sábado, 5 de junho de 2010

432 - OS ROMANOS

[13]; João Pessoa, jul/dez. 2005. 11
ROMANOS E PARTOS:
ATIVIDADES BÉLICAS NA REPÚBLICA
E NO PRINCIPADO
Ana Teresa Marques Gonçalves1
O mundo romano sob a égide dos Príncipes vivenciou inúmeras guerras civis e
externas, nas quais os aspectos militares e estratégicos se mesclavam com
características econômicas, políticas, sociais, religiosas e culturais. O ato de
empreender uma batalha se iniciava muito antes do confronto em si. Eram
necessários, por vezes, meses de preparação, com a organização dos suprimentos
e de armas, a convocação dos soldados, a preparação das tropas, a definição dos
generais (legados imperiais) e de suas táticas, a construção de armamentos (como,
por exemplo, o onagro - onager - uma máquina militar similar à catapulta, ou o
aríete - aries - uma tora de madeira suspensa numa espécie de torre para arrebentar
as muralhas das cidades sob assédio, ou a balista - scorpio - um grande arco posto
sobre base de madeira para lançar flechas e dardos a grande distância) e algumas
vezes, quando se fazia estrategicamente necessário, de barcos2. Mesmo quando
Roma buscava mais se defender de perdas sucessivas de territórios do que ampliar
o limes, os empreendimentos bélicos suscitavam preparativos e expectativas.
Na passagem do II para o III século d.C., período de governo de Septímio Severo
(193 a 211 d.C.) e de seus filhos Geta (211 a 212 d.C.) e Caracala (211 a 217
d.C.), o agon dos gregos, o espírito competitivo3, não desapareceu entre os romanos.
Mesmo tendo enfrentado uma guerra civil que se estendeu de 193 a 197 d.C.,
Septímio empreendeu lutas externas. Caracala, após se desvencilhar do irmão,
também se lançou a operações de guerra. Nos dois governos, um mesmo inimigo
antigo foi atacado: os Partos.
No final do período republicano, quando os romanos buscavam o domínio sobre
terras orientais, uma batalha perdida marcou o imaginário romano para sempre:
a Batalha de Carrhae (Carras - Haran). Combatida e desastrosamente perdida em
53 a.C. por Marco Crasso (membro do Primeiro Triunvirato, junto com Cneu
Pompeu e Júlio César), a batalha colocou em lados opostos os romanos e os partos,
sob as ordens do general parto Surenas e do rei Orodes Arsácidas. Esta batalha
nos foi relatada por Plutarco, na Vida de Crasso, integrante de suas Vidas Paralelas.
Segundo Plutarco, a expedição de Crasso contra os Partos foi uma grande
tragédia4, marcada pelo principal defeito deste romano: sua cupidez, sua avidez
1 Professora de História Antiga e Medieval da Universidade Federal de Goiás. Mestre em História
Social e Doutora em História Econômica pela Universidade de São Paulo.
2 ANTONELLI, L. Armi e armature dell’Impero Romano. Roma: Napoleone, 1990, p. 75-94.
3 SOUZA, M. A. P. de. A guerra na Grécia Antiga. São Paulo: Ática, 1988, p. 36.
4 PLUTARCO. Vida de Crasso. In: _____________. Vidas paralelas. Vol. 3. Tradução de Gilson César
Cardoso. São Paulo: Paumape, 1991, p. 33.
