CENTRO SÓCIO-ECONÔMICO
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS ECONÔMICAS
A PIRATARIA CONTEMPORÂNEA
BRUNO DEPIZZOLATTI
FLORIANÓPOLIS
2009
2
BRUNO DEPIZZOLATTI
A PIRATARIA CONTEMPORÂNEA
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção da conclusão do Curso
de Graduação em Ciências Econômicas,
Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientador: Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques
FLORIANÓPOLIS
2009
3
BRUNO DEPIZZOLATTI
A PIRATARIA CONTEMPORÂNEA
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________________
Prof. Dr. Helton Ricardo Ouriques
UFSC
__________________________________________________
Prof(a). Marialice de Moraes
UFSC
__________________________________________________
Prof. Lairton Marcelo Comerlatto
UFSC
FLORIANÓPOLIS
2009
4
RESUMO
Estudo sobre o tema de pirataria, buscando entender a origem da atividade e suas
características para uma posterior compreensão da forma que assume hoje. O estudo é feito
com base no histórico da atividade, uma análise da atividade inserida em um contexto
sociocultural através de processos como virtualização das atividades humanas e mudança de
ambiente por consequência do processo de globalização. É dado também destaque ao papel
da internet nesse contexto e ao perfil dos usuários. Posterior desenvolvendo o trabalho é
trazido o tema da pirataria para os nossos dias, indo desde o contrabando de mercadorias até a
violação de direitos de propriedade intelectual.
5
ABSTRACT
Study about the theme of piracy, search to understand the origin of the activity and his own
characteristics for a later comprehension of the shape that has today. The study has a base on
a historical background of the activity, an analysis of the activity inserted in social and
cultural background through process like virtualization of human activities and a change in
the environment as a consequence of the process of globalization. Also gives a look to the
role that internet assumes in the context today and the profile of the users. Later using this
previous work is brought the theme of piracy to our present days, going through contraband
of products until the violation of rights of intellectual property.
6
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.....................................................................................................................1
1 A PIRATARIA NO MOLDE CLÁSSICO........................................................................2
1.1 Da História...........................................................................................3
1.2 Caracterização dos Piratas ................................................................11
1.2.1Freebooters ........................................................................................................11
1.2.2Corsários (privateers).........................................................................................12
1.3 A pirataria do ponto vista econômico............................................... 13
2 A VIRTUALIZAÇAO DOS PROCESSOS ............................................16
3 GLOBALIZAÇÃO....................................................................................21
3.1 O Mercado de Capitais ...................................................................23
3.2 A Gestão .........................................................................................25
3.3 A tecnologia.................................................................................... 26
3.4 Contraponto ....................................................................................27
4 A INTERNET ............................................................................................30
4.1 Um pouco da História .....................................................................31
4.2 A internet e as empresas .................................................................33
4.3 O trabalho na Economia Eletrônica ................................................34
4.4 As transações ..................................................................................36
4.5 Uso e relações sociais. ....................................................................38
5 DA PIRATARIA .......................................................................................44
5.1 Pirataria clássica e pirataria moderna ..............................................45
5.2 A globalização e a pirataria .............................................................47
5.3 Os processos de virtualização e a pirataria ......................................50
5.4 A internet e a pirataria .....................................................................52
5.5 Frentes de Combate..........................................................................53
6 CONCLUSÃO ...........................................................................................55
REFERÊNCIAS ...........................................................................................56
7
INTRODUÇÃO
O termo em que é apoiado este trabalho é a pirataria. A escolha se deve pelo fato de o
tema ser atual, apesar de a atividade existir há alguns séculos. É um assunto que aborda
diferentes esferas – como a econômica, social e política – e afeta o nosso cotidiano.
Atualmente, o termo pirataria diz respeito ao processo de cópia e/ou distribuição não
autorizada de artigos resguardados por direitos autorais. Esses artigos podem incluir os mais
diferentes tipos, como roupas, softwares, animais silvestres, entre muitos outros.
A questão do trabalho é encontrar uma forma de entender melhor a relação entre a
pirataria antiga, desde o seu surgimento, até o molde que assumiu hoje. A pirataria de cinco
séculos atrás não é a mesma, assim como o mundo da época tampouco lembra o de hoje.
Para tanto, buscou-se fazer um trabalho apoiado em uma bibliografia que contasse a
origem e a história da pirataria, abordando mudanças que ocorreram no ambiente até os dias
atuais. São cinco capítulos, sendo o primeiro uma perspectiva histórica da pirataria clássica,
sua origem e peculiaridades. O segundo capítulo trata da questão dos processos de
virtualização (ou desmaterialização) do trabalho aplicado à matéria física, depois a processos
virtuais. O terceiro aborda a globalização, sua composição e suas influências, hoje, no tema
pirataria. O quarto capítulo é exclusivamente dedica à internet: um pouco da história da rede,
dos usuários e do papel que assume nos dias atuais. O quinto capítulo, por fim, trata da
pirataria contemporânea, buscando uma ligação entre ela e a pirataria de molde clássico. Isso
é feito com apoio no raciocínio dos capítulos anteriores.
1 A PIRATARIA NO MOLDE CLÁSSICO
Este capítulo tem como objetivo uma análise histórica da pirataria, não remetendo a
uma cronologia crescente, mas a características da pirataria tentando descrever o meio que a
cerca, retomando peculiaridades de diferentes períodos. A pirataria que, no sentido clássico, é
entendida como:
(…) agressão ilegal e armada em pontos de tráfego marítimo que são importantes, mas sob
fraco controle político. A agressão é cometida pelo marginal que busca se apropriar de bens
do mais rico, ou por recém-chegados que desejam forçar seus caminhos por uma rota
preexistente. Essa descrição elementar nos fala sobre pilhagem e ilegalidade; fala-nos sobre
causas e motivações imediatas. (PENNEL, 2001, p.25)1
Esse levantamento abrange características da pirataria ao longo da história e nas suas
diferentes formas. A atividade, em seu conceito clássico, tem a mesma atribuição para
períodos diferentes, na forma de diferentes nomes – assim como os indivíduos ligados a ela
ao longo da história são chamados piratas, corsários (versão francesa dos privateers),
bucaneiros (do inglês bucaneer), caçadores de recompensa e até mesmo, em alguns casos
mais específicos, de exploradores e naturalistas. Os termos variam de acordo com a época,
com as bibliografias sobre o assunto e as características peculiares desses indivíduos.
Como em praticamente todos os livros e documentários que propõem um estudo
histórico e analítico sobre piratas e pirataria, é necessário desconstruir a imagem do pirata a
exemplo dos apresentados em filmes como “Piratas do Caribe”, na figura de um personagem
galante e fanfarrão, ou dos clássicos da literatura, como Peter Pan e Capitão Gancho, na
figura do próprio capitão, e talvez a mais famosa novela sobre piratas, “The Treasure Island”,
escrita por Robert L. Stevenson, que criou o grande personagem Long John Silver. Essa
imagem do pirata é de figuras que tendem ao exótico. Não que a vida de pirata fosse comum,
mas também não era como a apresentada nas ficções. Pernas de pau, gancho nos lugares da
mão, perucas, grandes chapéus, papagaio no ombro (embora o papagaio realmente fosse o
1 (…) illegal and armed aggression at points of maritime traffic that are important but under
weak political control. The aggression is committed by the marginal who seek to appropriate
the wealth of the more affluent, or by newcomers desiring to force their way into a preexisting
trade routes. This elementary description tells us about plundering and illegality; it tells us
about immediate causes and motivations. (PENNEL, 2001, p.25)
suvenir preferido daqueles que iam ao Caribe), além da prática costumeira de enterrar
tesouros pilhados em ilhas desertas.
Essa romantização dos piratas acontece pela literatura do século XVII, construindo
uma imagem fantasiosa, de figuras lendárias maiores que a realidade. O sucesso dessa
romantização ocorre justamente por explorar a ideia de indivíduos à margem da sociedade,
fora dos padrões comuns, como ocorre com outras figuras hoje, passando um sentimento de
fuga da realidade, um escapismo. Outro ponto de vista dessa atração é o caráter rebelde do
pirata, que é um fora-da-lei e por isso se diferencia da sociedade desigual da época, vivendo
em um ambiente onde até mesmo escravos podiam se tornar membros, tendo como norteador
de conduta o Código dos Piratas (variável de navio para navio), e onde todos da tripulação
tinham voto em assuntos importantes como escolha do capitão, destino do navio, parte da
pilhagem etc. Alguns piratas até mesmo pregavam nobres ideais como liberdade, igualdade e
fraternidade.
Do ponto de vista econômico, a pirataria não tem nenhum aspecto positivo (exceto,
claro, por parte dos beneficiados, os responsáveis pela pirataria), mas na esfera social e
política encontra-se material para essa romantização.
A atividade da pirataria, nas narrativas históricas, não tem os benefícios apresentados
nos romances. As embarcações da época tinham um ambiente péssimo, com más condições
de higiene e saúde, alojamento inadequado a todos os tripulantes, quantidade limitadíssima de
alimento, instabilidade de rotina. A subsistência dos tripulantes vinha daquilo que se
conseguia pilhar/saquear.
As tripulações de embarcações piratas eram formadas, essencialmente, por pessoas
excluídas da sociedade, indivíduos arruinados economicamente, fugitivos da justiça.
Geralmente as embarcações piratas se refugiavam em lugares próximos às rotas de comércio,
locais protegidos mas desertos, como baías ou ilhas ao longo das costas.
1.1 Da História
Sobre a história da pirataria, o primeiro relato foi escrito por Homero, na Grécia
Antiga, em sua obra Odisséia. Ele usa o termo “pirata” para aqueles que pilhavam navios e
cidades costeiras.
Os povos gregos praticavam a pirataria. Atuavam sobre mercadores fenícios e assírios
desde pelo menos 735 a.C. Na Idade Média a atividade passou a ser praticada pelos
normandos, que atuavam principalmente nas ilhas britânicas, costa francesa e Império
Germânico, mas chegavam a navegar até o Mediterrâneo e o Mar Morto. Também os
muçulmanos praticaram a pirataria, que ocorreu, ainda, no Oriente (praticada por indígenas,
em caráter mais local) e em grandes potências marítimas, como China e Japão.
São poucos os relatos da atividade nos mares na Antiguidade, pois é durante a
Segunda Onda de Expansão Comercial Européia, entre 1880 a 1940, que há uma evolução na
historiografia da pirataria e atividades relacionadas. A expansão comercial compromete a
pirataria indígena (ou seja, toda a atividade não-ocidental). Assim são impostos os valores
europeus, da crença no progresso da civilização. Para alguns historiadores franceses tudo isso
equivale a uma “missão civilizadora” nos mares.
Mais precisamente sobre a história da pirataria e da expansão comercial européia, são
citados três períodos em que a pirataria ganha força – por diferentes causas e,
consequentemente, com características diferentes. Esses períodos até mesmo se interpõem.
O primeiro período compreende os anos de 1520 a 1650, quando os povos Iberos
(Espanha e Portugal) declaram que piratas são todos os povos ocidentais em conflito com
suas respectivas expansões imperiais. Essa imposta pirataria ocorria principalmente entre as
rotas no Atlântico para as Américas, onde se encontravam piratas na maioria ingleses e
franceses, mercadores que ousavam romper a barreira do monopólio comercial de Portugal e
Espanha.
O segundo período de crescimento da pirataria é subdividido em dois períodos
menores, sendo o primeiro de 1660 a 1720. Trata dos casos da França e da Inglaterra, do
estabelecimento de comércio próprio e poder colonial, da luta contra os piratas cosmopolitas
que desafiavam as novas regulações comerciais impostas pelos dois países. Uma
característica importante desse período foi a utilização do poder do Estado no combate à
pirataria, através dos instrumentos legais do aparelho estatal, como o uso da punição ou o
perdão, assim como tolerância ou regulação, estabelecendo de certa forma os limites em que
o Estado operava.
No segundo sub-período, 1714 a 1750, ressurge o confronto às hegemonias
estabelecidas. Contrabandistas resistem à tentativa espanhola de reimpor controle sobre rotas
comerciais e redes de comércio, acabando por se transformar em piratas à medida que ocorre
um enfraquecimento político espanhol.
O terceiro episódio é, na verdade, um ciclo maior, que abrange os outros dois. Resulta
dos conflitos entre os povos europeus e não-europeus, de 1500 em diante. São conflitos entre
os povos da Europa e as populações indígenas locais, principalmente os indígenas situados no
Oceano Índico, onde os europeus encontravam resistência armada. Exemplo desse confronto
foi a tentativa portuguesa, no século XVI, de impor o monopólio sobre o comércio de
pimenta na Índia, a partir do que tratavam o povo da região de Malabar (costa ocidental da
Índia) como piratas.
Um outro ponto de vista de análise da pirataria clássica pode ser quanto à sua forma
de origem. Pennell (2001) em seu livro a classifica em três categorias, parasítica, episódica e
intrínseca.
A pirataria na forma parasítica, a mais comum historicamente, é uma analogia ao
parasitismo. Quando o comércio dos mares está em expansão é deste movimento que a
pirataria cresce. Porém, à medida que é percebido este crescimento, os comerciantes buscam
medidas para proteger suas mercadorias e rotas. Esse maior comércio proporciona um melhor
custo-benefício nas defesas de suas embarcações, por se ter mais carga e/ou maior freqüência
nas transações, resultando num ganho de escala. Se antes se armavam alguns indivíduos das
embarcações comerciais, até certo ponto limitadas quanto à capacidade de combate, com o
aumento das transações passou a ser possível contratar uma embarcação especializada em
combate, com armamentos e tripulação de maior capacidade de enfrentamento dos piratas.
Mas não somente as atividades oficiais contam com os ganhos de escala. O ciclo da
pirataria também se beneficia destes ganhos, conforme os indivíduos se organizam e tem
sucesso em suas atividades. Os pequenos grupos que iniciam a atividade utilizam pequenas
embarcações. São formados por indivíduos motivados a fugir da pobreza ou a alcançar uma
oportunidade que se apresenta. Conforme o êxito do grupo, ele poderá dispor de maiores e/ou
melhores embarcações, melhores armas, mais indivíduos e maior organização. A formação de
um grupo com certo status e poder dependerá principalmente do sucesso das suas investidas,
enquanto a derrota levará o grupo a cisões ou ao desaparecimento.
Em ambos os casos, para atingir um último nível, tanto na pirataria parasítica como no
lado dos comerciantes (ou na defesa do comércio), é necessário que cada lado busque
alianças com uma sociedade que o legitime, o apóie. No caso dos comerciantes, essa aliança
poderá proporcionar maior disponibilidade de recursos e equipamentos, fazendo com que o
maior sucesso nas empreitadas comerciais gere mais lucro, possibilitando negócios maiores e,
com freqüência, expansão dos limites do comércio. No caso dos piratas, a aliança com uma
sociedade os levariam a ser pagos e autorizados a atacar e saquear navios de inimigos desta
sociedade. Esses inimigos podem ser tanto nações ou sociedades rivais comerciais como
simplesmente navios alheios a ela. Nesse caso, os piratas viravam uma força mercenária,
sendo absorvidos por um mundo que antes os excluía.
Quando ocorre o envolvimento das sociedades e dos piratas temos caracterizada uma
nova forma de pirataria – havendo até certa mistura entre dois tipos, numa forma de evolução
de um para outro, do parasítico para o intrínseco, na definição de Pennell.
