sábado, 12 de junho de 2010

966 - RESUMO DO FEUDALISMO

R. História, São Paulo, n. 125-126. p. 33-52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
A CASTRAÇÃO DE NOÉ. ICONOGRAFIA,
FOLCLORE E FEUDALISMO.
Hilario Franco Junior*
RESUMO: O presente trabalho é baseado em estudos iconográficos. Atento às questões relativas
à Idade Média, o texto cuida do caráter das imagens naquele tempo. Especificamente abordado o
subciclo de Noé que compõe o grande painel pictórico vétero-testamentário de Saint-.Saivin, o enfoque
temático das tradições judaicas identificadas nas oito cenas sobre Noé, Uma leitura hipotética sobre a
castração de Noé é evocada com bases psicanalíticas. Questões dos fundamentos da cultura erudita e
popular, sobre a obra, fazem parte das preocupações centrais do trabalho.
PALAVRAS-CHAVE:: Idade Média, Iconografia, Mitologia, Cultura Popular, Tradição mítica.
Já há muitos anos, sobre tudo nas duas últimas décadas, os historiadores
tem recorrido frequentemente à documentação iconográfica nos seus
trabalhos. Não se hesita atualmenle em buscar nela dados para análises dos
mais variados tipos, em particular para a história da cultura, da religião, do
imaginário e da mentalidade. Contudo, menos comumente têm sido exploradas
as relações entre imagem e folclore, como nos propomos aqui a fazer. No
caso concreto que nos interessa agora - os afrescos da nave da igreja abacial
de Saint-Savin-sur-Gartempe, próxima a Poitiers, pintados na passagem do
século XI ao XII - os principais trabalhos prenderam-se a questões estilísticas1,
arqueológicas2 ou litúrgicas3.
Prof. Dr. Depto. História FFLCH/USP.
GAILLARD, G.. Les fresques de Saint-Savin, Paris, Chêne, 1944; MAILLARD, E.,
L'église de Saint-Savin-sur-Gartempe, Paris, Henri Laureas, 1926.
MER1MEE, P.. Notice sur les peintures de l'église de Saint-Savin, Paris, Imprimerie
Royale, 1845; TARALON, J.. Observations techniques sur la voúte de la nef de Saint-Savin
el ses peintures, Bulletin de la Societé Nationals des Antiquaires de France, 1968, p.
247-256; OURSEL, R,, La Bible de Saint-Savin, La Pi erre -qui -vire, Zodiaque, 1971:
LABANDE-MAILFERT, Ym, Nouvelles sonnées sur I' abbatiale de Saint-Savin, Cahiers
de Civilisation Médiévale, 14, 1971, p, 39-68; RIOU, Y.-P.. A propos de trois publications
récenles. Bulletin de la Societé des Antiquaires de I'Ouest, 1972, p. 415-439; FAVREAU,
R., Les inscriptions de I'église de Saint-Savin-sur-Gertempe, Cahiers de Civilisation
Médiévale, 19, 1976, p.9 37.
LABANDE-MAILFERT, Y.. Le cycle de l'Ancien Testament à Saint-Savin, Revue
d' Histoire de la Spiritualité, 50, 1974, p. .369-396.
FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé, Iconografia, folclore e feudalismo.
Mas antes de pensarmos especificamente naqueles afrescos, é preciso
considerar, ainda que de forma rápida, o caráter da imagem para os homens
da Idade Média. Conceitualmente, isto é, para a cultura erudila, imago era a
realização de uma certa forma em uma cena matéria, termo aplicado nas
discussões sobre a Trindade ou a Encarnação, porém não sobre lemas artísticos4.
Contudo, imago era também "sonho", "visão", forma que poderia ser
pré ou pós-existente à sua materialização. ou mesmo independente desta. Por
transmitir sempre uma ou mais informações, toda imagem era uma forma de
arte (ars = saber, conhecimento), e desta forma aquilo que chamamos de obra
artística tinha para eles uma função acima de ludo pedagógica, não estética.
Isso não significa, naturalmente, que o homem medieval não tivesse na
sua escala de valores um conceito de belo5. Mas esse conceito justapunha-se
ao de verdadeiro, e assim buscava-se para além da imagem concreta a
imagem do transcendente. Como o transcendente ultrapassa as limitadas
possibilidades de expressão humana, esta recorria às próprias manifestações
daquele, ou seja, relatos bíblicos c outros mitos. Como o transcendente é
multifacetado, como a parte não pode abranger o todo, as imagens construídas
eram passíveis de diferentes leituras, Nas pontas da mensagem constituída
pela imagem iconográfica, estavam duas culturas, a do artista e a do
público.
Elas podiam coincidir, caso por exemplo das iluminuras bíblicas,
geralmente feitas por artistas monásticos para um público de clérigos, Mas
no caso de imagens colocadas em locais frequentados por laicos, através das
imagens ocorria o encontro entre cultura erudita e cultura vulgar. A primeira
procurando passar através das imagens os textos bíblicos, hagiográficos e
teológicos aos quais os leigos analfabetos não tinham acesso, A segunda
interpretando aquelas imagens segundo seus próprios valores, tradições e
conhecimentos. As imagens eram então a grande síntese da cultura popular,
entendida como "aquela praticada, em maior ou menor medida, por quase
todos os membros de uma dada sociedade, independentemente de sua condição
social"6.
No caso de Saint-Savin. as pinturas harmonizavam dados da cultura
monástica beneditina e da cultura folclórica local. A abadia, cuja fundação a
lenda atributa a Carlos Magno, desempenhara importante papel na renovação
4 WIRTH, J.. L'image médiévale; Paris, Meridiens Klincksieck, 1989), p. 12.
5 DE BRUYNE, E. Etudes d'exthétiqiue inédiévale. 3vols. Bruges, Université de Grand, 1946.
6 FRANCO JUNIOR, H., Meu, leu, nosso: reflexões sobre o conceito de cultura popular, Revista
USP, 11, 1991, p.20.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-jul/9l a jan-jul/92.
monástica do século IX, inclusive na fundação de Cluny, em princípios do
século seguinte. Assim, a força da tradição carolíngia manteve-se lá por
muito lempo, e talvez tenha influenciado mais tarde a decisão de se decorar
a igreja apenas com episódios do Antigo Testamento. De falo, ávida religiosa
carolíngia fora marcada pelos temas e preceitos vetero-teslamenlários , representados
em Sainl-Savin três séculos depois em 58 cenas, totalizando 412
m2 de afrescos. Esse ciclo iconográfico claramente ligado à liturgia, à preparação
pascal8, lembrava ainda que fora a reforma de Bento de Aniane - talvez
o primeiro abade de Sainl Savin -que tornara a alividade litúrgica central na
vida dos monges ocideniais, superando em importancia a atividade aposíóli-
O momento de elaboração dos aíreseos coincidia com o fenômeno
sócio-culiural que Jacques Le Gotif chamou de "reação folclórica". Tratavase
por parte da aristocracia laica de uma tentativa de forjar uma identidade
cultural frente à reorganização da Igreja promovida pelo Papado, a Reforma
Gregoriana. Com efeilo, esta dividia a sociedade cristã em eclesiásticos e
leigos, atribuindo aos primeiros uma personal idade clara, definida por uma
condição jurídica própria, e por comportamentos e atividades exclusivos.
