sexta-feira, 19 de outubro de 2012

AFONSO BOTELHO

Maria Thereza David João*


Afonso Botelho e a política portuguesa de

povoamento no Brasil meridional

Resumo

Verifica-se que, na segunda metade do século XVIII, em razão de uma transformação no sistema colonial

português, devida a uma nova organização administrativa do estado, levada a cabo pelo Marquês de Pombal e

encabeçada por D. José, o objetivo português passou a ser o de garantir a posse de seus territórios, via projeto

político, e assim transformar toda a sua população em súditos do rei. Esta política requeria a conquista e

efetivação da posse dos territórios da América Portuguesa, conjugando ações diplomáticas, militares e de cunho

econômico, atendendo a ordens provenientes diretamente da Coroa Portuguesa. Durante os anos de 1768 e 1772,

Afonso Botelho de Sampaio e Souza, ajudante de ordens do governador da capitania de São Paulo, empreendeu

uma série de expedições que visavam reconhecer e explorar os sertões do rio Tibagi. Os relatos dessas viagens,

redigidos pelo próprio Afonso Botelho, permitem o estudo da composição dessas expedições, importantes para

que se possa, em primeiro lugar, reconhecer qual o papel da comunidade curitibana nesses empreendimentos. O

estudo das expedições também permite uma compreensão sobre a política portuguesa de povoamento durante

o século XVIII. A atuação de Afonso Botelho e a do governador da capitania de São Paulo, D. Luís Antônio de

Souza Botelho, são importantes na medida em que demonstram como a política de povoamento portuguesa se

deu localmente, tendo em vista as particularidades do sul do Brasil, como a ameaça espanhola no Prata. Ainda,

a partir do estudo das expedições consegue-se perceber quais os efeitos destas expedições para desenvolvimento

da região, que mais tarde veio a se tornar o estado do Paraná.

Palavras-chave: Afonso Botelho; Tibagi; expedições militares.

Abstract

In the second half of the eighteenth century, because of a transformation in the Portuguese colonial policy,

which counted with king D. Jose and Marquês de Pombal, the portuguese attention turned to assure possession

of its territory and then, transform its entire population into king's subject. This policy required conquest and

efetivation of possession of the Portuguese America lands by diplomatic, military and economic acts instructed

directly from the Portuguese Crown. Between the years of 1768 and 1772, Afonso Botelho de Sampaio e Souza,

who worked for the governor of São Paulo captaincy, realized several expeditions in order to recognize and

explore the backwoods of rio Tibagi, in the south of Brazil. The reports of the voyages, written by Afonso

Botelho himself, allows the study of the composition of these expeditions, which are important to, in the first

place, realize what was the role of Curitiba's community in those undertakings. Expedition's study also allows

a comprehension of the portuguese colonial policy during eighteenth century. Afonso Botelho and São Paulo

capitaincy's governor performances in this policy are valuable because they show how it was made locally,

attending the particularities of brazilian south, like the war with the spanishes in the Prata. These expeditions

also left conscquences to development of the territory, which, years later, became the state of Paraná.

Key-words: Afonso Botelho; Tibagi; military expeditions.

Graduanda do curso de História/UFPR. Bolsista de Iniciação Cientifica CNPq. Integrante do CEDOPE • Centro de Documentação e

Pesquisa de História dos Domínios Portugueses • UFPr.

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Afonso Botelho e a política portuguesa de

povoamento no Brasil meridional

Maria Thereza David João

Durante a segunda metade do século XVIII verifica-se uma mudança na política

portuguesa de povoamento e na maneira com que a Coroa passou a olhar suas colônias. O objetivo português,

nesse momento, consistia em garantir a posse de seus territórios, via projeto político, e assim transformar

toda a sua população em súditos do rei. Nesse contexto, foram realizadas expedições aos sertões do Tibagi

(1768-1772), na região do atual Paraná, com o fim explorar o território e lançar as bases para a sua ocupação.