“Do ponto em que a predação é de facto or de jure uma parte do funcionamento fiscal
ou comercial de uma comunidade organizada, poderá ser classificado como “intrínseca””.
(PENNEL, 2001,p.89)2
Retomemos o assunto da integração de sociedades com elementos piratas. Essa
integração ocorrerá nas esferas sociais, econômicas e políticas. Este tipo de prática surge na
medida em que o termo mercantilista reflete características dos Estados mercantilistas, uma
aliança em que Estado e comércio buscam benefícios das suas atividades. Os interesses
comerciais são alinhados na busca de poder e riquezas à custa da perda de outras nações.
O uso dessa ferramenta levantará questionamentos quanto à identidade dessa
sociedade, pois o uso de mercenários para combater inimigos se estenderá de forma a
proteger o comércio da mesma ou simplesmente para estabelecer uma característica
imperialista – a imposição, pela força, de suas condições. No julgamento dessa classificação
de defesa de interesses comerciais ou imposição imperialista deve-se pensar o uso da
violência como sendo maior que a necessária para o êxito comercial. A violência se torna
característica de uma ocupação permanente.
Uma terceira versão de pirataria, com diferente origem, é denominada episódica. A
própria designação do termo explicita que a origem ocorre em episódios, podendo ser estes
do tipo político ou econômico. O surgimento de maior grau de pirataria teria como causa o
enfraquecimento de um poder político, em escala regional ou local, devido à tendência de
alguns indivíduos ou comunidades de recorrerem à pirataria. Outro caso deste tipo de
pirataria episódica ocorre na interrupção ou distorção dos padrões normais de troca, pois essa
2 “At the point when predation is de facto or de jure a part of the commercial or
fiscal functioning of an organized community, it may be classified as “intrinsic””.
(PENNEL, 2001, p.89)
interrupção do comércio levaria navios e homens à inatividade, incentivando-os a buscar
alternativas de sobrevivência – como a pirataria, por exemplo. Quando estes padrões de troca
são restabelecidos, a causa de origem desse tipo de pirataria desaparece, e para que a pirataria
desapareça também seria necessário que aquelas pessoas que aderiram à pirataria recuperem
seus antigos postos no mercado.
Um período histórico importante, já citado anteriormente, mas que merece um
destaque para esse tema da pirataria, é o da Segunda Expansão Comercial Européia, pois é
quando a historiografia passa a receber maior atenção, justamente pelo crescimento do
comércio e da interferência da pirataria neste movimento – e também da importância de se
registrar um momento em que se acreditava que o progresso da civilização havia encontrado
um caminho para estender a influência européia pela via comercial. É um período marcado
pelos combates do comercialismo europeu contra as piratarias indígenas (ou todas aquelas
que não pertencessem à Europa e aos EUA).
É neste período que florescem algumas tentativas e ideias sobre legislações dos
mares, na tentativa de estabelecer ordem e combater a pirataria. A tentativa de estabelecer
uma ordem legal, um poder de policiar os mares e aplicar justiça, enfrenta um grande
obstáculo, a transposição dos limites nacionais de códigos e leis. Essa tentativa de não tratar a
pirataria como um problema nacional visa justamente uma visão mais abrangente da situação,
pois o combate apenas àqueles crimes próximos do litoral representaria uma pequena fração
da pirataria, já que esta em maior parte ocorre em águas internacionais, longe das costas dos
Estados nacionais.
A pirataria levanta a questão de que tipo de poder e ordem podem ser exercidos nos mares,
uma área não habitada por sociedades humanas e, portanto, não marcada por unidades
políticas. Os mares caem de fato no domínio internacional; que se estabelece entre nações.
Mas instituições judiciais pertencem a comunidades em terra; consequentemente, faltam-lhes
autoridade legal para julgar crimes ocorridos nos mares. (PENNEL, 2001,p.30)
Essa aplicação (da lei internacional) é limitada por numerosos obstáculos, como o fato de que
requere cooperação voluntária de Estados que na prática recusam a se submeter à lei
internacional (por exemplo, dos que descumprem as leis de guerra) porque eles percebem-na
como um infringimento de sua soberania nacional. (PENNEL, 2001,p.30)3
3 Piracy raises the question of what sort of power and order can be enforced on the sea, an
area not settled by human societies and therefore not carved in political units. The sea falls de
facto in the international domain; it lies in between nations. But judicial institutions belong to
Mesmo em águas internacionais alguns tratados e códigos deram atenção à pirataria,
especialmente porque foi nesta época que os Estados europeus começaram a autorizar e
regulamentar ataques nos mares na forma de guerras privativas (privateer wars).
Desde a antiguidade, sempre existiu um consenso de que a pirataria deveria ser considerada
hostis humani generis e sua investida um ataque às leis internacionais. Mas essa opinião geral
não foi concretizada como uma ferramenta da lei; uma adequada ‘lei das nações’ nunca
existiu. A humanidade não é portadora da lei – somente os Estados são – e não há tribunal
internacional de uma entidade supranacional com poder coercivo a seu dispor para julgar seus
ofensores. (PENNEL, 2001, p.30)4
Alguns juristas da época defendiam posições da diplomacia, pois esta, como
ferramenta, não tinha poder algum devido às políticas adotadas pelos Estados neste
movimento de expansão comercial dos europeus em direção a outros mercados. Alguns
acreditavam que, independente dos conflitos entre nações, o comércio deveria ser um canal
livre, de longa distância e sem interferência dos conflitos. Uma questão utópica pelo fato de
que as nações não são legisladas por uma autoridade única. Mesmo assim houve tentativas
nessa linha, a exemplo do período de hegemonia holandesa, onde o comércio permaneceu
aberto e livre, salvo alguns territórios de interesse holandês em que se estabeleceu comércio
monopolista. Este controle dos mares de certa forma demanda uma aceitação maior de países
ou de um poderio militar grande, como no caso da potência hegemônica holandesa da época,
posteriormente ocupada, no século XIX, pela Inglaterra e EUA, que possuíam grandes frotas.
land communities; consequently, they lack legal authority to judge crimes occurring on the
sea. (PENNEL, 2001,p.30)
Its application (international law) is limited by numerous obstacles, like the fact that it
requires the voluntary cooperation of states that in practice refuse to submit to international
law (for example, the outlawing of the war because they perceive it as an infringement on
their national sovereignty. (PENNEL, 2001p.30)
4 Since antiquity, there has been a consensus that the pirate should be considered hostis
humani generis and his offense an attack to the law of nations. But this general opinion has
not been concretized as a tool of law; a proper ‘law of nations’ never existed. Humanity is not
a wielder of law – only states are – and there is no international tribunal of a supranational
entity with coercive authority at its disposal to try the offenders. (PENNEL, 2001, p.30)
Mesmo nesse caso o declínio de uma potência ou o surgimento de novos conflitos
impossibilitou manter esse controle, pois novas forças contestariam a nação em declínio ou,
no caso de novos conflitos, não haveria condições de se manter patrulhamento em rotas mais
distantes, dando oportunidade ao aparecimento de elementos piratas.
No que diz respeito à legitimidade, do poder de tratar quem é pirata ou não, existe um
conto chamado O Pirata e o Imperador (The Pirate and the Emperor, por St. Augustine)
relatando a captura de um pirata por Alexandre da Macedônia, onde este último pergunta
“Como ousas molestar os mares?”, e o primeiro responde, “Como ousas molestar o mundo?”.
Uma questão de poder, poder este que pode determinar, para uma nação ou até mesmo um
conjunto de países sob o poder hegemônico, quem é pirata ou não. Se por um lado os Estados
utilizam atividades relacionadas à pirataria na forma de corsários, convém a eles determinar
quem de fato tem reconhecimento ou atua na ilegalidade.
Outro fator relacionado ao poder e legitimidade, citado nesta época de expansão
comercial, é sobre o fator político e sua influência como resultado de decisões políticas dos
Estados dominantes na época sobre o controle dos mares e o comércio. Pois é a conseqüência
destas decisões, juntamente com o comércio, que vão gerar as condições necessárias para o
surgimento da pirataria. Alguns exemplos foram as políticas dos países da Península Ibérica -
Portugal e Espanha – de estabelecer monopólio, posteriormente seguidos por Grã-Bretanha e
França, a tentativa dos holandeses de deixarem os mares livres e abertos à circulação de
mercadorias, ou de eliminar os europeus que resistiam ao controle ou rivais no comércio.
Uma frase que exprime muito bem esse tipo de pensamento é: “O prêmio é econômico, mas,
como fenômeno histórico, a dinâmica criada é política” (PENNELL, 2001, p. 98).
Citando novamente a relação do comércio e da expansão européia no século XVI, a
visão que se tem entre o comércio e o uso da força é a de que as duas são de certa forma
incompatíveis. Na verdade, nesse período o uso da força pelos Estados era de certa forma
necessário, justamente pelas características dos mesmos, na busca por novas rotas de
comércio e novos mercados, da necessidade de defesa em longas viagens ou em negociações
que requeriam força ou a ameaça de se usar a força. Esses dois elementos presentes
apresentam uma divisão fina entre ilegalidade e legalidade, notando que a forma predatória e
agressiva do comércio, de guerra e comércio, apresenta as características de pirataria.
O comércio armado nesse período, séculos XVI e XVII, foi tão importante quanto o
comércio do tipo pacífico. Ambos provocaram conflitos, assim como contato (choque) entre
culturas. Essa expansão do comércio de tipo agressivo nos mares deve-se ao encontro de
diferentes Estados mercantes, alguns em processo de formação e expansão e outros em
processo de perda da sua dinâmica e influência.
Para exemplificar este tipo de conflito durante o século XVI, o comércio entre
Portugal e Índia era feito de forma que Portugal utilizava de agressividade via imposição
naval para estabelecer-se com características monopolísticas, confrontando os comerciantes
ao longo dos mares indianos, principalmente os locais que resistiam a este movimento
português, acusando-os de praticar pirataria. Surge novamente a questão do poder decisivo de
quem teria legitimidade ou não.
Cresce o poder do Estado e o Estado em si, que ganha maior organização e controle,
principalmente no comércio. Assim os piratas acabaram por não participar da dinâmica de
formação destes Estados, não eram mais elementos úteis. Com a participação do Estado
cresciam as forças navais, não sendo necessário incorporar elementos de risco como piratas.
Ilustra Pennell (2001).
“Piratas são agora condenados a permanecerem piratas, ao invés de evoluir em
direção à criação de um estado marítimo. Se isso foi chamado de pirataria, foi também um
aspecto de dinâmica política dessa parte do mundo.” (PENNEL, 2001, p.39) 5
Junto com este movimento de exclusão da pirataria na dinâmica da criação dos
Estados, a literatura da época, influenciada por esse movimento de exclusão, passa a tratar da
pirataria de forma mais severa. Ela é descrita como uma praga social da época.
“O pirata destrói todo governo e toda ordem, por quebrar todos aqueles nós e
laços que unem pessoas em uma sociedade civil sob qualquer governo. O pirata é
bárbaro e anti-social, e por isso deve ser destruído.” (PENNEL, 2001, p.40)6
5 “Pirates were now condemned to remain pirates, instead of evolving toward the
creation of a maritime state. If this has been called piracy, it was also an aspect of political
dynamics of this part of the world.” (PENNEL, 2001, p.39).
6 “The pirate destroys all government and all order, by breaking all those ties and
bonds that unite people in a civil society under any government. The pirate is barbarous and
antisocial, and must be therefore destroyed.” (PENNEL, 2001, p.40)
Este movimento literário coincide propositalmente com a nova política comercial, que
buscava apoio na opinião pública, principalmente contra os piratas ingleses e franceses. Essa
nova política comercial era sustentada nas economias agrícolas, a cultura de produtos
agrícolas mais comercializados. As ilhas, anteriormente centros cosmopolitas frequentados
por piratas, se transformam em colônias agrícolas de exportação ligadas à metrópole.
O papel do Estado faz com que ele assuma o controle do comércio de longa distância
das commodities agrícolas, que eram produzidas e comerciadas. Os comerciantes passam a
deixar as armas e a aceitar que o Estado cuide da proteção do seu comércio em troca de
taxação e regulação. Os mercantes das colônias utilizavam de sua influência para que se
excluíssem estrangeiros no comércio entre colônia e metrópole – visavam aí reter poder de
monopólio.
A repressão da pirataria passa a assumir uma forma mais eficiente, atingindo uma
esfera maior. Na medida em que o Estado atraía os mercantes para sua órbita, oferecendo
maior lucro e segurança no comércio do que sem sua participação, ele pode formar blocos
políticos maiores, hostis aos piratas e a favor de sua repressão.
1.2 Caracterização dos Piratas
1.2.1Freebooters
Uma modalidade da pirataria, que ocorre de acordo com as variações de bibliografia e
referências históricas, é denominado “freebooter”. Os “freeboters” seriam piratas dispostos a
explorar novas fontes de mercadoria, como a troca com indígenas (de produtos
manufaturados por produtos exóticos) ou a apropriação dos seus bens pelo uso da força. Essa
empreitada era somente possível através de suborno (ou cooptação) de um piloto que
conhecia a rota destas mercadorias. Dessa forma, até se tornou uma prática de exploração,
criando muitas vezes rotas contínuas de troca entre o velho e o novo mundo, como a costa do
Brasil e África por volta de 1500. Junto com piratas, exploradores e comerciantes fizeram
com que estas rotas de comércio virassem conexões marítimas dos novos impérios mercantes.
As maneiras com que eram adquiridos esses produtos exóticos (como dito, por base
de troca ou no uso da força) dependiam das circunstâncias, como por exemplo se havia um
contato freqüente com a fonte, se o local de comércio era próximo de uma base ou refúgio, se
seria no fim ou começo de uma viagem etc.
1.2.2 Corsários (privateers)
O termo “privateering” se aplica principalmente à relação do uso privado de
embarcações licenciadas (navios de guerra) por um Estado arranjado de forma intencional a
pilhar/capturar propriedade inimiga em alto mar. O termo “corsair” é a versão francesa de
“privateer”, pois justamente estas eram as principais potências que se utilizavam desse
método durante o século XVIII.
Junto com a onda de utilização do Estado de “privateers”, com características
semelhantes, há a presença de mercantes armados (Armed Merchantmen), que seriam navios
primariamente voltados ao comércio mas com um contingente armado para tirar proveito de
situações que poderiam gerar “prêmios”, como por exemplo uma viagem que rendesse pouco
lucro no comércio e a oportunidade de se pilhar uma carga.
O seu [do “privateer”] objetivo principal era o de gerar lucro (corsários e mercantes armados)
para os indivíduos envolvidos na empreitada; seus meios são geralmente violentos,
envolvendo a apropriação forçada de navios e propriedade estrangeira; e sua legitimação
incontestável, pois os atos de guerra marítima particulares eram sancionados formalmente
pelo Estado. (PENNEL, 2001, p.69)7
O que o autor sugere é que a diferença entre a pirataria “comum” e a dos corsários é
pequena, ocorrendo de diferente, no caso dos corsários, uma ligação deles com a marinha de
um Estado e sua autoridade (que dá legitimidade, por assim dizer, às ações), mas que suas
ações são limitadas aos períodos de guerra e somente contra a carga de seus inimigos.
