quinta-feira, 8 de julho de 2010

1389 - HISTÓRIA DO LIVRO

Por RENILSON JOSÉ MENEGASSI* &

NEUCIMARA FERREIRA DE SOUZA**



* Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras
Coordenador do Grupo de Pesquisa "Interação e escrita no ensino e aprendizagem"
Pesquisador em leitura e produção textual



** Graduada em Letras e Especialista em Produção de Textos e Literatura Brasileira pela Universidade Paranaense - UNIPAR, Umuarama - Paraná




A visão do negro no livro didático de português



Resumo: O presente trabalho analisa a maneira pela qual o negro é representado no livro didático de Português e como a pluralidade cultural vem sendo trabalhada no contexto escolar através deste material. Para isso, são analisados os textos e as ilustrações que apresentam o negro como personagem, identificando-se a existência da presença de formas discriminatórias à etnia, construídas pelos autores e ilustradores dos livros didáticos e repassadas aos alunos-leitores.

Palavras–chave: negro, livro didático, português, discriminação.

REPRESENTATION OF THE NEGRO IN THE PORTUGUESE LANGUAGE TEXTBOOK

Abtract: The representation of Negro characters in Portuguese Language textbooks and the manner cultural pluralism is discussed in the school context through these texts are provided. Texts and illustrations dealing with the Negro as character are analyzed and found to contain ethic discriminatory forms constructed by the authors and illustrators of textbooks. Further, these racially-biased representations are transmitted to the students and readers of the textbooks.

Key words: Negro; textbooks; Portuguese Language; discrimination.




Considerações Iniciais

A sociedade brasileira começa, mesmo que timidamente, a despertar e a construir uma consciência em relação à opressão racial. Porém, o que ainda é possível perceber é que esse despertar necessita avançar muito no combate a essa discriminação presente na sociedade. O ambiente escolar, uma das instâncias sociais formadoras de ideologia, está repleto de uma cruel realidade em que as diferenças étnico–culturais não são respeitadas, difundindo preconceitos e práticas racistas por todo o país.

Tendo em vista que toda forma de preconceito impede o indivíduo que a sofre de uma participação plena na vida cultural, o que engloba a dimensão escolar, este artigo visa demonstrar, através de análises de livros didáticos de Língua Portuguesa, de 5ª a 8ª séries, a presença de formas de discriminação e práticas racistas apresentadas explicitamente em suas páginas, contribuindo para a manutenção da visão do preconceito. Essas ações preconceituosas atuam de maneira agressiva contra os grupos ou indivíduos que as sofrem, deixando marcas profundas, na maioria das vezes, em cidadãos em formação, como crianças e adolescentes no contexto escolar.

É possível perceber essas marcas por meio de pequenos comentários de alunos negros em sala de aula, julgamentos de inferioridade ou incapacidade com uma forte presença de baixa auto-estima. Esse aluno certamente assimila a desvalorização do negro presente no livro didático, através dos papéis que lhe são atribuídos, como por exemplo, o negro ser sempre o causador de confusões, ser o rebelde, ou até mesmo aparecer como a criança suja da história; além de toda essa imagem deturpada, ainda pode-se perceber que a mulher negra aparece sempre na cozinha ou como serviçal, nunca como a patroa, isso apenas para dar idéia do que se encontra nos livros didáticos atuais.

O que não é possível de se admitir é a omissão de uma discussão sobre a presença discriminatória ao negro difundida em sala de aula através do livro didático; afinal, as pessoas necessitam ser educadas para respeitar umas as outras com suas diferenças; é preciso começar a mudar, e nada melhor do que iniciar por aquele que exerce papel fundamental de difusor do conhecimento no cotidiano escolar: o livro didático.

O livro didático e o negro
O livro didático não é um instrumento moderno, alguns estudos mostram que em meados do século XVII já havia uma preocupação em se adotar livros apropriados para transmissão de conhecimentos. O fato é que, no Brasil, a história do livro didático está ligada a uma série de decretos. O Estado controla o livro didático através da legislação criada em 1938, pelo decreto nº 1.006, consolidado em 1945, pelo decreto nº 8.460, assim os livros só podem ser adotados com a autorização do Ministério da Educação.