O responsável direto por esse empreendimento foi o ajudante de ordens do governador da capitania de São

Paulo, Afonso Botelho de Sampaio e Souza. Através de seus relatórios, que relatavam o "sucesso" das

expedições, é possível analisar quais os efeitos produzidos por essas expedições, bem como qual o papel de

Afonso Botelho na execução da política de povoamento portuguesa.

A transformação no sistema colonial português ocorrida a partir da segunda metade do século XVIII

é devida a uma nova organização administrativa do estado, levada a cabo pelo marquês de Pombal e

encabeçada por D. José I, que reinou entre 1750 e 1777. Estabeleceu-se, desta forma, uma política mais

coesa em relação aos domínios ultramarinos, culminando, inclusive, com a nomeação de Mendonça Furtado,

irmão de Pombal, como secretário de Estado da Marinha e dos Domínios Ultramarinos (1760-1769).

É possível dizer que o modelo pombalino se centrou especialmente nas preocupações com a expansão

territorial, urbanização e recuperação econômica. De maneira mais particular no sul do Brasil, a militarização

também foi característica extremamente marcante, tendo em vista o período coincidir com a ameaça dos

espanhóis no Prata (o período coincide com o da Guerra dos Sete Anos). Especialmente após o Tratado de

El Pardo, em 1761, o qual revogava as linhas fronteiriças estabelecidas pelo Tratado de Madrid, a Coroa

necessitou da implementação de uma política capaz de salvaguardar seus territórios.

A questão espanhola era bastante presente já no início do século XVIII, com a Guerra de Sucessão na

Espanha e a ascensão de Filipe V, da dinastia francesa dos Bourbons, ao trono espanhol. Este fator gerou

uma forte aliança franco-espanhola, o que fez com que Portugal procurasse apoio dos ingleses, rendendo

hostilidades espanholas na colônia de Sacramento e duas invasões francesas no Rio de Janeiro1. Logo,

percebe-se a importância tomada pela região sul no curso deste período.

Enquanto a política pombalina sinaliza os contornos gerais tomados pela atuação portuguesa no

povoamento das terras do Ultramar, é pela atuação específica de cada governador que é possível perceber

as particularidades dessa política e seus efeitos de região para região. A política empreendida na capitania

de São Paulo pode ser bem observada pela atuação de D. Luis Antônio de Souza, o Morgado de Mateus.

Após um período de subordinação ao Rio de Janeiro (1748-1765), a capitania de São Paulo foi

restaurada. Segundo Bellotto, a restauração estava ligada à revalorização das áreas coloniais, contra a

dispersão demográfica e da lavoura, e também ao papel militar no esquema de ofensiva no Prata. Não se

pode deixar de perceber que, igualmente, a região de São Paulo serviria como uma espécie de "territóriotampão"

entre a região hispano-americana do Prata e a área que abarcava Minas e o Rio de Janeiro.

E importante salientar que, com a restauração da autonomia de São Paulo, pretendia-se uma participação

efetiva no combate ao espanhol e a criação de novos proventos à Coroa através de uma dinamização da

economia. Nas zonas mineiras e ao sul ameaçado pelos espanhóis concentrava-se a ação da metrópole2, que

também empreendia ações de povoamento no então Estado do Grão-Pará e Maranhão. Ainda, procuravase

a unificação da ação bélica em todo o sul, sob o comando de Gomes Freire de Andrade. São Paulo era

estrategicamente importante pois, pela região, seria possível fazer frente à belicosidade no sul bem como

defender as fronteiras do oeste, garantindo, assim, os domínios portugueses.

A ação de Afonso Botelho, verificada entre 1768 e 1772, conta com sete expedições oficiais que

exploraram os sertões demarcados, ao sul, pelo Rio Iguaçu, e, a oeste, pelo Rio Paraná, a partir de Curitiba3.

