domingo, 25 de julho de 2010

2101 - A IDADE MÉDIA

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Viagem à Idade Média: dos santos ao bispo Martinho de Braga
A Idade Média exerce uma irrecusável fascinação sobre a imaginação do grande público, conforme se percebe pelo crescente número de publicações sobre o tema nas livrarias. Esse interesse é compreensível. Afinal, foi nessa época que se deu o processo de formação do mundo moderno e da sociedade ocidental. Através da investigação de duas historiadoras, Andréia Frazão (autora de Reflexões sobre a Hagiografia Ibérica Medieval – Um estudo comparado do Liber Sancti Jacobi e das vidas de santos de Gozalo de Berceo, EdUFF, 263p. R$ 30,00) e Leila Rodrigues (autora de Monarquia e Igreja na Galiza na segunda metade do século VI: o modelo de monarca nas obras de Martinho de Braga dedicadas ao rei suevo, EdUFF, 174p. R$ 30,00), o leitor é levado a conhecer as histórias do início do período medieval, o estudo da hagiografia – biografia de santos – e as relações entre política e Igreja.

EdUFF - Como surgiu o interesse de vocês pela área dos estudos medievais e pela temática das suas respectivas obras?

Leila Rodrigues - Meu interesse pelo período vem desde o ingresso no mestrado, realizado no início da década passada. Na ocasião, preocupada em melhor compreender a dinâmica da sociedade medieval, dediquei-me a estudar o processo de organização da Igreja. Ainda no mestrado, deparei-me com um documento muitíssimo interessante. Tratava-se de um sermão, escrito por um bispo, Martinho de Braga, dedicado aos clérigos ocupados com a cristianização das populações camponesas. O sermão, conhecido como De Correctione Rusticorum, destaca aspectos da religiosidade camponesa do noroeste peninsular ibérico, região da Galiza, onde estava organizado o reino suevo. O local pouco cristianizado exibia, de acordo com o autor do referido documento, uma população muito apegada aos cultos e práticas pagãs.

Andréia Frazão - O livro é parte de uma pesquisa maior, que se dedica a estudar as pessoas consideradas dignas de veneração, entre os séculos XI ao XIII, nas penínsulas ibérica e itálica, bem como os relatos hagiográficos, ou seja, aqueles que têm como tema central os santos, produzidos neste mesmo recorte espaço temporal. Sem dúvida, diversos fatores motivaram a pesquisa, mas destaco dois deles: a originalidade do trabalho, já que nenhum autor anterior se preocupou em analisar comparativamente os objetos selecionados, e o interesse por refletir sobre duas áreas da Europa mediterrânica que, neste período, são, muitas vezes, relegadas pela historiografia.

EdUFF - Andréia, quando surgiu o estudo da hagiografia? Houve um precursor desse estudo no Brasil?

Andréia Frazão - O estudo das hagiografias iniciou-se no século XVII, tendo entre os seus primeiros pesquisadores Jean Bolland e seu grupo. Estes se concentraram, principalmente, na análise dos manuscritos que transmitiram tais obras, discutindo a sua autenticidade, sua natureza e suas características. Estes trabalhos apenas foram publicados a partir de fins do século XIX. Nas últimas décadas, o estudo do culto aos santos e da produção hagiográfica vem se renovando. Fascinados pelas diversas possibilidades de investigação que tais materiais oferecem, os historiadores os têm empregado para a abordagem da religião, da mulher, da sexualidade, da vida material, etc. No Brasil, vários estudiosos analisaram hagiografias, que são empregadas como fontes, muitas vezes junto a outros documentos, para conhecer as diversas facetas das sociedades medievais. Também devemos destacar a publicação de traduções para o português desses materiais, tais como a Legenda Áurea, dirigida por Hilário Franco Júnior, e livros do Liber Sancti Jacobi, realizada por Maria do Amparo Tavares Maleval e publicada pela EdUFF.

Eduff - O livro Monarquia e Igreja na Galiza na segunda metade do século VI fala sobre a relação entre os dois poderes, Monarquia e Igreja, durante a Idade Média. Como esta relação é apresentada?

Leila Rodrigues - Ao indicar a interação entre os campos político e religioso como pressuposto, nossas reflexões se associaram ao reconhecimento de que, no reino suevo, a aliança constituída entre autoridades eclesiásticas e políticas beneficiou amplamente as duas instituições, Monarquia e Igreja. No que concerne à Monarquia, a referida aproximação importava, sobretudo, por potencialmente apresentar elementos favoráveis à consolidação política do reino. Entendia-se que a aceitação do cristianismo implicaria na aceitação e reconhecimento das autoridades políticas que conduziam o reino com o apoio dos clérigos. Desse modo, as autoridades religiosas passaram, pois, a desenvolver um trabalho de cristianização, a influenciar a formação intelectual dos seus membros, a aconselhar e, consequentemente, a impor e a destacar a importância dos valores e princípios cristãos de maneira progressiva. Portanto, a relação entre Monarquia e Igreja no reino suevo, a partir de meados do século VI, garantiu um ambiente no qual se apresentou à Igreja a possibilidade de se reorganizar e fortalecer e à monarquia, de dispor de argumentos de ordem ideológica ao reforço da sua legitimidade.

EdUFF - Andréia, o que os textos hagiográficos, analisados na sua obra, revelam sobre a época medieval?