Em 1969, formaram-se equipes técnicas com a finalidade de aprovar os livros a serem utilizados nas escolas. A partir daí, a atual FAE (Fundação de Assistência ao Estudante) assumiu as atividades de co-edição, com o objetivo de aumentar a tiragem e a distribuição dos livros. Em 1985, após a implantação do PNLD - Programa Nacional do Livro Didático, esse material começa a ser analisado de forma mais crítica.

O livro didático deveria, conforme Rangel (2001, p.13), “contribuir efetivamente para a consecução dos objetivos do ensino de língua materna, tais como vêm definidos em documentos oficiais, como os PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais, assim é necessário que ele abstenha–se de preconceitos discriminatórios e, mais do que isso, seja capaz de combater a discriminação sempre que oportuno”, isto é, estimular a cidadania, produzir efeitos contra qualquer forma de preconceitos e discriminações no contexto escolar ou fora dele.

No entanto, de acordo com Silva (1995, p. 47), “O livro didático, de modo geral, omite o processo histórico–cultural, o cotidiano e as experiências dos segmentos subalternos da sociedade, como o índio, o negro, a mulher, entre outros. Em relação ao segmento negro, sua quase total ausência nos livros e a sua rara presença de forma estereotipada concorrem em grande parte para a fragmentação da sua identidade e auto estima”, isto significa que é possível constatar formas de discriminação ao negro, além da presença de estereótipos, que correspondem a uma espécie de rótulo utilizado para qualificar de maneira conveniente grupos étnicos, raciais ou, até mesmo, sexos diferentes, estimulando preconceitos, produzindo assim influências negativas, baixa auto-estima às pessoas pertencentes ao grupo do qual foram associadas tais “características distorcidas”.

É revoltante e absurdo que o livro didático seja transmissor de imagens que incutem valores negativos de determinados grupos étnicos, segundo as palavras de Freitag (1997 p.85): “a ausência de temas do aluno carente, do conflito de classes, da discriminação racial, quanto à presença de estereótipos” demonstra que é necessária a inclusão de temas referentes ao preconceito e às diversas formas de injustiça social. Assim, pode–se perceber que a estrutura do livro didático precisa ser modificada, para melhor atender a prática educacional e combater qualquer tipo de discriminação.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais e a Pluralidade Cultural

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 2000) abordam a questão da pluralidade cultural, no contexto escolar, como um desafio, reconhecendo a riqueza dessa diversidade etno-cultural, investindo na luta contra todo tipo de discriminação, tomando como ponto de partida os direitos humanos. Por sua vez, esse documento, dentro dos aspectos de conhecimentos antropológicos, apresenta como conceito de raça “conjunto de indivíduos com caracteres somáticos como cor da pele, tipo de cabelo” (BRASIL, 2000 p.44), enquanto o termo etnia é designando como “grupos sociais diferenciados dos outros por sua especificidade cultural” (p. 44), pode se afirmar, a partir daí, que o termo etnia é considerado o mais adequado a ser trabalhado no contexto escolar pela dimensão cultural que engloba, não somente as características físicas de um grupo, mas também a sua identidade cultural.

Conforme o documento oficial (BRASIL, 2000 p.99) “os conteúdos do tema pluralidade cultural estiveram presentes na escola de maneira freqüente, porém colaborando para a disseminação de preconceitos, mais que esclarecendo”, ou seja, o tema é exposto no contexto escolar, todavia de forma inadequada, provocando conflitos ao invés de difundir conhecimento e consciência na escola, conseqüentemente na sociedade.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais, dentro do conteúdo temas Transversais e Ética, propõem uma educação comprometida com a cidadania. A cidadania é algo que está ligado ao respeito mútuo e deve fazer parte do convívio escolar, apesar das diferenças existentes entre cada pessoa, assim, “é inevitável que inspirados por preconceitos expressos aqui e ali, alguns alunos se mostrem desrespeitosos com colegas diferentes” (BRASIL, 2000 p. 120), ou seja, eles são levados a atos discriminatórios, por diversos fatores, entre eles infelizmente se encontra aquele que tem como função levar o conhecimento, o livro didático, mas que muitas vezes é o causador de atos preconceituosos, devido à forma e as condições que refletem a imagem de um grupo étnico.