A principal instrução para os comandantes dessas expedições era a de reconhecer e explorar um território

até então apenas adivinhado. Num segundo momento, buscar-se-ia a fixação de moradores. Longe de tal

empreendimento constituir-se em ação particular de Afonso Botelho, ou mesmo do governador de São

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Paulo, essas expedições estavam respaldadas por instruções originadas desde a metrópole.

As expedições oficiais são as seguintes4:

• a primeira data de cinco de dezembro de 1768, comandada por Domingos Lopes Cascaes, e parte do Rio

do Registro (Iguaçu).

• a segunda expedição é do dia vinte de junho de 1769, tendo como comandante Estevão Ribeiro Bayão, e

parte do Porto de S. Bento no rio Tibagi.

• a terceira inicia-se com Francisco Nunes a doze de agosto de 1769, também no Porto de S. Bento (mais

tarde substituído por Francisco Lopes da Silveira).

• a quarta expedição é de vinte e oito de agosto de 1769, sob o comando de Bruno da Costa Filgueira, e

parte do Rio do Registro.

• a quinta, de dezesseis de outubro de 1769, foi comandada por Antônio da Silveira Peixoto, partindo do

Porto de N. Sra. da Conceição do Caiacanga, também no rio do Registro.

• a sexta parte do Carrapato (na serra de São Luís do Purunã), no dia 26 de julho de 1770, sob o comando

de Francisco Martins Lustosa, com a missão de explorar os campos de Guarapuava.

• a última expedição parte em 09 de novembro de 1711, tendo o próprio Afonso Botelho em seu comando,

e segue também em direção aos campos de Guarapuava.

Desta iniciativa, foram confeccionados relatos de viagens, os quais objetivavam dar conta do sucesso

das expedições ao governador de São Paulo, D. Luis Antônio de Souza, o Morgado de Mateus. Como

estas expedições se configuravam em ações cujas diretrizes se faziam a partir da Coroa Portuguesa, são

encontradas também cartas do Marquês de Pombal, então Conde de Oeiras, e do próprio Morgado de

Mateus tendo em vista a orientação de diligências a serem cumpridas por estas expedições na região.

Quando da leitura dos relatos das expedições, nota-se "uma crescente presença de oficiais régios

controlando a administração e as questões militares nos domínios portugueses da América. As antigas

capitanias hereditárias passaram a ser tomadas pelo rei (...) de tal forma que, já na metade do século XVIII

todo o território brasileiro encontrava-se sob o controle direto de oficiais da administração portuguesa"5.

No sul, e mais especificamente na capitania de São Paulo, cuja autonomia foi restaurada em 1765, esta

política esteve intrinsecamente ligada a uma preocupação com o combate ao espanhol e a criação de novos

proventos à Coroa através de uma dinamização da economia.

Para tanto, o primeiro grande projeto de D. Luis foi o recenseamento da população de São Paulo

para conhecimento do estado militar da capitania, feito a mando de Pombal, conforme se observa em carta

por ele enviada em 2 de agosto de 1765: "em segundo lugar consiste o estado militar desta capitania em

algumas companhias de ordenança dispersas, em quase em muitas partes não compreendem toda a gente,

dos povos nem tem aquela regularidade que tem as ordenanças do reino e para remediar isto, escrevi a

todos os capitães mores para que fizessem listas exatas de toda a gente dos seus distritos mandando lhe um

exemplar para que se governassem por ele" 6.

A preocupação marcial foi marcante nas ações na capitania de São Paulo, dado o estado de beligerância

entre portugueses e espanhóis. Assim sendo, uma importante observação deve ser feita a este respeito, que

provém da leitura dos relatórios de Afonso Botelho. D. Luis apontava para o grande perigo que representavam

os castelhanos aos domínios portugueses, sinalizando o avanço espanhol em território luso. O interessante

é observar que, apesar da expectativa em relação aos espanhóis, nos relatos redigidos por Afonso Botelho

há apenas uma ocasião em que se observa realmente o encontro entre portugueses e espanhóis, em todo

o período que cobre 1768 a 1772. Trata-se da prisão do Capitão Silveira Peixoto, comandante da quinta

expedição aos sertões do Tibagi, que esteve encarcerado em Buenos Aires por cerca de sete anos. Fora isto,

não há sequer breve menção à presença espanhola.

