segunda-feira, 7 de junho de 2010

614 - IMPÉRIO ROMANO

Machina Speculatrix
Filosofia. [Filosofia sem Privilégios]. Filosofia das Ciências. [Realismo hipotético, pluralismo sem anarquia.] Filosofia das Ciências do Artificial. [À procura da prótese perdida da Máquina de Turing e das Tartarugas de Walter.] Um epitáfio em construção pelos grandes esquecimentos (do corpo, do mundo, dos outros). E todas as outras coisas de todos os dias, os banais e os outros.
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O Império Romano e a União Europeia (2/3)




O que Bryan Ward-Perkins procura mostrar, em “A Queda de Roma e o Fim da Civilização”, é que a queda do império romano do ocidente representou um retrocesso na vida material da maioria da população. Vejamos alguns dos seus exemplos.

Os romanos produziam bens de uso corrente (não apenas de luxo), de qualidade muito elevada, em enormes quantidades, e depois difundiam-nos largamente, sendo por vezes transportados por muitas centenas de quilómetros para serem consumidos por todos os grupos sociais (não apenas por ricos). A existência de “indústrias” muito desenvolvidas, funcionando com trabalhadores razoavelmente especializados, produzindo em grandes quantidades e vendendo para zonas remotas do império, suportadas em sofisticadas redes de transporte e de comercialização, era possível graças à infra-estrutura de estradas, pontes, carroças, hospedarias, barcos, portos de rio e de mar – e à burocracia imperial, incluindo um exército numeroso, para enquadrar e proteger todo esse fervilhar. Exemplos concretos são como seguem.

A cerâmica, utilizada para o armazenamento, preparação, cozedura e consumo de alimentos, era de alta qualidade, tanto em termos práticos como em termos estéticos. O nível de sofisticação da cerâmica romana usada para preparar e servir alimentos só volta a ser observado alguns 800 anos depois, pelo século XIV. Também as artes da construção de edifícios, que os romanos tinham sofisticado quer para casas luxuosas quer para casas vulgares, em vastas regiões do antigo império perderam-se e deram lugar a povoados construídos quase inteiramente de madeira, onde antes se construía de pedra e tijolo (para já não falar das casas mais sofisticadas com aquecimento por baixo do chão e água canalizada). Já a fundição de chumbo, cobre e prata, que permitia a realização de muitos utensílios sofisticados, também entrou em queda com o desabar do império e só nos séculos XVI e XVII terá voltado a atingir os níveis da época romana.

Enquanto no império as moedas de ouro, prata e cobre eram perfeitamente acessíveis e largamente utilizadas nas trocas económicas, o que veio depois foi o desaparecimento quase total da utilização diária da moeda, a par com o desaparecimento de indústrias inteiras e de redes comerciais. Os produtos de luxo continuaram, em maior ou menor grau, a ser produzidos para os mais ricos, mas os produtos de uso mais geral e de qualidade é que escassearam ou desapareceram. Em certas zonas do antigo império, certos aspectos da economia e do bem-estar material regrediram para níveis da Idade do Bronze. Mesmo muitas economias regionais foram destroçadas pela instabilidade política e militar.

Os benefícios do império também se estenderam à agricultura. Um exemplo curioso: até o tamanho médio do gado aumentou consideravelmente no período romano, graças à disponibilidade de pastos de boa qualidade e de forragem abundante no Inverno. O tamanho do gado regrediu, depois da queda do império, para níveis pré-históricos.

E que é que isto tem a ver com a União Europeia?

(conclui amanhã)
Posted by Porfírio Silva on maio 30, 2007 08:36 AM | Permalink
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Machina Speculatrix


Comments
Pois receio que mais esta visão idilica do Império, romano, seja apenas isso, com o objectivo de intuir alguma tese. Que durante muito tempo foi a da Idade média, que sucede ao Império, como período de trevas.
Ora nem toda a tese é verdade, existe obvia manipulação de dados e registos inventados, nem a história é uma imagem absoluta.
Mas que sei eu? Que sabe quem sabe?
Abs
AE