O tema Pluralidade Cultural permite, por meio da vida escolar, esclarecer eventuais preconceitos, colaborando para um convívio democrático. De acordo com os PCNs, (BRASIL, 2000 p.59) ao “repudiar toda discriminação de raça/etnia, classe social, crença e sexo”, é possível ensinar aos alunos o desenvolvimento de atitudes de empatia para com aqueles que sofrem qualquer tipo de preconceito. Nessa perspectiva, observa-se que o exercício da cidadania deve considerar o princípio da eqüidade, isto é, a presença das diferenças que devem ser levadas em conta para que a igualdade seja verdadeiramente alcançada.

A política de branqueamento

A discriminação sofrida pelos negros produz efeitos negativos em relação à própria unificação do país. No decorrer da história, uma massa de ex-escravos foi excluída pela sociedade após a abolição. O estímulo à imigração européia impediu a democracia aos negros e ainda limitou suas possibilidades de participação política, gerando conseqüentemente a política de branqueamento, que nada mais é do que o termo utilizado por uma ideologia que defende o processo de miscigenação como a forma mais eficaz para acabar com a opressão racial.

O objetivo ideológico dessa política de branqueamento era e ainda é disseminar que o país não apresenta diferentes grupos raciais, demonstrando assim uma nação branca, que pela miscigenação irá erradicar o negro da população do Brasil, como se isto fosse um objetivo velado na sociedade como um todo. Essa política se propaga mediante a maneira pela qual o negro vem sendo mostrado ao longo da história, de forma estereotipada ou inferior, criado apenas para servir.

Não é possível silenciar diante da presença de estereótipos e discriminações na sociedade e principalmente no contexto escolar. É importante observar a dimensão ideológica constituída pela política de “branqueamento” da população brasileira. Os reflexos desta política podem ser facilmente demonstrados através do depoimento de uma aluna negra, em resposta dada à pergunta: “Você gostaria de ser diferente? Hum... eu gostaria de ser branquinha” (“O Silêncio vai acabar”, revista Nova Escola, 120, 1999, p.15), a questão apresenta possibilidades de inferências, tais como: a menina poderia dizer que gostaria de ser magra ou até mesmo ter olhos verdes, caso ela não possuísse tais características; contudo, percebe-se que o fato de ser negra é algo que lhe incomoda tanto, a ponto de querer ser diferente do que ela realmente é. É a consolidação da política do branqueamento estampada e produzida no meio social escolar.

O ambiente escolar deveria favorecer a valorização da “pluralidade cultural” que consiste nos diferentes grupos sociais que convivem em nosso país. O mito de que o Brasil possui uma democracia racial apenas impede os grupos étnicos de conquistar o respeito e o espaço necessários na sociedade. No entanto, percebe-se que o livro didático, nas raras ocasiões em que apresenta o negro, o focaliza como um elemento muitas vezes à margem da sociedade, o fato é que tal procedimento caracteriza a política de branqueamento, isto é, demonstra que a educação brasileira parece não ser desenvolvida para alunos negros, pois os mesmos não conseguem se identificar diante das características que lhes são atribuídas, já que por vezes elas aparecem retorcidas no contexto escolar.

Visando contribuir para a mudança deste fato e ainda para a formação de uma escola voltada para a diversidade cultural pronta a respeitar as diferenças raciais, tomando como ponto de partida o livro didático, tendo em vista que o mesmo exerce forte influência na formação do aluno e do cidadão brasileiro, este trabalho apresenta análises de alguns livros didáticos de 5ª a 8ª series, da disciplina Língua Portuguesa, adotados por escolas da rede pública na região de Umuarama-PR, aprovados pelo Ministério da Educação e Cultura no ano de 2002, através do Plano Nacional de Livro Didático.

