sexta-feira, 4 de junho de 2010

311' - HISTORIA DE ROMA

Universidade de São Paulo
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas
Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
Literatura Latina: Historiografia – FLC1256
Prof. Dr. Paulo Martins - Matutino/Noturno
2008
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Aula 05 - A História em Roma segundo Quintiliano e Cícero Notações de Aula: Prof. Dr. João Angelo Oliva Neto e Prof. Alexandre Pinheiro Hasegawa
1. Quintiliano, Instituições Oratórias, 10, 1, 101-4: catálogo dos historiadores latinos (trad. Alexandre Agnolon e Alexandre P. Hasegawa).
101. At non historia cesserit Graecis. Nec opponere Thucydidi Sallustium uerear, nec indignetur sibi Herodotus aequari Titum Liuium, cum in narrando mirae iucunditatis clarissimique candoris, tum in contionibus supra quam enarrari potest eloquentem, ita quae dicuntur omnia cum rebus tum personis accommodata sunt: adfectus quidem, praecipueque eos qui sunt dulciores, ut parcissime dicam, nemo historicorum commendauit magis. 102. Ideoque illam inmortalem Sallusti uelocitatem diuersis uirtutibus consecutus est. Nam mihi egregie dixisse uidetur Seruilius Nonianus pares eos magis quam similes: qui et ipse a nobis auditus est, clari uir ingenii et sententiis creber, sed minus pressus quam historiae auctoritas postulat. 103. Quam paulum aetate praecedens eum Bassus Aufidius egregie, utique in libris belli Germanici, praestitit genere ipso, probabilis in omnibus, sed in quibusdam suis ipse uiribus minor. 104. Superest adhuc et exornat aetatis nostrae gloriam uir saeculorum memoria dignus, qui olim nominabitur, nunc intellegitur. Habet amatores nec immerito Cremuti libertas, quamquam circumcisis quae dixisse ei nocuerat: sed elatum abunde spiritum et audaces sententias deprehendas etiam in iis quae manent. Sunt et alii scriptores boni, sed nos genera degustamus, non bibliothecas excutimus.
101. Mas a nossa historiografia não foi inferior à dos gregos. Eu não hesitaria em comparar Salústio1 com Tucídides, nem se indigne Heródoto de que Tito Lívio2 lhe seja igualado; [esse] não só possui admirável encanto e a mais luminosa clareza nas narrações mas também é eloqüente nos discursos além do que se pode expor; destarte, tudo o que ele diz é adequado não só aos assuntos mas também às personagens; decerto, quanto às afecções – e sobretudo as que são mais suaves –, para dizer muito brevemente, nenhum historiador as valorizou mais. 102. E por isso alcançou, com diferentes virtudes, a rapidez imortal de Salústio. Pois parece-me ter dito notavelmente Servílio Noniano3: que eles são mais iguais do que semelhantes; esse, que nós mesmos escutamos, é famoso pelo vigor de seu engenho e cheio de
1 Caio Salústio Crispo (87/86 a.C. – 35/34 a.C.) escreveu monografias históricas: a Conjuração de Catilina, a Guerra de Jugurta e Histórias. Essa última não nos chegou completa e narra os acontecimentos de 78 a.C. a 67 a.C. Salústio parece ter Tucídides como modelo e emprega muitos helenismos e arcaísmos em sua prosa. Para outro juízo sobre o historiador, citamos Sêneca, Ep. 114, 17: Sic Sallustio uigente anputatae sententiae et uerba ante expectatum cadentia et obscura breuitas fuere pro cultu (“Assim, quando Salústio estava em voga, suas sentenças desconexas, seus discursos que se interrompem antes do esperado e sua concisão obscura foram considerados como elegância”). 2 Tito Lívio (59 a.C. a 17 d.C.) escreveu a história de Roma (Ab Vrbe Condita), desde a sua fundação até oano 9 d.C., em 142 livros, divididos pelos copistas em décadas (conjunto de dez livros). Da obra, chegaram até nós os livros I-X, XXI-XLV e alguns fragmentos de outros. 3 Servílio Noniano, morto em 60 d.C., amigo de Pérsio, era conhecido como orador e historiador.