Corsários inevitavelmente carregam a marca corruptiva da pirataria apesar de sua potencial
utilidade para o Estado em uma Era em que a destruição do comércio inimigo foi considerada
de alta prioridade estratégica. (PENNEL, 2001, p.69)
De fato, contudo, a atividade dos corsários, como uma atividade, requeria recompensa
material imediata para aqueles que eram encarregados dela; corsários holandeses, seus
compatriotas observaram, tendiam a não defender sua própria frota mercante mas atacar os
7 Their main purpose was to earn profits (Privateers and Armed Merchantmen) for
the individuals concerned in the venture; their means were often violent, involving the forced
appropriation of foreign ships and property; and their legitimacy was undoubted, the acts of
private maritime warfare being formally sanctioned by the state. (PENNEL, 2001, p.69)
navios inimigos para capturar recompensas, um modo operante de limitada capacidade de
limpar os mares de hostis humanis generis. (PENNEL, 2001, p. 33)8
1.3 A pirataria do ponto vista econômico
Sob a luz de uma definição mais ampla, que não apresenta peculiaridades sobre os
tipos e contexto da pirataria:
“Uma definição abrangente (da pirataria) que emerge de relatos históricos é
essencialmente a captura indiscriminada de propriedade (ou pessoas) com violência, nos
mares ou através dele.” (PENNEL, 2001, p.83)9
É uma análise de perspectiva econômica da predação como resultado da pirataria,
tendo em vista a importância do impulso privado relativo à atividade, não somente por parte
dos piratas que ganham a vida dessa forma mas também a participação de comerciantes – e
de oficiais de diferentes níveis de autoridade, que ignoram ou encobrem as atividades piratas
para terem um retorno material, uma atividade lucrativa. Uma mistura às vezes de sedução,
desconfiança e violência.
O papel do Estado, no tocante ao comércio e repressão da pirataria, é essencial, pois a
maior repressão da pirataria atinge, por sua vez, de forma positiva o comércio, e vice-versa,
pois a pirataria afeta as taxas esperadas de retorno e também os custos das transações das
mercadorias.
8 Privateers inevitably carried the taint of piracy despite their potential utility to the state in a
age when destruction of enemy commerce was afforded a high strategic priority. (PENNEL,
2001, p.69)
In fact, however, privateering as an activity required immediate material rewards for
those who carried it out; Dutch privateers, their compatriot observed, tended not to defend
their own merchant fleet but to attack the enemies’ ships to take prizes, a modus operanti that
fell short of clearing the sea from hostis humanis generis. (PENNEL, 2001, p. 33)
9 “A broad definition (of piracy) that emerges from historical writing is that of
essentially indiscriminate taking of property (or persons) with violence, on or by
descent of the sea. (PENNEL, 2001, p.83)
A significância econômica da predação na história se estende além da transferência de
commodities ou destruição de embarcações que eram ocasionadas. Inclui também as
implicações na redução de ativos comerciáveis que resulta das atividades predatórias. Para
motivos analíticos as perdas podem ser consideradas imediatas. (PENNEL, 2001, p. 85)10
Estas perdas representam perdas imediatas de capital, na forma de carga, navios e
equipamentos, e também perda de trabalho, com diminuição da tripulação. Analisando de
forma mais minuciosa, poderão se levantar ainda mais perdas, pois a transação envolvendo o
ato pirata, na disputa de mercadorias entre o atacante e vítima, utiliza de recursos que
poderiam ser aplicados de diferente forma, como no caso do atacante. Ele poderia ser
empregado nas embarcações e tripulações de forma a acrescentar mais mercadorias e serviços
ao mercado formal. Quanto à parte da vítima, os custos de proteção, seguros, taxas pagas por
defesa, ou compra de armas e recrutamento de tripulação, entre outros tipos de custos,
poderiam ser usados de forma a incrementar os investimentos e a produção.
Analisando o mercado por um único produto, a pirataria geraria menos
disponibilidade deste único produto no mercado, levando produtor e consumidor de um
mercado normal a sofrerem perda. Mesmo que seja colocado novamente o produto no
mercado pelos piratas, o produtor já sofreu a perda, o que pode refletir na diminuição da
produção e do comércio do produto em si.
Uma redução no comércio tende a limitar a oportunidade para trocas, e dessa forma reduz o
escopo da satisfação garantida sobre diversidade no consumo. Também limita a
especialização na produção, na qual os avanços de produtividade dependem enormemente,
direta ou indiretamente, no mundo pré-industrial. (PENNEL, 2001, p. 85)11
10 The economic significance of predation in history extends beyond the transfer of
commodities or destruction of vessels that it occasioned. It also includes the implications of
the reduction tradable assets that results from predatory activity. For analytical purposes, the
losses may be considered as immediate, both direct and indirect, and as dynamic, resulting
from de adverse effects on future production. (PENNEL, 2001, p. 85)
11 A reduction of trade tends to limit the opportunity for exchange and so reduces the scope
for increased satisfaction through diversity in consumption. It also limits the specialization in
production upon which advances of productivity overwhelmingly depended, direct or
indirectly, in the preindustrial world. (PENNEL, 2001 p. 85)
Visando reduzir essas perdas, duas formas são apontadas na redução da pirataria, uma
a sua redução via maior eficiência de patrulhas navais pelo Estado encarregado, e outra, via
redução nos custos de proteção – tendo como resultado, por exemplo, menos navios de guerra
mas dispostos nos mares de forma mais eficiente. No primeiro caso o benefício se estende aos
donos dos navios, aos mercantes e a tripulação; no segundo, a redução do custo de proteção
faria com que este montante salvo pudesse ser aplicado em investimentos e na expansão do
comércio, individualmente mas também como um grupo, na busca por maior lucro. Esse
menor custo de proteção faz com que os comerciantes beneficiados tenham uma vantagem
competitiva sobre aqueles de países com maior custo.
Nessa análise, custos de proteção são centrais para o processo de acumulação de capital e
diferenciado crescimento econômico, e os custos de proteção para o setor mercantil, quando
grande parte do comércio for marítimo e vulnerável, são significantemente afetados pela
intensidade da predação marítima. (PENNEL, 2001, p.86)12
12 In this analysis, protection costs are central to the process of capital accumulation and
differential economic growth, and the costs of protection to the mercantile sector, when so
much trade was seaborne and vulnerable, were in turn significantly affected by the intensity
of maritime predation. (PENNEL, 2001, p. 86)
2 A VIRTUALIZAÇAO DOS PROCESSOS
A importância deste tema na construção do raciocínio de passagem da atividade pirata de
mercadorias materiais para a pirataria de mercadorias virtuais, como softwares de programas
de computador e músicas, entre outros, é essencial para acompanhar as posteriores discussões
sobre o tema da pirataria nos moldes contemporâneos.
As definições de duas palavras são importantes como base para entendermos essa
transformação de uma forma de pirataria para outra: “tecnologia” e “virtual”.
Por definição, tecnologia: 1. Tratado das artes em geral; 2. Conjunto dos processos
especiais relativos a uma determinada arte ou indústria; 3. Linguagem peculiar a um ramo
determinado do conhecimento, teórico ou prático; 4. Aplicação dos conhecimentos científicos à
produção em geral, método de fabricação de placas de circuito, no qual os componentes eletrônicos
são soldados diretamente sobre a superfície da placa, e não inseridos em orifícios e soldados no
local; 5. T. social, Sociol: conjunto de artes e técnicas sociais aplicadas para fundamentar o trabalho
social, a planificação e a engenharia, como formas de controle (MICHAELIS).
Virtual: 1. Que não existe como realidade, mas sim como potência ou faculdade; 2. Que
equivale a outro, podendo fazer as vezes deste, em virtude ou atividade; 3. Que é suscetível de
exercer-se embora não esteja em exercício; potencial; 4. Que não tem efeito atual; 5 Possível; 6. Dizse
do foco de um espelho ou lente, determinado pelo encontro dos prolongamentos dos raios
luminosos (MICHAELIS).
A evolução tecnológica, alcançada pelo avanço da ciência e dos modelos matemáticos,
transforma a pirataria (antes pertencente exclusivamente ao mundo físico) e os demais processos
econômicos. A mensuração de diferentes esferas da realidade, de distâncias, áreas e volumes e até
medidas de energia (que filósofos fenomenologistas chamam de um mundo à parte, mundo de
subestruturas matematizadas), com avanço dos cálculos e modelos matemáticos (passando por
Galileu, Decartes, Newton e Leibniz), chegam a sua forma mais avançada, que seriam as realidades
virtuais presentes em nossos computadores.
O primeiro passo pra essa transformação acontece na área da medição, como apontado por
Ivan da Costa Marques como a Arte da Medida, evolução que ocorre no fim da Idade Média e ganha
força a partir do Renascimento. Galileu foi o grande nome nesse aspecto por ultrapassar os métodos
até então conhecidos. Chegou a elaborações mais complexas de medições de tempo e espaço,
distâncias, áreas e volume, dando à ciência moderna a atribuição de medir o mundo. Juntamente
com as medições é aprimorada também a sua representação para o papel, via tabelas, desenhos,
textos, fórmulas entre outras formas, dando origem às operações de virtualização, uma etapa
essencial para que fosse possível a desmaterialização (ou informacionalização).
Tomando em detalhe essa etapa com base no assunto anterior, a pirataria nos moldes
clássicos, podemos ilustrar uma mudança na operação das embarcações pelos instrumentos de
medida nas Universidades Portuguesas aplicadas à navegação, possibilitando criar utensílios que
facilitassem essa tarefa, como tabelas, mapas e roteiros – criando nova etapa à viagem preparando
uma simulação antes da viagem em si, proporcionando assim melhor planejamento e acrescendo
maior precisão.
Das origens das palavras software e hardware:
“(...) os portugueses intensificaram o trabalho prévio de “informacionalização” (ou
desmaterialização), o trabalho de reduzir a matéria pesada (dura, hard) da viagem à materia leve
(macia, soft) dos instrumentos de medida, do papel e da tinta.” (MARQUES, 2002, p. 21)
Esse processo de viagem passa a ter agora duas etapas. A primeira de informacionalização,
que seria estudar o roteiro, reunir/elaborar mapas etc., uma verdadeira reunião de dados e
informações, desmaterializando o mundo material em dados cada vez mais elaborados. A segunda
se daria sobra a matéria em si, a convocação da tripulação e o deslocamento da carga, para navegar.
Podemos usar os respectivos termos para essas etapas, software e hardware.
O próximo passo na evolução da informacionalização foi realizado pela marinha
inglesa no século XIX. Foi a uniformização dos blocos de madeiras e tábuas utilizados na
construção de embarcações, o que antes era feito de forma individual. Essa produção
artesanal deu espaço para uma produção de melhor precisão graças aos instrumentos de
medição, favorecendo a padronização. Com os ganhos de produção logo ocorreu uma
extensão dessa técnica de corte uniforme de material às demais indústrias, a padronização de
peças, possibilitando a construção de máquinas com partes intercambiáveis, a reposição de
peças usadas por novas com as mesmas especificações.
Essa escalada da informacionalização acaba por adicionar cada vez mais novas
camadas de dados sobre os processos de virtualização. As abstrações vão
incrementando/substituindo prévias abstrações, como diz Marques Costa: “Mede-se espaço,
mede-se tempo, ganha-se precisão, ganha-se espaço, ganha-se tempo, ganha-se dinheiro
(Marques, Ivan da Costa,2002, p. 21). Ou seja, existe uma busca contínua no processo de
informacionalização em busca de melhores resultados no campo material, podendo este
resultado aparecer em diferentes esferas.
(...) pode-se dizer que o virtual, que existe se contrapondo ao atual que acontece, retifica-se,
ganha potencial e invade o real que subsiste. Uma história da construção do mundo moderno
poderia ser contada como a história do aumento paulatino e sub-reptício da quantidade de
trabalho sobre a informação em relação à quantidade de trabalho sobre a matéria. (MARQUES,
2002, p. 23).
Como já deve ter ficado claro, a intenção do autor é mostrar que o foco do trabalho
cada vez mais passa a ser direcionado dos trabalhos sobre material físico, de matérias-primas
em si para os trabalhos de desmaterialização (ou informacionalização, e vice-versa).
Nessa visão de aceleração desses processos em um ritmo cada vez mais intenso,
podemos partir do aspecto de consumo para ilustrar essa passagem. Nas mercadorias, por
exemplo na compra de um produto, o valor agregado não será somente pela matéria-prima
em si mas também por toda a quantidade de informações nele incorporada, por exemplo um
xampu. Pagar-se-á pela embalagem, pelo líquido em si no aspecto físico e no aspecto de
informacionalização (utilizada nos estudos dos compostos e misturas), do trabalho de
marketing desenvolvido pela marca, entre muitos outros fatores.
Essa aceleração do trabalho ligado à informacionalização em relação ao trabalho
sobre a matéria ocorre pelo alongamento e aprofundamento da cadeia produtiva, as matériasprimas
utilizadas nos produtos demandando cada vez mais um tratamento intensivo e
extensivo na sua transformação, agregando maior valor. Por outro lado, esse trabalho
despendido nas matérias-primas tem como objetivo justamente reduzir a quantidade de
material industrial utilizado, como também reduzir o trabalho humano aplicado na produção.
Esse tratamento intensivo e extensivo leva à introdução de novos materiais utilizados na
produção, materiais cada vez mais leves e resistentes, e até mesmo com grandes inovações,
como ligas metálicas que tendem a retornar a sua forma original quando deformadas e vidros
que graduam seu grau de opacidade de acordo com a luz incidente. Um dado interessante é o
do declínio do uso de matérias-primas desde 1900 (com exceção dos períodos de guerra).
Para a fabricação de uma unidade de produto se gasta, em média, cerca de 1,25% a menos de
matéria-prima por ano, o que tem se acentuado cada vez mais nestas últimas décadas.
Se por um lado se utiliza cada vez menos material na fabricação de unidades de
produto, por outro lado aumenta o uso de staff especializado nos projetos e produções. Um
exemplo seria o da comparação de um projeto de um avião bombardeiro B-17 do ano de 1940
e um Boeing 777 de 1991. O primeiro aeroplano envolveu menos de cem engenheiros na sua
concepção, enquanto a sua comparação mais moderna envolveu 5.600 engenheiros, de oito
diferentes localidades do plano terrestre. Não só a quantidade de staff é maior nos projetos
modernos, mas também o são seus custos de pesquisa e elaboração e a construção de novas
unidades fabris. Em 1972 uma unidade de produção de componentes eletrônicos custava
cerca de US$ 10 milhões, e em 1990, cerca de US$ 350 milhões.
Outra tendência dessa aceleração do processo de informacionalização é a passagem de
cada vez mais trabalhadores alocados no chão de fábrica para aqueles alocados em
escritórios, executando trabalhos ligados à concepção e aos projetos de produtos e processos.
“(...) a produção tornou-se mais indireta. Mais pessoas se envolveram com contagens,
medidas, análises e planejamento e também com concepções, invenções e produtos e
processos, trabalhando não diretamente sobre a matéria, mas sobre a informação.” (MARQUES,
2002, p.32)
(...) se diz que por volta de 1950 tal proporção era de 5:1; para cada cinco pessoas no chão de
fábrica a indústria emprega uma no escritório. (...) as análises de economistas como Robert
Reich permitem considerar que a proporção original entre o número de pessoas na fábrica e o
número de pessoas no escritório já se inverteu. (MARQUES, 2002, p.33)
No texto de Marques (2002) é colocado que na economia dos EUA essa proporção
seja de nove para um (respectivamente entre pessoas no escritório e nas fábricas). A
ilustração do cenário sugere que nas diferentes indústrias cada vez mais as pessoas participam
de processos de informacionalização em vez de na atuação direta em sua produção, a
exemplo da produção de tomate, onde várias etapas e diferentes processos são executados
sem participação direta em uma fazenda, como planos, desenhos, tabelas e roteiros para
plantas modificadas em laboratório, o uso de fertilizantes, o uso de plantio geométrico, de
colheitadeira, sistema de seleção eletrônica, meios de transporte, manutenção dos
equipamentos (devido à sua maior complexidade) etc.