Sem hábito, tonsura, celibato obrigatório e poderes mágicos delegados pelo
mundo divino, os laicos surgiam como uma massa indiferenciada, apesar de
apresentar níveis políticos e econômicos bem distintos.
A célebre triparlição social que abaixo dos oratores dividia os laicos
em bellatores e ¡aboratore.s, não resolvia a questão do ponto de vista da elite
laica, que se ressentia da falta de uma identidade própria. A solução que se
lhe apresentava de maneira natural era a valorização da cultura pré-crisla.
Apesar de muitas vezes combalida pelo clero, aquela cultura sempre estivera
presente no Ocidente dos primeiros séculos medievais, quando fora consciente
e inconsciente absorvida e adaptada, vindo a ser rejeitada em bloco pela
Igreja apenas com o rigorismo e o exclusivismo da Reforma Gregoriana.
Desta Corma, tal cultura aparecia como "a única que os senhores podiam
senão opor, ao menos impor ao lado da cultura clerical" .
VAUCHEZ, A.. La spirthlitUíé Jii Uo^nA^acdHental (VHI-XUJ slécles), Paris, PUF, 1975, p.
11-13
8 LABAHDE-MAILFKIO; !.£ cycte de 1'Ancicn Ttswmeni. o¡>. eit., p. 392-394.
9 VAUVUEZ.oy. rit.,[\í4.
11) LE GiWE J.. (.'ulinic déricale cl ciiliure folklórico ilans la civilisation mciovingienne, in Pour
un atitre Moyi-ii Age, P.lris, Cinllimanl, 1977, ft 233, n. 26.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore c feudalismo.
Tratava-se então, efetivamente, de uma cultura folclórica, isto é, que
expressava uma descontinuidade cultural, uma inferioridade institucional do
conjunto de valores c tradições de um grupo social em relação a outro. Era
por isso uma cultura de contestação, de resistência a normalização que o
clero pretendia impor11. Transmitida anônima e oralmente, tal cultura se
refugiava na memória social, escapando as codificações, pois folclore é
conjunto de "crenças coletivas sem doutrinas, práticas coletivas sem teoria"
. Contudo, não se pode esquecer que se no plano ideológico cultura
clerical e cultura folclórica se opunham, no plano religioso cristianismo e
folclore frequentemente se confundiam, por fazerem parle da mesma sensibilidade
coletiva, do mesmo universo mental13.
Isso é que gerava a possibilidade de dupla leitura da iconografia, quase
sempre de origem clerical mas visando um público laico. Como ocorria
também com os afrescos de Saint-Savin. Mas se os textos bíblicos eram as
grandes fontes clericais daquelas pinturas, quais eram as folclóricas? Da
mesma forma que a aristocracia laica de quase lodo o Ocidente, a do Poitou
dos séculos XI-XII não tinha perdido contato com a mitologia clássica e
céltica. Aliás a mais famosa expressão do folclore regional era produto
daquelas reminiscencias míticas: Melusina. Significativamente.essa fada-sereia
seria transformada na ascendente mítica da posteriormente mais importame
família nobiliárquica de Poitou, os Lusignani14 , cujo castelo-sede
ficava a apenas 67 quilómetros de Saint-Savin.
No entanto, para a concepção dos afrescos de Saint-Savin, foram mais
decisivas as tradições míticas judaicas do que as tradições clássicas e célticas.
Elas resultavam da longa e calma convivência entre judeus e cristãos
naquele local. De falo. desde a época de Carlos Magno os judeus gozavam de
boa situação no reino franco, o que começou a se alterar somente com o
anti-semitismo que acompanhou as Cruzadas. Até então, "frequentemente os
cristãos vinham se misturar à massa de judeus para escutar o sermão do
rabino, enquanto os judeus prazeirosamente assistiam à missa, da qual apre-
11 SCHM1TT, J. - C , Au Moyen Age: culture folklorique, culture clandestine? Revue du Vivarais,
1979, p, 143-148.
12 VARAGNAC, A., Définition du folklore, Paris, Socielé d'Éditions Géographiques, Maritimes et
Coloniales, 1938, p. 18.
13 FRANCO JUNIOR, op. cit, p. 21.
14 LE GOFF, J,. Mélusine maternelle et défricheuse, in Pour un aulre Moyen Age, op. cit., p. 307
331.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
ciavam a pompa e a organização"15. Ao longo daquele período muitos elementos
cultural* judaicos foram absorvidos pela cultura crista, e enraizados
desde então, não foram afetados pela nova fase nas relações sociais hebraico-
cristãs. O mesmo processo parece ter se dado no caso específico de
Saint-Savin, que desde a época franca tinha três colônias judaicas na sua
vizinhança, em Poitiers, Loudun e Loches .
Uma terceira fonte importante para a cultura folclórica eram os relatos
bíblicos apócrifos, muito populares por toda a Idade Média. Ou seja, relatos
que a Igreja não reconhecia como "inspirados", como ditados por Deus, c que
por isso mesmo apresentavam uma plasticidade, uma adaptabilidade a situações
concretas, que os textos bíblicos canônicos não possuíam. A influência
deles se fazia sentir na arte, na literatura, no teatro, nos sermões, na hagiografía
e mesmo na liturgia, pois apesar de considerá-los carentes de autoridade
divina, a Igreja não os rejeitava. Colocados assim no âmbito da cultura
popular, quer dizer, da intersecção entre cultura clerical e cultura folclórica,
os apócrifos eram um manancial mítico extremamente rico. E que apesar de
várias contradições formais com os relatos canônicos, eram vistos mais como
complementares a eles do que como negação deles.
Estas considerações gerais podem ser verificadas no sub-ciclo de Noé,
um dos mais importantes dos cinco - Criação, Noé, Abrahão, Moisés, José -
que compõem o grande painel pictórico vétero-testamentário de Saint-Savin.
Por exemplo, na célebre e belíssima cena da Arca, vemos dois gigantes sobre
ela, referência de indiscutível origem rabínica17 . De fato, ela aparece no
Targum, o texto bíblico hebraico na sua antiga e popular tradução aramaica
interpolada de comentários , em um midrach do começo do século IX,
para o qual um gigante, Og, rei de Basham, teria mesmo ficado encima da
Arca com a concordância de Noé, a quem prometeu servir perpetuamen-
15 BLUMENKKANZ, B. Juifs et clirétiens dans le monde occidental, 430.1096, Paris, Mouton,
1960, p. 383.
16 Conforme o mapa de Weinreich, reproduzido por KUKENHEJM EZN, E., Judeo-Gallica ou
Gallo-Judaica?Neophilologus, 47, 1963, p. 90.
17 Apesar de LABANDE-MAILFERT, op. cit., p. 385, afirmar que a origem Jos gigantes da cena
pode ser encontrada na bíblia, Sb. 14,6, o que lemos ai não tem relação com gigantes sobre a
Arca; "sed et ab initio cum perirent superbit gigantes, spes orbis terrarum ad ratem confugiens,
remisil saeculo semen nativitatis quae manu tua erat gubernata", Bíblia Vulgata, ed A. Colunga
e L. Turrado, Madrid, BAC, Tª edl.1985. p. 629.