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por riquezas5. Após controlar a insurreição dos gladiadores de Cápua, cujo líder
foi Espártaco (74 d.C.)6, Crasso recebeu do Senado o controle sobre a Síria e
passou a sonhar com os caminhos traçados por Alexandre Magno, todos os tributos,
riquezas e pilhagens que podiam ser conquistados se o território sob domínio dos
romanos fosse expandido ate a Índia. Para se chegar até lá era necessário passar
pelo território dos Partos, povo que nem sempre aceitava a interferência romana
em seus assuntos internos. Ainda segundo Plutarco:
“A lei romana sobre as províncias não fazia menção à necessidade de
uma guerra pártica, mas todos sabiam que Crasso andava obcecado
por esta idéia. O próprio César, da Gália, escreveu-lhe uma carta
aprovando o projeto e incitando Crasso à guerra. O tribuno da plebe
Ateio tentou opor-se à sua partida, apoiado por muitos descontentes
que não viam razão em hostilizar um povo inocente de qualquer falta
contra Roma e a esta ligado por tratados.”7
Assim, as batalhas a serem travadas contra os partos aparecem como decisões
individuais de Crasso, baseadas em sua busca de riqueza. A guerra parecia desde
o início fadada à desgraça, pois vários prodígios indicavam que a mesma não
contava com o apoio das divindades. Antes mesmo da saída de Crasso da cidade
de Roma, Ateio correu para os portões, acendeu um altar e procedeu a fumigações
e libações para finalmente abrir-se em imprecações terríveis contra a guerra, feitas
para divindades romanas e estrangeiras:
“Afirmam os romanos que essas imprecações antigas e misteriosas
possuem tamanha eficácia que ninguém que delas seja objeto pode
escapar-lhes, e que trazem desgraça também para aqueles que as
proferem, razão pela qual raramente são empregadas, e nunca
levianamente. Censura-se a Ateio ter nessa ocasião lançado sobre a
própria cidade, em nome da qual se indignava contra Crasso,
semelhantes imprecações e tamanho terror religioso.” 8
Além disso, o mar estava bravio e várias naus se perderam. Chegando a
Brundísio, cruzou o rio Eufrates e passou a organizar a tomada de Zenodotia, na
Mesopotâmia, cidade por ele pilhada, cujos habitantes foram vendidos como
escravos, pois ao contrário de outras cidades, seus cidadãos se recusaram a se
render voluntariamente aos romanos9. Deste modo, Crasso aumentava seu
patrimônio, o de seus soldados e a riqueza de Roma, além de politicamente se
mostrar um feliz general e travar alianças no Oriente, por onde passavam
importantes rotas comerciais. Ao invés de ocupar as estratégicas cidades de
Babilônia e Selêucia, eternamente hostis aos partos, que como os romanos
5 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 2.
6 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 8.
7 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 16.
8 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 16.
9 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 17.
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buscavam aliados no Oriente, ele preferiu ocupar novas cidades na Síria, por
motivos mais econômicos que militares, segundo Plutarco10.
Os partos tentaram lhe enviar embaixadores, propondo um acordo, mas Crasso
preferiu continuar se preparando para a invasão da Pártia. Os sinais divinos
contrários à empreitada também continuaram. Ao visitar o templo de Afrodite em
Hierápolis, Públio Crasso, filho de Marco Crasso, escorregou diante da porta e seu
pai acabou caindo sobre ele11. Ao passar pela margem do rio Eufrates, na cidade
síria de Zeugma, trovões repetidos produziram um terrível barulho. Quando oferecia
o sacrifício expiatório habitual, deixou cair as entranhas das vítimas que o adivinho
lhe estendia12. Mesmo assim, Crasso continuou a marcha, contando com sete legiões
e um corpo auxiliar formado por cavaleiros que haviam lutado sob ordens de seu
filho nas batalhas de César na Gália.
Um chefe tribal árabe, de nome Abgar, convenceu Crasso a se afastar das
margens do rio e a enveredar por uma ampla planície, na qual as tropas romanas
foram atacadas pelos arqueiros e pelos cavaleiros partos. Os romanos ficaram
atônitos ao terem que lutar em areais profundos, planuras sem vegetação e sem
água. Os partos faziam grande algazarra, tocando tambores ocos cobertos de pele
com martelos de bronze, com os quais produziam sons surdos e assustadores,
observando que a audição era, de todos os sentidos, aquele que mais intensamente
perturba a alma, provoca as emoções mais imediatas e põe o espírito fora de si13.
