domingo, 11 de julho de 2010

1474 - HISTORIA DO LIVRO

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Os Sertões, livro vingador de Euclides da Cunha


O conhecimento da realidade social brasileira passa por uma obra obrigatória, Os Sertões, de Euclides da Cunha. Pontua como um dos principais artífices do debate sobre as diferenças entre o interior e o litoral. Lima Barreto, por exemplo, escrevia e descrevia um Brasil litorâneo, com todas as dicotomias citadinas. Euclides centrou o seu foco no interior, no momento em que as contradições da república recém implantada no Brasil ressaltavam mais gravemente. A Guerra de Canudos não foi o primeiro nem o último episódio de massacre da sociedade afluente sobre uma tentativa de construção de um projeto societário diferente. Mas foi o único descrito em tantos detalhes e com tanta profundeza de detalhes por parte de uma testemunha ocular dos fatos.

Aquela guerra durou um ano e mobilizou mais de 12 mil soldados vindos de 17 estados brasileiros, mais da metade de todo o efetivo distribuídos em 4 expedições militares. Estima-se que morreram mais de 25 mil pessoas, culminando com a destruição total da cidade. Foi, de longe, a maior guerra de guerrilhas da história do Brasil.



Breve Histórico


Na segunda metade do século XIX houve por um lado uma grave crise no sertão nordestino e, por outro, um estímulo do Vaticano a um revivescer da fé católica, com o apoio institucional da Igreja, vários leigos eram levados a aproximar-se mais da religião e, dentro dos rudimentos de sua capacidade de compreensão, assim como daquela gente simples a quem se dirigiam, a mensagem evangélica era retransmitida.

Neste contexto surgem pregadores os mais diversos, dentre os quais Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, “um gnóstico bronco”, “um heresiarca do século II em plena idade moderna”, “um monstro”, segundo ajuíza Euclides da Cunha em Os Sertões. Um homem do povo que, falando na língua do povo, dizia o que o povo queria e precisava ouvir e fazia o máximo, dentro de sua consciência possível, para suplantar o caos em seu tempo pelo menos até onde chegava sua esfera de influência.

Conglomerando milhares de adeptos ao seu redor, tentando construir um projeto civilizatório diferente, atraiu a si a fúria dos “coronéis” das redondezas privados da mão-de-obra barata que, evidentemente, preferia ir para o Belo Monte com toda a beleza poética e profética que a circundava, a trabalhar para outrem em condições muito pouco satisfatórias. Isso, claro, quando havia serviço no sertão... Bastante ligado às tradições católicas, Antônio Vicente Mendes Maciel protesta e luta contra a república - não que tivesse qualquer contato ou vínculo com os Orleans e Bragança, sua pregação era sebastianista! Com efeito, o orgulhoso positivismo republicano tirou da Igreja uma série de prerrogativas, por exemplo com a criação do casamento civil e a laicização dos cemitérios... Lutando com dificuldade - e conseguindo - melhorias existenciais para sua gente, Antônio Conselheiro acaba por atrair a repressão brutal de uma república incipiente, acaba por atrair a ira fanática daqueles que o julgavam (ou assim faziam crer através de maciça propaganda) “um monarquista disposto a lutar pela restauração do império de Pedro II” quando na verdade, o que ele queria mesmo era ver o império da “lei de Deus”, contra a “lei do Cão” da república velha.

Em nossa história, inúmeros foram os casos de tentativas de implantação de um projeto civilizatório diferente, todos implacavelmente massacrados pela sociedade afluente: Palmares, Colônia Cecília, a República Comunista Cristã dos Guaranis, Canudos, o Contestado... Somente os episódios que tiveram evento em Canudos contaram com a cobertura de alguém do porte genial de Euclides da Cunha, deixando-nos o legado de buscar ter mais compreensão e tolerância para com o diferente.