18 Gn. 7, 11, Targum, trad. R. Le Déaut, Paris, Cerf, 1978, p. 121.
19 Los capitulos da Rabbi Eliezer, 23, 2, trad M. Pérez Fernandez, Valencia, Institucion San Jeronimo,
1984, p. 173.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
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e ainda em outras íontes hebraicas .
Mas das oito cenas sobre Noé, a fundamental é sem dúvida a da sua
embriaguez21. Localizada na parle sul da abóbada, perto do cruzeiro, ela
mostra o patriarca dentro de um espaço arquitetônico representado por paredes
de grandes blocos de pedra e por torres.. Ali ele aparece deitado, cabeça
em direção ao Oriente, dentro de um grande nimbo ovalado. Embriagado, a
roupa descomposta, seu Calo está à mostra, destacado pela posição que o
tecido tomou. Em torno dele encontram-se os filhos: um ao lado, outro atrás,
Sem e Jafé estendem o manto que cobrirá a nudez do pai, porém sem estarem
de costa como diz o texto bíblico, c assim também eles vêem o patriarca
desnudo. Em posição frontal ao pai adormecido, Cam pode observar melhor
a nudez dele, e com o braço direito estendido faz o gesto de corno em direção
ao falo paterno,
E verdade que desde Filon de Alexandria22, muitos exegetas haviam
comentado a irreverência de Cam, o riso debochado diante do pai embriagado.
Mas o artista de Saint-Savin baseando-se na cultura oral, materializou o
comportamento de Cam atribuindo-lhe aquele gesto derrisório e ofensivo.
Ora, como Jean-Claude Schmitt bem definiu, através do gesto pode-se chegar
ao princípio-chave da antropologia medieval, que via o homem como "a
associação de um corpo e de uma alma, e esta associação é o princípio
antropomorfo de uma concepção geral da ordem social e do mundo, inteiramente
fundada na dialética do interno e do externo."23 Quer dizer, ao retratar
o gesto de Cam, o pintor revelava o caráter negativo daquele personagem, e
por contraste exaltava os direitos da paternidade.
Portanto os direitos da ordem familiar e social. Portanto o papel do
clero, condutor daquela sociedade. De fato, naquele contexto ideológico da
tripartição social, um dos arquétipos bíblicos mais utilizados para legitimar
a ordenação elaborada pelo clero, era justamente o dos três filhos de Noé.
Apesar do texto bíblico falar, pela ordem, em Sem, Cam e Jafé, o comportamento
de Cam no episódio da embriaguez do pai, e a maldição que este
20 GINZBERG, L - The Legend of the Jews, 7 vols,, Filadélfia, The Jew Society of America,
1910-1947, 1, 158,160 e V, 178, n.25.
21 Gn. 9, 20-27. Sobre a figura de Noé nos apócrifos os, veja-se LEWIS, J.P - A .Study of the Interpretation
of Noah and the Foold in Jewish and Christian Literature, Leiden, Brill, 1968, p. 10-
41.
22 FILON DE ALEXANDRIA, Questiones et solutiones in Genesim, 11, 71, ed. - trad. C. Mercier,
Paris, Cerf, 1979, p. 316-319.
23 SCHMITT, J. C. -La raison des gestes dans I'Occident médiéval, Paris, Gallimard, 1990, p. 18.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
lançou sobre os descendentes dele, criaram uma nova situação: "maldito seja
Canaã, que se torne escravo dos escravos de seus irmãos. E acrescentou:
Bendito seja o Senhor Deus de Sem, e que Canaã seja seu escravo. Que Deus
dê prosperidade a Jafé, que ele habite nas tendas de Sem, e que Canaã seja
seu escravo."24
A supremacia de Sem, ascendente de Abraão, de David e de Cristo,
significava na interpretação medieval oficial a supremacia do clero, dos
oratores. Os descendentes de Jafé, que devem morar "nas tendas de Sem",
eram os bellatores, e os canaitas que deveriam servir a ambos, os laboratores.
Desta forma, a imagem do Cam desrespeitoso pintado pelo fresquista de
Saint-Savin, atendia sobretudo aos interesses monásticos. Mas também aos
dos senhores laicos. E de certa forma aos interesses monárquicos, relacionados
também eles ao esquema social tripartite 25. Não por acaso, reforçando a
degradação do terceiro ordo. Cam, o derrisor, era comparado a Cairn, o
fratricida, por parte de dois cronistas ligados à monarquia Plantageneta26.
A leitura clerical do afresco baseava-se ainda no caráter sagrado do
patriarca, segundo pai da humanidade, escolhido por Deus para impedir que
o gênero humano desaparecesse com o Dilúvio. Mais especificamente, Noé
era ali símbolo do próprio clero, pois o texto bíblico atribuía àquele personagem
certas funções sacerdotais27 . Essa interpretação sobre o patriarca era
ainda reforçada por dados provenientes das tradições judaicas. Nada havia de
estranho nisso: para que a mensagem clerical atingisse sen público, era
preciso haver nela elementos de pronta compreensão por parle deste, que há
muito incorporara algumas daquelas tradições. Porém não se tratava apenas
de uma estratégia da cultura erudita. Não se pode esquecer que o clero não
era externo à sociedade na qual vivia, que entre ele e o laicado havia todo um
denominador cultural comum.
Fazia parte dessa cultura popular o caráter sagrado do patriarca, cujo
nascimento ludo retornou "ao estado anterior a Queda do homem"28. Para
24 Gn. 9,25-27.
25 LE GOFF, J. - Note sur sociélé tripartie, idéologie monarchique et renouveau économique dans
In Chrélienlé du IX au XII siècle], in Pour un autre Moven Age, op. cod., p. 80-90.
26 GIRALDUS CAMBRENSIS, Speculum Duorum, I, 535-542, ed. Y. Lefèvre e R. C. Huygens,
trad. B. Dawson, Cnrdiff, University of Wales Press, 1974, p. 32; WALTER MAP, De nugis Curialium,
IV, 6, ed. M.R.James, Oxford, Clarendon, 1914, p. 160. Desnecessário lembrar que o
Poitou se tomaria território plantageneta desde o casamento de Henrique Plantageneta com
Eleonor da Aquitânia em 1152 e a ascensão dele no trono inglês em 1154,
27 Gn 7, 3-5 e 8,20-21.
28 GINZBERG, op. cit., I, 147.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
construir a Arca ele havia utilizado o livro sagrado que Adão recebera do anjo
Raziel, e que estivera perdido desde a morte do Primeiro Homem29. Mais
ainda, a Arca era sem dúvida um local edênico, onde todos os tipos de
animais conviveram pacificamente durante um ano, e se abstiveram de relações
sexuais, exceto o cão e o corvo30. Terminado o Dilúvio, ao sair da Arca
Noé teria sido castrado por um leão31, animal que era um dos mais conhecidos
símbolos de Cristo, o leão de Judá, A partir disso, via-se Noé como lendo
sido esterilizado pelo próprio Deus, e assim transformado em sacerdote, pois
apesar da Igreja não aceitar eunucos naquela função, da ótica laica os clérigos
eram homens estéreis32.