Acostumados a lutar contra gauleses quase nus, as armas romanas não
conseguiam perfurar as couraças partas, que protegiam homens e cavalos. Ao
contrário, as flechas partas partiam todas as armaduras romanas (lorica squamata
- couraça escamada que pesava doze quilos, posteriormente trocada pela lorica
segmentata - couraça de lâminas que pesava só nove quilos) 14. O movimento dos
cavaleiros partos, em volta das tropas romanas dispostas num grande retângulo,
levantava massas de areia que impediam os romanos de ver e gritar. Públio Crasso
foi morto, sua cabeça foi cortada e exibida na ponta de uma lança. Crasso e seus
homens entraram em pânico e resolveram fugir. Foram, então, atacados pelas costas,
por um artifício chamado a partir deste momento de “flechas partas”. Os poucos
soldados que sobraram resolveram fugir a noite do acampamento, deixando para
trás os feridos. Crasso partiu na escuridão, pois sendo acima de tudo arqueiros, os
partos precisavam da luz do sol para combater. Foi acolhido junto com os
sobreviventes na cidade de Carras, de onde também fugiu à noite, tendo à frente
Andrômaco, que a pedido dos partos jogou os romanos na região dos pântanos
profundos.
Crasso acabou se rendendo aos partos. Surenas declarou que a partir daquele
momento havia trégua e paz entre o rei Orodes, que havia aproveitado o confronto
com os romanos para atacar a Armênia, e os romanos, mas que seria necessário
10 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 17.
11 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 324.
12 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 19.
13 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 23.
14 BRIZZI, G. O guerreiro, o soldado e o legionário. São Paulo: Madras, 2003, p. 130.
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avançar até o rio para pôr o acordo por escrito, “uma vez que vós, romanos, não
tendes boa memória no que diz respeito a tratados” 15. Quando Crasso montou o
cavalo para acompanhar Surenas, um parto chamado Exatres o matou, cortandolhe
a cabeça e a mão direita, enviadas ao rei Orodes. Segundo Plutarco, foi uma
das piores derrotas dos romanos, com vinte mil mortos e dez mil prisioneiros, num
momento em que estes se cobriam de vitórias.
Desta forma, não deve ser de estranhar que empreender guerras aos partos se
revestia de um sabor especial para os romanos. Além de ser uma terra rica, de
cidades antigas e pela qual passavam grandes rotas comerciais, a Pártia havia
sido conquistada pelo macedônio Alexandre, em seu caminho para a Índia, o
modelo preferencial dos Imperadores romanos do Alto Império, e havia uma boa
justificativa para empreender este combate, pois sempre se poderia vingar a derrota
sofrida no passado. A Pártia era símbolo de uma Ásia remota e nunca
completamente dominada nem mesmo por Alexandre16. Acrescente-se que os
romanos no Alto Império, com a diminuição das conquistas territoriais, buscaram
fortalecer o limes com barreiras naturais como cadeias de montanhas e rios17.
Portanto, dominar as regiões próximas aos rios Tigre e Eufrates se convertia numa
empresa de defesa mais do que de ataque.
Deste modo, não é de se estranhar que os Severos travassem batalhas contra os
partos. Septímio se dizia o continuador dos Antoninos, que também haviam
enfrentado os partos. Severo mudou o nome de seu filho mais velho, Bassiano,
para Marco Aurélio Antonino (196 d.C.) e proclamou-se filho de Marco Aurélio e
irmão de Cômodo (197 d.C.), realizando uma adoção ao contrário18. Caracala
recebeu o título de imperator destinatus em troca do apoio que deu ao pai nas
batalhas travadas no Oriente (197 d.C.). No bojo destes acontecimentos, Septímio
mandou gravar em algumas epígrafes o epíteto de divo Nervae atavo, vinculandose
por meio deste expediente não somente a Marco, mas a toda dinastia antonina.
Para J. Rufus Fears, Septímio buscou apoiar suas pretensões dinásticas no nomem
antoninorum, comparando a noção nomem com aquela de numem, como se a
utilização do nome dos Antoninos em si fosse capaz de garantir a continuidade da
paz e da prosperidade pelos deuses19. Todavia, não foi apenas no nome que os
primeiros Severos buscaram se aproximar da imagem dos Antoninos. Julien Guey,
ao estudar o calendário de Feriale Duranum, percebeu que as legiões estacionadas
em Doura-Europos, na Síria, festejavam o dies imperii de Caracala exatamente
na mesma data do dies imperii de Trajano (28 de janeiro de 98 d.C. e 28 de
janeiro de 198 d.C.), como se Caracala continuasse as conquistas feitas por seu
15 PLUTARCO. Vida de Crasso, p. 31.
16 BRIZZI, O guerreiro..., p. 119.
17 FERRILL, A. A queda do Império Romano: a explicação militar. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1989,
p. 30.