A presença de estereótipos e de formas de discriminação pode ser facilmente constatada no contexto escolar através das referências deformadas por ilustrações preconceituosas, caricaturas do segmento negro repassada aos alunos por meio do livro didático. Também é importante ressaltar o silêncio dos professores diante de tais ações de desrespeito ao negro promovidas pelo livro didático e por toda a sociedade escolar, como um todo.

O negro no livro didático

Para analisar os livros didáticos, com a finalidade de observar e relatar a presença do segmento social negro e a maneira pela qual vem sendo apresentado, escolheram-se duas coleções de circulação efetiva na região descrita: A palavra é português, das autoras Graça Proença e Regina Horta, Editora Ática; Leitura do mundo, das autoras Norma Discini e Lúcia Teixeira, Editora do Brasil. São tomados como instrumentos de análise os textos e as ilustrações presentes nas coleções, enfocando as situações atribuídas e o meio sócio-cultural, bem como a forma pela qual o segmento destacado aparece ilustrado.

A coleção A palavra é português é composta por 12 lições em cada livro, de cada série, com a presença de temas variados, divididos em 04 unidades. Já, a coleção Leitura do mundo é composta por 09 unidades em cada série, com uma diversidade de temas. Cada unidade é formada por 02 a 03 textos, seguidos por ‘debates’ e ‘estudo de gramática’.

Na coleção A palavra é português, o número de lições apresentado é de 12 por série; verificando-se o aspecto textual, constatou-se que dentre elas a presença do segmento negro, na 7ª série, foi de total ausência, enquanto nas demais o mesmo aparece apenas em 02 lições, que delineiam os seguintes temas: ‘entre amigos’, ‘histórias que o povo conta’, ‘a palavra como matéria-prima da literatura’, ‘conflitos’.

A temática ‘conflitos’ conduz o leitor a um caráter preconceituoso, estereotipando o segmento negro como o causador de confusões e difusor de discórdia. Na coleção A palavra é português, 8ª série, na lição 04, página 71, o texto Domingo no parque, de Gilberto Gil, na imagem utilizada como pré-leitura ao texto, mostra Juliana, uma personagem citada e presente na letra de música como o pivô da confusão, ilustrada como uma moça negra, causadora de uma pretensa confusão entre dois amigos: “Mas aquela tarde, que ele pretendia tranqüila, lhe reserva um grande conflito.”. A imagem de uma moça negra, sorridente, alegre, entre dois moços brancos, sendo um deles com fisionomia irritada, leva à possível constatação de que a moça é a causadora do conflito. Por que o ilustrador do livro didático não apresentou essa personagem como uma moça branca, amarela, parda etc.? É, na verdade, o estereótipo de que negro é sinônimo de confusão e violência. O texto Domingo no Parque não apresenta nenhuma característica de que Juliana seja negra, mesmo assim, ela é retratada como negra e ainda de forma totalmente caricatural.

Outra ilustração em que se apresenta o negro aparece na coleção A palavra é português, 1998, 5ª série, página 56, na lição nº 04, texto “A aposta”, em que surge a imagem de uma senhora negra de pano na cabeça, desenhada de maneira caricatural, caracterizando um estereotipo social, tendo em vista que as senhoras negras, nas raras vezes que aparecem nos livros didáticos, são apresentadas com características de serviçais, como acontece no exemplo citado.

A personagem denominada Dona Durvalina possui nove filhos, de acordo com o texto, os mesmos aparecem ilustrados ao seu redor, usando chinelos e roupas remendadas, caracterizando pobreza; ao retratar o negro desta forma, remete-se à sua associação como um elemento da sociedade que vive sempre num meio social desfavorecido. Por outro lado, observa-se que o senhor branco ilustrado aparece com roupas sem remendos, camisa por dentro da calça, cinto, caracterizando uma forma visivelmente mais apresentável, com um nível social de classe média, com característica de funcionário público.