Ademais, ao sair da Arca ele fez uma oferenda a Deus sobre um altar
erguido no mesmo lugar no qual Adão e Abel haviam feito sacrifícios, e no
qual seria mais tarde levantado o Templo de Jerusalém33. Outro dado importante
era a própria embriaguez, que apesar de genericamente condenada pelo"
texto bíblico34 , era para várias sociedades uma forma de contato direto com
o mundo divino. Os gregos, os celtas, os muçulmanos, conheciam a embriaguez
mística"35, e mesmo para os judeus o conceito não era desconhecido35.
Para eles a vinha é o Messias3 , o vinho é conhecimento secreto38, é símbolo
da restauração da ordem cósmica após o Dilúvio39. Enfim, a embriaguez de
29 Idem, ibidem, I,154-157.
30 Idem, ibidem, I, 166.
31 Midrach Rabba, Genèse, 30,6 e 36,4, trad. B. Maruani e A. Coben-Arazi, Paris, Verdier, 1987,
p. 313 e 373; GINZBERG, op. cit., V, 187, n. 51 e 191, n. 60
32 Gn.49,9;Ap5,5.
33 GINZBERG, op. cit., 1, 166.
34 Pr. 23,30-35; Ec 19,2; Ga. 5,21; 1 Cor 6,10.
35 CHEVALIER, J. e A. GHEERBRANT, Dictionnaire des symboles, Paris, Robert Laffont-Jupiter,
1982, p. 525 e 1017. Para algumas sociedades africanas a embriaguez do rei revestia-se de
caráter politico: DE HEUSCH, L.,Le roi ivre ou I'origine de I'Etat, Paris, Gallimard, 1972.
36 Para Filon de Alexandria há uma "embriaguez sagrada, mais sóbria que a própria sobriedade":
Lois, III, 26, apud SAINTYVES, P. ESSAIS DE folklore biblique, Paris, Nourry, 1923, p, 206.
37 2Baruch, 36, trad. AF.J.Klijn, in CHARLESWORTH, J.H. (ed), The Old Testament Pseudepiprapha,
Londres, Daron, Longman & Todd, 1983, vol. I., p632.
38 "Vinho" (Yaïn) e "segredo" (Sod) tem o mesmo valor numérico simbólico a civilisation d'Israel,
in MILNER, M. e M, CHATELAIN (eds), L'imaginaire du vin, Mazrselha, Jeanne Laffitte,
1983, p. 74.
39 Como indica o fato do vinho não existir antes do Dilúvio, e de Noé ter plantado a vinha no monte
Lubar, no Ararat, onde Deus colocaria a Arca quando as águas baixaram: Giubilei 7, 1, trad.
L.Fusella, In SACCHI, P. (ed.) Apocrifi dell'Antico Testamento, 2 vols. Turim, UTET, 1989,1,
252. Veja-se também MESLIN, M., Le symbolisme de la vigne dans I'Ancien Israel et le judaistii-.
ancien, in L'imaginaire du vin, p. 58.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33.52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
Noé fora sagrada, pois a vinha que ele plantou linha sido levada por Adão do
Paraíso40.
A presença no cristianismo de todo esse imaginário sobre o vinho,
levou à sua utilização litúrgica, como fizera Melquisedec, considerado pelos
medievais uma antecipação vétero-testamentária de Cristo41. Mais do que
isso, o vinho era forma de comunhão com a Divindade, graças à sua identificação
com o sangue de Cristo 42. Porque Cristo viu sua morte, segundo um
apócrifo, como "beber o copo", e porque ele tirou suas roupas para ser
crucificado, São Cipriano e Santo Hilário viram na embriaguez de Noé o
protótipo da paixão de Cristo . Não por acaso, as duas cenas mais próximas
do altar de Saint-Savin são sobre o tema: na do lado norte, Noé colhe as uvas
com as quais fará o vinho; na do lado sul, ele bebe o vinho numa taça. Por
tudo isso, o artista representou o Noé enebriado dentro de uma área ovalada,
semelhante às mandorlas usadas pela iconografia medieval para emoldurar as
representações da Divindade.
Se de um lado a presença de vários dados de proveniência folclórica
naquela imagem não impedia uma interpretação clerical dela, por outro
tornava possível uma leitura completamente diferente. Uma leitura ligada às
condições sociais de fins do século XI e princípios do XII. O grande falo de
Noé e o gesto de corno que Cam lhe dirige, lembram que "o modo grotesco
de representação do corpo e da vida corporal dominou durante milhares de
anos na literatura escrita e oral"44. Grotesco que assumia um significado
específico se relacionado à tradição hebraica segundo a qual Noé pretendia
ter muitos filhos. Perspectiva que descontentava Cam. Assim, foi ao imaginar
que o pai, bêbado, iria manter relações sexuais, que ele fez o famoso gesto,
símbolo de potência viril45 que o patriarca não poderia então exercer.
Essa incapacidade devia-se ao falo de que ou Noé estava embriagado
, ou fora mutilado sexualmente por um leão ao sair da Arca47, ou,
conforme uma antiga tradição registrada no Targum, porque a responsabili-
40 GINZHERG. ap. cit., I, 167.
41 Gn14,18;st 109,4 Hb 7,3.
42 Mc 14,23-24.
43 LEWIS, op.cit, pt 177.
44 BAKHTIN, M., L'ocuvre de François Rabelais el la culture populaire au MoyenAge, trad, Pa.
ris, Gallimard, 1982, p. 317.
43 CHEVALIER, e GHEERBRANT, op. cil., p.289.
46 Gn9,21.
47 Cf., supra, nota no 31.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
dade pela impotência de Noé cabia ao próprio Cam, que "era de pouco mérito
por ter impossibilitado que ele (Noé) tivesse engendrado um quarto filho" .
Mas outras fontes insinuam que aquele gesto não se referia a um falo consumado,
mas à intenção de Cam de tornar definitiva a impotência do pai, então
bêbado, castrando-o49. Podemos ainda pensar que como a sociedade medieval
atribuia a numerosos gestos um poder intrínseco, uma eficácia simbólica50,
talvez o ato castrador tenha sido o próprio gesto de Cam. Gesto que se
não mutilou literalmente, pelo menos o fez moralmente, pelo sarcasmo, pela
zombaria, pela derrisão.
Hipóteses. Contudo qualquer uma delas revela o sentido essencial da
cena para a aristocracia laica. Mais do que falar de conflitos dentro de uma
família vétero-testamentária, o gesto expressava, conscientemente ou não, as
tensões da sociedade feudal, agravadas naquele momento de dogmatização
da igreja e de crescimento demográfico. O folclore fornecia então para a
pequena nobreza as formas de expressão de seus sentimentos de descontentamento.
Fornecia o material cultural que adaptado ao momento de sua
utilização, podia transmitir a mensagem desejada pelo grupo social que se
considerava prejudicado. De falo, não se pode esquecer que o folclore é "um
conjunto de arcaísmos que, longe de serem anacronismos na época em que se
os observa, são resistentes, bem enraizados e tem uma função social1" .