18 PALMER, R. E. A . Severan ruler-cult and the Moon in the city of Rome. Aufstieg Niedergang
Romischen Welt. Berlin, v.2, n.16, parte 2, 1978, p. 1086.
19 FEARS, J. R. Princeps a Diis Electus: the divine election of the emperor as a political concept at
Rome. Rome: American Academy in Rome,1977, p. 278.
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antepassado, que também lutou contra os partos20.
A guerra de Trajano contra os partos, travada entre 114 e 117 d.C., pode ser
interpretada como uma tentativa de criar uma fronteira mais forte pela presença
de barreiras naturais (rios Tigre e Eufrates), como aponta Edward N. Luttwak21.
Mas, além disso, revestia-se de outras cores. A região próxima à Pártia era repleta
de “estados-clientes” de Roma, isto é, regiões ou cidades que se mantinham
relativamente autônomas se respeitassem os acordos feitos com os romanos, que
tinham que apoiar seus soberanos. Qualquer troca de chefes sem o acordo de
Roma era encarada como declaração de guerra aos romanos.
Em 113 d.C., Chrosroe, rei dos partos desde 110 d.C., havia promovido uma
troca de reis na Armênia, “estado-cliente” de Roma. Axidares, que contava com o
apoio dos romanos, foi substituído no poder armênio por Parthamasiris, da família
dos Arsácidas, reinante na Pártia. Em 114 d.C., legiões romanas, tendo Trajano à
frente, invadiram a Armênia e a Mesopotâmia. Parthamasiris depositou seu
diadema real aos pés de Trajano e pediu o aceite de Roma ao seu poder na Armênia.
Todavia, Trajano percebeu que tal ato fortalecia por demais o poder dos partos
sobre o Oriente e as legiões romanas acabaram por invadir e ocupar Ctesifonte,
capital parta, promovendo a fuga do monarca e se apossando do trono de ouro do
rei dos partos. Atacaram também a região de Adiabene (Assíria) e criou-se a
província da Mesopotâmia/ Assíria22, com a intenção de tributar as cidades da
região recém-conquistada e controlar as rotas comerciais que vinham da Índia.
Antes de partir, Trajano coroou Parthamaspates rei dos partos e passou a considerar
a Pártia “estado-cliente” romano. Ao retornar desta empreitada, Trajano morreu
na Cilícia. As novas terras conquistadas se rebelaram, e seu sucessor, Adriano,
preferiu abandonar as novas províncias, não sem antes refazer seus tratados com
a Armênia e a região de Osroene, que considerava mais ricas e interessantes para
os romanos.
Dion Cássio afirma que as batalhas de Trajano contra os partos foram uma
empresa motivada simplesmente pelo seu desejo de glória23. Contudo, parece-nos
que Trajano queria, ao atacar os partos, garantir a predominância de Roma sobre
os “estados-clientes” orientais, cuja ascendência disputava com os partos, proteger
a recém empreendida conquista da Dácia com uma fronteira natural fluvial e se
aproximar dos grandes feitos alexandrinos, mesmo tendo mais de sessenta anos
de idade. Joel Le Gall e Marcel Le Glay defendem que a opinião romana, feliz com
a conquista da Dácia, teria feito pressão sobre o Imperador para aproveitar a
empreitada e eliminar o perigo pártico, povo visto como detentor de costumes
exóticos e mentes traiçoeiras24.
20 GUEY, J. 28 Janvier 98 - 28 Janvier 198 ou Le Siècle des Antonins. Revue des Études Anciennes.
Paris, v. 50, n. 1-2, 1948, p. 62.
21 LUTTWAK, E. N. La grande strategia dell’Impero Romano. Roma: BUR, 1997, p. 146.
22 EUTROPE. Abrègé de l’Histoire Romaine. Traduction et introduction par Maurice Rat. Paris:
Garnier, 1990, VIII, 3.2. DIO CASSIUS. Dio’s Roman History. Vol. 9. Translation by Earnest Cary.
