terça-feira, 13 de julho de 2010

1572 - HISTÓRIA DOS BIBLIOTECÁRIOS

ATUALIDADE DA MISSÃO DO BIBLIOTECÁRIO:
CONTRIBUIÇÃO DE JOSÉ ORTEGA Y GASSET
MARIVALDINA BULCÃO REIS∗
(mbreis@uneb.br)
KÁTIA DE CARVALHO∗∗
(katia@ufba.br)
RESUMO:
A sociedade da informação e do conhecimento se estrutura sob influência das tecnologias da informação e da
comunicação. De certo modo, a valorização do homem cede espaço para o rigor tecnológico. Faz-se necessário
lançar um olhar sob a perspectiva humanista para retomar o papel do profissional de informação. É relevante,
resgatar o pensamento do filosofo José Ortega y Gasset, que está nas origens da área. O eixo norteador desse estudo
é desvendar a vertente comunicacional na fonte histórica Mision del bibliotecário pronunciado no II Congresso
Internacional de Bibliotecas e Bibliografia, proferido pelo catedrático e escritor José Ortega y Gasset e traze-lo para
o presente, aproximando a questão da missão como mediação do profissional, concomitantemente a mediação
humana na biblioteca do presente é pertinentemente necessária para oferecer o equilíbrio do sistema de informação
gerenciado por esse profissional, provendo o acesso aos recursos informacionais em qualquer suporte que eles se
apresentem.
Palavras-chave: Profissional da informação – bibliotecário humanista – mediação humana - missão
∗ Mestranda em Ciência da Informação / Universidade Federal da Bahia/ Instituto de Ciência da Informação/
Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação - Bibliotecária da Universidade do Estado da Bahia.
∗∗ Doutora em Ciência da Informação/ Profª. Titular do Instituto de Ciência da Informação / Universidade Federal da
Bahia / Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação
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DESCRIÇÃO FÍSICA DA FONTE
A fonte histórica Misión del Bibliotecário de José Ortega y Gasset, compreende um dos
volumes da coleção da El Arquero de Madrid; o texto proferido no II Congresso Internacional de
Bibliotecas e Bibliografias (1935), foi imediatamente publicado em espanhol, na Revista
Occidente e em francês na Revista Archives et Bibliothéques, em Paris. Em janeiro de 1936, a
revista norte-americana Wilson Bulletin for Librarians publicou uma tradução parcial do
discurso.
Nessa fonte, Ortega y Gasset conseguiu empregar termos capazes de prender a
imaginação, demonstrando sua preocupação com o excesso de livros, atribuindo aos
bibliotecários a missão de controlar a qualidade da produção bibliográfica. Enfim, essa obra é um
exemplo maravilhoso de reflexão sobre a biblioteconomia transformando-se na primeira filosofia
da área, que teve a intenção de convidar os bibliotecários a serem guardiões da necessidade
social, no contexto, o livro.
Esse discurso foi subdividido: na missão do bibliotecário, missão pessoal, missão
profissional, a história dos bibliotecários do século XV, o segredo do século XIX, a nova missão,
o livro como conflito e o que é o livro. Sendo a 1ª edição impressa em 1962 e a 2ª ed. em 1967,
em 2006 surge a tão esperada tradução integral do texto na língua portuguesa pelo professor,
bibliotecário, editor e livreiro Antônio Agenor Briquet de Lemos, referências principais para a
realização deste trabalho.
No Brasil, O professor e bibliotecário, Edson Nery da Fonseca disseminou várias vezes o
texto de Ortega sobre o livro e a missão do bibliotecário e, segundo a tradução de Lemos (2006,
p.70) esse é o texto mais profundo que se escreveu até hoje sobre o assunto, melhor texto que se
escreveu em qualquer idioma sobre a missão do bibliotecário, a mais profunda meditação sobre
o assunto, cheia de antecipações geniais sobre o que viria a ocorrer em nossos dias.
A obra apresenta questões essenciais ao entendimento do papel profissional do
bibliotecário na sociedade. Após, 72 anos do discurso de Ortega y Gasset ainda existem
controvérsias, que abre espaços para novas discussões sobre a recuperação da valorização do
homem mediante uma visão humanista e busca assim a missão, através da mediação do
profissional bibliotecário.