Nesse contexto, a referência ã castração de Noé estava associada à
castração simbólica do clero , ou seja, ao celibato clerical que a Reforma
Gregoriana tentava impor. Essa medida descontentava a aristocracia laica de
maneira geral, pois ela implicava em última análise no impedimento de bens
fundiários eclesiásticos serem transferidos a mãos laicas. Proibidos de casarem
e de lerem descendência legal, os clérigos não transmitiam parcelas do
patrimônio da Igreja, que assim jamais diminuía. Pelo contrário, as doações
ampliavam continuamente a riqueza eclesiástica. A queixa do autor anônimo
do Garin fe Loherain não era infundada ou incomum: "quando o barão se
estendia em seu leito/com grande medo de morrer/ (...) quase todos bens
48 Gn 9,24, Tangum, p. 133,
49 GINZBERG, op. cit., I, 168: "Cam added to this sin of irreverence The still greater outrage of attempling
to perform an operation upor his father designed to prevent procreation". Para algumas
fontes judaicas e para certos Pais da Igreja, a castração de Noé teria sido obra de Canaã,
filho de Cam; este último teria apenas revelado o lato: V, 19l-192,n.61: Los Capítulos de Rabbi
Eliezer, 23 4, p. I75
50 SCHMITT, op .cit, p. 321-355.
51 BELMONT, N. Paroles pïennes, Mythe et folklore. Paris, Imago, 1986. p. 158.
52 Ml 19, 12.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
deixava a Jesus Cristo/(...) por isso o mundo foi empobrecido/ e o clero muito
enriquecido."53
A contrapartida do celibato eclesiástico não era menos incômoda aos
interesses laicos: o matrimônio era tornado um sacramento e passava a ser o
ato fundador obrigatório na constituição de uma nova família. Tal medida era
acompanhada por regras estritas sobre a consaguinidade, permitindo os laços
conjugais apenas a partir de certo grau de parentesco. Como para as sociedades
arcaicas o conceito incluia as relações artificiais de parentesco, o mercado
matrimonial tornava-se bem mais restrito para aquela aristocracia
fortemente aparentada entre si54. Como o casamento implicava sobretudo cm
procriação e através desta na transmissão de herança, a Igreja passava a
regulamentar a reprodução biológica e social 55.
E isso repercutia em todos os níveis. Efetivamente, de um ponto de
vista antropológico, a sociedade feudal era uma rede de parentescos jurídicos
e de parentescos espirituais que aproximava grupos biológicos relativamente
dispersos. Disso decorria a forte complementaridade entre as aristocracias
eclesiástica e laica, esta fornecendo os quadros humanos para aquela, a
primeira legitimando os poderes da segunda. Contudo os laços de solidariedade
não eram apenas internos às aristocracias, eles existiam no campesinato
e mesmo entre este e as elites, ao contrário de uma pretensa lula de classes
que regeria aquelas relações. Assim, ao ampliar e enrijecer os elos de parentesco
ritual, as novas regras matrimoniais desorganizavam momentaneamente
a sociedade.
Tais questões eram muito concretas para a aristocracia do Poitou, que
por exemplo, acompanhava interessada como toda a Cristandade, o problema
de Felipe I. Tendo repudiado a esposa estéril para fazer novo casamento, que
desse ao trono francês os herdeiros necessários, o rei foi excomungado pelo
papa em 1095 e não pôde participar da Primeira Cruzada. Sobretudo, os
53 Garin le Loherain, v. 19, 20, 23, 26 e 27,ed. A.P. Paris, Paris, Jung-Trenttel, 1872. Escrito cm
fins do século XII, aquele texto sem dúvida refletia uma situação que não era nova, que se estendia
havia peto menus um século.
54 Como bem se observou BLOCH.M, La société féodale, Paris, Albin Michel, 1971 (ed.orig.
1939-1940), p 208, "a força da linhagem foi um dos elementos essenciais da sociedade feudal;
sua fraqueza relativa explica que tenha existido o feudalismo."
55 Sobre a importadle questão do casamento pra a sociedade feudal, deve-se ver, dentre outros,
DUBY, G.. Le- Chevalier, La feninie et te prétre. Paris. Hachene. 1981; GUERREAU -JALADEIÍT,
A., Sur les structures de parenté dasa I'Europe médiévale, Annales..ESC, -36, 1981, p.
1028-1049; GODOY J,, The Development of the family and Marrige in Europe Ca mbridge.
CUP. 1983.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
nobres do Poitou especulavam sobre a sorte de seu próprio condado, pois
havia uma única herdeira - Eleonor da Aquitânia, que assumirá a direção em
1137 com a morte do pai -e as novas regras matrimoniais não facilitariam as
soluções em caso de problema. Também no relato mítico sobre Melusina a
questão da procriação e da herança era central , reflexo da realidade histórica
vivida pela sociedade feudal em geral, inclusive pela poitevina.
O acentuado crescimento populacional da época - os territórios da
aluai França teriam passado estimativamente de 7,75 milhões em 1100 para
10,5 milhões em 120057 - criava sério problema para a aristocracia laica. O
número de homens crescia mais rápido que a incorporação de novos territórios
à Cristandade. Agudizavam-se as dispulas entre as elites eclesiástica e
laica pela apropriação dos frutos do trabalho camponês. A situação era
especialmente tensa na camada inferior da aristocracia guerreira. Como a
tradição jurídica reservava os bens paternos apenas ao primogênito, aos
demais filhos não restavam muitas opções. Tentavam viver dignamente ou
com parcelas do dote materno ou mais comumente entrando ao serviço de
algum senhor, às vezes o próprio irmão mais velho.
Ingressar no clero era sempre uma alternativa, mas já não tão interessante
quanto antes, pois a Igreja passava a zelar mais pela qualidade espiritual
de seus membros, e mesmo a extensão dos beneficia eclesiásticos era
menor diante do crescimento numérico do clero. Por tudo isso o descontentamento
latente da camada cavaleiresca vinha à tona com frequência, gerando
choques de interesses de seus membros contra a nobreza principesca e os
senhores eclesiásticos. É o que ilustra bem os longos conflitos da família dos
Lusignan contra o poder condal de Poitou e contra a abadia de Saint-Maixenl58
. Ademais, como também ocorriam conflitos entre a elite laica e os
mosteiros, isto é, entre os grandes senhores, os cavaleiros eram inevitavelmente
envolvidos, manobrados pelos interesses de um ou outro grupo.
Assim, a grande esperança para eles era um bom casamento. Mela
difícil. Os homens núbeis e solteiros - conhecidos independentemente de sua
idade por juvenis, conceito portanto não etário, mas social -eram muitos, e
56 O relato mítico, oral, foi literalizado no século XIV por JEAN D'ARRAS, Mélusine, ed.
L.Stouff. Genebra, Slatkine, 1974; COUDRETTE, Le roman de Mélusine. ed E. Roach, Paris,
Klincksieck, 1982.
57 McEVEDY, C. e R. JONES, Alias of World Population History, Harmondsworth, Penguin,
1980, p. 87.