London: William Heinemann, 1961, LXVIII, 18.3 e 19.2.
23 DIO CASSIUS, Dio’s Roman History, LXVIII, 17.1.
24 LE GALL, J.; LE GLAY, M. L’Empire Romain. Paris: PUF, 1989, p. 432-433.
16 [13]; João Pessoa, jul./ dez. 2005.
Os partos atacaram “estados-clientes” romanos em 161-162 d.C., já no governo
colegiado de Marco Aurélio e Lúcio Vero. O rei Vologeso III invadiu a Armênia e a
Síria, procurando expandir os domínios territoriais partos. Foi o próprio Lúcio
Vero quem foi à frente das legiões romanas enviadas para combater mais uma vez
os partos. Novamente, Ctesifonte foi invadida, pilhada e destruída, mas a região
permaneceu fora do limes, pois os partos aceitaram assinar um acordo no qual
devolviam as regiões conquistadas previamente e entregavam aos romanos a cidade
de Doura-Europos (166 d.C.). A cidade de Carras, de tão má lembrança para os
romanos, foi reduzida à condição de colônia. Além disso, uma peste dizimou boa
parte das legiões que estavam no Oriente e os Quados e Marcomanos atacaram a
região do Reno-Danúbio. A ameaça parta permaneceu, assim, esporádica.
De acordo com Polieno, que escreveu sua obra Estratagemas após a vitória de
Vero e Marco sobre os partos:
“A vitória contra persas e partos, sacratíssimos Imperadores Antonino
e Vero, a obtiverdes com a ajuda dos deuses, de vossa virtude e do
valor dos romanos, com os quais sempre, tanto antes como agora, podeis
vencer as guerras e batalhas que se apresentam.” 25
Para se vencer um inimigo estrangeiro se deveria contar com a ajuda divina, a
virtude e a autoridade humanas. E os Severos sabiam bem disso. Após o assassinato
de Pertinax por membros dos Pretorianos, quatro homens receberam a aclamação
imperial: Dídio Juliano, Septímio Severo, Pescênio Nigro e Clódio Albino. Severo
somente conquistou o poder único e soberano após a realização de várias guerras
civis. Entre as batalhas travadas contra as forças de apoio de Nigro e os combates
contra os defensores de Albino, Septímio atacou os partos. Tornava-se necessário
demonstrar aos romanos que Severo era capaz de vencer não apenas inimigos
internos, mas também expandir o território romano. Só se ganhava fama e glória
com ataques a povos estrangeiros, como indica Herodiano:
“(...) Querendo ganhar fama que não se limitasse a uma vitória civil
contra exércitos romanos - vitória que o envergonhava celebrar como
um triunfo - e desejando levantar troféus por seus êxitos frente aos
bárbaros, apresentou como pretexto a amizade de Barsemio, rei de
Hatra, com Nigro e iniciou uma campanha contra o Oriente.” 26
O mesmo desejo de glória aparece descrito na obra de Dion Cássio:
“Severo, com o desejo de conquistar a glória, empreendeu uma
campanha contra os bárbaros - os osroenos, os adiabenos e os árabes.”27
25 POLIENO. Estratagemas. Traducción y notas por José Vela Tejada y Francisco Martín Garcia.
Madrid: Gredos, 1991, I.1.
26 ERODIANO. Storia dell’Impero Romano dopo Marco Aurelio. Testo e versione di Filippo Càssola.
Firenze: Sansoni, 1967, III, 9.1.
27 CASSIO, Dio’s Roman History, LXXV, 1.1.
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Quando começou o ataque a Nigro, Severo enviou cartas pedindo o apoio dos
reis da Armênia, de Hatra e da Pártia. O rei armênio acusou neutralidade; o rei de
Hatra enviou um grupo de arqueiros para apoiar Severo; e o rei dos partos pediu
tempo para reunir um exército, tentando na realidade se esquivar da luta28. Severo
considerou isso uma traição.