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AS ORIGENS
Homem culto e sábio, profundamente vinculado à filosofia, política e jornalismo, José
Ortega y Gasset (1883-1955) escreve obras de alto significado científico que contempla a vida
transcendente, vivendo conforme acreditava, mediante uma existência austera, nobre, honrada e
trabalhadora.
Portador de uma inteligência incomum, além da profissão que o destacou no cenário do
jornalismo, filósofo espanhol contemporâneo influente na cultura Ocidental do século XX,
intelectual respeitado e renomado, apresenta com equilíbrio e lucidez o seu cabedal intelectual e
por meio de atividades editoriais promove intensa divulgação de suas idéias modernas refletidas
no campo da política, sociologia, história e principalmente da filosofia.
Luta veementemente pela modernidade, valoriza o conhecimento e a competência,
particulariza os problemas de cada homem, acredita que o homem pode mudar sua própria vida,
transformar a realidade em que vive, e que se não fizer nada, afunda-se nas situações e não dá
sentido à sua vida.
Nesse artigo, estuda-se a fonte histórica Mision Del bibliotecário (1967) e a
interpretação orteguiana. Indica-se que o caminho mais simples para o progresso é melhorar a
educação e o nível cultural dos homens. Erudito e culto, Ortega defende que a educação moral
promove a sociedade e concomitantemente a cultura, a educação intelectual de qualidade que
amplia os horizontes da terra. A filosofia proposta por Ortega contempla a responsabilidade das
escolhas tendo como base a educação, valorizando o conhecimento e consequentemente a
competência.
A responsabilidade de construir uma vida pessoal em um mundo sem segurança e
arriscado é viver em interação com outros indivíduos, com os seus bens, é sair de si mesmo,
aventurar-se na edificação do futuro. A filosofia de Ortega proporciona uma forma inovadora de
pensar, depositando seus argumentos na vida em uma realidade adequada, induzindo situações e
desempenhando a vocação de cada homem.
Ortega entende que a educação é a medula da história e regente da moral do homem, ou
seja, cada qual faz o que é capaz de fazer, mas sua capacidade depende completamente da sua
preparação: isso nos obriga a manter desperta a consciência de nossa solidariedade com as
forças e até com os vícios do passado. (ORTEGA Y GASSET,1990, p.16)
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A OBRA:
FONTE: Tradução para português
Digitalizado - 2006
Para compreender melhor a relação de José Ortega y Gasset com os livros e
consequentemente com os bibliotecários, recorre-se análise da obra Missión del bibliotecário. Na
visão orteguiana, o catedrático agradece a hospitalidade e se reporta a tradição grega e romana
reconhecida pelos espanhóis (1967, p.59) Ahora bien, en la presente circunstancia el mejor rito
hospitalario me parece consistir en que al llegar el extranjero a mi casa yo abandone esta y me
haga un poco extranjero. Perante o lingüista e lexicólogo Ferreira (2004, p.1058) a palavra
hospitalidade, hospitalitate vem do latim, que significa ato de hospedar, hospedagem,
acolhimento afetuoso; e o teólogo e escritor Leonardo Boff (2005, p.110-111) sabidamente,
descreve o sentido da hospitalidade compreendida pelos congressistas e pela sociedade que
absorve o seu discurso:
Normalmente vivemos a hospitalidade com os “semelhantes”, com aqueles que nos estão
próximos, que compartem do mesmo trabalho, participam da mesma comunidade local,
se encontram nos mesmos lugares sociais ou se unem na torcida por um mesmo time de
esporte ou se inscrevem numa mesma célula partidária e comungam de uma mesma fé.
Com estes, a hospitalidade acontece nas visitas, nas festas familiares, nos encontros de
oração e em momentos de necessidade. Este tipo de hospitalidade não nos causa
problema, pois ela deriva da sensibilidade humana mínima e do sentimento comum da
solidariedade. Mais difícil é a hospitalidade com os “diferentes” e distantes...
Resgatando a história cultural do homem detectamos que a primeira forma de transmissão
do conhecimento é pela oralidade, depois pela linguagem escrita, seguindo do resgate em que o
homem grava a informação em diferentes suportes: na pedra, na argila, na madeira, no papiro, no
FONTE: 2ª ed. digitalizado - 1967
FONTE: 1ª ed. Disponível:<
http://www.cddhcu.gob.mx/bibli
ot> Acesso em: 16/12/2006 -
1962
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pergaminho e na tela dos computadores, consequentemente o que interessa é que essa linha de
transmissão do conhecimento não pode ser interrompida.