58 PAINTER, S., The Lords of Lusignan in lhe Eleventh and Twelfth Centuries, Speculum, 32,
1987, p. 27-47,
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R. História, São Paulo, n. 125-126. p. 33-52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
Assim, a grande esperança para eles era um bom casamento. Meta
difícil. Os homens núbeis e solteiros - conhecidos independentemente de sua
idade por juvenis, conceito portanto não etário, mas social - eram muitos, e
tornavam-se um fator de tensão social e de instabilidade política59. O sucesso
espetacular de alguns, que saídos da pequena e média aristocracia alcançavam
riquezas e poder a partir de um casamento conveniente , apenas ressaltava
a situação marginalizada da maioria. Daí o fenômeno folclórico
chamado de charivari: quando do segundo casamento de um viúvo, os solteiros
faziam uma grande arruaça. com gestos obscenos, palavras agressivas e
sobretudo muito barulho, em protesto pelo falo de continuarem excluídos do
mercado matrimonial devido à sua situação sócio-econômica inferior .
A figura de Cam representava para aqueles indivíduos o protótipo
bíblico de sua própria situação. Enquanto algumas tradições viam Sem como
primogênito, e outras atribuíam esse posto a Jafé. Cam jamais foi colocado
nessa condição" . Desta forma através do gesto atribuido a ele no afresco,
questionava-se a hierarquia interna do estrato nobiliárquico. Negando a validade
do preceito bíblico, os nobres secundogênitos se perguntavam: por que
servir ao irmão mais velho? Negando a comparação eclesiástica Cam -
laboratores, a pequena nobreza procurava apagar da memória social sua
própria origem: enquanto as grandes famílias nobíliárquicas tinham uma
genealogía antiga e conhecida, os humildes cavaleiros haviam saído recentemente
do campesinato. Negando a transmissão hereditária das deficiências
sociais no seio da camada dos bellatores - pelo rehilo bíblico Cam viu a
nudez do pai, mas o amaldiçoado foi seu filho Canaã - a pequena nobreza
cavaleiresca pretendia ser aceita entre as famílias tradicionais.
Desta forma, o gesto de Cam -antecipando, provocando, seguindo ou
apenas desejando a castração de Noé - correspondia no plano pictórico à
situação de um charivari. Era um protesto. De falo, o afresco estabelecia uma
59 DUBY, G.Les jeunes dans la societé aristocratique dans la France du France du Nord-Ouest au XI siècle,
Anales E.S.C. 19, 1964, p 8.35-846.
60 Para .-aqueles que observaram o afresco no Poitou de fins do século XII, o grande exemplo era
Guilherme Marechal, um cavaleiro de origem humilde que "por seu casamento se tornava, de
caçula que não possuia nenhum pedaço de Terra, um dos homens mais ricos do reino" e mesmo
regente do trono inglês; : L'histoire de Guillaume le Maréchal, ed. PMeyer, 3 vols., Paria, Renotínrd,
1891-1901, vol. III, p. LIX.
61 LE GOFF, J. e J, - C' SCHMITT (eds). Le Charivari, París, Ecole des Hautes Etudes en Sciences
Sociales, 1981; GAUVARD, C. e A. GOKALP, Les conduites de bruit el teur signification à
la fin du Moyen Age: Le. charivari, Anuales E.S.C, 29, 1974, p. 693-704.
62 OINZBERG, op cit, V, 179-180, n.30.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
mento feminino da população63, mas apesar de cercado por maior número de
mulheres, os cavaleiros não tinham acesso sexual a elas. A moral da Igreja
impunha o matrimônio, a prática Institucional impunha a posse de terras para
constituir família. Assim, as regras e limitações impostas pela Igreja e pelas
práticas feudais, a pequena nobreza opunha através do gesto a agressividade
do riso. Da mesma forma que poucas décadas depois, para zombar do celibato
clerical, do padre simbolicamente andrógino, um mosaico em Monreale,
na Sicilia, representava o hidrópico curado por Cristo como um homem
grávido .
Porém essa válvula de escape para as tensões sociais não se revelava
suficiente. Daí o recurso a um conjunto de convenções que poderia controlar
e canalizar melhor os impulsos eróticos do ambiente feudal. É significativo
que esse fenômeno sócio-cultural conhecido por amor cortesão, lenha começado
exatamente na corte do conde Guilherme de Poitiers, em fins do século
XI. Através da poesia os trovadores sublimavam parte daquela frustração
afetiva, dirigindo seu amor a uma mulher socialmente superior e por isso
inatingível. Mas para manter aquela "neurose cortesa"65 sob controle, eram
precisos ainda outros exutórios, como as peregrinações, sobretudo a Compostela,
as Cruzadas e a Reconquista ibérica, movimentos que sempre contaram
com bom número de poitevinos.
O gesto de Cam ia no entanto muito para além disso, pois resultava na
mutilação do pai. Ou melhor, na mutilação do senhor feudal: pela posição que
ocupava na família patriarcal devido ao nascimento, Cam era perfeitamente
comparável a um vassalo. Ora, para a sociedade feudal o pior crime era o de
um vassalo contra seu senhor, o único crime punível com o infamante
enforcamento66 . Mesmo assim, revelando o quanto era grande a tensão entre
o segmento mais alto e o mais baixo da aristocracia, o afresco insinua um
atentado físico contra um senhor feudal, senhor laico, pois apesar dos traços
sacerdotais de Noé, a imagem mostra-o dentro de um castelo e cercado pelos
filhos. A partir disso se torna compreensível a motivação monástica para
pintar uma cena bíblica seguindo fontes folclóricas: no choque de interesses
63 BUIXOUGH, V. e C. CAMPBELL, Female Longevity and Diet in the Middle Ages, Speculum,
21, 1980, p. 317-325.
64 ZAPPERI, R., L'homme enceint. traid. Paris, PUF, 1983.
65 REY-FLAUD, H., la névrose courtoise, Paris, Navarin, 1983: HAUSER, A.,História da
literatura e da arte, trad, 2 vols. S. Paulo, Mestre ,Jou, 1972,I, 296-300.
66 BLOCH, op. cit, p. 320.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-dez/91 jan-jul/92.
entre potentes laicos e clero, este buscava apoio dos nobres mais humildes,
os cavaleiros.
De fato, apesar de protegida por imunidades vindas dos tempos carolíngios,
a abadia de Saint-Savin, a mais rica da região, não escapava aos
efeitos do processo de fragmentação dos poderes públicos que se acentuava
desde princípios do século XI e gerava rivalidades entre seus beneficiários,
castelãos e mosteiros67. Naquele contexto, o afresco simpático à causa da
cultura folclórica cavaleiresca, funcionava como um contrapeso à poesia
trovadoresca estimulada pelo conde do Poitou. Com efeito, a poesia irradiada
pela corte de Poitiers deveria afirmar a especificidade do poder condal face
à cultura clerical, duplamente oposta aos interesses do conde, pois os monges
eram seus principais rivais, e sobre aquela cultura se apoiava a monarquia
capetíngia que tinha reivindicações sobre a região68. Fenômeno curioso: a
cultura monástica lançava mão de certos dados do folclore para neutralizar
outros do mesmo tipo, utilizados pelo conde contra a cultura monástica.