Com a justificativa de perseguir os amigos de Nigro, que haviam fugido junto
com ele em direção ao território parto (194 d.C.), Severo, sem atacar diretamente
os partos, quis restabelecer a autoridade junto aos sírios, árabes e mesopotâmicos,
que tinham aproveitado a desorganização imperial causada pelas guerras civis
para se revoltarem. Como afirma Aristide Calderini, Severo quis empreender uma
expedição punitiva contra soberanos e cidades orientais que haviam apoiado, direta
ou indiretamente, Nigro: partos, armênios, adiabenos, osroenos, árabes29.
Apesar de chamar a expedição de Pártica, Septímio e suas legiões atacaram as
regiões de Osroene e de Adiabene, limítrofes com a Pártia, seguindo os passos de
Trajano, anexando-as. A invasão foi feita no período menos propício e, pelo fato
dos rios estarem vazios, vários barcos tiveram que ser carregados nas costas pelos
soldados, seguindo-se as margens dos rios. Mas, para Dion Cássio, Severo estava
protegido pelas divindades, pois, assim que ele ingressou no seco território oriental,
um grande temporal atingiu suas legiões, que puderam fazer um suprimento de
água30.
Segundo Herodiano, com os soldados de Nigro, os partos e seus vizinhos
aprenderam melhores técnicas de combate corpo a corpo, a se cobrirem com
armamento completo e a fazer armas com tecnologia romana, o que os tornava
muito mais perigosos em termos militares31.
Severo teve que retornar a Roma rapidamente quando, em 196 d.C., Clódio
Albino se fez proclamar Imperador na Bretanha, descontente de ter sido afastado
da sucessão imperial pelo título de Imperator Destinatus concedido a Caracala
após as batalhas no Oriente.
Com a eliminação de Albino em 197 d.C. e a reorganização das fronteiras no
Ocidente, Septímio estava livre para consolidar a fronteira oriental, da qual tinha
saído apressadamente. O próprio Príncipe capitaneou a invasão da Pártia. O rei
parta Vologeso IV fugiu ao ser informado da entrada das legiões severianas em seu
território, permitindo que Severo e seus soldados pilhassem Ctesifonte mais uma
vez, em 197 d.C. Por isso e pelo fato de boas correntes marítimas terem conduzido
os barcos de Severo até Ctesifonte, Herodiano afirma que foi mais por sorte do
que por estratégia que foi celebrada a vitória contra os partos32.
No ano seguinte, Severo recebeu do Senado os títulos de Parthicus Maximus,
Arabicus e Adiabenicus, e após as operações bélicas proclamou Caracala Augusto
28 ERODIANO, Storia dell’Impero…, III, 1.1.
29 CALDERINI, A. I Severi. Bologna: Licinio Cappelli, 1949, p. 59.
30 DIO CASSIUS, Dio’s Roman History, LXXV, 2.1.
31 ERODIANO, Storia dell’Impero…, III, 4.7-9.
32 ERODIANO, Storia dell’Impero…, III, 9.12.
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e Geta César (Geta só viria a se tornar Augusto em 209 d.C.). Com esta vitória,
Severo havia consolidado a fronteira oriental nos limites naturais impostos pelos
rios Tigre e Eufrates, recriando a província da Mesopotâmia/Assíria, implantada
anteriormente por Trajano. Voltou, então, para a região mesopotâmica para tentar
conquistar Hatra por duas vezes, sem sucesso.
Destarte, como ressalta Dion Cássio, Severo não acreditou ser oportuna a
conservação da conquista, visto que a expedição havia sido mais punitiva que de
conquista e havia perdido um contingente muito grande de homens para ter que
deixar muitas tropas tomando conta dos territórios recém-conquistados33. Tanto
que ele deixou apenas as legiões I e III Párticas na Mesopotâmia, e retornou junto
com a II legião Pártica para Roma.