Atualmente, assistir televisão, falar ao telefone, movimentar a conta no terminal bancário
ou pela internet, são algumas novidades da Sociedade da Informação. De acordo Castells (2001,
p.23) as relações na sociedade da informação e do conhecimento ocorrem:
Cada vez mais, as pessoas organizam seu significado não em torno do que fazem, mas
com base no que são ou acreditam que são... Enquanto isso as redes globais de
intercâmbios instrumentais conectam e desconectam indivíduos, grupos, regiões e até
países. Os movimentos sociais tendem a ter fragmentado, locais, com objetivo único e
efêmero, encolhidos em seu mundo interior ou brilhando por apenas um instante em um
símbolo da mídia. Nesse mundo de mudanças confusas e incontroladas, as pessoas
tendem a reagrupar-se em torno de identidades primárias: religiosas, étnicas, territoriais,
nacionais. O fundamentalismo religioso, provavelmente é a maior força de segurança
pessoal e mobilização coletiva nestes anos conturbados. Em um mundo de fluxos globais
de riqueza, poder e imagens, buscam identidade coletiva ou individual, atribuída ou
construída, torna-se a fonte básica de significado social... A identidade está se tornando a
principal, e às vezes, única fonte de significado, em um período histórico caracterizado
pela ampla desestruturação das organizações, deslegitimará as instituições, levando ao
enfraquecimento importantes movimentos sociais de expressões culturais efêmeras...
Nessa esquizofrenia estrutural entre a função e o significado, os padrões de comunicação
social ficam sob tensão crescente... A fragmentação social se propaga, à medida que as
identidades tornam-se mais específicas e cada vez mais difíceis de compartilhar.
Desse modo, nesta sociedade o bibliotecário deve estar a todo instante pensando e
repensando o seu papel social, participando ativamente da vida do seu país, proporcionando
serviços através do acesso à informação. Ortega sugere aos bibliotecários a missão de controlar a
qualidade da produção bibliográfica quando considera que já havia livros em excesso. O livro
proporciona o acesso a informação e ao conhecimento que utilizado em beneficio próprio e da
comunidade dignifica a vida.
A biblioteca, espaço do livro é um dos mais antigos sistemas de informação, onde se
inicia o trabalho daquele que seria o primeiro profissional de informação, o bibliotecário, que
assume a função de gestor das bases de conhecimento universal. A valorização do homem, como
individuo, enobrece a importância dos serviços por ele desenvolvidos e, com as tecnologias da
informação amplia sua atuação estimulando o uso corrente das redes eletrônicas via
computadores que se refletem no uso de meios de comunicação. A visão orteguiana faz um
resgate da historia do livro, da biblioteca e concomitantemente da profissão do bibliotecário,
alerta para a necessidade social dos benefícios da profissão, exalta a funcionalidade do
bibliotecário em diferentes épocas e ressalta a importância que o livro adquire devido a procura
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determinada pela sociedade Ocidental seguindo as idéias iluministas. (ORTEGA Y GASSET,
1967, p.71-72)
A biblioteca como espaço da memória nacional, ambiente de arquivamento do patrimônio
intelectual, literário e artístico, desenvolve nesse universo conjunto de práticas, técnicas
complexas para aquisição do conhecimento a partir da leitura, da escrita e, através da interação
compreender os movimentos do pensamento; lugar de conversação com o passado e inspiração de
novos conhecimentos, fundamenta a preservação do acervo para garantir a permanência de
saberes humano.
A profissão do bibliotecário está fundamentada em duas vertentes para exercer o seu papel
social. A primeira delas é a competência técnica e administrativa concernente à informação
(classificar, catalogar, disseminar numa linguagem acessível ao usuário). A segunda é atrelada à
responsabilidade de zelar e fazer compartilhar a herança do exercício a cidadania, trabalhando
com a informação, levando-a àqueles que dela necessita.