Isto significa que, tendo em vista o território do atual Paraná, o avanço espanhol era um perigo apenas

temido. No Rio Grande do Sul e em Santa Catarina a presença espanhola constituía-se em fator muito mais

preocupante, pois estes territórios foram efetivamente invadidos pelos castelhanos.

Mesmo que a questão espanhola não tenha tomado os contornos de um confronto direto com os

portugueses, sua importância é fundamental em toda a região sul neste momento, e corroborou com a

constituição do território, tendo em vista a preocupação em se estabelecer fronteiras e garantir a posse do

território antes que os castelhanos avançassem. Vigorava na época o princípio do uti possidetis\ ou seja,

quem povoasse antes o território tinha a sua posse.

O temor português, portanto, era muito mais relacionado ao medo da perda de territórios - cujo

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trabalho de proteção das fronteiras ao norte estava a cargo de Mendonça Furtado - que propriamente da

possibilidade de um confronto bélico na região. A preocupação em manter os territórios ao sul é expressa por

Martinho de Mello e Castro em carta a D. Luís Antônio de Souza, parte do Plano para sustentar a posse da

parte meridional da América Portuguesa1, datado do ano de 1772: "Em primeiro lugar: que sua majestade

estima muito mais a perda de uma só légua de terreno na parte meridional da América Portuguesa, que

cinqüenta léguas de sertão descobertas no interior dessa capitania. Em segundo lugar: que ainda que os ditos

descobrimentos do sertão fossem de um inestimável valor, a todo tempo se podiam, e podem prosseguir. E

que a parte meridional da América Portuguesa uma vez perdida, nunca mais se poderá recuperar".

Observe-se, ainda, trecho das Instruções sobre a expedição que partiu do Porto de São Bento sob

o comando de Estevão Bayão, redigida por Afonso Botelho, no ano de 1769, e que se refere, portanto,

a diligências a serem cumpridas pela segunda expedição aos sertões: "Em todo lugar que o capitão tiver

alguma demora fará roças para bastante planta, cuja se fará em toda ocasião que houver, e a todos os campos

que encontrar porá fogo, e sempre na entrada e saída das matas fará cortar árvores grandes, e em outras

fará cruzes e descreverá alguns caracteres nos troncos das árvores e em pedras, que digam « V i v a El-Rei

de Portugal» e outras coisas semelhantes, que em todo tempo se conheça chegou por aí a expedição: nas

barras dos rios e lugares mais notáveis deixarão os ditos caracteres, e no roteiro virão marcados para saber

onde ficam".8

Estes trechos demonstram a preocupação em delimitar o território que estava sendo explorado, face ao

medo da perda de domínios, marcando as fronteiras do Império Português.

Obviamente que somente a inscrição em pedras e árvores não iria per si assegurar a posse do território,

por isso a necessidade do estabelecimento de sentinelas nas regiões que fossem sendo exploradas. A

constituição das roças também é importante nesse mesmo sentido, pois permitia a fixação da população no

território.

Na medida em que o território ia sendo marcado com insígnias que faziam referência ao rei de Portugal,

automaticamente se fazia ligação à posse do território, que era a preocupação principal tendo em vista as

expedições do Tibagi. A posse do território não implica apenas na delimitação do mesmo, mas também que

sejam povoados, razão principal para que fossem constituídas roças ao longo dos caminhos - sem esquecer

que serviam também para alimentação das pessoas que se encontravam nos sertões. Não adiantaria as

expedições em questão se configurarem meramente como exploratórias, visto que isto já havia sido feito

anteriormente. Essas ações dizem respeito à chamada "expansão espontânea" da população, conforme

observa Brasil Pinheiro Machado9.