Outra manifestação da presença da discriminação ao negro, na coleção A palavra é português, (5ª série, página 45) aparece através do diálogo entre um garoto branco e um negro, em que aparece a frase: “Este é Tiziu!”. O substantivo Tiziu se refere ao garoto negro, como nome próprio, segundo as explicações do livro didático. De acordo com o Dicionário Aurélio (1999), o termo Tiziu corresponde a uma ave passeriforme, cujo macho é preto–azulado. Assim, é possível observar que as autoras e o ilustrador do livro didático estabelecem uma relação entre o garoto negro e o pássaro, ao invés de lhe dar um nome como, João, André etc. Salienta-se que a forma como a ilustração e o apontamento da regra de grafia do substantivo próprio são empregados deixa evidente que o menino negro foi literalmente utilizado como uma “coisa” que serve de referência a outra. Isto é visível ao se perceber a denominação que é dada a substantivo: “Tiziu: nome de um ser da espécie ‘pessoa’”. O exemplo utilizado poderia muito bem ser empregado com o menino branco, que também tem um nome diferente “Socó”. Por que ele não foi utilizado como referência? Por que o nome do menino branco não foi designado pelas autoras como “Socó: nome de um ser da espécie ‘pessoa’”? Fica saliente que o racismo marcado determina que, no exemplo apresentado, Tiziu é uma pessoa, como se o negro não o fosse. Esses e outros exemplos são comuns nos livros didáticos, conforme exemplificado em Menegassi (2004).

O termo utilizado pelas autoras, para nomear o garoto negro, colabora para a propagação do preconceito, pois possibilita a comparação do negro a um animal-pássaro cujas penas ou pêlos são pretos, provocando em alunos pertencentes à mesma etnia uma baixa auto-estima, possibilitando, ainda, que venham a ser denominados de tal forma pelos colegas em sala de aula, uma vez que, para os alunos pertencentes a outras etnias, o fato de chamar o colega negro por apelidos é “um ato natural” na sociedade brasileira, sendo um costume adquirido em casa através da própria família, explicitando o preconceito existente na sociedade.

Diante das análises realizadas da coleção A palavra é português, observa-se que as autoras, bem como o ilustrador do livro didático, retratam o segmento negro e principalmente a mulher negra de forma totalmente caricatural e estereotipada. Esta imagem distorcida da mulher negra contribui para a difusão da discriminação na sociedade, o que prejudica muito a auto-estima e a valorização dessa categoria da sociedade.

A outra coleção analisada é Leitura do mundo, cujos conteúdos são divididos em 09 unidades por cada série, onde se constatou a presença do negro em todas as séries analisadas, diferentemente da anterior, que se restringia a algumas somente. Por questão de espaço, aqui, evidencia-se, sobre a temática discutida, a característica mais saliente na coleção. O que chama a atenção na coleção é a semelhança nas tonalidades de cores utilizadas para representar o negro, em relação às cores empregadas para ilustrar, também, alguns animais. Percebe-se facilmente esta semelhança de tonalidades ao observar a ilustração da coleção na 5ª série, página 143, em que aparece uma pessoa negra e um animal, mais precisamente um cachorro, ambos com a mesma cor, provocando certos constrangimentos em alunos pertencentes à etnia. É importante ressaltar que as cores utilizadas para ilustrar as demais etnias presentes na coleção também foram analisadas, porém não foram encontradas nenhuma semelhança com cores utilizadas para ilustrar animais, como no caso marcado. Certamente que essa questão pode ser gráfica ou mera coincidência, porém, para esta análise, ela se faz presente e evidente. Tal problemática pode facilmente confundir o leitor, numa ilusão de cores, estabelecendo uma relação entre o segmento negro e os animais ilustrados na obra.

Considerações finais
Todas as coleções analisadas merecem de um melhor cuidado ao abordar aspectos de pluralidade cultural, porém podem ser trabalhadas em sala de aula, desde que o professor conduza seus alunos a uma leitura mais crítica e observadora da realidade do negro na história do Brasil, considerando-se o passado, o presente e o futuro do país.

