segunda-feira, 19 de julho de 2010

1761 - HISTÓRIA DA PSICANÁLISE

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As origens da psicanálise
O filme
Elisabeth Roudinesco

Elisabeth Roudinesco, já conhecida entre nós por seus livros "História da Psicanálise na França", "Jacques Lacan", e muitas outras publicações, inclusive o "Dicionário de Psicanálise", escrito em colaboração com Michel Plon, recentemente lançado na França, com tradução sendo feita no Brasil, e que mereceu inúmeras reportagens e comentários, apresentou em Paris, nos dias 14 e 21 de novembro últimos, seu filme Sigmund Freud, as origens da psicanálise. Unânimamente elogiado pela mídia européia e por todos os psicanalistas que já o assistiram, este filme deverá ser próximamente exibido no Rio de Janeiro. Com a permissão de Roudinesco, transcrevemos sua apresentação ao filme:

A palavra "psicanálise" aparece pela primeira vez em um texto de Freud, redigido em francês. Um ano antes, com seu amigo Josef Breuer, Freud havia publicado seu famoso Estudos sobre a Histeria. Nesta obra, ele narra o caso de uma jovem judia vienense que sofria de histeria, um mal estranho, de origem psíquica, no qual as fantasias sexuais se manifestam através de contorções corporais. A paciente é Bertha Pappenheim e seu médico lhe dá o nome de Anna O . Sua história se tornará célebre e legendária, pois é a Anna O. , isto é, à uma mulher, e não à um sábio, que será atribuida a invenção do método psicanalítico: tratamento fundamentado na palavra, tratamento no qual o fato de verbalizar o sofrimento, de encontrar as palavras para dizê-lo, permite curá-lo, ou, pelo menos, tomar conhecimento de suas causas inconscientes e de sua origem e, portanto, de assumí-lo ou controlá-lo. Em 1995 e em 1996, celebrou-se o centenário da psicanálise, bem como o centenário da cinematografia. Proximamente, no ano 2000, por iniciativa de René Major, estarão reunidos em Paris, pela primeira vez no mundo, os Estados Gerais da Psicanálise. O objetivo dos dois filmes, que eu e Elisabeth Kapnist, escrevemos é de assinalar este centenário. Até o presente, os filmes realizados sobre este assunto foram concebidos segundo três modelos narrativos: ficção, enquetes e reportagens. As ficções cinematográficas, numerosas entre 1945 e 1970, e frequêntemente de excelente qualidade, especialmente no cinema hollywoodiano, apresentam tanto a história do jovem Freud, representado por um ator, quanto histórias cujo tema e as situações são grandemente inspiradas pelo saber psicanalítico. Os filmes de Elia Kazan, de Alfred Hitchcock, de Vincente Minelli ou de John Huston são os melhores exemplos do pensamento freudiano na estética cinematográfica do após-guerra. Com o desenvolvimento da televisão, passou-se a preferir tanto as entrevistas intimistas destinadas a mostrar pacientes falando de si ou de seus tratamentos, como reportagens, comumente notáveis, sobre assuntos ditos da "sociedade": drogas, hospital psiquiatrico, miséria sexual cotidiana, tragédias sociais. O cinema dos anos setenta, por outro lado, inspira-se também nestes novos modelos, cujos traços encontramos seja nos filmes de Woody Allen, ou de Kenneth Loach. Em sequência, com o impacto cada vez maior dos debates televisados, os psicanalistas tornam-se eles próprios atores da cena pública, dando de bom grado suas interpretações sobre as fantasias individuais ou coletivas do mundo político. Desde 1986, após a publicação de minhas primeiras obras sobre história da psicanálise, eu sonhava orientar-me em outra direção, inédita tanto no cinema quanto na televisão. Eu queria realizar um documentário que mostrasse pela primeira vez não sómente as verdadeiras imagens de Freud e de duas gerações de seus discípulos (de Sandor Ferenczi a Melanie Klein), mas que mostrasse a história cultural, política e clínica desta doutina nova, nascida em Viena no fim do século XIX com influências da filosofia do Iluminismo, do