A constituição de roças, ao possibilitar que pessoas se fixassem em um determinado território em razão

deste plantio, ajudava a afirmar a região como domínio luso. A comunicação do território, feita através dos

caminhos abertos pelas expedições, permitiu que as pessoas que se encontravam ali partilhassem de uma

certa identidade, que diz respeito, em primeiro lugar, à obediência ao rei português. Em segundo lugar, a

ligação do território por objetivos comuns, como a troca de gêneros alimentícios, possibilitou a prosperidade

da região, que foi se autonomizando até tomar os contornos do atual estado do Paraná.

A organização de pousos e roças, além de promover a fixação das pessoas na região, tinha como

objetivo mais amplo assegurar uma relativa autonomia da região, através do desenvolvimento comercial.

Isto permitiria uma redução dos gastos com a fixação os moradores, já que eles mesmos poderiam, então, ser

capazes de prover a própria subsistência e, através do comércio com as regiões próximas, gerar excedentes

capazes de movimentar a economia local, importante em um momento em que Portugal passava por certas

dificuldades econômicas. Por isso dizer que as expedições "implicavam em um empreendimento de grande

porte, e observou-se, por exemplo, que a presença das expedições nas imediações de Curitiba fez surgir um

novo mercado consumidor até então inexistente em uma vila que estava dando seus primeiros passos em

direção à consolidação de uma posição forte na região"1".

Isto é importante porque lugares como a Capela do Tamanduá e Paranaguá, produtoras de gêneros

enviados às expedições, também prosperaram, e com o desenvolvimento de novas regiões, promoveu-se

o comércio e a ligação do território, o que provocou uma unidade que culminou, enfim, na constituição de

um território paranaense.

Ainda, como observa Sérgio Buarque de Holanda a respeito dos caminhos abertos, em especial o do

Viamão, é possível concluir que "permitindo contato mais assíduo com os castelhanos, esse caminho iria

influir decisivamente, não só na vida econômica, mas até nos costumes do povo"11. Isso porque o contato

produzido pela abertura de estradas levou à introdução de certos costumes da região, que logo se tomariam

marcas registradas da população.

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Sérgio Buarque de Holanda ainda afirma a importância do contato com o indígena nos movimentos

de abertura de caminhos e de estabelecimento de fronteiras no Brasil. Diz o autor que "essa destreza com

que sabiam conduzir-se os naturais da terra, mesmo em sítios ínvios, herdaram-na os velhos sertanistas

e guardam-na até hoje nossos roceiros"12, como um elogio à mistura de costumes brancos e indígenas.

No caso do sul do Brasil, especialmente no tocante às expedições do Tibagi, é possível duvidar de uma

convivência harmoniosa entre índios e exploradores, conforme sugere Sérgio Buarque de Holanda. Indo

mais além, é possível até mesmo duvidar de uma convivência entre brancos e índios na região. Durante o

tempo em que foram realizadas as expedições, aparece apenas um relato substancioso a respeito do contato

com os indígenas, que representa mais uma relação de hostilidade que propriamente de harmonia13. Estes

relatos indicam que, ao contrário do que ocorria nas outras regiões do Brasil, a questão indígena não era

muito presente. E importante observar que os povos indígenas eram uma preocupação do Marquês de

Pombal, pois o mesmo intentava em fazê-los súditos do rei, a fim de obter maiores proventos. Dessa forma,

tem-se aí mais uma particularidade da aplicação da política de povoamento no sul do Brasil, que não teve

o índio como característica, diferenciando-se do restante do Brasil.