Toda essa transformação do processo de produção, transformação e incorporação de
diferentes etapas nas indústrias, acaba por transformar até mesmo produtos agrícolas em
produtos dotados de alto grau de tecnologia e informação. Essas mudanças nas etapas
transformam as relações das indústrias entre si e surgem até mesmo novos tipos de relação,
que aprofundam e alongam as cadeias produtivas, tornando-as mais complexas. Algumas
empresas inclusive abandonam a parte de transformação das matérias-primas e trabalham
somente com design do produto e marketing, como algumas empresas de calçados que
terceirizam sua produção.
Outras ainda levam este processo ao extremo, conduzindo o processo de
informacionalização até o último estágio que conhecemos, o de produtos inteiramente
virtuais, como programas de computador dos mais diversos tipos, editores de texto, fotos,
entre muitos outros. Apesar de necessitar de um aporte material, como um computador para
seu uso, podemos dizer que estes produtos são totalmente desmaterializados. Nesses produtos
virtuais o trabalho em si terá como foco a quantidade de trabalho envolvido, tanto na criação
de um produto específico como prévias atividades necessárias a sua criação.
3 GLOBALIZAÇÃO
Nesta parte do trabalho, em que se falará sobre globalização, é importante explicar a
ligação entre o fenômeno e a pirataria moderna. É a globalização, afinal, que dá os moldes da
pirataria como a conhecemos hoje.
Citando uma definição abrangente sobre a globalização, que posteriormente iremos
aprofundar, mencionemos justamente um site que reflete uma face desse grande movimento
global:
Globalização em seu senso literal é o processo de transformação do ambiente local ou
regional em um ambiente global. Pode ser descrito como um processo de mistura ou
homogeneização pelas quais as pessoas do mundo são unificadas em uma sociedade única e
de funcionamento conjunto. Esse processo é uma combinação econômica, tecnológica,
sociocultural e de forças políticas. Globalização é comumente usado para se referir à
globalização econômica, isso é, a integração de economias nacionais em uma economia
internacional através de trocas, investimento direto externo, fluxos de capital, migrações e
difusão da tecnologia. (WIKIPEDIA)13
Com este conceito bruto sobre globalização, devemos acrescentar que não se trata de
um fenômeno totalmente novo, mas sim de um fenômeno que sofreu grande aceleração nos
últimos anos e passou a ganhar imenso interesse da mídia. Alguns autores citam como
período de aparecimento desse fenômeno a época dos descobrimentos, outros ainda remetem
este fenômeno a períodos mais antigos, como o da civilização romana e de outros povos da
Antiguidade. Outros, ainda, dizem que a verdadeira globalização ocorreu somente após a II
Guerra Mundial, mas não cabe aqui discutir sobre o exato ponto histórico de aparecimento do
fenômeno. Podemos de qualquer forma concluir que ele não surgiu nas décadas mais
13 Globalization in its literal sense is the process of transformation of local or regional
phenomena into global ones. It can be described as a process of blending or homogenization
by which the people of the world are unified into a single society and function together. This
process is a combination of economic, technological, sociocultural and political
forces. Globalization is often used to refer to economic globalization, that is, integration of
national economies into the international economy through trade, foreign direct investment,
capital flows, migration, and the spread of technology. (WIKIPEDIA)
recentes, mas que realmente se acelerou nos últimos anos, e procuraremos destacar suas
peculiaridades.
Os efeitos da globalização são sentidos por todo o planeta, atingindo de diferentes
formas diferentes partes do mundo. É comum até mesmo dizer que o mundo ficou e vai
ficando cada vez menor (e igual), graças aos avanços que ocorreram e ocorrem
principalmente nos setores de comunicações e transporte, no que se diz dos fluxos de
informações graças à internet, do aumento do comércio de produtos disponíveis nos
mercados internacionais e no reduzido tempo das viagens pelo globo terrestre.
A globalização é um movimento que causa muita controvérsia, por levar em sua
essência elementos que geram muita discussão, como o capitalismo, o livre mercado e
maiores liberdades individuais. Juntamente com esses elementos a globalização causa muitas
mudanças, às vezes de forma rápida e impactante, fazendo com que grupos sociais e
intelectuais questionem ou assumam uma posição contrária ao fenômeno. Geralmente é a
culpada por criar sociedades de cultura homogênea, principalmente de reproduzir a cultura da
nação hegemônica (no presente a estadunidense), do maior número de empresas sem
nacionalidade, a perda de empregos reais, aumento da poluição, entre muitos outros. Mas
culpar a globalização seria de certa forma precipitado, pois alguns problemas não encontram
suas raízes no fenômeno.
Não é difícil encontrar grupos e indivíduos que se opõem à globalização, pois é um
fenômeno que gera muitas transformações, mudanças às vezes bruscas e caóticas, e nem são
todos que aceitam e se adaptam a essas transformações, como produtores de determinados
produtos expostos à competição feroz de produtos internacionais. Um ícone do poder de
transformação da globalização são as empresas transnacionais, que administram produções
ou oferecem serviços em mais de um país, sendo o seu número ao longo dos últimos anos
maior.
A globalização é um fenômeno em aceleração e cumulativo, mas não é de mão única,
ele pode retroceder, como no caso dos períodos anteriores a primeira e segunda guerras
mundiais, contrariando as predições de que uma guerra mundial seria impossível devido ao
alto grau de interconectividade entre as nações. Mas não é só por motivos de guerra que a
globalização se retrai. Ao passo em que medidas protecionistas são tomadas para defender
determinadas indústrias em alguns países, elas se chocam com uma das forças que integram o
fenômeno, o livre comércio. Outros movimentos, como o capitalismo, a democracia, entre
outros, reforçam o poder da globalização, mas de acordo com os autores de “Um Futuro
Perfeito”, Micklethwait e Wooldridge (2000), o tripé principal que apóia a globalização é
composto pelo mercado de capitais, a gestão e a tecnologia.
O que argumentam os autores, referente aos recentes períodos que a globalização
ganha destaque, é que cada um destes três itens tem por si só um poder transformador grande,
mas que combinam de tal forma que os seus efeitos se tornam ainda maiores. O livre fluxo de
capitais facilita aquisição de novas tecnologias nas indústrias e serviços; a gestão foca em
utilizar da melhor forma o capital e tecnologia através de difusão de métodos gerenciais
comuns nas empresas; aquelas que se destacam por sua eficiência expandem suas fronteiras,
fazendo com que as outras empresas se adaptem, ou correrão o risco de tornarem-se menos
competitivas e até mesmo abandonar o mercado, e assim ciclicamente.
3.1 O Mercado de Capitais
“A tecnologia revolucionou os mercados de capitais com mais intensidade do que
praticamente qualquer outra parte da economia...” (MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE,
2000, p.80)
“Tudo sobre o mercado de capitais parece estar quebrando recordes hoje. O total de
capital em circulação é maior do que nunca. A velocidade de giro não tem precedente.”
(MICKLETHWAIT; WOOLDRIDGE, 2000, p.80)
Essa é a relação que os autores fazem a respeito da globalização e mercado de
capitais, nestes anos em que os números são cada vez maiores e o processo de globalização se
acelera. O que impressiona os que acompanham o mercado financeiro são justamente as
mudanças que ocorreram nas últimas décadas, sendo a forma como são feitas agora as
negociações de valores passando por meios eletrônicos de velocidade assombrosa; e na forma
com que os países (governos e empresas) utilizam/aceitam esse capital.
É comum o mercado de capitais gerar certa desconfiança, mais do que, por exemplo, a
aceitação do comércio de produtos estrangeiros. Isso se deve em parte ao fato de que as
previsões quanto à circulação de mercadorias são muito mais apuradas que aquelas feitas
sobre o mercado de capitais, sendo neste último a velocidade e a imprevisibilidade dos
agentes fatores que tornam difícil elaborar previsões seguras.
Outro ponto importante quanto ao mercado de capitais é de qual a origem desse
dinheiro que circula nos mercados passando pelo papel da figura do investidor. O investidor
pode assumir diferentes formas, entre elas de investidores individuais, cidadãos de diferentes
países que procuram retorno financeiro de parte de sua renda ociosa, e as empresas que
utilizam o mercado de capitais, podendo ser via fundos mútuos, fundos de pensão,
companhias de seguros, entre outros. O que vem ocorrendo nas últimas décadas é que o
acesso ao mercado de capitais vem crescendo, a compra de ações se tornou mais simples e
barata graças às transformações da tecnologia empregada. Outra questão que influencia a
desenvoltura do mercado de capitais de um país vem da cultura de cada nação. Nos EUA, por
exemplo, em que grande parte da população investe no mercado, estima-se que o mercado de
capitais tenha o valor de uma vez e meia o PIB, e na Europa, em média o mesmo valor do
PIB dos países.
Fazendo uma breve distinção entre os benefícios e malefícios do mercado de capitais
no mundo, citamos a favor do mercado de capitais o fato de que os recursos aplicados via
empresas privadas são mais eficientemente alocados do que pelo governo. Os países que
fazem bom uso do capital, que conseguem fazer com que ele seja de fácil captação pelas
empresas e distribuído com igualdade, tornam a economia mais próspera. Por outro lado, os
problemas que surgem compartilham da mesma raiz, pois serão nos investidores que ficarão
concentradas as informações dos capitais, causando dependência dos outros agentes. Um
outro aspecto negativo que podemos citar são os mecanismos altamente alavancados de
especulação, que criam bolhas financeiras sem um suporte monetário real, se falando hoje
que o capital em circulação nos mercados financeiros é maior do que aquele que realmente
existe.
Mas esses pontos negativos na verdade podem ser evitados com a adoção de algumas
medidas, como restrições a esses mecanismos de especulação. Por parte das empresas,
espera-se a adoção de governanças corporativas, de assegurar a responsabilidade da
administração quanto aos seus planos e maior transparência nas atividades e o uso de planos
de conta – visando fazer com que as empresas que captem empréstimos possuam uma boa
estratégia de uso para o capital recebido.
3.2 A Gestão
O item gestão é o segundo do “tripé” da globalização. A gestão é responsável pela
mudança no setor produtivo quanto às inovações, aumento de eficiência e retorno financeiro
para as empresas.
Como símbolo dessa evolução no processo de produção, o grande modelo vem da
produção automobilística, primeiramente com o modelo fordista de produção, em linha, e
posteriormente métodos e organizações mais recentes, como o toyotismo, a produção enxuta,
e outros métodos, como engenharia de valor sendo a produção de peças intercambiáveis entre
diferentes veículos.
É notadamente visível o esforço que as empresas tem feito em busca de novas
técnicas produtivas e melhorias na gestão. Grande parte delas vem de investimentos feitos na
área de treinamento e educação, criação de centros de treinamento particulares e
universidades corporativas. Como grandes exemplos temos o Centro de Treinamento Nestlé e
a Universidade Motorola.
Se formos analisar os principais componentes deste item, podemos citar os elementos
de grande importância para a gestão. O primeiro se trata das empresas multinacionais, por seu
papel na demanda por novas técnicas gerenciais, o investimento realizado pelas mesmas e
também pela difusão dos métodos que utilizam, justamente o fato de ter filiais em todo o
mundo faz com que as técnicas utilizadas por determinado grupo atinja diferentes partes do
globo.
Os consultores gerenciais e pensadores gerenciais, por sua vez, são os que detêm
grande parte do conhecimento existente sobre o assunto. São profundos conhecedores dos
métodos existentes no mercado, prestando consultoria para empresas e/ou ensinando nas
escolas de negócios; ou ainda, podem ser indivíduos buscando inovar os métodos gerenciais,
adquirindo certo status relativo ao sucesso e aceitação de suas inovações.
“O trabalho dos consultores consiste em proporcionar aos clientes acesso às melhores teorias
e métodos gerenciais disponíveis em qualquer parte do mundo.” (MICKLETHWAIT;
WOOLDRIDGE, 2000, pg.100)
Por último as Escolas de Gestão Empresarial. Como ilustração desses centros de
ensino temos a Harvard Business School, famosa por formar gerentes e consultores de
renome não só nos EUA, mas também nos outros quatro continentes. É uma meta das escolas
de negócios buscarem se internacionalizar, pois adquirem maior gama de alunos, de
diferentes comunidades e com isso agregam novos conhecimentos aos métodos gerenciais.
Os grandes nomes de consultorias não são mais de exclusividade dos EUA. Por essa
internacionalização de suas escolas de gestão, novos nomes surgem de diferentes partes do
mundo, como China, Índia, Israel, Finlândia, entre outros.
3.3 A tecnologia
Destes denominados “motores da globalização”, a tecnologia é a que tem mais
relevância para o presente trabalho. O entendimento comum sobre tecnologia seria o uso
prático, geralmente na indústria, das descobertas científicas, vindas elas dos diferentes ramos
de pesquisa, como das militares, ligados em grande parte ao setor mecânico e eletrônico, até o
das farmacêuticas, referentes aos campos de biologia e química. Ultimamente essas
mudanças vêm modificando e muito o cotidiano das pessoas, pelos novos produtos que são
lançados no mercado e levam à transformações das atividades sociais.
Neste item serão discutidas mais superficialmente essas relações, procurando
essencialmente a ligação da tecnologia com a globalização. Posteriormente, serão
aprofundadas as questões das mudanças sociais e sua ligação com o tema da pirataria como
um todo.
A tecnologia fez grandes revoluções nos mundos dos negócios. Criações simples ou
na verdade não exigentes das novíssimas tecnologias de ponta, por exemplo o ar
condicionado, tiveram seu potencial subestimado.
Outra invenção que teve grande impacto no comércio mundial foram os contêineres,
caixas de metal que proporcionaram um enorme ganho no transporte e armazenamento dos
produtos comerciados em diferentes distâncias, com ganho de eficiência no tempo de
transporte de carga e na redução do número de estivadores necessários, até mesmo no
transporte de produtos específicos, como alimentos de rápida perecividade – que, graças aos
containeres refrigerados, puderam ganhar mercados mais distantes.
Falando em produtos que envolvem mais tecnologia de ponta e serviços específicos,
as comunicações sofreram grandes mudanças nos últimos tempos. Em várias áreas as
mudanças podem ser notadas: nas comunicações televisivas são dispostos novos recursos de
imagens e som, melhoria de sinal e maior alcance. As redes de comunicação de voz e dados,
ampliadas pelo uso maior das tecnologias digitais provenientes da evolução dos
computadores, fizeram com que os custos de comunicação fossem reduzidos (não
necessariamente em todo o mundo) possibilitando maior acesso de usuários. A explosão dos
telefones celulares possibilitou a mobilidade e individualidade do usuário, acesso a novos
recursos, como o de dados e o acesso à internet.
3.4 Contraponto
Em contraponto à visão entusiasmada da globalização descrita por Micklethwait e
Wooldridge (2000) – não que não tenham apontado pontos negativos e falhas sobre o
fenômeno –, buscamos um autor com uma visão mais crítica sobre este fenômeno, uma visão
de um ponto mais à esquerda, digamos assim, David Harvey (2000).