A partir de 214 d.C., Caracala, como seu pai e antecessor, empreendeu várias
viagens ao Oriente, buscando se assemelhar a Alexandre Magno. Como indica
Herodiano: “De repente, ele se converteu num novo Alexandre. Por todos os meios
restaurou sua memória e ordenou que em todas as cidades se pusessem suas imagens
e estátuas”34. Todavia, esta decisão de Caracala não foi repentina. Ele havia
mandado matar Geta e seu grupo de apoio, proclamado a Constitutio Antoniniana
(212 d.C.) e precisava inspecionar as províncias e as legiões. Por isso, foi primeiro
ao Ocidente e depois ao Oriente.
Caracala deixou Roma com sua mãe, Júlia Domna, e seu Prefeito do Pretório,
Opélio Macrino, para empreender uma guerra contra armênios e partos35, sonhando
em repetir os feitos do macedônio Alexandre. Porém, quando chegou a Antioquia,
o rei parto Vologeso V se apresentou a ele e lhe deu de presente a morte do rei da
Armênia, Tirídate, que não andava respeitando as ordens romanas, e do filósofo
cínico Antíoco, que havia feito críticas públicas ao governo de Caracala. Com
isso, o Imperador não tinha mais justificativas para atacar a Pártia.
Em 216 d.C., o Príncipe deixou o Egito e retornou a Síria. Lá foi informado que
Vologeso V havia sido destronado por seu irmão Artabano, contrário à manutenção
de acordos com os romanos. Caracala, então, propôs casamento a uma princesa
parta, querendo imitar Alexandre, que havia desposado Roxane, uma estrangeira,
e por considerar a Pártia o único Império que havia rivalizado com Roma em toda
a sua história. Como o rei parto Artabano V se negou a ceder uma de suas filhas,
Caracala viu neste ato uma justificativa para invadir seu território e pilhá-lo. Para
Herodiano, ele buscava a glória:
“Não muito depois (do massacre dos alexandrinos no Egito) lhe
acometeu o desejo de receber o título de Pártico e de comunicar aos
romanos que havia vencido os bárbaros do Oriente. Ainda que reinasse
uma completa paz, ele maquinou um plano. Escreveu ao rei dos partos
(...). Na carta, lhe dizia que desejava casar-se com sua filha (...). Dizia-
33 CASSIO, Dio’s Roman History, LXXV, 9.4 e 12.1.
34 ERODIANO,Storia dell’Impero…, IV, 8.1.
35 Caracala’s life. In: The Scriptores Historiae Augustae. Translation by David Magie. London: William
Heinemann, 1953, 6.1.
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lhe também que o império dos romanos e o dos partos eram os mais
poderosos; que, se se unissem pelo matrimônio, estando apenas
separados por um rio, constituiriam um único império invencível (...).
Ainda que os romanos tenham uma infantaria invencível no combate
corpo a corpo com lanças, os partos contavam com uma numerosa
cavalaria de provada pontaria com o arco. (...) Por outro lado, as plantas
aromáticas que crescem na terra dos partos ou os metais que fabricam
os romanos ou seus apreciados produtos manufaturados já não seriam
passados por contrabando pelos comerciantes em dificuldades e penúria,
mas que ao serem um só território sob um só poder também se unificaria
o consumo e se suprimiriam as travas comerciais.” 36
Desta forma, vemos como Herodiano identifica motivos políticos e econômicos
para a invasão da Pártia. Caracala atacou Arbela, capital da região de Adiabene,
permitindo que seus soldados pilhassem as tumbas dos antigos reis, fato que
possivelmente desagradou às divindades, segundo Dion Cássio, pondo em perigo
todo a atividade bélica37.
Para Dion Cássio, a expedição de Caracala contra os partos e seus vizinhos foi
tão sem atrativos, sendo apenas um empreendimento de pilhagem, que ele preferiu
contar uma pequena anedota para rir da estupidez dos soldados de Caracala, em
sua obra, ao invés de descrever as batalhas travadas:
“Não encontramos nenhum interesse especial no relato dos incidentes
que marcaram esta campanha, exceto por uma pequena anedota. Dois
soldados haviam pilhado juntos uma garrafa feita de pele contendo
vinho. Cada um quis ficar com a garrafa e para isso procuraram o
Imperador. Ele ordenou que eles dividissem igualmente o vinho. Cada
soldado sacou de sua espada e cortou a garrafa ao meio. Percebendo
que haviam perdido todo o seu conteúdo, fizeram uma pequena
reverência ao Imperador, que ria, pois haviam exercido sua pequena
inteligência ao perderem ambos tanto a garrafa quanto o vinho.” 38
Quando saía de Edessa para Carras (Assíria), pretendendo pedir a proteção da
deusa Selene para a nova empreitada contra os partos, Caracala foi assassinado
por ordem de Macrino, que preferiu um acordo com os partos (pagou duzentos
milhões em moedas de prata e em presentes para que os partos desistissem de
invadir a Mesopotâmia). O acordo foi considerado desastroso pelos romanos.