Andréia Frazão - Apesar de seus múltiplos lugares comuns, pois a memória dos santos é construída a partir da figura de Cristo e de relatos colhidos, cada texto hagiográfico, ao narrar aspectos da vida e feitos dos santos, dialoga com o seu contexto de produção, enfatizando um ou outro aspecto, incorporando detalhes e/ou juízos de valor nas descrições de situações e personagens. A partir destes dados é possível estudar diversos aspectos da sociedade medieval, em particular suas crenças e valores.

EdUFF - Qual foi a contribuição de Martinho de Braga para sua época? Qual a relevância da sua obra ainda hoje?

Leila Rodrigues - Martinho foi o primeiro a realizar, em um reino organizado em antigo território do Império Romano, uma síntese de elementos da cultura clássica, do cristianismo e do mundo germânico. Seu trabalho consiste em uma elaboração concebida e dedicada a um rei “bárbaro”, objetivando fornecer-lhe parâmetros de um dado comportamento considerado ideal. Martinho destacou também a identificação de tais virtudes com princípios cristãos, bem como não deixou à margem elementos caros aos germanos, como a noção de lealdade e solidariedade entre os guerreiros.

Ao propor ao monarca um dado comportamento, que se associava à ampliação da sua legitimidade junto às populações do reino, Martinho serviu de inspiração aos muitos autores que na Idade Média e mesmo na Idade Moderna, como Maquiavel, dedicaram-se ao gênero literário conhecido como Espelhos de Príncipes.

EdUFF - Por que a escolha do Liber Sancti Jacobi sobre o apóstolo Tiago e das obras de Gonzalo de Berceo para análise?

Andréia Frazão - A escolha por estudar as obras de Gonzalo de Berceo, há cerca de 15 anos, foi feita, em especial, pelo fato de que seus escritos ainda não haviam recebido muita atenção dos historiadores. Já a escolha dos livros II e III do Liber para uma comparação sistemática com as vidas berceanas justifica-se, em primeiro lugar, pelo caráter hagiográfico e a proximidade temática dos LSJ II e III e das vidas de santos berceanas. Em segundo, porque São Tiago, San Millán e Santo Domingo de Silos foram “santos competidores”, ou seja, disputavam os favores dos fiéis – doações em particular. Isso acontecia, sobretudo, devido à memória construída sobre eles, associada à libertação de cristãos de muçulmanos. Em terceiro, pelo fato de tais obras serem frutos de ambientes diferentes e de terem sido compostas visando públicos específicos e respondendo a motivações particulares. Em quarto, porque não encontramos trabalhos que se dedicassem a comparar, de forma sistemática, essas obras.

EdUFF - Leila, a senhora é representante da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais) e do PEM (Programa de Estudos Medievais da UFRJ). Como é realizado o trabalho dessas organizações? Essa área de estudo tende a crescer no futuro?

Leila Rodrigues - A Associação Brasileira de Estudos Medievais é originalmente resultado dos esforços de um grupo de estudiosos de várias áreas do conhecimento (História, Letras, Filosofia, Teologia, entre outras) que, em 1996, promoveu sua fundação. Desde então, tendo como principais finalidades o incentivo à pesquisa, à divulgação e ao intercâmbio de produção científica sobre o medievo e a promoção do contato entre os estudiosos do período, a ABREM tem ampliado significativamente o seu número de sócios. A cada dois anos, na realização dos encontros internacionais que a entidade promove, observamos não apenas a multiplicação de temáticas acerca do medievo que recebem atenção, mas também a criação de novos grupos de pesquisa por todo o país.

A criação do Programa de Estudos Medievais, em 1991, pela professora Maria Sonsoles Guerras Martin, hoje aposentada, constitui-se como primeira tentativa de sistematizar e institucionalizar as atividades acadêmicas sobre o período medieval realizadas no âmbito da UFRJ. Desde 1996, sob a nossa coordenação, minha e da professora Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva, temos trabalhado especialmente visando ao intercâmbio entre medievalistas nacionais e estrangeiros, coordenando projetos e atividades de pesquisa de temas pertinentes à sociedade medieval e formando novos pesquisadores, com o objetivo de levar à comunidade em geral informações sobre a Idade Média.

EdUFF - Muitas pessoas se interessam pelas histórias da época medieval. O que cada trabalho traz de curioso para os leitores?

Leila Rodrigues: Neste trabalho, o que se destaca é o recorte temporal eleito – período inicial da Idade Média (V-VI) ­–, menos pesquisado que a Idade Média Central (séc. XI-XIII) ou a Baixa Idade Média (séc. XIV-XV). Tal período está identificado com o momento de organização dos reinos germânicos, dos quais o reino suevo tem recebido pouquíssima atenção da historiografia. Acredito, portanto, que a leitura do livro proporcionará, pora oportunidade de melhor conhecer aspectos das relações de poder, em sua primeira configuração, entre as esferas políticas e religiosas. Cabe salientar que tal interlocução marcou profundamente todo o período medieval.

Andréia Frazão: Ainda que seja um estudo específico, a obra é de interesse para todos que querem conhecer um pouco mais sobre os diversos sentidos das hagiografias; o papel social da devoção aos santos; as disputas de poder relacionadas à memória dos venerados; as crenças e valores presentes na sociedade ibérica medieval, dentre outros aspectos.
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