Em seu livro Espaços de Esperança, que aborda diferentes assuntos e questões, sendo
um deles a globalização, ele introduz um outro conceito muito interessante que pode ser de
grande utilidade para o presente trabalho, o conceito “o corpo”.
Uma breve explicação deste conceito (o corpo), em contraponto ao tema da
globalização, é que os dois são remetidos a pontos contrários, mas análogos entre si. Sendo a
globalização a escala mais macro das atividades humanas, o corpo submete ao menor
componente da esfera social, o indivíduo. Esta análise – do corpo – diz respeito às
características dos indivíduos, dos debates envolvendo a satisfação das necessidades
humanas.
“(...) decomposta até suas mais simples determinações, a globalização tem a ver com
as relações socioespaciais entre bilhões de indivíduos.” (HARVEY, 2000, p.29)
Voltando ao tema da globalização: Harvey (2000) tem uma visão diferente daquelas
citadas anteriormente. Diz, por exemplo, que a globalização é fruto inventado e manipulado
pelo capitalismo – o tema que toma as mídias a partir de 1980, vendendo uma imagem de um
mundo sem fronteiras e descentrado da cultura, artifício sendo utilizado pela imprensa
financeira na busca de argumentos em prol de maior desregulação do mercado financeiro.
Outra diferente visão quanto ao tema da globalização se dá sobre as tecnologias, que
atuam sobre camadas de tecnologias mais antigas, agregando e impulsionando os
movimentos nesse aspecto. Mas existe nessa nova fase de tecnologia um teor diferente
daquelas apresentadas no passado – as suas características de reprodução:
“Mas o que existe de especial agora é o ritmo e o grau de transferência e imitação da
tecnologia entre as, e no interior das, diferentes zonas da economia mundial” (HARVEY,
2000, p.90)
A importância do novo sistema de mídias e de comunicação, diretamente alterado
pelas inovações tecnológicas, é que ele afeta as formas de produção e consumo. Apesar dos
efeitos de expansão e das formas de acessibilidade à informação, é dado um alerta quanto à
concentração monopolista dos meios de comunicação mais massivos, abrangentes, como
jornais e redes de televisão.
Um último ponto sobre a globalização não abordado em estudos mais casuais do tema
é o custo de subjugação do espaço, as mudanças que ocorrem no espaço geográfico físico,
pela necessidade que o capitalismo tem de reordenar a geografia em busca de soluções para
suas próprias crises e impasses.
Se estes são alguns pontos que a própria globalização leva em sua natureza, são
identificados alguns impedimentos, críticas e dificuldade que deverão se apresentar, no
futuro, ao capitalismo, aos capitais e ao processo de globalização. Sobre a esfera das
empresas multinacionais e o universo dos trabalhadores, é que aquelas têm muito poder de
controle sobre o espaço, fazendo com que os países fiquem vulneráveis às decisões
empresariais – como a ameaça de ocorrer o encerramento da atividade de um país para outro.
Isso torna a força de trabalho vulnerável a essa volatilidade. Os trabalhadores se tornam
geograficamente mais dispersos, o que gera dificuldades de se organizar e manter
movimentos trabalhistas.
Outro ponto observado é o do papel das migrações, já que o tempo de transporte de
pessoas e cargas é reduzido, facilitando o processo de transporte de trabalhadores, parecendo
impossível controlar os fluxos de migração, especialmente aqueles indesejados a alguns
países.
“Em primeiro lugar, o capitalismo está sempre movido pelo ímpeto de acelerar o
tempo de giro do capital, apressar o ritmo de circulação do capital e, em consequência, de
revolucionar os horizontes temporais de desenvolvimento”. (HARVEY, 2000, p.86)
Essa aceleração do processo econômico é desgastante para diferentes esferas, ainda
mais por causa de um ritmo acelerado como o de Wall Street, não acompanhado por todos os
outros setores capitalistas, muito menos ainda pelos sistemas ecológicos e sociais, causando
desgaste aos trabalhadores.
Outros problemas surgem, como aqueles ligados ao meio ambiente e aos limites do
crescimento econômico. Quando se vai além das capacidades dos ciclos naturais, geram-se
poluição e exaustão dos recursos. Nas cidades, a urbanização começa a assumir um caráter de
hiperurbanização, uma aglomeração de pessoas sem precedentes na história.
Em suma, o autor defende que a globalização na verdade é um processo que acirra a
competição entre os países. Alguns Estados-nações são forçados a tomar posições
intervencionistas na defesa de sua economia e sua cultura. Assim como o desenvolvimento
provocado pela globalização é geograficamente desigual, ao gerar infra-estrutura somente em
alguns países, ele altera paisagens e imobiliza o capital.
Um alerta feito é que, apesar do foco da globalização mundial ter sido centrada desde
1945 nos EUA, forças capitalistas promoveram independentemente o desenvolvimento da
globalização, de forma descentralizada, dando passagem a um sistema antes hierarquicamente
organizado e largamente controlado pelos EUA, em outro sistema coordenado pelo mercado,
tornando-o assim mais volátil, correndo o risco de se tornar como cita Friedman (1996): “Um
trem sem freio que destrói tudo a sua passagem”.
Uma última nota que se mostra muito interessante sobre a globalização vem de uma
entrevista concedida pelo historiador Eric Hobsbawn, que fala do descolamento entre a
atividade econômica dos países e a política. Um ponto que será abordado mais adiante.
Ainda que, no caso da economia, seja possível teoricamente que ela funcione sem uma série
de instituições globais, creio que o mesmo é inconcebível no caso da política. E a realidade é
que não existem instituições políticas globais. A instituição que mais se aproxima disso é a
Organização das Nações Unidas, mas essa deriva seu poder de Estados existentes. Portanto,
na situação atual, coexistem dois sistemas diferentes: um na economia e outro na política.
(HOBSBAWN, 1999, p.45)
4 A INTERNET
Hoje em dia é muito comum o uso da internet. É difícil encontrar alguém que não a utilize
seja para uso no trabalho, no simples uso de correio eletrônico ou na vida privada como
entretenimento, lazer, estudos, entre muitos outros fins. Ressalte-se que a importância da
internet para esse trabalho é ligar o seu uso e o uso da linguagem binária às transferências de
arquivos, que acabam de alguma forma violando o direito de propriedade intelectual. Para
isso temos como objetivo neste capítulo explicar o que é a internet, um pouco de sua história,
seu crescimento e sua utilização no meio social e econômico.
Simplificando o que é a internet, podemos dizer que é uma gama de redes de
computadores interligados em diferentes canais. Os computadores que a formam são de
origem pública e privada, compondo redes de diferentes tipos como acadêmicas, de negócios,
de uso governamental etc. Essas redes se conectam à rede global via redes de cobre, cabos de
fibra óptica, redes sem fio e novas tecnologias, como a utilização de rede existente de energia
para transferência de dados. Essas conexões são utilizadas para a troca de informações entre
computadores, como troca de correio eletrônico, compartilhamento e transferência de
arquivos; e ainda no acesso a servidores que fornecem conteúdo de hipertexto, que seria o
conteúdo de texto digital com imagens e som.
A internet, para alguns estudiosos, é a fonte da nova economia, de uma economia digital
voltada para empresas presentes no mundo virtual, e fonte também da mudança de estrutura
das empresas do mundo real. Para outros estudiosos, é a fonte de uma nova sociedade.
Outros, ainda, opinam que ela é apenas um novo instrumento. No meu ponto de vista a
tecnologia é um tanto recente e sofre mudanças continuamente, justamente por essa interação
entre sociedade e tecnologia, e justamente por esse fato de ela ser recente alguns julgamentos
podem ser um tanto precipitados. Particularmente acho fantásticas as novas possibilidades
que são abertas, como as do trabalho sem o movimento físico de trabalhadores, podendo
talvez colaborar com a redução de congestionamentos e a emissão de poluentes – todo caso,
nem toda mudança “pega”, sendo talvez necessário um tempo de observação maior para se
julgar a questão.
4.1 Um pouco da História
Com base no livro de Castells (2006), falaremos da origem da internet, evitando muitos
detalhes, pois ela é composta por vários projetos que colaboraram para sua formação e
posteriores mudanças. Dessa forma falaremos da trajetória que deu origem ao que hoje
conhecemos e destacaremos aqueles projetos que tiveram maior importância.
Voltando um pouco no tempo, os primeiros estímulos em direção ao desenvolvimento de
novas tecnologias são originados do impulso militar oriundo da segunda guerra mundial, das
bases criadas na época pelo esforço científico e de engenharia resultando na revolução
microeletrônica. Com o cenário da Guerra Fria, a busca por superioridade tecnológica frente
à União Soviética fez com que os EUA investissem massivamente em projetos de pesquisa
cientifica, com o total apoio governamental e popular.
Dentre os projetos que deram origem a forma da internet hoje, o principal foi a
ARPANET, rede da ARPA (Advanced Reasearch Projects Agency). A ARPA foi uma
agência formada pelo Departamento de defesa dos EUA em contrapartida ao avanço
tecnológico de seu rival na época, a União Soviética. O objetivo desse projeto formado em
1958 era desenvolver capacidade tecnológica superior. Essa rede desenvolvida para a ARPA
usava da tecnologia que usamos até hoje, o envio de pacotes de dados. Esses pacotes seriam
dados transformados em linguagem digital (linguagem binária, escrita por combinações de
um e zero) e segmentados em pacotes de dados, com um rótulo de destino e conteúdo. Os
pacotes transformados em dados são transferidos por um caminho dentre das redes de dados
disponíveis, mas o caminho que esse pacote segue não é exclusivo a ele, podendo o pacote
ser transferidos em diferentes caminhos em diferentes redes, tornando a transmissão mais
eficiente. Outra característica dessa forma de transmissão era a redundância das funções na
rede, para que possibilitasse a reprodução de tarefas mesmo que parte da rede não estivesse
em funcionamento.
Posteriormente outras redes foram criadas, por instituições de ensino espalhadas pelos
EUA, com diferentes formas de transmissão de dados digitais. Assim, o próximo passo foi
como conectar diferentes redes com a rede da ARPANET. Em 1973, graças a um seminário
em Stanford houve uma padronização dos códigos usados, permitindo que diferentes redes de
computadores pudessem se comunicar devido aos protocolos de comunicação agora
compatíveis. Em 1983 houve uma divisão da rede, a criação de uma rede independente para
uso exclusivo militar para prevenir possíveis brechas na segurança, já que era utilizada para
pesquisa e sua expansão poderia comprometer dados importantes, e também foi criada uma
rede específica para fins de pesquisa, a ARPA-INTERNET.
A respeito dos grupos que deram origem a ARPA, foi da combinação de profissionais
voltados à ciência e do empenho do Ministério da Defesa em investir no desenvolvimento
tecnológico. O primeiro grupo era formado por cientistas e acadêmicos de renomadas
instituições de ensino – a exemplo o Massachussets Institute of Technology (MIT) – que
compartilhavam um ponto comum, o desenvolvimento da interconexão de computadores.
Alguns tinham objetivos mais altos, de revolucionar o mundo através da comunicação por
computador, outros simplesmente de promover a ciência computacional. Apesar de a
pesquisa estar essencialmente instalada no âmbito militar, existia certo caráter de liberdade
no sentido da contracultura, dessa forma a criação da arquitetura de rede foi desenhada a
promover a grande circulação da informação de forma livre e sem ter um núcleo, o que
acabou sendo uma excelente ferramenta de comunicação para o uso militar.
É importante destacar que o funcionamento das redes de computadores depende do uso de
backbones (em português, espinha dorsal). Esses backbones, designam o esquema de
ligações centrais de um sistema amplo, tipicamente de elevado desempenho. Os operadores
de telecomunicações mantêm sistemas internos de elevadíssimo desempenho para comutar os
diferentes tipos e fluxos de dados (voz, imagem, texto etc). Na internet, uma rede de escala
planetária, podem-se encontrar, hierarquicamente divididos, vários backbones: os de ligação
intercontinental, que derivam nos backbones internacionais, que por sua vez derivam nos
backbones nacionais. Neste nível encontram-se, tipicamente, várias empresas que exploram o
acesso à telecomunicação — são, portanto, consideradas a periferia do backbone nacional.
Sobre a participação do governo na forma do Ministério de defesa, foi essencial seu
envolvimento para financiar os caros projetos e fomentar a busca de tecnologias de ponta,
que para os militares se traduzia em superioridade tecnológica. O grande mérito talvez dessa
combinação entre governo e cientistas foi da articulação do projeto que ficou administrada
pelos cientistas, que faziam a ciência pela ciência, dessa forma não inibindo a capacidade
criativa e a liberdade dos profissionais envolvidos, contando com a colaboração de diferentes
instituições voltadas à ciência.
Em 1984 um novo passo foi dado: a National Science Foundation (NSF) montou uma
rede de comunicação utilizando a ARPA-INTERNET, que posteriormente a NSF viria a
administrar, difundindo o uso de redes entre as instituições de ensino dos EUA.
Posteriormente, em 1990, o Departamento de Defesa dos EUA, com o objetivo de
comercializar essa tecnologia e buscar uma abertura para um público maior, dá um impulso
para difusão dessa tecnologia oferecendo subsídios a fábricas de computadores, que possuíam
capacidade de transmissão via pacotes e também coincidindo com o período de privatização
das comunicações nos EUA. Sendo assim, a partir de 1990 as empresas comerciais
começaram a utilizar mais amplamente as redes internas para transmissão de dados,
posteriormente surgindo alguns provedores de conteúdo, como a América Online (AOL).
Mas é também no ano de 1984 que a surge uma nova corrente, criada por Richard
Stallman, a do software livre. A companhia AT&T queria reivindicar o direito de propriedade
sobre o UNIX, que era um sistema operacional desenvolvido por esforço de trabalho em rede
com diferentes colaboradores. Stallman, em contrapartida, cria a Free Software Foundation,
com o objetivo de difundir o “copyleft”, um conceito contrário ao do copyright. O copyleft
incentiva que programas de computadores tenham o seu código, isto é, seu núcleo de
funcionamento aberto para que outros usuários da net tenham acesso para utilizá-lo e
possibilidade de aperfeiçoar o programa – para depois joga-lo na rede com suas melhorias.
Um derivado desse conceito de copyleft é o Linux, um dos sistemas operacionais mais
utilizados, com cerca de 6% de participação no mercado.
4.2 A internet e as empresas
As inovações tecnológicas são criadas e moldadas pela sua utilização, com a internet
não foi diferente. Desde sua criação apoiada no governo representado pela esfera militar e
pelo mundo acadêmico na forma de instituições de ensino voltadas à computação. Seus usos
refletiam esse ambiente. A partir da década de 90, o uso da internet começa a ser difundido
por incentivo de políticas adotadas pelo governo e a entrada de investimento privado. Pelo
processo de privatização das companhias de comunicação as empresas encontraram na
internet uma ótima ferramenta para suas atividades, causando um “boom” de empresas
pontocom nessa década. A transformação que ocorre na internet se dá fortemente
influenciada por essa participação maciça das empresas, de forma recíproca, tanto uma
quanto a outra a modificarem suas estruturas.
Abordando um pouco mais a questão das empresas na década de 90, a grande
excitação na época com a expansão de uma tecnologia com capacidade tão vasta, possibilitou
a transformação de poder mental em dinheiro, a visão de transformar idéias em projetos.