Os partos não invadiram mais territórios de “estados-clientes” dos romanos e
acabaram sendo dominados pelos persas sassânidas em 224-226 d.C. Os partos
nunca se expandiram além da Síria e da Capadócia, mas sempre incomodaram
os romanos, pois permaneceram sendo até o III século d.C. a única potência com
certa importância no Oriente, capaz de incomodar os “estados-clientes” de Roma.
36 ERODIANO, Storia dell’Impero…, IV, 10.4-5.
37 DIO CASSIUS, Dio’s Roman History, LXXIX, 1.2.
38 DIO CASSIUS, Dio’s Roman History, LXXIX, 1.4-5.
20 [13]; João Pessoa, jul./ dez. 2005.
Nas obras do IV século d.C., aparecem referências a estas expedições párticas
praticadas pelos primeiros Severos (Severo39 e Caracala40). Por exemplo, Aurélio
Victor indica que Severo demonstrou que era um general felix e sábio ao combater
os partos e um bom administrador ao não tributar os adiabenos, percebendo que
suas terras eram por demais estéreis devido à secura do seu território41. Já na
História Augusta, ressalta-se que após vencer os partos, Severo recebeu do Senado
o direito de realizar um triunfo, mas declinou, pois não poderia se manter de pé
durante todo o ritual, devido aos males que sua gota lhe causava42. Até na passagem
do V para o VI século d.C., na obra de Zózimo, Nova Historia, por exemplo, ainda
se encontram referências aos feitos bélicos dos primeiros Severos contra os partos43,
demonstrando a permanência de sua importância no imaginário, sua inserção
indubitável na memória política e bélica dos romanos.
Portanto, as incursões dos Severos nas terras partas buscaram garantir a
soberania romana no Oriente, alem de enriquecer o aerarium com as pilhagens,
agradar os soldados, demonstrar a coragem e a capacidade estratégica dos Príncipes
e fortalecer os laços de Roma com seus “estados-clientes”. Conseguiram também
inscrever seus nomes entre aqueles que pretenderam fortificar as fronteiras e vingar
os romanos de desastres bélicos do passado.
39 EUTROPE. Abrègé de l’Histoire Romaine. Traduction et introduction par Maurice Rat. Paris:
Garnier, 1990, XVIII, 1.4.
40 EUTROPE, Abrègé de l’Histoire Romaine, XX, 1.1.
41 SEXTUS AURELIUS VICTOR. Histoire des Césars. Traduit par Pierre Dufraigne. Paris: Les Belles
Lettres, 1975, XX.
42 Severo’s life. In: The Scriptores Historiae Augustae, XVI.
43 ZOZIMO. Nueva Historia. Traducción y notas por José Maria Candau Moron. Madrid: Gredos,
1992, 8.1.
RESUMO
O objetivo deste artigo é analisar algumas
das várias batalhas travadas entre romanos
e partos ao longo da República e do
Principado, utilizando para tanto as obras de
Plutarco, Dion Cássio, Herodiano, Polieno,
Eutrópio, Aurélio Victor e Zózimo.
Palavras-Chave: História Romana;
Atividade Militar; Império Romano.
ABSTRACT
The objective of this article is to analyse some
battles jointeds among romans and partians
peoples during the Roman Republic and the
Roman Empire, using the Plutarchus, Dio
Cassius, Herodianus, Polienus, Eutropius,
Aurelius Victor and Zozimus’ Works.
Keywords: Roman History; Military Activity;
Roman Empire.

COPYRIGHT DEVIDO AO AUTOR DO TEXTO.

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