O trabalho na biblioteca envolve uma viagem no interior do livro, a preparação de livros
para o mundo, respeitando percursos difíceis, qualidades errantes e sinuosas até satisfazer o leitor
em seus momentos de contentamento intelectual. Contudo, é também uma viagem no tempo, um
momento intenso na memória do saber e na criação de espaço de encontro imaginário e
atemporal. Na visão orteguiana, os momentos históricos da missão do bibliotecário são
esclarecidos pelo professor e bibliotecário Fonseca (1992, p.102) que visivelmente enfatiza esses
momentos:
O Renascimento, em que cabia ao bibliotecário procurar livros, quando ainda havia
relativamente pouco deles; o século XIX, em que o bibliotecário deveria fomentar a
leitura, então procurando leitores, já que o livro era considerado “socialmente
imprescindível”; e, por fim, na chamada explosão bibliográfica, em que a ele cabia
estabelecer a filtragem entre o livro e o homem.
As mudanças continuam acontecendo com relação ao perfil desse profissional. Carvalho
(2002, p.2) enfatiza que esse profissional é o humano multifacetado que busca incessantemente
redimensionar as suas funções no complexo universo da informação que tem na biblioteca a sua
base, continuando a linha de raciocínio, Oddone (1998, p.27) relembra que não é apenas uma
adaptação a novas mecânicas e ferramentas, mas realmente um novo modo de pensar, sentir e
viver, uma nova mentalidade, uma nova maneira de ver o mundo.
Neste contexto e devido a sua penetrabilidade em toda obra, a palavra missão será o ponto
de convergência para análise de complexibilidade da fonte: missão, etimologicamente vem do
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latim missione e segundo Ferreira (2004, p.1334), Função ou poder que se confere a alguém
para fazer algo; encargo, incumbência. Cabe a Ortega y Gasset (1967, p.61) definir como:
Misión significa, por lo pronto, lo que un hombre tiene que hacer en su vida. Por lo visto, la
misión es algo exclusivo del hombre. Sin hombre no hay misión. O filósofo preocupa-se com o
homem que não se compromete com sua vocação ou missão e o transforma no homem-massa, na
sua concepção é o individuo que não atribui a si um valor, sente-se bem por ser igual aos
demais. Acredita que toda vida humana tem uma missão e preocupa-se em melhorar a qualidade
da vida do homem para melhor identificar no corpo da nação a base fundamental que une os
homens. Na visão orteguiana, a missão, é o homem comprometer-se com uma função na vida,
para isso a vida ensina a preservar a conquista da civilização e estimula a criatividade para
enfrentar problemas futuros. (ORTEGA Y GASSET, 1967, p.63)
Sabe-se que o homem não nasce pré-determinado biologicamente para uma profissão, a
vocação é uma construção ao longo da vida aonde determinados interesses estimula-se mais que
outros modelos profissionais oferecidos pela família, bem como elogios e valorização de algumas
carreiras, em função do grupo social. Vivências e experiências com determinadas áreas
profissionais podem reforçar e despertar vocações. Para o filosofo, a missão refere-se à
verdadeira vocação, a voz interior, a intuição e ouvi-la é uma tarefa muito especial.
Sempre existiu bibliotecários, mesmo antes de criarem instituições superiores de ensino
na área, utilizou esse termo para designar os responsáveis pela biblioteca em geral, homens que
não se contentavam em ler os livros, mas que colecionavam, ordenavam, catalogavam e
cuidavam deles. Entre os bibliotecários por vocação temos: Padre Vieira, Paul Otlet, Ortega y
Gasset, Calímaco, Jorge Luis Borges, entre tantos outros. Na visão orteguiana, essa era a missão
do profissional de informação, que tinha a função viva, ou seja, um estímulo para pensar,
assimilar, fazer com que o conteúdo do livro seja verdadeiramente apropriado pelo usuário.
(Ortega y Gasset, 2006, p.67)
Até o Renascimento o livro se identificava com a fé religiosa e não era acessível, não
apresenta um sentido social. Nesse sentido, Ortega compreende a figura do bibliotecário
renascentista como um caçador, astuto e tenaz de livros, essa profissão é uma das mais
importantes que se pode imaginar. (ORTEGA Y GASSET, 1967, p.67)
O principal instrumento da educação do homem vence os seus problemas, surge à
imprensa e com ela a necessidade da catalogação, em virtude do preço acessível da impressão.
