deben citar (indicando el origen) trechos de Rituales que están en trabajo(**)





Creio assim, meu querido camarada, ter respondido, ainda com certas incoerências, às suas perguntas. Se há outras que deseja fazer, não hesite em fazê-las. Responderei conforme puder e o melhor que puder. O que poderá suceder, e isso me desculpará desde já, é não responder tão depressa.



Creo así, mi querido camarada, haber respondido, todavía con ciertas incoherencias, a sus preguntas. Si hay otras que desee hacer, no dude en hacerlas. Responderé como pueda y lo mejor que pueda. Lo que podrá suceder, y eso me disculpará, desde ya, es no responder tan deprisa.





Abraça-o o camarada que muito o estima e admira.



Lo abraza el camarada que mucho lo estima y admira.





Fernando Pessoa



Fernando Pessoa





P. S. (!!!)



P.D. (!!!)





14-1-1935



14/01/1935





Além da cópia que normalmente tiro para mim, quando escrevo à máquina, de qualquer carta que envolve explicações da ordem das que esta contém, tirei uma cópia suplementar, tanto para o caso de esta carta se extraviar, como para o de, possivelmente, ser-lhe precisa para qualquer outro fim. Essa cópia está sempre às suas ordens.



Más allá de la copia que normalmente guardo para mí, cuando escrivo a máquina, de cualquier carta que envuelve explicaciones del orden de las que esta contiene, guardé una copia suplementar, tanto para el caso de que esta carta se extravie, como para el de, posiblemente, serle precisa para cualquier otro fin. Esa copia está siempre a sus ordenes.





Outra cousa. Pode ser que, para qualquer estudo seu, ou outro fim análogo, o Casais Monteiro precise, no futuro, de citar qualquer passo desta carta. Fica desde já autorizado a fazê-lo, mas com uma reserva, e peço-lhe licença para lha acentuar. O parágrafo sobre ocultismo, na página 7 da minha carta, não pode ser reproduzido em letra impressa. Desejando responder o mais claramente possível à sua pergunta, saí propositadamente um pouco fora dos limites que são naturais nesta matéria.



Otra cosa. Puede ser que, para cualquier estudio suyo, o otro fin análogo, Casais Monteiro precise, en el futuro, citar cualquier pasaje de esta carta. Queda desde ya autorizado a hacerlo, pero con una reserva, y le pido permiso para acentuarla. El párrafo sobre ocultismo, en la página 7 de mi carta, no puede ser reproducido en letra impresa. Deseando responder lo más claramente posible a su pregunta, salí propuestamente un poco fuera de los límites que son naturales en esta materia.





Trata-se de uma carta particular, e por isso não hesitei em fazê-lo. Nada obsta a que leia esse parágrafo a quem quiser, desde que essa outra pessoa obedeça também ao critério de não reproduzir em letra impressa o que nesse parágrafo vai escrito. Creio que posso contar consigo para tal fim negativo.



Se trata de una carta particular, y por eso no dudé en hacerlo. Nada coharta a que lea ese párrafo a quien quiera, desde que esa otra persona obedezca también al criterio de no reproducir en letra impresa lo que en ese párrafo va escrito. Creo que puedo contar consigo para tal fin negativo.





Continuo em dívida para consigo da carta ultradevida sobre os seus últimos livros. Mantenho o que creio que lhe disse na minha carta anterior: quando agora (creio que será só em Fevereiro) passar alguns dias no Estoril, porei essa correspondência em ordem, pois estou em dívida, nessa matéria, não só para consigo, mas também com várias outras pessoas.



Continuo en deuda para consigo de la carta ultradevida sobre sus últimos libros. Mantengo lo que creo que le dije en mi carta anterior: cuando ahora (creo que será sólo en Febrero) pase algunos días en Estoril, pondré esa correspondencia en orden, pues estoy en deuda, en ese tema, no solo para consigo, pero tambén con varias otras personas.





Ocorre-me perguntar de novo uma cousa que já lhe perguntei e a que me não respondeu: recebeu os meus folhetos de versos em inglês, que há tempos lhe enviei?



Se me ocurre preguntar de nuevo una cosa que ya le pregunté y que no me respondió: ¿recibió mis folletos de versos en inglés, que hace tiempo le envié?





«Para meu governo», como se diz em linguagem comercial, pedia-lhe que me indicasse o mais depressa possível que recebeu esta carta. Obrigado.



«Para meu governo», como se dice en lenguaje comercial, le pido que me avisara lo más deprisa posible que recibió esta carta. Gracias.





Fernando Pessoa



Fernando Pessoa















(*): Esta carta, tal como foi inserida por Adolfo Casais Monteiro na revista Presença, n.º 9, Junho de 1937, e mais tarde por Jorge de Sena nas Páginas de Doutrina Estética, obr. cit., terminava aqui, em obediência ao Post Scriptum de Fernando Pessoa, que pedia a não publicação do trecho subsequente devido aos motivos que apontava e que se reproduzem. Contudo, com autorização de Casais Monteiro, João Gaspar Simões incluiu o referido trecho ocultista na sua Vida e Obra de Fernando Pessoa, obr. cit., pp. 546 e 547 (2.ª ed.). Transcreve-se o referido trecho na íntegra, bem como o P. S., que só figurava em Apêndice da antologia de Sena.



Esta carta, tal como fue insertada por Adolfo Casais Monteiro en la revista Presença, Nº9, Junio de 1937, y más tarde por Jorge de Sena en las Páginas de Doutrina Estética, obra citada, terminaba aquí, en obediencia a la Post Data de Fernando Pessoa, que pedía la no publicación del trecho subsiguiente debido a motivos que apuntaba y que se reproducen. Pese a todo, con autorización de Casais Monteiro, João Gaspar Simões incluyó el trecho referido ocultista en su Vida e Obra de Fernando Pessoa, obra citada, pp 546 y 547 (2ª edición). Se transcribe el referido trecho en la íntedra, bien como la P.D. que sólo figuraba en Apêndice de la antología de Sena.





(**): Termina aqui o texto em questão, só conhecido depois do livro de J. Gaspar Simões.



Termina aqui el texto en cuestión, sólo conocido después del libro de J. Gaspar Simões.





Fonte: Fernando Pessoa, Obra Poética e em Prosa, ed. António Quadros. Porto, Lello & Irmão, 1986.





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