Para o estudo a respeito dos contornos da política portuguesa de povoamento nesta segunda metade

do século XVIII, as diversas Instruções redigidas por Afonso Botelho são documentos muito ricos em

informações Trata-se de orientações redigidas pelo tenente-coronel, o qual, pelo poder que lhe foi investido,

orientava a execução das expedições conforme as condições do território. Estas instruções tinham um caráter

específico para a região visada, o que é importante para perceber como se dava a política portuguesa em nível

local. O Morgado de Mateus, a partir de ordens advindas do Marquês de Pombal, instruía genericamente

os capitães das expedições através de Afonso Botelho, e ficava a cargo destes a execução específica destes

empreendimentos. É possível perceber então, dois níveis de atuação das expedições: um diz respeito às

instruções do Marquês de Pombal repassadas a Afonso Botelho pelo Morgado de Mateus, bem como suas

orientações específicas ao contexto do sul. Esta ação refere-se aos aspectos formais da política portuguesa,

tal qual deveria ser empreendida. O outro nível de atuação, levado a cabo por Afonso Botelho e pelos

capitães das expedições, mostra como a execução da política portuguesa de povoamento foi posta em

prática, tendo em vista não só as particularidades do sul, como também a realidade dos caminhos.

É importante frisar que cada qual respondia pessoalmente por suas ações. Mas o interessante é perceber

que era dada autonomia aos chefes das expedições para que agissem como achassem melhor tendo em vista

as condições encontradas, e é justamente essa atuação em nível local que diferencia a política empreendida

no sul da política de povoamento empreendida em outras capitanias do Brasil.

Contudo, verifica-se uma enorme dificuldade em recrutar a população para estes empreendimentos.

Segundo apresenta Belloto,14 havia um grande medo dos indígenas, e então se fez necessário motivar esta

população a adentrar nos sertões com a concessão de alguns benefícios como, por exemplo, a liberação da

área para a mineração.

Havia uma preocupação com a contenção de custos, já que as expedições representavam grande

investimento e a Coroa não podia arcar com as custas. Uma estratégia, então, foi recrutar pessoas locais que

financiassem as expedições em troca de mercês, conforme foi orientado o Morgado de Mateus pelo Marquês

de Pombal, em carta de 2 de agosto de 1765 : "(...) lhe ofereci passar a patente de capitão de auxiliares

pardos com graduação de tenente de infantaria, se ele me juntasse cem homens armados, e fardados a sua

custa, de que ele ficou muito satisfeito"15, e assim possibilitar a organização das expedições. Note-se que

as pessoas recrutadas para as expedições não eram militares, mas sim figuras influentes na região que,

interessados no status que uma patente militar poderia lhes oferecer, tomaram parte no empreendimento.

Observando a documentação, percebe-se um afluxo muito grande de pessoas da vila de Curitiba e regiões

próximas, consolidando sua posição de núcleo irradiador de população. Contudo, ainda se observa uma

presença maciça de pessoas advindas de São Paulo, especialmente da região da Cananéia.

Em relação a essas expedições do Tibagi, observa-se que deixaram conseqüências permanentes na

região. Nesse sentido se faz importante transcrever um trecho da Memória sobre o descobrimento e colônia

de Guarapuava, do Padre Francisco Chagas Lima, datada do ano de 1809, portanto, quase quarenta anos

após a atuação de Botelho: "A primeira conquista ou posse, que dos ditos se fez, foi no tempo do Capitão

General D. Luiz de Souza, em execução às instruções que recebeu do marquês de Pombal, o qual conheceu

que os descobertos para as partes do Rio Paraná, além dos interesses que podiam dar ao estado, facilitando a

comunicação com o Paraguai e suas adjacências, vigiariam as fronteiras, estabelecendo aí algumas colônias

(...)".16 É notória ainda a existência de leis, neste mesmo período, que conclamam ao povoamento da região,

dando continuidade ao trabalho de Afonso Botelho, que se dedicou à exploração dos territórios e lançou as

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bases para que se pudesse estabelecer uma população no local, através da construção de roças e arraiais no

meio dos caminhos.