Tanto que houve uma enxurrada de empresas criadas, mas algumas não possuíam o
planejamento adequado. Elas entraram de cabeça, mas não souberam como administrar esse
tipo de “novo” negócio baseado na internet, até que houve crise no final da década, fazendo
com que algumas empresas fossem extintas ou adquiridas por empresas mais maduras.
Outro motivo de crescimento dessas empresas na década foi a quantidade de capital
que o mercado tinha disponível para esse tipo de investimento de risco, na montagem de
negócios do tipo pontocom. À medida que empresas relacionadas ao mundo virtual tinham
sucesso, o montante de capital era utilizado para criar novas empresas, e mesmo que algumas
não tivessem sucesso, uma idéia entre elas que tivesse êxito pagaria pelo fracasso de outras.
Mas desde que o mercado financeiro sofreu com a explosão da bolha especulativa dessas
empresas, o capital passou a ser mais seletivo quanto à esse tipo de empresa.
Definindo as empresas pontocom ou empresas eletrônicas, elas são aquelas que têm
suas atividades em operações como administração, financiamento, inovação, distribuição,
vendas, relações com empregados e relações com clientes predominantemente ou
exclusivamente pela Net. Esse tipo de empresa acaba empregando de forma o capital e o
trabalho de uma diferente maneira, como mostraremos a seguir.
4.3 O trabalho na Economia Eletrônica
Se a avaliação no mercado financeiro indica o resultado final do desempenho da
companhia, é o trabalho que continua sendo a fonte de produtividade, inovação e
competitividade. Além disso, o trabalho é mais importante que nunca numa economia que
depende da capacidade de descobrir, processar e aplicar informação, cada vez mais online.
(CASTELLS, 2003, p.77)
Essa afirmação é bem interessante, pois tem como fundamento que a informação
encontrada na internet é vasta, e com um crescimento assombroso. Dessa forma, para
organizar e processar essa informação de forma correta, que traga benefícios para as
companhias é necessário filtrá-las, fazer uma seleção dessas informações de forma a aplicar
eficientemente nas atividades das empresas. Para isso o trabalho é fundamental, as atividades
nas empresas pontocom acabam exigindo mais do trabalhador, maior afinidade com a
tecnologia presente, esta que sempre sofre mudanças justamente por estar na sua estrutura,
exigindo maior capacidade de aprendizado e maiores níveis de habilidade.
Tocando novamente nos atributos do trabalho na rede, dois são extremamente
importantes na era eletrônica. Primeiro o da capacidade de aprender, pois o aprendizado
realizado num período, com a coleta de informação, pode se tornar no período seguinte
ultrapassado, assim como as técnicas associadas a softwares substituídas por versões mais
recentes – fazendo que a capacidade de aprendizado seja essencial, para se manter
competitivo num mercado altamente mutável; é a necessidade de nunca parar de aprender. O
segundo atributo seria a capacidade de navegar na rede e coletar dados relevantes à atividade
da empresa, a procura e seleção de dados transformados em conhecimento específico.
Com o boom a partir da década de 90, a competição acirrou o mercado de trabalho na
busca de profissionais especializados, uma mão-de-obra um tanto quanto escassa, como
programadores, engenheiros e analistas financeiros na área tecnológica. A solução encontrada
pelos grandes pólos (a exemplo de Londres, Estocolmo, Vale do Silício e outros áreas que
necessitavam de trabalhadores desse tipo) foi a de recorrer ao trabalho imigrante de
profissionais altamente especializados, em parte pela migração destes trabalhadores e
também na criação de centros de trabalho off-shore, ou seja, empresas que se firmaram em
centros de desenvolvimento, áreas como o Caribe, uma forma de trabalho online. Em alguns
casos são oferecidas recompensas como forma de incentivar esses trabalhados, oferecendo
cidadania para determinado país de origem da empresa. No Vale do Silício, como relata
Castells (2006), na década de 90, cerca de 30% das companhias criadas tinham um diretor
executivo imigrante de origem chinesa ou indiana, outro fluxo de trabalhadores/imigrantes
especializados era originário de Israel, México e Rússia. Esse trabalho imigrante de certa
forma não representa prejuízos ao trabalho doméstico, pois grande parte dos imigrantes que
se firmam no país que trabalham acabou por criar novos vínculos entre companhias de sua
terra de origem e centro em que se estabeleceu, criando novos laços comerciais.
Outro ponto interessante a partir da década de 90 é o papel do trabalho feminino na
era da internet. Houve uma participação maior das mulheres neste mercado. Destaque-se a
grande capacidade feminina de organizar e se adaptar ao ambiente de trabalho da era
eletrônica, talento essencial para as empresas pontocom, colaborando também para diminuir a
diferença salarial entre os sexos.
Numa economia em que o trabalho é o centro da produtividade da empresa, por
aquele trabalhador específico ou um grupo de trabalhadores importantes ela se obrigada a
adotar maneiras de fixá-los – oferecendo papéis da empresa na forma de participação em
ações, bônus associados ao desempenho e outros benefícios firmados por contrato. Isso faz
com que os empregados criem vínculo, já que sua remuneração depende da contribuição que
darão ao desempenho da empresa (se tornam de certa maneira, em alguns casos, coproprietários
do negócio).
Outra mudança ocorrida envolvendo o trabalho se trata da autonomia de tempo. O
antigo padrão de trabalho de uma jornada estabelecida semanalmente deixou de ser padrão –
pois agora o tempo de expediente passa a gravitar em torno dos projetos a serem construídos
e implementados. Essa mudança não significa menos trabalho mas sim, em alguns casos,
como por exemplo (contrário) o Vale do Silício, grande aglomeração de empresas do estilo
pontocom, com jornada semanal de 65 horas.
4.4 As transações
Com relação aos negócios eletrônicos, algumas características são notadas
rapidamente. A conexão que acontece é interativa, baseada nas relações da internet entre os
produtores, consumidores e prestadores de serviço. Essa conexão na era da internet (entre os
diferentes membros da cadeia de negócios) possibilita, através da interatividade entre eles de
moldar o negócio com base em muito mais informação, uma maneira mais personalizada dos
negócios, reduzindo assim custos e gerando aumento da qualidade, eficiência e satisfação do
comprador.
Os compradores como produtores: a medida que são obtidas informações
sobre o comportamento dos consumidores de determinados produtos, o feedback dá
informações à empresa como alterar e modificar seu produto, um alto grau de
interação. Isso faz com que produtos novos já sejam testados logo que são postos no
mercado, fazendo com que o processo e o produto se inovem constantemente, no
interesse comum de todos associados, produtores e consumidores nos retornos
crescente dessa relação. (CASTELLS, 2003, p.86)
Na era da internet as empresas são avaliadas com o desempenho e números mostrados
em seu balanço, que reflete nas bolsas de valores. Assim são recompensadas as empresas que
buscam incorporar eficiência e políticas corretas. Como dito no capítulo da globalização o
mercado não é totalmente preciso, ou seja, é aberto a todo tipo de investidores, alguns que
fazem análises minuciosas sobre uma empresa ou simplesmente aquele investidor que
acompanha o mercado e suas tendências. Mesmo dessa forma, as empresas ganham um
grande impulso pelo mercado. É essencial essa participação dos agentes investidores que
mobilizam capital de diferentes fontes para que as empresas tenham a razão de ser e se
expandir, com o objetivo de buscar maiores lucros e dessa forma gerar lucro também aos
acionistas.
Dos negócios das empresas pontocom, uma grande parte das transações que ocorrem
são a do tipo B2B, sigla derivada do Business to Business, que significa de empresas para
empresas. Esse tipo de transação chega a movimentar cerca de 80% do comércio eletrônico
global, através de troca entre as empresas de tecnologia, pagamento de royalties, as
transações com as próprias filiais empresa etc. Um exemplo recente quanto a esse tipo de
relação de negócios vem de uma notícia da Folha de S.Paulo sobre a parceria B2B da
Volkswagen e Porsche visando um acordo que buscasse a redução dos custos de troca de
tecnologia entre essas duas companhias.
A importância que a tecnologia da informação proporciona hoje é essencial para as
empresas neste aspecto de transações entre elas, pois em alguns casos há uma redução de
50% nos custos, gerando mais transações e atraindo novos investidores. Ela possibilita
também maior rotatividade de investimento, de forma com que poupanças de diferentes
partes do mundo se movimentem para outras localizações ao redor do globo. Mas não é só
pela redução dos custos de transação que a tecnologia das transações é importante, pois é
também nas informações que se encontram na Net que os investidores baseiam suas decisões.
As transações online também possibilitam transações de forma mais direta, onde os
investidores individuais e corretores contornam o uso de corretores tradicionais e firmas de
investimento, podendo assim cortar intermediários e reduzir seus custos. Um último ponto
quanto à tecnologia da informação é que os investidores reagem de forma mais rápida as
mudanças no mercado pela disponibilidade de informações online, respondendo em tempo
real às tendências mercadológicas.
Passando a analisar a empresa de forma mais ampla vamos falar brevemente sobre as
empresas que trabalham em conjunto, as empresas em rede. Como novo modelo
organizacional as empresas adotaram uma postura diferente, mais descentralizada, mais
enxuta, estruturas mais horizontais de cooperação e competição e que coordenam suas metas
para a firma como um todo. Essa nova estrutura da empresa possibilita que empresas
pequenas e médias e suas redes subsidiárias se combinem para almejar projetos de maior
escala, ou seja, essas redes de empresa têm maior flexibilidade e adaptabilidade que traduzem
melhor a economia global presente, um mercado que vive um processo contínuo de
aceleradas transformações. Esse novo arranjo das empresas funciona da forma que elas se
relacionem na órbita de um projeto a ser executado e constituam uma combinação das
empresas e seus componentes para executar de melhor forma.
Não é de hoje que as empresas buscam inovações, e que a tecnologia faz parte da
busca das empresas para agregar valores às mesmas. Na era da internet, dois elementos são
essenciais para as inovações, o dos profissionais altamente qualificados com alta capacidade
criativa e o das estruturas de redes de computadores.
Em resumo, seria que os mercados de capitais financiam inovações de alto risco na
expectativa de produzir riqueza, dessa forma aumentando a produtividade, é uma economia
de investimentos de risco, uma cultura de inovação.
4.5 Uso e relações sociais
Os usuários tendem a adaptar novas tecnologias para satisfazer seus interesses
e desejos... Movimentos sociais de todo tipo, de grupos ambientais a ideologias
extremistas de direita (p.ex. nazismo, racismo), tiraram proveito da flexibilidade da
Net para divulgar suas idéias e articular-se através do país e do globo. O mundo social
da internet é tão diverso e contraditório quanto a própria sociedade. (CASTELLS,
2003, p.48)
Essa frase, tirada do livro de Manuel Castells (2003), exprime a complexidade que é a
sociedade formada na internet, formada por usuários de todo o tipo, em diferentes partes do
mundo, diferentes ideologias, religião, usos da própria internet, um verdadeiro universo. Mas
é possível de certa forma construir uma classificação dos usuários pela forma de acesso aos
recursos da rede e suas aplicações
Castells (2003) classifica quatro grupos culturais que formam a internet. O primeiro
grupo é aquele formado pelos primeiros usuários e construtores da internet, cientistas e
acadêmicos que desenvolveram os primeiros modelos de comunicação via computadores e os
utilizavam para trocar mensagens como o correio eletrônico e outras formas de comunicação.
O segundo grupo é o dos hackers, aqueles que possuem conhecimento técnico avançado e
com capacidade de criação de novas tecnologias, mas tendo, ao contrário do grupo que
constitui a net um comportamento onde prezam mais pela liberdade, no acesso à tecnologia e
seu livre uso.
O terceiro grupo é o das diferentes redes sociais que constituem a internet, que se
valem da comunicação horizontal e de conexões interativas. Eles também prezam o valor da
liberdade na rede, mas, ao contrário dos hackers, adicionam sua vida social ao seu universo
online. E o quarto grupo é o das empresas, que se agregam aos outros grupos na internet. A
partir da década de 90 elas se deram conta do universo da internet, da quantidade de grupos
sociais envolvidos e do potencial de abrangência que poderia ser alcançado pela rede. Esse
maior interesse das empresas deu a elas um papel mais ativo nesse mundo virtual – a partir da
criação de uma gama enorme de empresas do tipo pontocom e outras formas de atividades
empresariais.
Voltando o foco ao grupo dos hackers, faremos uma correção quanto ao conceito
comum. Normalmente a associação com o termo hackers é o daqueles indivíduos que
invadem computadores e quebram códigos na internet. Esse tipo de associação é errônea, já
que há um sentido bem diferente – eles são aqueles indivíduos que detêm um conhecimento
técnico avançado na área de computadores, programadores em geral com liberdade de
criação, criatividade, que tem uma cultura peculiar, tendo até um caráter “romântico”, por
assim dizer, em relação à internet. Os crackers, por sua vez, seriam derivados da cultura
hacker que se empenham em quebrar códigos, penetrar ilegalmente em redes e sistemas,
espalhar vírus e criar caos na internet. São má fama aos hackers, na verdade são contra esse
tipo de comportamento. Um hacker seria um cracker se tivesse esse impulso de “combater o
sistema”, que seria o padrão da internet criada por governo e empresas, visando prejudicá-lo
de alguma forma. Mesmo os crackers não usam de conhecimento técnico para fins pessoais
como lucrar pela internet, eles o fazem pela tecnologia. Aqueles que se valem dos meios da
tecnologia para aplicar golpes com fins lucrativos são chamados de criminosos virtuais.
Para ser um hacker é necessário ter um ímpeto individual para criar,
independente do ambiente em que se encontra. Na internet, meio acadêmico etc. o hacker tem
esse ímpeto da criação pelo fato de querer se destacar no ambiente que convive, de suas
interações sócio-virtuais. Como a internet possui uma característica de hierarquia
meritocrática, sistema que o mérito pessoal é responsável pela hierarquia, é na forma de
desenvolvimento de softwares que se busca reconhecimento. Outro ponto importante a ser
levantado na cultura hacker é que geralmente os hackers não divulgam seu nome verdadeiro,
mas sim o nome usado na rede, uma espécie de alter ego. Além disso, as comunidades de
hackers não possuem encontros no mundo real, geralmente são feitos na própria rede de
computadores.
Além da satisfação de alcançar status na sua comunidade, a alegria inerente à da
criação foi muitas vezes identificada como um atributo da cultura hacker. Ela se
aproxima do mundo da arte e do impulso psicológico de criar... Eles não dependem de
instituições para sua existência intelectual, mas dependem, efetivamente, de sua
comunidade autodefinida, construída em torno da rede de computadores.
(CASTELLS, 2003, p.43)
São identificadas no livro galáxia da internet (CASTELLS, 1999)duas características
fundamentais comuns na internet. A primeira é o valor da comunicação livre, horizontal, que
é praticada desde os primeiros estágios da rede, assim um valor intrínseco ao uso da internet.
Dessa forma os usuários da rede interpretam que a censura dos conglomerados de mídia e
governo burocráticos é contrária à comunicação livre e procuram um caminho para contornála.
A outra característica seria a formação autônoma de redes, que seria aquele usuário
que, não encontrando o que procura na net, acaba criando uma nova rede por criar e divulgar
sua própria informação, como a publicação autônoma, que acaba por difundir a net por todo o
domínio social. Um exemplo que podemos dar seria a da formação de blogs, que possuem um
caráter individual, mas que abrangem de forma específica determinado assunto, na forma de
uma opinião, avaliação.