Posted by: António Eloy | maio 30, 2007 10:41 AM

Oh meu caro António Eloy: mas qual "visão idílica do Império romano"? Assinalam-se diferenças nas condições da vida material da população. Isso é dispiciendo? Eu não acho, mas são opiniões.
Escreves: "nem toda a tese é verdade, existe obvia manipulação de dados e registos inventados, nem a história é uma imagem absoluta". A história não é uma imagem absoluta, concordo. Mas isso não se resolve misturando tudo, resolve-se acrescentando outros dados, outras nuances, outras perspectivas. Deitar tudo para o lixo, como se tudo o que se sabe do passado fosse mistificação, é defender que nada sabemos e nada podemos saber. Escrever que "existe obvia manipulação de dados e registos inventados" é leviano, a menos que mostres outros dados, mostres que aqueles foram inventados, mostres onde está a manipulação.
Os parceiros historiadores do historiador que citei podem não concordar com a tese dele, com a interpretação dos dados, mas não o acusam de nenhuma manipulação de dados nem de invenção. Até porque a maior parte dos dados que ele usa são dados estudados e apresentados por outros investigadores.
É assim que se tenta avançar na compreensão das coisas: cruzando dados e pontos de vista.
Por favor, espero que concordes comigo que não vamos a lado nenhum com declarações gratuitas de desconfiança universal acerca do trabalho de investigação dos outros.

Posted by: Porfírio Silva | maio 30, 2007 11:01 AM

Talvez as palavras neste etereo se desvirtuem.Mas quando leio "é que a queda do império romano do ocidente representou um retrocesso na vida material da maioria da população.", vejo um eurocentrismo preocupante e basta conhecer o desenvolvimento da civilização islamica e os estudos como " A idade Média nunca existiu" que rebate a tese de um período de trevas depois do BRLHANTISMO (?) do império romano, para perceber que pese o mérito do autor, que devo dizer só conheci por este meio, para perceber que a ideologia soprepôe-se à história quando introduz instrumentos de avaliação na análise de civilizações, como me pareceu ser o caso.
Avanço? Retrocesso? quais os critérios, em relação a quê?
E de facto desconfio, como sabes e não mudei, de pensamentos absolutos erigidos em verdade avaliativa, independente de os pressupostos até poderem estar certos não permitem essa conclusão "ideológica".
Creio que sobre dados outros dados existem e a sua interpretação é que é ideologia.
A Joana d'arc existiu?
Onde está a verdade?
E isto: "O nível de sofisticação da cerâmica romana usada para preparar e servir alimentos só volta a ser observado alguns 800 anos depois, pelo século XIV.". Por favor, trapaça é que não é sério.

Posted by: António Eloy | maio 30, 2007 03:14 PM

António: poupa-me.
Disse qual é o livro, podes ir lá e verificar todos os dados e, se achares por onde criticar, publica um livro que te dá mais dinheiro. Eu ficaria muito contente por tu contribuires para um debate histórico sério. E se fizeres tal coisa prometo fazer aqui 20 posts a divulgar a tua contra-investigação.
Mas não mistures as coisas: a "clássica" teoria da Idade Média como idade das trevas está criticada há muito, mas tem mais a ver com a "alta cultura" (que de facto floresceu na Idade Média) do que com as condições da vida material, que é do que se fala aqui. Não metas na minha boca aquilo que eu não disse.
Quanto ao eurocentrismo: achas mesmo que sempre que falo dos povos da Europa e das suas condições de vida tenho de falar de todos os outros povos do mundo, sob pena de ser acusado de eurocentrismo?
Entretanto, como dizes que nem sequer conhecias a obra de que falo, não digas apressadamente que isto e aquilo é trapaça. Desculpa, mas não tenho nenhuma razão para aceitar que sabes mais de cerâmica romana e do século XIV do que o homem que escreveu aquela frase naquele livro. Se me deres uma razão para acreditar nisso, terei muito gosto. Se ele tivesse escrito trapaças certamente que a sua carreira teria afundado logo ali. Ou também és daqueles que acham que na blogosfera basta uma frase ousada para deitar por terra anos e anos de investigações publicadas, analisadas e verificadas pelos seus pares?
Ainda há outra boa razão para leres o livro: pode ser que eu tenha lido mal e, nesse caso, peço-te encarecidamente que venhas aqui publicitar esse meu tresler.
António: poupa-te para amanhã, quando acabo esta série de notas. Depois poderás criticar mais e melhor. E cá estarei a acolher as tuas críticas com todo o gosto.
Abraço.


Posted by: Porfírio Silva | maio 30, 2007 03:38 PM

Parabéns, Exelente
'')

Posted by: Nielly Santos | abril 29, 2008 07:23 PM


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