Conclusão

Isto posto, é possível dizer que, a partir das diretrizes do Marquês de Pombal a D. Luís Antonio de

Souza e da ação de Afonso Botelho, é possível verificar a aplicação desta política de povoamento em nível

local, bem como quais os efeitos por ela produzidos.

Verificou-se, por exemplo, que a consolidação de Curitiba como núcleo irradiador de população

e a expansão desta mesma população, iniciaram um processo que contribuiu para a formação de uma

comunidade regional, que mais tarde veio a se tornar o estado do Paraná.

Essa 'irradiação', informada por Brasil Pinheiro Machado, manifestou-se de maneira mais explícita a

partir de 1765, com a reinstalação do governo-geral da capitania de São Paulo e, em decorrência disso, da

presença de Afonso Botelho em Curitiba.

Além da questão da expansão populacional, as expedições ao Tibagi englobam outros fatores

importantes. Primeiro, proporcionaram a fixação de moradores na região, com o plantio de roças que

permitiam a subsistência sertão adentro, em uma localidade praticamente inexplorada. Também foram

essenciais no tocante à delimitação de fronteiras, tendo em vista o permanente estado de beligerância

entre portugueses e espanhóis. A abertura de caminhos foi igualmente fator importante, pois permitiu a

comunicação do território e, por esta mesma razão, a consolidação de uma unidade.

E possível afirmar que estes fatores, em conjunto, sinalizam a importância dos estudos das ações

empreendidas ao Tibagi, pois fazem parte de um importante capítulo de história regional, especialmente

interessante se entendermos "a história do Brasil, como da formação de um povo e de uma nação, como

história interna é formada de histórias regionais que, por justaposição, formaram a história geral da

nacionalidade"17.

Notas

1 WHELING, Arno; WHELING, Maria José. A formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994p. 154.

2 BELLOTTO, Heloísa Liberalli. Autoridade e conflito no Brasil colonial: o governo do Morgado de Mateus em São Paulo (1765-1775).

São Paulo: Conselho estadual de Artes e Ciências Humanas, 1979. p. 15.

3 A este respeito, ver: JOÃO, Maria Thereza David. Expansão de Curitiba no século XVIII: Afonso Botelho e os sertões do Tibagi. Curitiba,

2004. Relatório (Iniciação Científica). Universidade Federal do Paraná; CNPq.

4 Ver: NEGRÃO, Francisco (ed.). Boletim doArchivo Municipal de Curytiba. Curitiba: Câmara Municipal, 1906-32, 62 volumes.

5 SANTOS, Antônio César de Almeida. Para viverem juntos em povoações bem estabelecidas. Curitiba, 1999. Tese (Doutorado em História).

Universidade Federal do Paraná, p. 65.

6 Documentos interessantes para a História e costumes de São Paulo, v. 72, p. 46.

7 PEREIRA, Magnus R. de Mello (org.). Plano para sustentar a posse da parte meridional da América Portuguesa (1772). Curitiba: Aos

Quatro Ventos, 2003.

8 Documentos interessantes, v. 34, p. 96.

9 MACHADO, Brasil Pinheiro. Esboço de uma sinopse da história regional do Paraná. HISTÓRIA: QUESTÕES & DEBATES, Curitiba, n.

14, p. 177-205, jul-dez. 1987.

10 JOÃO, op. cit.

" HOLANDA, Sérgio Buarque dc. Caminhos e fronteiras. Rio de Janeiro: José Olympio, 1957.

12 HOLANDA, p. 17.

13 SALLAS, Ana Luísa Fayet (org.). Documentação sobre povos indígenas. Séculos XVIII e XIX. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2001.

(MONUMENTA, v. 9, 2003).

14 BELLOTO, op. cit.

Documentos interessantes, v.72, p. 46.

16 SALLAS, op. cit, p. 56.

17 MACHADO, op. cit., p. 183.

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