Nesse aspecto de liberdade e uso dentro da internet, Stallman, criador da FSF (Free
Software Foundation) , defende que as criações dos hackers fiquem fora do ambiente do
governo e corporações, do direito dos programadores aos produtos de seu trabalho, pois
acredita que o processo de criatividade dos hackers, de seu caráter de criação coletiva, com
liberdade, forma um produto final muito melhor.
Quanto às inovações na internet, é através do capital que surge o ambiente propício ao
aparecimento delas, devido ao investimento em tecnologia e pesquisa, na busca por novos
produtos.
Castells (2003) considera três fatores elementares para o surgimento de inovações. O
primeiro fator seria a criação de novos conhecimentos, na ciência, tecnologia e
administração, sendo dependente tanto no âmbito privado ou público de pesquisa. O segundo
seria do staff técnico, de profissionais dotados de capacidade e criatividade. O terceiro fator é
da existência de empresários capazes e dispostos em assumir novos projetos
(empreendimento), dependendo da cultura empresarial e com a abertura das instituições
presentes.
Algumas empresas, que tem uma visão interessante quanto ao mercado de produtos
que são oferecidos livremente na internet, adaptam-se de uma nova forma para obtenção de
retorno financeiro, como a IBM, desenvolvendo produtos de boa compatibilidade e melhor
funcionamento com produtos que possuem a fonte aberta, programas livres. E ainda
auferindo lucros em serviços ligados a estes produtos, como a customização e projetando
aplicações aos mesmos.
Outro ponto muito importante que é descrito trata da geografia que a internet assume.
Mesmo que ela se potencialize no mundo virtual (com manifestações no mundo real) a
disposição de usuários não é exatamente uniforme ao redor do globo. A concentração de
usuários é grande em países que dispõem de infra-estrutura, educação e penetrabilidade da
internet em sua sociedade.
Podemos analisar essa geografia de três perspectivas, a primeira quanto à geografia
técnica, a segunda por sua distribuição espacial e por fim quanto a geografia econômica.
A primeira perspectiva, da geografia técnica, se refere ao aspecto de infra-estrutura
disponível para os usuários. Cabeamentos, serviços disponíveis, acesso a banda larga pela
população. Países como a Noruega possuem uma penetração próxima de 100% de banda
larga de internet, sendo a linha da internet oferecida com a linha de telefone. Na Coreia do
Sul, a infra-estrutura da internet é impressionante, com alta penetrabilidade na população e
conectividade média de 10 megabytes/segundo.
A segunda perspectiva diz respeito à geografia dos usuários, sua disposição pelo
globo e a da taxa de penetrabilidade que a internet alcança na sociedade – já que depende não
só de infra-estrutura, mas também de educação e instrução. Em comparação entre meio
urbano e meio rural, há uma grande defasagem entre elas. Acreditava-se que a internet
permearia todos os cantos de um país, independentemente de sua geografia, mas na verdade
faltam ainda recursos técnicos e viabilidade financeira que possibilitem essa realidade. Sendo
assim, o uso da internet ocorre de maneira mais antecipada e intensificada pelos centros,
agregando ao aspecto cultural a utilização da internet.
“O uso da internet está se difundindo rapidamente, mas essa difusão segue um padrão
espacial que fragmenta sua geografia segundo riqueza, tecnologia e poder: é a nova geografia
do desenvolvimento”. (CASTELLS, 2003, p.170)
Por fim, quanto ao aspecto da geografia econômica da sua produção. Se analisarmos o
setor da internet e as características que afetam a economia, podemos exemplificar de forma
como se fosse importação e exportação de conteúdo – já que a informação é o grande produto
da Era da informação.
Os grandes países produtores de conteúdo são aqueles em que se tem maior infraestrutura
da internet – em que ela tem permeabilidade educacional e cultural. O grande líder
hoje de produção de conteúdo é sem dúvida os EUA, seguido de longe por Grã-Bretanha e
Alemanha, e em terceira linha Canadá, Coreia do Sul e França. Podemos partir de algumas
formas como essa dominância ocorre, quanto aos números de domínios que cada país possui,
ou quanto ao número de empresas que estabelecem sede física em alguma parte do globo
(como a sede da amazon.com em Seattle).
Partindo desse ponto podemos concluir que a produção da internet é concentrada. Isso
em parte pelo fato que nos anos 90 e até hoje, as sedes das empresas que se voltam
parcialmente ou integralmente para a internet, são estabelecidas perto de centros financeiros,
como em Wall Street, da visão de potencial por investidores que apostaram (e ainda apostam)
na internet como fonte de ampliação de seu capital. Outro lado dessa concentração é quanto à
produtividade e consumo de informação. Países como Brasil e grande parte da Europa são em
seu papel na rede quase que consumidores exclusivamente.
No entanto, em geral, há forte correlação entre a predominância metropolitana e a adoção
precoce do uso da internet. Assim, a difusão da internet avança desigualmente no tempo e no
espaço por camadas sucessivas de incorporação que poderão se refletir numa diversidade de
geografias sociais no futuro. (CASTELLS, 2003, p. 174)
Não somente em escala de países, a concentração também se apresenta, como no caso
dos EUA, de uma estrutura de produção concentrada em poucas cidades, como Nova Iorque,
Los Angeles, São Francisco, Seattle e Washington.
A explicação dessa concentração (entre países e em seu interior) pode ser explicado
como conseqüência de 3 fatores. O primeiro seria da produção e da organização que ocorre
em seu entorno, como serviços de finanças, mídia, educação, saúde, tecnologia,
entretenimento, entre outros. Assim, a configuração espacial da internet acompanha não a
distribuição da população, mas a concentração metropolitana da economia da informação.
O segundo fator ocorre pela característica que as empresas firmam a sua localização
com ambientes preexistentes de inovação tecnológica. Elas buscam nesse ambiente bases que
geraram conhecimento, um know-how para o desenvolvimento de novas tecnologias. Citando
como exemplo a fama de São Francisco em excelência na área de design, ou Nova York
como especialidade em mídia e marketing. E em terceiro lugar o tema que já foi debatido, da
ligação que ocorre com o capital de risco, que em grande parte é concentrado em poucas
regiões.
5 DA PIRATARIA
Ao longo do trabalho foram apresentadas algumas versões do que seria a pirataria.
Para facilitar o entendimento da atividade, neste capítulo a classificaremos em três tipos: a
pirataria clássica, que remete aos tempos mais antigos, das práticas que envolviam
embarcações e violência física; a contemporânea, que seria a atividade como a conhecemos
hoje, envolvendo contrabando, produtos contrafeitos – ou seja, todos aqueles dispostos de
forma ilegal no mercado; e uma última versão, na verdade uma subdivisão do segundo tipo,
que seria a pirataria virtual, aquela aplicada aos produtos inteiramente digitalizados, como
músicas, softwares etc.
A pirataria clássica, apesar de ter atingido seu auge nos períodos de expansão
mercantilistas, ainda se mostra presente – embora não tanto, claro, quanto a pirataria
contemporânea. Temos registrados alguns casos de pirataria clássica em portos brasileiros –
grupos que abordam navios ancorados. Em águas internacionais, podemos citar casos de
repercussão internacional, como a captura de um navio ucraniano por somalis, com carga de
33 tanques e armamentos militares, e também, na mesma região, a captura de um petroleiro
carregado com US$ 100 milhões petróleo – o que obrigou a ONU a estabelecer um
patrulhamento na costa somaliana.
A pirataria contemporânea e atividades relacionadas, como o contrabando, o
descaminho e a falsificação, são atividades lucrativas e atuam sobre uma gama enorme de
produtos. Explicando a diferença entre contrabando e descaminho:
Os delitos de contrabando e descaminho estão tipificados no artigo 334 do Código Penal,
mas ambos não se confundem, pois, enquanto o contrabando é importar ou exportar
mercadoria proibida, o descaminho é, por sua vez, iludir, no todo ou em parte, o pagamento
de direito ou imposto devido pela entrada, pela saída ou pelo consumo de mercadoria.
(PONTAROLLI, 2009).
A pirataria abrange todos os tipos de produtos, de cigarros falsificados, mídias como
CDs e DVDs, bolsas e até mesmo de agrotóxicos, apresentando um enorme risco à saúde dos
consumidores.
À medida que o mundo encolhe e as pessoas viajam mais rápido, notamos uma
enormidade de produtos vindos de longe, como os Made in China, Taiwan, Vietnam ou,
mesmo, de procedência desconhecida. Na internet vemos sites dos mais variados tipos, com
produtos dos mais diversos sendo oferecidos de todas as formas, como spams que invadem
nossos e-mails ou anúncios que não param de piscar em nossa tela. Nem sempre notamos a
procedência de toda essa gama de produtos piratas.
5.1 Pirataria clássica e pirataria moderna
Como dito no capítulo um sobre a pirataria nos moldes clássicos, hoje em dia os três
cenários propícios (parasítico, episódico e intrínseco, retomados abaixo) para o aparecimento
da atividade estão presentes, pois a economia gira de uma maneira sem precedentes, há um
universo muito mais complexo que anteriormente.
Dos anos em que a pirataria se apresentava na forma essencialmente marítima, com
embarcações e tripulantes, que remontam a tempos antigos (exceto pelos não tão numerosos
casos de pirataria clássica hoje), houve muitas mudanças. Hoje a pirataria conta com uma
estrutura muito diferente dos tempos da segunda expansão comercial européia, dos tempos do
mercantilismo. Ela evoluiu com o comércio, com a economia e com a tecnologia.
Nos períodos da pirataria clássica, quem geralmente participava de prática eram
aqueles indivíduos que viviam à margem da sociedade, em busca de alternativas à pobreza.
Hoje a complexidade das atividades piratas envolve uma gama maior de agentes, já que a
cadeia das atividades piratas contemporâneas é muito elaborada.
Em comparação com a classificação quanto à origem, podemos aplicar os conceitos
de pirataria parasítica, episódica e intrínseca atualmente. No caso da pirataria parasítica, que
floresce justamente com o crescimento do comércio, podemos dizer que é o tipo que mais
ganhou força, devido aos efeitos da globalização – redução de barreiras comerciais e
tarifárias, dos custos de transporte etc. Graças ao avanço do comércio, a pirataria chega, nos
últimos anos, a números sem precedentes, a uma complexidade maior de sua estrutura e a
uma posição de destaque.
A pirataria intrínseca (a aliança de piratas com um Estado que os legitime, apóie suas
atividades) também está presente nos dias atuais. Tome-se o exemplo chinês. Não muito
tempo atrás, a China era conhecida como produtora de artigos de baixa qualidade, em muitos
casos a cópia de bens conhecidos no mundo todo. Ainda hoje existem muitos produtos
chineses de origem duvidosa. O difícil é identificar qual parte da produção chinesa – já que as
fábricas de companhias multinacionais se instalam no país para aproveitar o baixo custo de
mão-de-obra – faz parte do processo de pirataria. Dificulta esta distinção o fato de que
produtos piratas são apoiados pelo governo. A Ford, por exemplo, entrou com uma ação na
OMC pelo fato de uma montadora chinesa ter lançado um carro idêntico a um projeto de suas
instalações.
A pirataria intrínseca, no entanto, demonstra a história, é absorvida pelo Estado,
virando parte de sua força ou, ao contrário, sendo excluídas desse processo de formação. No
caso da China, porém, percebe-se um Estado consolidado que ganho cada vez mais
credibilidade no mercado internacional. Isso por ingressar na OMC, procurando mudar
características de sua produção e produtos, como investimentos em design, criação e
fortalecimento de marcas nacionais. Ainda hoje, contudo, há notícias que remontam à ligação
entre o Estado chinês e fábricas que falsificam produtos.
O último caso de pirataria, a episódica, pode ser aplicado ao caso russo. Trata-se da
ruptura de padrões estabelecido de troca, dando origem à atividade ilegal. As mudanças dos
padrões de troca ocorrem pelo desmantelamento da União Soviética, sua fragmentação em
Estados nacionais menores e, principalmente, o falecimento do regime socialista. A tentativa
da perestroika russa foi a de buscar melhorias econômicas de curto prazo, mas essa política
econômica não foi de fato traduzida em melhoria da economia e da renda de sua população,
fazendo com que parte dessa migrasse para atividades ilegais em busca de subsistência. Nesse
caso se incluem vários tipos de atividades ilícitas, como falsificação de softwares, tráfico
ilegal de grande quantidade de armamento, de drogas e até mesmo de pessoas (prostituição e
escravismo).
Essa classificação quanto às origens da pirataria pode ser aplicada a vários casos em
países menores, mas, para efeitos de demonstração, buscamos os exemplos hoje mais
encontrados nos meios de comunicação.
Voltando à comparação histórica, outro ponto importante é quanto à dificuldade de se
estabelecer um poder de controle que ultrapasse as barreiras nacionais. No caso do período do
mercantilismo, as atividades que ultrapassavam as delimitações das unidades nacionais (ou
seja, que assumiam uma forma internacional) eram, expressivamente, de produtos
comercializados, e, em menor escala, de pessoas. De certa forma, era fácil identificar as
atividades ilícitas, enquanto, atualmente, essa identificação é bem mais complexa, pois
envolve não só a parte de comercialização de produtos ilegais mas também sua produção no
interior dos países.
O que se coloca aqui é a dificuldade de estabelecer um controle extraterritorial,
dificuldade encontrada tanto no passado como hoje, de uma autoridade que seja aceita por
todos os Estados de forma a acompanhar a evolução dos movimentos comerciais – e, ainda,
de forma a interferir na produção de países que violam leis como a de propriedade intelectual
e padrões de qualidade.
Da classificação quanto aos tipos de piratas, como os corsários e os freebooters, ela
também segue aplicável – embora não tenha relevância – na pirataria contemporânea. Na
pirataria praticada hoje, a estrutura não corresponde somente à comercialização, mas a toda
uma fase de produção de artigos e uma distribuição muito mais complexa, surgindo
elementos muitos diversos daqueles dos tempos mercantilistas.
Hoje em dia, o ambiente globalizado acirra a competição nacional, de forma que, a
despeito das transnacionais, os países buscam incentivar de alguma forma sua indústria, sua
produção nacional. Em alguns casos, meios legais nem sempre são utilizados, como no uso
de espionagem industrial, venda de material no mercado negro etc. Isso faz com que o
aspecto da fidelidade de um grupo de indivíduos a uma nação assuma em alguns casos uma
fidelidade à determinada empresa, ou mesmo ao lucro pessoal.
5.2 A globalização e a pirataria
A pirataria, assim como a globalização, vem ganhando destaque na mídia a partir da
preocupação de órgãos jurídicos – tanto em escala nacional quanto internacional. Foi somente
em 2000 que os EUA, no aspecto contra falsificações, aprimorou sua lei contra esse tipo de
infração, incluindo punições para crimes que infringem a propriedade intelectual. Essa
preocupação ganha corpo à medida em que os crimes ligados à pirataria são percebidos em
toda a parte, começando a aparecer na forma de grandes redes e grupos criminosos
internacionais.
O nível de trato jurídico a respeito da pirataria aumentou, pois a prática envolve
conflito com os órgãos legítimos estabelecidos e desregula a ordem financeira. Envolve
corrupções nas mais diferentes escalas, desde oficiais de postos alfandegários até o topo
hierárquico jurídico. Destaque-se também do uso da violência para coerção, exploração de
trabalhadores e muitas outras infrações graves.