Presença de Euclides


O sucesso da Aldeia Sagrada de Belo Monte, como era chamada pelos habitantes locais, sua recusa em pagarem impostos à república que nada lhes oferecia e o fato de a mão-de-obra barata que os encarregados das fazendas locais buscavam aliciar, por ordem dos “Coronéis”, estar inacessível, acabaram por conduzir a uma guerra covarde tendo (como todas as guerras, de Canudos a Bagdá) um motivo banal e improvável. Em Canudos foi um pedido de madeira para a construção de uma Igreja na Aldeia Sagrada. Madeira comprada e paga na vizinha cidade de Juazeiro da Bahia, recebe o Conselheiro um recado dando conta que os proprietários da empresa (provavelmente por pressão dos “coronéis”) não dispunham de gente suficiente para levar o material até Belo Monte. A isto o Conselheiro teve uma sugestão muito simples e enviou a mensagem: “gente aqui tem de sobra! Deixe que vamos buscá-la!”. O Juiz da Comarca de Juazeiro compreendeu a mensagem como uma “ameaça de invasão de jagunços à pacata cidade” e convocou a Polícia Militar que foi, armada, ao encontro dos canudenses. Melhores conhecedores do terreno e motivados por uma fé inabalável, derrotaram os policiais e apoderaram-se do armamento voltando, ainda surpresos, para Belo Monte. Neste momento, por pressão das autoridades, o Exército Brasileiro foi convocado a dar combate “àqueles bárbaros”.

No final do século XIX a questão “civilização versus barbárie” se colocava como ordem do dia. Assim, em nome da civilização cristã ocidental, a Europa “civilizou” massacrando contingentes humanos gigantescos na África e na Ásia. Foi o neocolonialismo. Era necessário escoar o excedente da produção européia ampliando o mercado consumidor e conseguir mão-de-obra barata, a Europa – Inglaterra à frente – foi a grande protagonista daquele processo de massacre totalitário, daquela “globalização” como se chama hoje. Sim, o mundo já passou por vários processos de globalização; para citar algumas: a macedônica, a romana, a ibérica, a britânica e hoje sofre globalização estadunidense. Todas desumanas e historicamente datadas.

A guerra de Canudos insere-se no contexto da globalização européia, o neocolonialismo do século XIX. Em guerras, campanhas eleitorais burguesas e pescarias a primeira vítima é a verdade. Os jornais cariocas estampavam manchetes tão sensacionalistas quanto inverídicas dando conta de que os canudenses queriam a restauração da monarquia e a volta de D. Pedro II (eles não tinham o menor contato ou simpatia pelos Orleans e Bragança recentemente ejetados do poder! Ansiavam messianicamente pela volta de D. Sebastião, morto pelos mouros em 1578 na Batalha de Alcácer Quibir!). De delírio em delírio chegou-se a falar em canibalismo, bestialidade, incesto e insanidades tais que a Imprensa Paulista, decidiu-se a convidar seu brilhante colaborador Euclides da Cunha para, na condição de Primeiro Correspondente de Guerra da História, informar o que cargas d’água estava de fato acontecendo por lá. Fosse como fosse, a guerra já estava a seu final quando a viagem de Euclides da Cunha a Canudos tornou-se viável. Ele levou consigo todo o preconceito da época contra os canudenses encontrando por lá um quadro totalmente diferente do até então avençado; ao lermos a Obra máxima de Euclides da Cunha, por sinal, verificamos que fica estarrecido com a barbárie de que são capazes as tropas republicanas; não menos, aliás, que o fica com o fanatismo dos canudenses... Em nome do progresso e da civilização assassinaram-se mais de vinte e cinco mil seres humanos, mocinhas foram tomadas como escravas (em plena república!) e destruiu-se uma proposta civilizatória pacífica e ordeira que só desejava viver independente da “república do cão”. Conduzidos pelo Conselheiro os canudenses eram levados a crer que se morressem a tiro, em combate às tropas da “república do cão” iriam para o paraíso. Se, por outro lado, fossem vitimados pela faca, iriam para o inferno. Conhecedores desta crença, os soldados republicanos tinham peculiar predileção por ordenar aos capturados que gritassem um “viva a República”, que equivalia a condenação eterna – e receberiam uma bala misericordiosa. Caso contrário, seriam mortos a faca... Quase ninguém cedia. Bradando ou não o mote proposto pelo captor, todos eram degolados. Era “gravata vermelha”...

Euclides tomou notas acuradas, momento a momento, da guerra cujos momentos finais assistiu. Parte delas foi usada em artigos para a imprensa de seu tempo. A todas usou na elaboração de Os Sertões, que veio a lume em 1902.