Esse procedimento cultural homeopático, que enfrentava o oposto com
o próprio semelhante dele, não esgota contudo a questão se considerarmos
que toda ação humana tem duplo suporte motivacional, um coletivo e outro
individual. Ou seja, social e psicológico. No primeiro plano fica claro que
tanto o personagem bíblico quanto a visão que se tinha dele no afresco de
Saint-Savin, expressavam uma lula pelo poder. No segundo plano, pode-se
pensar que a imagem tratava daquilo que a psicanálise chama de "prodigiosa
intensidade da angústia de castração" . Isto é, lodo filho teme ser castrado
pelo pai, o qual na fantasia daquele se oporia às atividades sexuais filiais70
Ora, durante todo o ano passado na Arca, as atividades sexuais estiveram
proibidas, c o único filho de Noé a desrespeitar tal interdição foi exatamente
Cam . Em um sentido mais amplo, todo cristão se sentia metaforicamente
castrado pelo clero ("padre" é "pai"), que ameaçava com o inferno as relações
sexuais fora do casamento. Mesmo para os casados a vida sexual apresentava
fortes restrições de modalidades e de momentos.
67 SANFAÇON, R,, Défrichements, peuplement et institutions seigneuriales en Haut-Poitou du X
au XII siècle, Quebec, Université Laval, 1967, p. 23-24 e 49.
6S DUBY, G., Histoire de la France, le Moyen Age, Paris, H.achelte, 1987, p. 62 e 238.
69 FREUD S.,L'homme Moise et Io religion monothèiste, trad., Paris, Gatlimard, 1986, p. 175.
70 Idem, ibidem, p. 168; LAPLANCHE. J.e J.B.PONTALIS, Vocabulaire de la Psychanalise, Paris,
PUF. 10a ed 1990,p. 74-78.
71 GINZBERG, op.cit,. I, 166.
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FRANCO JUNIOR. Hilario, A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
Na verdade a sociedade medieval parecia não se satisfazer com a
figura de um único pai biológico, e assim multiplicava as figuras paternas72.
Talvez a insegurança diante dos perigos deste mundo e das incertezas quanto
ao destino no outro, estivessem na base daquele sentimento coletivo. De toda
forma, mais do que pelo pai natural, cada indivíduo estava cercado por
padrinhos, por padres, por senhores, pelo rei, pelo papa. Todas essas representações
paternas eram por sua vez, em gêneros c graus diferentes, projeções
do Pai: "assim na terra como no céu", dizia a oração. Por outro lado, essa
inflação de imagem paternas gerava inevitavelmente certo complexo de
inferioridade, Certa infantilidade dos indivíduos, daí talvez sua propensão ao
choro ou à cólera fáceis, em suma sua emotividade à flor da pele73. Assim, a
castração de uma importante representação de pai como era Noé, fornecia
uma certa compensação àqueles que se sentiam castrados pelas normas sociais
em vigor.
Ao retratar Noé circuncizado. o pintor de Saint-Savin revelava mais
uma vez conhecer as tradições hebraicas, pois enquanto o texto bíblico
atribui o início daquela prática a Abraão , um mito afirmava que Noé
nascera já circuncizado como sinal de benção divina75. Mas além disso,
possivelmente sem ler consciência do falo, o artista através daquele detalhe
insistia no tema da castração: o gesto de Cam e o pênis circuncizado do
patriarca eram nesse sentido indicações complementares. De fato, Freud
observou que "a circuncisão é o substituto simbólico da castração que o pai
primitivo linha outrora infligido a seu filho, na plenitude de seu poder"76.
Como o complexo de castração está estreitamente ligado ao complexo
de Édipo, pode-se pensar que a violência de Cam para com o pai visava
manter a mãe sexualmente intocada. Com efeito, os comentários rabínicos
dos midrashim afirmavam que "Noé tinha por única intenção frutificar, se
multiplicar no mundo e ler primogenitura77 . Mais especificamente no contexto
retratado pelo afresco, Cam acreditava que o pai, bêbado, iria procurar
72 HAUCK, K., Formes de parenté artificielles dans le haut Mouyen Age, in Famille el parenté dans
I'Occidenf m é d i é v a l , R o m a , 7 7 , p . 43,
73 BLOCH, op. cit., p. 116-117; ROUSSET, P. Recherches sur l'émotivité à l'époque romane, Cahiers
de Civilisation Médiévale, 2, 1959, p. .53-67.
74 Gn 17, 10-14.
75 GINZBERG, op. cit., 1, 147.
76 FREUD, op.cit., p. 223-224. Para inúmerao exemplos de um ponto de vista da antropologia
analítica, ver MAERTENS. J. -T., Ritanalyses I, s/c, Jerôme Millon. 1987,p. 103-193.
77 Midrach Rabba, 30,2, p. .112.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-dez/91 a jan-jul/92.
a esposa para ter mais um filho78. Do ponto de vista das questões patrimoniais,
um quarto filho pouco alteraria a situação do secundogênito Cam, ou
dos nobres feudais que se identificavam com ele, A motivação portanto do
gesto castrador naquele momento, era sobretudo psicológica. Essa situação
também era familiar aos nobres feudais: o primeiro filho homem recebia
atenções especiais do pai, e logo que atingia idade adequada era levado à
corte do senhor paterno para completar sua formação cavaleiresca. Os demais
filhos ficavam em um segundo plano, vivendo muito próximo à mãe e às
irmãs. Enfim, quadro favorável ao desenvolvimento de uma situação edípica.
No entanto poderíamos inverter a análise, e pensar que a resistência do
personagem às relações sexuais entre seus pais teria se devido a ciúmes de
outra ordem. Ciúmes não da mãe, mas do pai. De fato, o complexo de Édipo
traz em si elementos de homossexualidade que se mal resolvidos podem se
desenvolver mais tarde. O garoto apresenta sentimentos ambivalentes em
relação a cada um dos progenitores, inclusive se comportando como "uma
menina que mostra uma terna atitude feminina para com o pai e a atitude
correspondente de hostilidade ciumenta em relação à mãe"79. Porém desponta
depois o complexo de castração, que marca a etapa final do complexo de
Édipo, interditando ao menino o objeto maternal e levando à identificação
paterna. Ora, o afresco parece mostrar em Cam menos o medo da castração,
que uma inversão desse sentimento, uma agressividade castradora dirigida
contra o pai.
Nessa hipótese, ao castrar o pai ele estaria negando de forma violenta
seus próprios desejos homossexuais. Ainda que altamente hipotética, essa
possibilidade não é absurda. Ela nos é indicada por comparação com um
outro personagem, na mesma parede sul, alguns metros adiante da cena que
analisamos. Ali Lot faz o mesmo gesto de corno a seu tio Abraão80. A relação
de parentesco diferente não deve nos enganar: para várias sociedades os elos
tio/sobrinho eram mais fortes afetivamente e mais importantes socialmente
que os entre pai e filho. O mesmo ocorria na Europa feudal, como lembram
os exemplos de Carlos Magno/Rolando, Marcos/Tristão, Perceval/Preste
João e outros.