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No Renascimento, a quantidade de livros era ínfima e o homem sente a necessidade gigantesca de
absorver o conhecimento, superando o limite do seu tempo e sua capacidade de assimilação;
diante da visão orteguiana, o homem chega à conclusão que não se pode ler tudo o que deveria e
consequentemente, as leituras passam a ser feitas às pressas, deixando a sensação de impotência e
fracasso. (ORTEGA, 1967, p.87)
Portanto, a evolução das bibliotecas impôs a necessidade de profissionais e assim
influência à profissionalização à Ciência Biblioteconômica e, consequentemente, a evolução do
papel do bibliotecário. Mostra-se, então, a necessidade das técnicas biblioteconômicas
impulsionando para um avanço cada vez maior. O bibliotecário passa a ser o principal
colaborador, tanto do cientista como do pesquisador. A sociedade democrática é filha do livro, e
para Ortega é o triunfo do livro. (ORTEGA Y GASSET ,1967, p.76)
Ortega esclarece que o profissional tecnicista não explica os fatos da vida humana, as
técnicas são adequadas para os especialistas numa determinada área e a realidade mecânica ou
técnica é chamada na civilização de tecnologia; ele demonstra a necessidade do profissional
tecnicista, aquele que seleciona, cataloga o acervo da biblioteca para atender ao usuário potencial,
e ressalta o profissional humanista, aquele que oferece assistência com a finalidade de atender a
necessidade especifica de cada usuário.
A memória do homem está conectada ao progresso e por essa razão, nossas vidas
acumulam experiências que é substancial para a sua evolução. O livro que conserva as idéias,
acumula o passado e proporciona a visão do desenvolvimento; oferece aspectos de tudo que o
homem cria para facilitar a vida, relativo a civilização e a cultura, sendo a economia, a técnica e
as facilidades inventadas pelo homem que multiplicam e ampliam o consumismo. (ORTEGA Y
GASSET, 1967, p.81).
O livro deixa de ser uma ilusão, Burke (1998, p.138), enfatiza que o efeito das letras de
Gutenberg foi mudar o mapa da Europa, reduzir consideravelmente o poder da Igreja Católica e
alterar a própria natureza do conhecimento em que se baseava o controle político e religioso. O
próprio Ortega y Gasset (1967, p. 83) como pesquisador, já sente dificuldades em seu trabalho.
Convém destacar, segundo Burke (1998, p.138), que o livro foi à primeira mercadoria
industrial produzida em massa no sentido moderno. A essa altura, o livro é essencial, ao mesmo
tempo em que se torna perigoso, porque a imprensa escrita ajuda a estimular o capitalismo e a
promover um novo suporte econômico, porque sendo a informação disponibilizada, o setor
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comercial transforma a Europa, antes uma cultura medieval monolítica e passadista em um poder
mundial dinâmico e complexo e, nesse período, a profissão de bibliotecário adquire a maturidade.
Na visão orteguiana está proclamada a nova missão do bibliotecário, superior a todos os
seus precedentes, porque além de cuidar dos livros, ele deve ser um profissional receptivo,
preparado a disponibilizar seus conhecimentos de forma criativa e objetiva, unindo a técnica à
visão mística da sociedade, transforma-se em um parceiro idôneo para o desenvolvimento das
instituições e do país. Como filosofo futurista, notoriamente ele ressalta a consciência histórica,
ou seja, o registro da história como conhecimento eficaz, estabelece o que ele chama de
estatística das idéias, a fim de necessitar, contudo do rigor cronológico das idéias e o processo de
expansão, surge a necessidade de catálogos e, concomitantemente, dos levantamentos
bibliográficos. (ORTEGA Y GASSET, 1967, p.88)
Diante das possibilidades de organizar a vida social em todos os seus aspectos, Ortega
explicita a proposta de organizar a produção de livros. Notoriamente, Paul Otlet um ano antes ao
discurso de Ortega, na sua publicação intitulada, Traité de documentation, menciona um número
crescente de publicações visando a ordenação do mundo da informação. Nesse sentido, os
pensamentos de Otlet e Ortega comungam na opinião de uma produção de livros competentes
com relação à quantidade e a qualidade.