Seu livro vingador granjeou-lhe imediato reconhecimento nacional e internacional. Já no ano seguinte foi eleito para a Academia Brasileira de Letras e para o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Comissionado pelo Itamaraty, trabalhou com o Barão do Rio Branco na delimitação definitiva das fronteiras nacionais e tencionava escrever um alentado ensaio sobre o “Paraíso Perdido” a partir de um estudo demorado que fez na Amazônia, mas uma tragédia pessoal tristemente famosa ceifou-lhe a vida aos 43 anos de idade.






O Socialismo em Euclides da Cunha


Na juventude assinou alguns trabalhos em defesa dos deserdados da terra usando o sugestivo pseudônimo “Proudhon”. O próprio livro Os Sertões o coloca vigorosamente no campo da esquerda.

No Dia do Trabalho de 1904 escreveu um artigo para a imprensa, sob o título “Um Velho Problema” que se constitui num dos primeiros ensaios sobre o socialismo no Brasil.

No ensaio registra: “A fonte única da produção e seu corolário imediato, o valor, é o trabalho. Nem a terra, nem as máquinas, nem o capital, ainda coligados, as produzem sem o braço do operário. Daí uma conclusão irredutível: a riqueza produzida deve pertencer toda aos que trabalham. E um conceito dedutivo: o capital é uma espoliação.”

“A exploração capitalista é assombrosamente clara. (...) a pecaminosa injustiça do egoísmo capitalista, não permitindo, mercê do salário insuficiente, que se conserve tão bem como os seus aparelhos metálicos, os seus aparelhos de músculos e nervos; está a justificativa dos socialistas ao chegarem todos ao duplo princípio fundamental: Socialização dos meios de produção e circulação;

Posse individual somente dos objetos de uso.”

Em suma, este ensaio atesta a inegável afinidade de Euclides com o pensamento socialista e sua afinidade de classe para com os trabalhadores e excluídos.



Outras Obras


Contrastes e Confrontos traz uma coletânea de artigos para a imprensa, dentre os quais “Um Velho Problema”, em Peru versus Bolívia uma análise da guerra entre aqueles dois países e de que maneira isso repercute em nossas pretensões territoriais sobre a Bolívia, resultando no atual Estado do Acre. Em À Margem da História uma coletânea primorosa de estudos históricos e sobre a Amazônia segundo sua intenção de escrever uma obra alentada sobre o Paraíso Perdido, que não chegou a ser concluída.



Trechos de Os Sertões


“O sertanejo é, antes de tudo, um forte. Não tem o raquitismo exaustivo dos mestiços do litoral. A sua aparência, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrário. É desengonçado, torto. Hércules-Quasímodo, reflete no aspecto a fealdade típica dos fracos. (...) Basta o aparecimento de qualquer incidente transfigura-se. Reponta. Um titã acobreado e potente. De força e agilidade extraordinárias (...) Sua cultura respeita antiqüíssimas tradições. Torna-se um retirante, impulso pela seca cíclica, mas retorna sempre ao sertão”.



“Sua religião, como ele, é mestiça. O catolicismo atrasado se mistura aos candomblés do índio e do negro e se enche de superstições, crendices e temores medievais, conservados pelo isolamento, desde a colonização. Ele é crédulo, supersticioso, e esse deixa influenciar por padres, pastores e falsos profetas...”



“E o povo versejava e cantava;

‘Casamento vão fazendo/ Só pro povo iludir / Vão casar o povo todo/ No casamento civil’.

‘Visita nos vem fazer / Nosso rei D. Sebastião / Coitado daquele pobre / Que estiver na lei do cão’.”





“[Antônio Conselheiro] Pregava contra a República; é certo. (...) Mas não traduzia o mais pálido intuito político; o jagunço é tão inapto para apreender a forma republicana como a monárquico-constitucional. Ambas lhe são abstrações inacessíveis. É espontaneamente adversário de ambas. (...) Insistamos sobre esta verdade: a guerra de Canudos foi um refluxo em nossa história.”





“Fechemos este livro. Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados. (...) Caiu o arraial a 5. No dia 6 acabaram de o destruir desmanchando-lhe as casas, 5.200, cuidadosamente contadas.”

Lázaro Curvêlo Chaves - 12/08/2006

Presidente do Instituto de Pesquisas Sociais Euclides da Cunha



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