78 Idem, 36,5, p, 374.
79 FREUD, S., Le moi le soi, in Essais de psychanalyse, trad., Paris, Payot, 1951, p. 187-188.
80 Como no caso Je Cam, tratava-se de um gesto de desrespeito, de derrisão, por parte de Lot, que
o Midrach Rabba chama de "gozador"; 41, 8, p. 425.
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FRANCO JUNIOR, Hilario. A castração de Noé. Iconografia, folclore e feudalismo.
Sem dúvida a passagem bíblica entre Abraão e Lot devia dizer muito
à sociedade feudal, pois narra as relações entre um homem mais velho e mais
poderoso, um senior, e outro mais jovem e dependente, vassalas portanto.
Enquanto senhor laico, Abraão entrega terras ao sobrinho, liberta-o quando
aprisionado por inimigos, remunera com butim os homens que o acompanham
na guerra81. Como senhor eclesiástico, intercessor diante de Deus,
interfere para Lot não ser destruído junto com as cidades de Sodoma e
Gomorra82 . A cena representada em Saint-Savin mostra o momento em que
sobrinho e tio resolvem separar seus rebanhos e seus homens e cada um tomar
um rumo. Momento portanto no qual o mais jovem conquista sua independência.
Nesse contexto, o gesto representava a castração metafórica da autoridade,
para impedir que esta continuasse a ser castradora. Em suma, ao lhes
atribuir o mesmo gesto como protesto diante de uma autoridade de tipo
paterna, o artista aproximava Cam e Lot.
Isso era reforçado pelo fato de várias fontes míticas hebraicas considerarem
Lot um lascivo83, o que Cam sem dúvida também era, tanto que não
resistira ao período de abstinência sexual na Arca . A partir dessa dupla
aproximação inicial entre eles (contestação à figura paterna e lascividade),
percebemos que as respectivas narrativas míticas apresentam inversões reveladoras
de uma mesma estrutura. Lot85, o antigo habitante de Sodoma,
mantém relações sexuais com mulheres em uma caverna. Cam, o antigo
habitante da Arca paradisíaca, desejava manter relações sexuais com um
homem no topo de uma montanha. O primeiro, bêbado, faz amor com as
filhas, o segundo, sóbrio, quer fazer com o pai, bêbado. Um, não resistindo
ao desejo, procria com as filhas, outro, para resistir ao desejo, impede que o
pai volte a procriar.
Também nessa hipótese ocorria certa identificação entre a figura de
Cam pintada no afresco e os cavaleiros mais jovens e mais humildes. De falo,
a relação entre o vassalo e o senhor feudal comportava uma carga afetiva
forte, que os textos da época definiam como "amor". Laço considerado
positivo entre guerreiros mais velhos e jovens futuros cavaleiros, criados não
81 Gnl3,1-12; 14, 12-16,24.
82 Gn 18, 22-33, 19-29.
83 GINZBERG, op.cit., V, 240, n. 171. Para o Midrach Rabba, 41, 7 e 51, 9 mesmo antes do incesto,
e independentemente de estar bêbado, Lot desejava manter relações sexuais com as filhas,
estas é que não queriam: op. cit., p. 424 e 542.
84 Cf., supra, nota no 71.
85 Gn 19, 30-38.
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R. História, São Paulo, n. 125-126, p. 33-52, ago-dez/91 jan-jul/92.
na casa dos pais, mas na corte senhorial86 . Curiosamente, apesar da total
oposição da Igreja ao homossexualismo, este era favorecido quando ela
promovia no ambiente feudal certa mistura de sentimentos. O amor e a
lealdade que se deviam ao Senhor celeste eram projetados no senhor terrestre,
gerando o que Marc Bloch chamou de confusão entre "o ser amado e o
chefe"87, A partir disso, pode-se pensar que na literatura cortesã a dama seria
apenas uma metonímia do senhor, seu esposo, de forma que ao exaltá-lo o
trovador na verdade estaria expressando um sentimento homossexual .
Nas duas cenas, de Cam e de Lol, o gesto ofensivo é dirigido contra
patriarcas, símbolos do poder eclesiástico. Ou ainda símbolos do estrato
superior do segmento laico, mais próximo ao clero (ainda que várias vezes
discordando dele quanto às estratégias político-sociais adotadas) do que a
baixa aristocracia laica. Tais imagens seriam portanto manifestações da
"reação folclórica"? Uma resposta afirmativa sería muito simplista, pois na
verdade é preciso matizar a oposição entre cultura erudita e cultura folclórica,
que não se negavam de forma absoluta. Ao contrário, havia uma larga
faixa de elementos culturais comuns a todos os grupos sociais. Em função
disso, o que o artista fez - seguindo um procedimento comum na Idade Média
- foi através do "grande código" da Bíblia8 , expressar toda a complexidade
de seu próprio momento histórico.
Porque o artista estava na confluência de várias tradições culturais e
de situações sociais diversas, seu trabalho transmitia espontaneamente diferentes
mensagens. Realmente, uma imagem não é jamais um mero produto
individual, mas "uma peça essencial no vasto mecanismo instável de um
sistema social, pois um fenômeno histórico se compreende apenas na medida
em que se abarca a totalidade de seu funcionamento" . Por isso não se pode
concordar, como se disse recentemente, que no programa iconográfico de
Saint-Savin não há "nenhuma intrusão de traços contemporâneos, tudo remete
ao intemporal mais distante do espectador"91 , Pelo contrário, os afrescos
da abadia a partir de resquícios históricos (folclore) de relatos atemporais
86 BLOCH, op. cit., p. 317.
87 Idem, ibidem, p. 430,
88 MARCHELLO-NIZÍA, C, Amour courtots, société masculine et figures de pouvoir Amales
p
89 MARCHELLO-NIZIA, C, Amour courtois, société masculine el figures de pouvoir, Annales
E.S.C.,36,1981,p980.
90 WIRTH, op. cit., p.346.
91 LOBRICHON, G., Comentários às ilustrações na obra de DUBY, Histoire de la France. Le
Moven Age,op.cit p. 170.
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FRANCO JUNIOR, Hilário. A castração de Noé Iconografia, folclore e feudalismo.
(mitos), traziam as cenas para o presente do observador e levavam o observador
a se encontrar naquelas cenas. Na iconografia fundiam-se o passado
bíblico, o presente feudal e o futuro sonhado pela pequena nobreza cavaleiresca.
ABSTRACT: The present work is based on iconographic studies. Paying close attention to
questions relative to the Middle Ages, this text is concerned with the character of lhe images during
that time period. Especially approached are Noah's subcycle which composes the great pictorial "vétero-
i«tementilrio" panel of Saint-Saivin and the thematic focus of the Jewish traditions identified in the
eight scenes about Noah, A hypothetical reading about Noah's castration is evoked wilh psychoanalytical
basis. Questions about the basis of erudite and popular he basis of erudite and popular culture and
about the work are part of the central preoccupations of this study.
KEY WORDS: Middle Ages, Iconography, Mythology, Popular Culture, Mythical Tradition.
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