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Manuel Maria de Barbosa Du Bocage foi o mais renomado poeta português do século XVIII. Adotou na Nova Arcádia o pseudônimo de Elmano Sadino (Elmano é o anagrama de Manoel e Sadino é uma alusão ao rio Sado, que passa na terra natal do poeta).
Levou uma vida tumultuosa e intensa, na qual se incluem decepções amorosas, revolta contra as instituições da sua sociedade, prisões, vícios, doença e um fim de vida pobre. Devido a isso, em alguns de seus poemas, Bocage compara sua vida à do poeta Camões, como se vê no soneto abaixo:
“Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante.
Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo.
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.
Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.
Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.”
Sua obra pode ser dividida em poesia satírica, na qual mostrou seu lado mais irreverente e provocador; poesia bucólica, ainda bastante influenciada pelo arcadismo, e poesia lírica pré-romântica, na qual se concentra o melhor de sua originalidade e engenho artístico.
Poesia satírica: poesia grosseira, vulgar e obscena. Cantada nos bares, nas noitadas, essas poesias eram, muitas vezes, improvisadas, o que leva alguns críticos a compararem Bocage à figura do repentista. Daí a marca mais interessante dessa poesia: a aproximação com o público. O “Poeta Maldito” (alcunha que levou justamente por sua poesia satírica) transferiu a poesia dos salões para a rua, construindo a imagem do “poeta do povo”: poeta dos palavrões; aquele que não tem vergonha; que abriu mão da noção de conveniências; é o poeta de fala aberta, direta, sem entremeios, sem receios.
Bocage ataca, nessas poesias, ora em termos mais elevados, ora em termos bem vulgares, as colônias, o absolutismo político e religioso, a monarquia, o clero, os colonos, os mestiços, os poetas seus contemporâneos, as instituições e todo tipo de hipocrisia moral. Por outro lado, e até mesmo por não se desvencilhar totalmente das visões de mundo de seu tempo, revelou, ao criticar os colonos e os mestiços, uma postura europeizada e preconceituosa.
Censurado e mal quisto pela sociedade de sua época, justamente por este lado mais desbocado, é ainda mal compreendido em suas sátiras, pois esta parte de suas poesias é ainda omitida, muitas das vezes completamente, pela maioria dos manuais de literatura. Para Massaud Moisés (2008), apesar de Bocage ter, na sátira, alcançado ser poeta de primeira grandeza, este lado de sua poesia ocupa lugar menos relevante em sua obra, “seja porque de cunho pessoal e bilioso, seja porque dura tanto quanto o acontecimento que lhe dá causa”. Abaixo, transcrevemos um exemplo dessa poesia:
"Casou-se um bonzo da China
Com uma mulher feiticeira
Nasceram três filhos gêmeos
Um burro, um frade e uma freira."
Poesia bucólica e encomiástica: representa uma primeira fase da poesia lírica do escritor, ainda presa aos moldes convencionais da Nova Arcádia. Trata-se da poesia não censurada de Bocage, a poesia oficial; justamente a menos interessante. Além dos poemas elogiosos e circunstanciais (para casamentos, mortos ilustres, etc.), destinados à louvação dos poderosos, Bocage também explorou os temas árcades, aderindo à moda bucólica e pastoril, além de resgatar os personagens da mitologia clássica, como os Zéfiros e as ninfas. Exemplo:
“Marília, se em teus olhos atentara,
Do estelífero sólio reluzente,
Ao vil mundo outra vez o onipotente,
O fulminante Júpiter baixara
Se o deus que assanha as Fúrias, te avistara
As mãos de neve, o colo transparente,
Suspirando por ti, do caos ardente
Surgira à luz do dia e te roubara.
Se a ver-te de mais perto o Sol descera,
No aúreo carro veloz dando-te assento,
Até da esquiva Dafne se esquecera.
E se a força igualasse o pensamento
Ó alma da minh’alma eu te of’recera
Com ela a Terra, o Mar e o Firmamento.”
Poesia lírica: nesta poesia, Bocage compõe idílios, odes, epigramas, cantatas, elegias, canções, epístolas, sonetos, etc. Mas foi com os sonetos que o poeta alcançou o máximo de seu talento lírico, sendo considerado pela crítica como um dos três maiores sonetistas da língua portuguesa, ao lado de Camões e Antero.
Bocage superou as regras e imposições estético-literárias do movimento arcádico, dando à lírica um tom pessoalista, libertando-se das emoções, às vezes de maneira calma e idealista, às vezes violentamente, como se gritasse. Estreando, na sua maneira de fazer poesia, uma novidade para seu tempo, Bocage representa a renúncia da hipocrisia, contenção e fingimento do Arcadismo, anunciando o que posteriormente veio a chamar-se de “visão romântica do mundo”. Bocage passa, então, a adentrar seu tumultuoso e ardente mundo interior, sendo, por isso, considerado predecessor dos sonetos metafísicos de Antero.
Os temas mais carregados de dramaticidade de sua poesia surgem nesse período, marcado pelo “sentimento de desamparo por falta de afetos seguros e de certezas filosóficas ou religiosas” e pela “tragédia da solidão em face do ‘outro’ e da realidade do mundo” (Massaud Moisés, 2008, p. 160).
Outro tema, que chega a constituir idéia fixa do poeta, é a Morte, à qual se liga uma poesia lúgubre, noturna, pessimista e fatalista, como se vê nos versos do poeta transcritos logo abaixo:
“Ó retrato da Morte!, ó Noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha de meu pranto,
De meus desgostos secretária antiga!”
Essa poesia de auto-análise representa o momento mais rico da obra de Bocage, pois, na ânsia de encontrar versos que expressassem todos os seus conflitos interiores com a dramaticidade necessária, o poeta dá vida a novas soluções expressivas, demonstrando grande habilidade e maestria poética. Dividido entre o Sentimento (que se extravasa) e a Razão (os problemas individuais são elevados a uma reflexão universalista), o primeiro vence a segunda, fazendo o poeta avançar em direção ao Romantismo. Abaixo, transcrevemos uma das obras primas do escritor: “Já Bocage não sou!”.
“Já Bocage não sou!... A cova escura
Meu estro vai parar desfeito em vento...
Eu aos céus ultrajei! O meu tormento
Leve me torne sempre a terra dura:
Conheço agora já quão vã figura
Em prosa e verso fez meu louco intento;
Musa!... Tivera algum merecimento
Se um raio da razão seguisse, pura!
Eu me arrependo; a língua quase fria
Brade em alto pregão à mocidade,
Que atrás do som fantástico corria:
Outro Aretino fui... A santidade
Manchei!... Oh! Se me creste, gente ímpia,
Rasga meus versos, crê na eternidade!
CINEMA: O cinema já tomou como personagem o polêmico “Poeta Maldito”: primeiro em 1936, em “Bocage”, um filme português de Leitão Barros, e segundo em 1997, em “Bocage, o triunfo do amor”, filme brasileiro e português de Djalma Limongi Batista. Vale a pena conferir!
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