Convém destacar, que os sistemas de classificação de tesouros são linguagens
documentárias, ou seja, sistemas artificiais de signos normalizados, que admitem representação
natural e eficiente do conteúdo documental, com o objetivo de fazer a recuperação da informação
manual ou automatizada para o usuário final. Ortega alerta para a necessidade de fazer
catalogação, como objetivo para encontrar meios que permitisse de modo fácil o processamento
das obras extrapolando o esperado. Condizente, ele afirmava. Possuir e planejar. (ORTEGA Y
GASSET, 1967, p.89)
Como todas as tarefas humanas começam por um exercício espontâneo, o bibliotecário do
futuro na visão orteguiana tem que orientar o leitor na selva dos livros. Polêmico na época e
visionário hoje, Ortega imagina o futuro do bibliotecário como um filtro entre a grande
quantidade de livros e o homem, trazendo para a Biblioteconomia uma importante contribuição.
Atualmente, esta visão de Ortega se revela na função do profissional da informação,
bibliotecário, como filtro, ou seja, mediador entre a informação e o usuário. Esse profissional no
exercício da sua atividade deve dar ênfase a cidadania que reflete na competência técnica e
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administrativa, como mediador necessário à informação selecionada, organizada, em linguagem
acessível, assumindo o compromisso de responsabilidade social.
No pensamento orteguiano, o desígnio do bibliotecário é ser o guardião da necessidade
social que se traduz pelo livro. Nesse sentido, o bibliotecário conquista o seu valor ao promover o
conhecimento de eras passadas aos leitores como o auxílio para a tomada de decisão, e como
profissional da informação, mediador, investe na educação do leitor, com a finalidade de torná-lo
cada vez mais independentes, conquistando sua autonomia na busca e no acesso à informação.
Para isto, os treinamentos no uso das tecnologias de informação e comunicação devem ser
assimilados com o apoio de programas institucionais, bem como as técnicas de decisão das
necessidades de informação, sua análise, preparação e disseminação à comunidade com o
objetivo de produção de um novo conhecimento. Esse é um desafio para a capacitação do
bibliotecário como mediador a serviço das bibliotecas brasileiras.
Nesse cenário, a educação continuada assume papel principal e relevante, para a
realização de novos exemplos de interações humanas, impregnadas de inovações de uso das
tecnologias da informação e comunicação, honrando as tradições sociais e individuais das
pessoas e das organizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A fonte examinada demonstra que após 72 anos o discurso de Ortega y Gasset, resgata a
valorização do homem mediante uma visão humanista na biblioteconomia e ressalta o importante
papel do bibliotecário na atualidade. O bibliotecário exerce o papel de mediador da informação,
adotado por Ortega como o filtro e domador do livro enfurecido, passa a ser o mediador entre a
informação e o leitor, proclamando assim a nova missão do bibliotecário.
O problema previsto pelo filosofo do excesso de livros e a dificuldade que o homem tem
para ler todos os livros relativos ao assunto pesquisado, supera o limite do tempo e sua
capacidade de assimilação, requerer as necessidades de colocar em prática as técnicas
biblioteconômicas, que a torna eficiente a recuperação da informação manual ou automatizada e
transforma o bibliotecário no principal colaborador do cientista e do pesquisador.
No exercício do papel de mediador, o bibliotecário, deve garantir a cidadania, assegurar
os direitos de acesso à informação e à educação para os indivíduos, oferecer aos leitores, se não o
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conhecimento, pelo menos as técnicas, instrumentos que proporcionar dignidade e sobrevivência,
em uma sociedade competitiva.
A arte de disseminar a informação atribui ao bibliotecário a função de ser um facilitador
entre o livro e o leitor, sendo a informação o insumo básico que gera conhecimento para o leitor;
o bibliotecário colabora para a educação moral e formal, que o filosofo ressalta como a medula da
história da moral do Homem e indica que este é o caminho mais simples para melhorar o nível
cultural da sociedade Ocidental.
Nesta direção, o profissional necessita estar capacitado para atuar no processo de
transferência da informação e sua atuação desponta como ponto importante entre interações
humanas, ele deve estar apto a desenvolver novas habilidades e competências, entre elas
competência de comunicação e expressão, habilidades técnicas-científicas, qualidades gerencias
e aptidões sociais e políticas, requeridas pela sociedade da informação e do conhecimento. Para
Ortega, a missão é a função do profissional que se compromete com a sua vocação, estimulando
a criatividade e a curiosidade, que o transforma no individuo que atribui valor a si mesmo e a sua
carreira profissional, tendo na educação continuada uma importante ferramenta aliada às novas
maneiras de pensar, sentir e viver ampliando os limites e a visão de mundo.
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