Romantismo e dos antigos médicos da alma: a história de uma doutrina que, em um século, teve sucesso em ser implantando na quase totalidade dos países democráticos. Eu quis contar, em uma sucessão de imagens claras e fortes, a histeria de Charcot, de Freud e dos surrealistas, a formação em Viena do primeiro grupo psicanalítico (a Sociedade psicológica das quartas-feiras), o exílio dos judeus expulsos da Europa pelo nazismo, a expansão internacional do freudismo (Zurich, Londres,Berlin, New York) e, enfim, as ilusões perdidas, a febre medicamentosa e o declínio, sem dúvida provisório, das grandes esperanças de curas psíquicas O encontro com Elisabeth Kapnist, que aceitou ser co-autora do filme e realizá-lo, e com Françoise Castro, que aceitou o risco de produzí-lo, foi determinante. Sobre Freud e seus discípulos diretos, existem dois tipos de imagens: filmes mudos feitos por amadores ou por um de seus discípulos, ou filmes falados que são em geral entrevistas com estes mesmos discípulos, interrogados por serem testemunhas que frequentaram Freud ou que desempenharam papel importante no movimento psicanalítico. Nos filmes falados, podemos ouvir lembranças e impressões, ao passo que nos filmes mudos, as testemunhas aparecem como personagens da vida cotidiana. Todos já estão mortos atualmente. Acrescenta-se a estes, um documentário sonoro: uma gravação única da voz de Freud em inglês. Antes da realização deste documentário, estas diferentes imagens e esta voz não tinham sido jamais exploradas de forma coerente. Reverenciadas nos grandes colóquios internacionais, permitiam aos psicanalistas dispersos no mundo, reencontrar a nostalgia dos começos, como também comungar na lembrança do pai fundador e de seus primeiros discípulos, que jamais haviam conhecido. Meu objetivo inicial, que foi perfeitamente realizado por Elisabeth Kapnist, foi sair destes filmes de historiografia oficial e cessar de vê-los como imagens religiosas. Era necessário tratá-los como verdadeiros arquivos, como um Arquivo, afim de realizar um outro filme, um documentário, que fosse equivalente em imagens ao verdadeiro romance das origens da psicanálise: suas marcas, sua memória, seus homens, seus conceitos, seu movimento. Daí seu título: Sigmund Freud, a invenção da psicanálise. Foi também preciso construir um filme com comentários que permitissem ao espectador compreender claramente este romance da psicanálise. Para tanto, misturamos as imagens de arquivo com outras imagens: imagens de arquivos (fotografias, iconografia ou filmes de atualidades) e imagens retiradas de filmes de ficção (o filme de Axel Corti sobre o jovem Freud), e imagens de entrevistas realizadas ao vivo. Como contra-ponto às diferentes imagens de arquivos, onde só aparecem os que já morreram, onde não existe senão memória e lembrança, fizemos pessoas vivas falarem. Estes não são nem "testemunhas" de uma experiência ou de uma época "vivida", nem práticos expressando suas opiniões sobre a psicanálise, mas são eruditos - historiadores de arte ou do judaísmo, historiadores do freudismo: Jean Clair, Peter Gay, Riccardo Steiner, Yosef Hayim Yerushalmi, Regine Lockot. Escolhemo-nos, explicitamente, em função de seu saber e erudição. Eles acompanharam a narração juntamente comigo, e eles contam a história da psicanálise à partir de um conhecimento adquirido em seus trabalhos com arquivos ou com iconografia. Dedicamos este filme às escolas psicanalíticas, aos práticos anônimos e aos pacientes que continuam ainda hoje a manter vivo o freudismo.

Nota: O comentário de Elisabeth Roudinesco, gentilmente cedido a Dra. Helena Besserman Vianna para publicação em Gradiva, só nos faz desejar que este filme seja apresentado ao público brasileiro, em breve.

Texto traduzido e apresentado por Helena B. Vianna.

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COPYRIGHT HELENA B.VIANNA.

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