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máximas, mas é menos preciso do que a autoridade da história postula. 103. Aufídio Basso4, que o precede muito pouco no tempo, sobressaiu-se notavelmente nesse mesmo gênero, sobretudo nos livros da Guerra Germânica; louvável em tudo, mas em certas partes ele mesmo é inferior às suas forças. 104. Vive ainda e adorna a glória de nosso tempo um varão digno da memória dos séculos, que algum dia terá fama; agora é reconhecido. A liberdade de Cremúcio55, não sem mérito, tem admiradores, embora tenha sido cortado o que, por ter dito, lhe causara a morte. Mas ainda podes descobrir, nos escritos que nos restam, máximas audazes e um espírito inteiramente elevado. Há também outros bons escritores, mas nós apenas tocamos de leve os gêneros, não examinamos bibliotecas.
2. Cícero, Tusculanas, 1, 3-4 (trad. Luiz Marques)
3. Doctrina Graecia nos et omni litterarum genere superabat; in quo erat facile uincere non repugnantes. nam cum apud Graecos antiquissimum e doctis genus sit poetarum, siquidem Homerus fuit et Hesiodus ante Romam conditam, Archilochus regnante Romulo, serius poeticam nos accepimus. annis fere cccccx post Romam conditam Liuius fabulam dedit, C.Claudio,Caeci filio, M.Tuditano consulibus, anno ante natum Ennium. qui fuit maior natu quam Plautus et Naeuius. II. sero igitur a nostris poetae uel cogniti uel recepti. quamquam est in Originibus solitos esse in epulis canere conuiuas ad tibicinem de clarorum hominum uirtutibus; honorem tamen huic generi non fuisse declarat oratio Catonis, in qua obiecit ut probrum M.Nobiliori, quod is in prouinciam poetas duxisset; duxerat autem consul ille in Aetoliam, ut scimus, Ennium. quo minus igitur honoris erat poetis, eo minora studia fuerunt, nec tamen, si qui magnis ingeniis in eo genere extiterunt, non satis Graecorum gloriae responderunt. 4. An censemus, si Fabio, nobilissimo homini, laudi datum esset, quod pingeret, non multos etiam apud nos futuros Polyclitos et Parrhasios fuisse? honos alit artes, omnesque incenduntur ad studia gloria, iacentque ea semper, quae apud quosque improbantur. summam eruditionem Graeci sitam censebant in neruorum uocumque cantibus; igitur et Epaminondas, princeps meo iudicio Graeciae, fidibus praeclare cecinisse dicitur, Themistoclesque aliquot ante annos cum in epulis recusaret lyram, est habitus indoctior. ergo in Graecia musici floruerunt, discebantque id omnes, nec qui nesciebat satis excultus doctrina putabatur.
4 Aufídio Basso, que viveu na época de Augusto, escreveu duas obras históricas: a mencionada por Quintiliano, a Guerra Germânica, e uma outra sobre os acontecimentos romanos até a morte de Cláudio. Há poucos fragmentos de suas obras. 5 Cremúcio Cordo, historiador do tempo de Tibério (imperador de 14 d.C. a 37 d.C.), escreveu duas obras: uma sobre guerra civil e outra sobre o reinado de Augusto. Foi condenado por ter elogiado os assassinos de César, Bruto e Cássio. Conta-se que por decreto do Senado seus escritos foram queimados, mas sua filha escondeu algumas cópias e, sob Calígula, reeditou a obra do pai com alguns cortes.