As análises registradas afirmam a presença de formas de preconceito e estereótipos presentes de forma implícita, até mesmo explícita, no livro didático de Português, o que evidencia uma falta de preocupação com a pluralidade cultural existente no Brasil. De acordo com Crochik (1997 p.145), “a questão do preconceito deve ser diretamente discutida, procurando o professor esclarecer a falsidade de seu conteúdo”, isto é, o educador deve tentar demonstrar ao aluno que o livro didático não é dono da verdade absoluta, e fazer com que ele esteja sempre alerta, sendo crítico, ao se deparar com situações discriminatórias. Na realidade, cabe ao professor mostrar ao aluno o preconceito e a discriminação marcados pelos autores dos livros. Esta postura, além de despertar o senso crítico no aluno, desenvolve uma série de estratégias de leitura eficazes na formação do aluno leitor.

Embora o Ministério da Educação e Cultura tenha tomado iniciativas para melhorar o controle dos livros didáticos a serem distribuídos para as escolas públicas, com o objetivo de evitar a distribuição de obras que contenham representações negativas em relação ao segmento negro, ainda não se encontra com facilidade livros didáticos que abordem a colaboração desta etnia na construção do país, incluindo aspectos positivos da história do negro no Brasil.

Apesar das propostas muito bem apresentadas nos temas de Pluralidade Cultural e Temas Éticos, presentes nos Parâmetros Curriculares Nacionais, é grande a probabilidade de que muitos professores não apliquem o que esta sendo proposto, pois muitas vezes esses mesmos educadores, que são responsáveis pela formação de cidadãos críticos, foram vítimas de uma educação preconceituosa e não receberam instruções adequadas para trabalhar em sala de aula a diversidade cultural, bem como a discriminação racial. Portanto, a solução seria promover uma educação que aborde as questões de pluralidade cultural, buscando uma escola mais democrática, reconhecendo as diferenças culturais de cada um. Nesse sentido, é necessária ainda uma atenção especial ao livro didático que chega à escola e também à formação do professor, como mediador do saber e principalmente como formador de cidadãos.

Acredita–se que seja possível construir uma sociedade que atenue os atos preconceituosos, já que o contrário é uma utopia, valorizando a diferença como um aspecto positivo à formação social do aluno, lembrando-se de que as diferenças são aspectos que somam para a difusão do conhecimento. Essa postura pode ser muito bem desenvolvida na escola, através do manuseio de livros didáticos que tratem o tema aqui discutido com mais propriedade e criticidade. Dessa forma, aprender a fazer uso de uma prática educacional que valoriza a diversidade cultural e seja atenta a qualquer forma de discriminação, progredindo nas discussões a respeito das diferenças raciais, é o começo da formação de uma democracia racial que até então só existe no papel e se manifesta altamente discriminatória nos atuais livros didáticos brasileiros de língua materna.

Para finalizar, retomam-se as palavras do líder Martin Luther King: “Aprendemos a voar como os pássaros, e a nadar como os peixes, mas não aprendemos a conviver como irmãos”, percebendo-se a necessidade de aprender a conviver com as diferenças, uma vez que só assim é possível promover uma educação comprometida com a valorização do ser humano ao alcance de todos.
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A representação do negro no livro didático brasileiro de língua materna



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Referências Bibliográficas
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DISCINI, Norma; TEIXEIRA, Lucia. Leitura do mundo. São Paulo: Editora do Brasil, 1999.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo dicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira ,1999.

FREITAG, Bárbara. O livro didático em questão. São Paulo: Cortez, 1997.

MENEGASSI, R. J. A representação do negro no livro didático brasileiro de língua materna. Revista Espaço Acadêmico, n. 36, maio de 2004.

PROENÇA, Graça; HORTA, Regina. A palavra é português. São Paulo: Ática, 1998.

RANGEL, Egon. Livro didático de Língua Portuguesa: o retorno do recalcado. In: DIONISIO, Ângela Paiva; BEZERRA, Maria Auxiliadora (orgs.). O livro didático de Português: múltiplos Olhares. Rio de Janeiro: Lucerna, 2001, p. 7-14.

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SILVA, Ana Célia. A discriminação do negro no livro didático. Salvador: CED – Centro Editorial Didático e CEAO - Centro de Estudos Afro - Orientais, 1995.



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