A combinação infinita de possibilidades para armazenamento, transporte, investimentos
bancários, transferências eletrônicas, provedores de telefonia celular, endereços eletrônicos,
softwares de criptografia, documentos e marketing de empresas-fantasmas para os
consumidores em todo o mundo expandem as possibilidades do crime organizado. (NAIM,
2005, p.35)
Da integração econômica dos países, surgem facilidades de se remover os obstáculos
ao movimento de mercadorias entre eles.
“As restrições fiscais tornaram-se o supremo valor de julgamento do desempenho de
um governo.” (NAIM, 2005, p.24)
As inúmeras possibilidades de comercializar produtos via portos gera dificuldades de
fiscalização, já que na prática é impossível controlar todo os contêineres. O mesmo se dá com
fronteiras, por exemplo aquelas entre EUA e México, onde não são fiscalizados todos os
veículos, dadas as imensas filas que isso poderia gerar. Os bens congestionados em fronteiras
mostram que a integração econômica ocorre de forma muito mais rápida do que a integração
política.
A pirataria como conhecemos hoje é, como a globalização, um processo em
aceleração, justamente por compartilhar das forças que a movem. Como numa espécie de
“vácuo” da globalização, um caminho à sua sombra. Elas se valem dos mesmos canais de
circulação. Se analisarmos os motores da globalização – o capital, a gestão e a tecnologia –
veremos que servem perfeitamente de combustível também para a pirataria.
Das barreiras nacionais:
Para os criminosos, as fronteiras criam oportunidades de negócios e escudos convenientes; no
entanto, para os funcionários do governo que os caçam, as fronteiras são frequentemente
obstáculos intransponíveis. Os privilégios da soberania nacional transformaram-se em fardos
e limitações para os governos. Devido a essa assimetria, no confronto global entre governos e
criminosos, os governos sistematicamente acabam perdendo. Em toda a parte. (NAIM, 2005,
p.18)
O mercado de capitais atinge tamanho e velocidade assombrosos pela aceleração das
transações frente os países e pela forma com que são processadas as transações da internet,
como explicado no capítulo três. O dinheiro vindo de atividades ilegais de todo o tipo
encontra na liberalização financeira um forte aliado para suas atividades. Primeiramente nas
oportunidades de investimento do lucro que surgem dessas atividades, e depois, na forma de
aproveitamento da flexibilidade do mercado para movimentar essas somas.
A lavagem de dinheiro nunca foi tão fácil, a própria característica do papel moeda
como meio de troca não carrega a marca – neste caso corruptiva – da atividade que a gerou.
Apesar das maneiras sofisticadas do rastreamento de dinheiro, os mercados são abertos para
os capitais de fora, pela busca de dinheiro estrangeiro, como, por exemplo, o caso (ainda não
totalmente comprovado) de lavagem de dinheiro sujo russo no futebol inglês. Outra forma
seria a de investimentos financeiros, dos mercados de ações, dos bancos que muitas vezes são
tentados a capitalizar grandes quantias de origem duvidosa.
Estima-se que, hoje, a soma do capital voltado para o comércio ilegal represente de
5% a 10% do PIB mundial (NAIM, 2005). Isso equivale à participação do PIB australiano no
comércio planetário. Essa enorme soma de dinheiro que circula no mundo, na forma de várias
operações e seus lucros, além de já ter sido incorporada à circulação econômica formal, finca
também raízes nos países. O crime organizado se utiliza de poder monetário para estabelecer
bases ao redor do globo, principalmente em Estados com estrutura fraca e permissiva a
atividades ilegais.
A gestão também contribui enormemente para a evolução e disseminação das
empresas piratas, provendo inovações, aumento de eficiência, retornos financeiros maiores e,
ainda, uma estrutura descentralizada que dificulte a ação dos Estados em combater as
atividades ilegais.
As empresas multinacionais buscaram uma melhor estrutura para se adaptar ao
comércio mundial. Utilizaram formas como a descentralização de hierarquias, negócios mais
horizontais e especialização ao longo da cadeia produtiva. Os negócios piratas também se
beneficiaram dessa nova estrutura. À medida que a multinacional se especializa ao longo da
cadeia, os grupos que produzem artigos contrafeitos fazem o mesmo. Por exemplo, uma parte
da estrutura se especializa em armazenamento e distribuição, outra em aplicação de
marketing, outra, ainda, em comunicação entre diferentes partes do negócio e assim por
diante.
A atividade ilícita conta muito, atualmente, com a mão-de-obra especializada,
utilizada previamente por outras atividades ilegais, como o narcotráfico, onde se encontram
trabalhadores qualificados e experientes – em áreas de transporte de mercadorias e
distribuição, especializadas em evitar fiscalizações alfandegárias. Esse trabalho acaba por se
tornar uma força tão especializada na sua atividade que quase não importa o tipo de produto
que transportem, se armas ou produtos falsificados.
Sendo outro dos motores da globalização, a tecnologia também é responsável em
parte por impulsionar a pirataria. Várias inovações são aplicadas a este universo. Inovações
em transporte, possibilitando que uma mercadoria, de forma ilegal ou não, seja rastreada pelo
proprietário ao longo do seu percurso. No caso de apreensão do produto será difícil associá-lo
ao portador, pois o verdadeiro dono não estará presente. Muitas vezes, o produto nem mesmo
pertence ao país onde foi apreendido.
A tecnologia também é responsável por toda uma série nova de produtos, de
eletrônicos a drogas sintéticas. Ela também expande a capacidade de meios de reprodução,
possibilitando cópias cada vez mais parecidas com os produtos originais.
Toda essa estrutura de que dispõe o crime global se mistura ao mercado legítimo. Os
produtos piratas competem com os originais nas prateleiras.
Analisando de um ponto político descolado do econômico, aponte-se o que coloca
Hobsbawn (2000) e também sustenta Naim (2005),autor do que segue: “O acúmulo de bens
em postos de fronteiras congestionadas mostra claramente que os mercados integraram com
mais rapidez que os sistemas políticos”. Essa característica está presente desde os tempos das
atividades comerciais dos períodos mercantilistas, discutido anteriormente, da dificuldade de
regulação dos espaços nacionais e transposição de fronteiras.
Mas o que existe de diferente hoje é que a estrutura de poder de alguns Estados
nacionais é influenciada pela das organizações piratas, análogas ao auge do ciclo do tráfico
de drogas. Não só pela corrupção em si, mas também por integrar partidos políticos de forma
legítima. Como exemplo, cite-se o surgimento de partidos políticos europeus que defendem a
violação dos direitos intelectuais.
5.3 Os processos de virtualização e a pirataria
Fazendo a ligação entre os processos de virtualização e a pirataria, podemos remontar
ao conceito da tecnologia, que seria “o conjunto dos processos relativos a uma determinada
arte ou indústria” (MICHAELIS). Essa característica descrita como própria da indústria já vai
sendo transformada à medida que os processos tecnológicos de produção vão sendo
difundidos, deixando de ser exclusivos.
Isso se deu graças a um estímulo dos fabricantes. Buscando novos mercados, as
indústrias de reprodução partilharam de tecnologia e know-how. Também pela
especialização, sofreram para agregar maior valor a suas marcas – a partir de atividades mais
lucrativas, como criação de marketing e design, terceirização da produção física para
empresas em diferentes localidades do globo. Isso tornou a tarefa de cópia dos produtos
comercializáveis muito mais fácil.
É desse ponto que – deslocando o tema que coloca Harvey (1999) sobre a
globalização – que surge a diferença entre a tecnologia passada e a de hoje. A última fase
tecnológica tem a capacidade de ser transmitida muito facilmente, tanto no interior de um
país como para fora dele.
É dessa atividade que surgem o trabalho intelectual, a agregação de valor de marcas e
patentes, processos de virtualização e a incorporação de trabalho em softwares. É nesse tipo
de trabalho que as grandes indústrias focam, hoje, seus esforços – seja no desenvolvimento de
produtos, como softwares variados, ou na incorporação de valores a produtos físicos, como
na criação de uma marca de roupa, ou, ainda, no processo de marketing.
É em defesa desse tipo de trabalho que surge a lei de propriedade intelectual. A
propriedade intelectual é aplicada a todas as ideias originais que podem ser exploradas na
forma de um bem ou serviço. Três são os instrumentos que regem o uso intelectual:
“Marcas registradas abrangem palavras, imagens e símbolos usados para identificar
ou distinguir um produto ou uma empresa; patentes referem-se a invenções; e direitos
autorais protegem obras de literatura, artes plásticas, músicas e softwares.” (NAIM, 2005,
p.111)
Praticamente todos os países possuem lei ou conjunto de leis que defendem a
propriedade intelectual, mas nem todos têm o mesmo empenho, a mesma estrutura ou o
mesmo interesse para aplicá-las.
Até mesmo manifestações públicas são feitas a favor de sites que compartilham de
arquivos que violam os direitos autorais – como no caso do site sueco Pirate Bay. Ainda são
criados partidos políticos defendendo o interesse da livre transmissão de dados.
5.4 A internet e a pirataria
A pirataria na internet ganha uma nova face. O mundo virtual é um ambiente rico em
informações, principalmente em opiniões. As culturas dos criadores da internet visava um
potencial livre de comunicação, uma estrutura descentralizada (ainda que necessitando de
backbones). Essa estrutura permite que várias maneiras diferentes de transferência de dados
ocorram pela rede.
Das transferências de dados que ocorrem de um provedor central, de uma estrutura
mais centralizada, podemos citar as páginas na internet que armazenam dados em suas
estruturas físicas, do tipo cliente-servidor. Um nível mais descentralizado de transferência de
dados ocorre na forma de arquivos peer-to-peer (p2p; em português, de par a par), que seriam
as transferências de arquivos entre computadores pessoais.
Assim é transmitida grande parte dos arquivos que violam os direitos de reprodução e
a propriedade intelectual. Pois existe pouca atribuição de culpa aos indivíduos que consomem
esses produtos.
Nas tentativas de repressão ao uso pelos diferentes órgãos encarregados – como
punição da criação de programas que compartilham essencialmente arquivos de forma ilegal,
o desativamento de links que contêm conteúdo transmitido de forma ilegal – os usuários e
programadores encontram novas soluções para que esses arquivos circulem livremente.
O primeiro programa de transmissão de arquivos na forma p2p foi o famoso Napster.
Possibilitava a troca de arquivos entre computadores pessoais, mas para o funcionamento
operacional necessitava de uma central que organizasse as informações. Quando o Napster
foi desativado por meio judicial em 2001, outros tipos de programas, como o Kazaa,
ocuparam esse papel das trocas. Mas dessa vez com uma estrutura que não necessita rede
central: cada usuário é ao mesmo tempo cliente e servidor. E não parou por aí. Até hoje são
elaboradas novas formas de comunicação (como torrents), cada vez mais descentralizadas,
possibilitando a transferência de arquivos entre computadores pessoais, tornando
praticamente impossível o impedimento da troca de arquivos.
Alguns programas e sites que promovem a circulação de arquivos têm uma motivação
financeira por trás dessas transferências. Por exemplo, sites que distribuem arquivos de forma
ilícita possuem banners virtuais, na forma de propaganda. Quanto maior o número de
entradas esse site acumula, maior sua visibilidade na net, dessa forma agregando valor. Os
donos desses, sites por sua vez, não hospedam estes arquivos, mas sim oferecem links ligados
a eles, contornando a responsabilidade da transferência.
O site Pirate Bay é um exemplo de último nível dessa transferência: possui cerca de
22 milhões de usuários e hoje seus quatro fundadores respondem a muitos processos na
justiça. Inclusive estão recorrendo à multa e à pena de um ano de prisão.
Mas não se trata só de motivação financeira. Os crackers são motivados por conflitar
o sistema para ganhar reconhecimento nesse universo através de suas habilidades. Por
exemplo, quando um programa é lançado e possui uma nova ferramenta contra cópia ou
contra o uso indevido por determinada empresa, ocorre uma verdadeira corrida para ver quem
consegue “quebrar” o código.
A polícia federal brasileira estima que, em cerca de 10 anos, os crimes ligados à
internet – em todas as suas formas, de roubo de senhas a pirataria – serão responsáveis por
90% dos crimes apurados.
5.5 Frentes de Combate
Graças às estruturas de produção e de custos menores que um negócio legítimo – que
gastam em impostos, padronização da produção, qualidade, construção da marca e marketing
de produtos – os produtos piratas vão ganhando muito mercado. No caso dos produtos
virtuais, há ainda o fato de que a qualidade não é inferior a dos produtos oferecidos
originalmente.
A presença de produtos piratas em um mercado legal configura uma competição
desleal, acarretando prejuízos ao governo (por não recolher de forma devida os impostos), às
empresas e suas estruturas, afetando alguns segmentos da cadeia de forma mais violenta, e
também lesando os consumidores, por apresentar alguns produtos perigosos ao consumidor.
Uma empresa que possui responsabilidade social paga grande soma de tributos, de
encargos devido ao trabalho devidamente remunerado, às atividades de inspeção de seus
produtos. Assim, qualquer etapa que se pule já constitui uma diminuição dos custos, fazendo
com que todos os produtos sejam passíveis de pirataria.
O combate à pirataria pelo Ministério Público Brasileiro se dá em três frentes. A
primeira é através da repressão, com medidas punitivas a todas às atividades que de alguma
forma violam as leis de propriedade intelectual e das outras atividades relacionadas à
pirataria. A segunda frente seria a de redução tarifária, na redução de impostos incidentes
sobre produtos que sofrem muito com a pirataria. Podemos citar um caso de sucesso que foi a
redução de impostos sobre computadores, fazendo com que a competitividade desses fosse
maior em relação aos provenientes do Paraguai, de procedência desconhecida. Essa redução
fez com que os preços fossem quase que equiparados, aumentando o acesso a um produto
original.
A última frente é a da educação, um processo de conscientização cultural. A pirataria
como crime é socialmente aceita, ainda mais em uma sociedade exposta a tantos tipos de
irregularidades como o Brasil. Mas esse processo de conscientização deve ser feito de forma
a alertar os consumidores quanto ao risco dos produtos piratas e às conseqüências que estes
causam à sociedade e ao governo como um todo.
6 CONCLUSÃO
Por envolver as esferas econômicas, sociais e políticas de uma diferente maneira, a
pirataria é um tema deveras complexo. Pessoalmente, acho que a escolha por produtos piratas
é o caminho mais curto, causando perdas a um longo prazo, sendo assim contra a pirataria –
mas, em contraponto, sou a favor do desenvolvimento de softwares livres como Linux e
OpenOffice.
A pirataria tem um potencial muito negativo para o as esferas em que atua,
principalmente no mercado, ela não só afeta empresas como um todo mas também os
trabalhadores. A pirataria, na minha opinião, se alastra mais facilmente nos mercados
subdesenvolvidos, em que há menor consciência (e também menor acessibilidade) dos
consumidores. Em mercados mais maduros, com estrutura governamental equilibrada e
custos não tão pesados às empresas, há uma gama de produtos muito mais interessantes ao
público.
Uma das mudanças que a pirataria causa no sistema capitalista é que o movimento
tecnológico se voltou contra as empresas que o iniciaram. Uma saída para essa situação pode
ser a mudança de sistema, ou mais provavelmente, como o capitalismo se adaptará de forma a
lucrar com as atividades – seja através de novos produtos e serviços agregados ao mundo
virtual ou do uso de tecnologias que dificultarão a pirataria, como o cloud computing.
Do combate à pirataria, todas as frentes de combate são válidas, em especial a que
trata do papel participativo do Estado e das indústrias, promovendo maior acesso e
competitividade dos produtos dispostos legalmente.
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