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3. A Grécia nos superava no conhecimento e em todos os gêneros das letras, nos quais era fácil vencer pessoas que não ofereciam resistência. Pois enquanto na Grécia, entre os doutos se contasse o antiqüíssimo gênero dos poetas − dado que Homero e Hesíodo viveram antes da fundação de Roma, e Arquíloco viveu durante o reino de Rômulo − nós só mais tarde acolhemos a poesia. No ano 510 da fundação de Roma, Lívio encenou uma peça, durante o consulado de C. Claudio, o filho de Caeco, e de M. Tuditano, um ano antes do nascimento de Ênio, que era mais velho que Plauto e Névio. Os poetas foram, portanto, tardiamente conhecidos ou recebidos por nós. Ainda que esteja nas Origens ser habitual os convivas cantar nos banquetes ao som das flautas sobre as virtudes dos homens preclaros, ainda assim o discurso de Catão declara não ter havido honra neste gênero, no qual ele qualifica como infame a Marco Nobílior, pelo fato de ter conduzido os poetas para a província; e de fato esse cônsul levara Ênio para a Etólia. Menos, pois, estava o poeta em honra, tanto menor era a aplicação aos estudos, e não obstante alguns se elevassem neste gênero por meio de seus magnos engenhos, não corresponderam suficientemente à glória dos Gregos. 4. Ou não consideramos, se tivesse sido dado louvor a Fábio, homem nobilíssimo, porque pintava, muitos teriam sido entre nós os Policletos e Parrásios ? A honra alimenta as artes e todos são inflamados aos estudos pela glória, e os estudos são abandonados sempre que foram entre nós desaprovados. Os Gregos consideravam que a suma erudição estava situada entre os cantos das vozes e das cordas. Pois, até Epaminondas, a meu ver, o primeiro homem da Grécia, é dito ter feito cantar de modo preclaro a lira, e Temístocles alguns anos antes, por ter recusado a lira nos banquetes, é considerado rústico. Portanto na Grécia as musas floresceram e todos cultivavam-nas, nem quem as ignorasse era reputado cultivado em doutrina.
3. Cícero, Do orador, 2, 51-54 (In Hartog, p. 144-146, trad. Jacyntho Lins Brandão):
51. “Age uero,” inquit Antonius “qualis oratoris et quanti hominis in dicendo putas esse historiam scribere?” “Si, ut Graeci scripserunt, summi,” inquit Catulus; “si, ut nostri, nihil opus est oratore; satis est non esse mendacem.” “Atqui, ne nostros contemnas,” inquit Antonius, “Graeci quoque ipsi sic initio scriptitarunt, ut noster Cato, ut Pictor, ut Piso; 52. erat enim historia nihil aliud nisi annalium confectio, cuius rei memoriaeque publicae retinendae causa ab initio rerum Romanarum usque ad P. Mucium pontificem maximum res omnis singulorum annorum mandabat litteris pontifex maximus referebatque in album et proponebat tabulam domi, potestas ut esset populo cognoscendi, eique etiam nunc annales maximi nominantur. 53. Hanc similitudinem scribendi multi secuti sunt, qui sine ullis ornamentis monumenta solum temporum, hominum, locorum gestarumque rerum reliquerunt; itaque qualis apud Graecos Pherecydes, Hellanicus, Acusilas fuit aliique permulti, talis noster Cato et Pictor et Piso, qui neque tenent, quibus rebus ornetur oratio modo enim huc ista sunt importata et, dum intellegatur quid dicant, unam dicendi laudem putant esse breuitatem. 54. Paulum se erexit et addidit maiorem historiae sonum uocis uir optimus, Crassi familiaris, Antipater; ceteri non exornatores rerum, sed tantum modo narratores fuerunt.”
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51. – Vamos, diz Antônio, que tipo de orador e que tipo de homem eloqüente julgas que alguém deva ser para escrever história? – O melhor, se for para escrever como os gregos – diz Cátulo; mas, para escrever como os nossos, não é preciso um orador, basta não ser mentiroso. – Entretanto, não deves desprezar os nossos – diz Antônio; os próprios gregos, no início, escreveram também como nosso Catão, como Fábio Píctor, como Pisão 52. Pois a história não era mais que a confecção de anais. Com esse objetivo e para guardar a memória oficial é que, do começo dos acontecimentos de Roma até o pontífice máximo Públio Múcio, o pontífice máximo punha por escrito todos os acontecimentos de cada ano e escrevia-os numa tábua branca que expunha em sua casa, para dar ao povo a possibilidade de conhecê-los: é o que ainda se chama de grande anais. 53. Muitos seguiram essa forma de redação que, sem ornamento algum, deixou apenas os monumentos relativos aos tempos, aos homens, aos lugares, aos acontecimentos. Portanto, como entre os gregos foram Ferecides, Helânico, Acusilau e muitos outros, assim foram nosso Catão, Píctor e Pisão, os quais não sabiam com que coisas se orna um discurso (pois isso foi importado recentemente) e, desde que se compreendesse o que diziam, julgavam que o único mérito oratório era a brevidade. 54. Um homem excelente elevou-se um pouco acima da sorte e deu à história uma sonoridade mais forte: Antípatro, do círculo de Crasso. Os outros não foram embelezadores de fatos, mas apenas narradores.


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