quinta-feira, 3 de junho de 2010

172 - CIVILIZAÇÃO INDIANA

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Um olhar sobre a Índia



Maurício Andrés Ribeiro

Em 2004, o Fórum Social Mundial (FSM) será realizado na Índia. Uma escolha significativa, já que se trata do maior país democrático do mundo, com 1 bilhão de habitantes, graves problemas socioeconômicos e uma extrema diversidade cultural, de etnias e línguas. É um país multicultural, com 30 diferentes troncos lingüísticos, centenas de dialetos, além de várias religiões. A diferença não é apenas respeitada, mas também estimulada. Por sua diversidade cultural e política e sua formação histórica, a Índia é uma nação multinacional. Diversidade social, cultural, psicológica, além da biodiversidade, caracterizam a sociedade indiana, cujo lema é "unidade na diversidade".

No Brasil, há um misto de rejeição e atração pela Índia. A rejeição se deve à miséria e à aparente incapacidade daquele país de suprir as necessidades básicas de sua população. Em geral, temos informações negativas e preconceitos sobre seus aspectos socioeconômicos.

A sociedade civil indiana está se consolidando rapidamente. No século XX, voltou-se para a luta pela independência, liderada pelo Mahatma Gandhi. Ele buscou na filosofia milenar indiana os valores culturais da não-violência e do desprendimento em relação às coisas materiais que, aplicados à política, ajudaram a alcançar a independência, em 1947.

Na segunda metade desse século, enfatizou a luta pela redução de desigualdades sociais e pela inclusão de milhões de pessoas. E as mulheres têm papel de destaque nas lutas sociais e ativistas, tais como Vandana Shiva, entre outras conhecidas mundialmente.

A Índia tem índices de violência urbana e rural muito mais baixos do que os brasileiros. Existe uma combinação de condições socioculturais para que a violência seja reduzida. Na segunda metade do século XX aquele país diminuiu as desigualdades entre pessoas ricas e pobres. Os 20% mais pobres da população indiana aumentaram sua participação na riqueza nacional de 4%, em 1960, para 8,8% em 1993. Nesse período, quase dobrou o número de pessoas que compartilham de um quarto da renda nacional no topo da pirâmide social.

O economista Celso Furtado observa que, quando estudamos países como a Índia, vemos o muito que pode ser feito com recursos limitados. A Índia ensina a resolver problemas sociais em condições de escassez extrema, a reduzir desperdícios, a trabalhar eficazmente sem muitos recursos financeiros.

A crença na lei do karma, pela qual aquele que comete uma má ação sofre as conseqüências em si próprio, nesta ou em outras vidas, inibe ações criminosas; a compaixão para com os seres vivos promove a sacralização de animais e plantas e influencia os hábitos cotidianos, tais como a dieta vegetariana; tolerância, receptividade e respeito à diferença permitiram à população indiana absorver influências de outras civilizações e incorporá-las à própria cultura, sem se deixar aniquilar e sem esquecer seus antigos valores ligados à ética da frugalidade e a padrões de consumo com baixo impacto sobre a natureza.

Na Índia, os meios de comunicação veiculam seletivamente as produções externas e reduzem os espaços para as imagens e cenas de violência; há uma enorme produção nacional de filmes, matérias para televisão, histórias em quadrinhos, com temática ancorada na rica mitologia hindu. No sistema educacional, é forte a veiculação da filosofia milenar indiana e os gurus são socialmente valorizados.

O tráfico de drogas exerce baixo apelo para o mercado interno, pois existe a experimentação culturalmente aceita de estados alterados de percepção e de compreensão e consciência, por meio de práticas de ioga e meditação para aquietar a mente, desenvolvê-la e alcançar equilíbrio emocional. No campo da paz e da não-violência é proveitoso conhecer a experiência indiana e aprender com ela.

A Índia foi uma das civilizações que desenvolveu mais profundamente a inteligência espiritual, que faz uso não só das capacidades racionais, mas também das capacidades intuitivas, emocionais, da sensibilidade. Entre os sinais de inteligência espiritual estão o elevado grau de autoconhecimento, a autonomia para seguir as próprias idéias, a flexibilidade, a relutância em causar danos aos outros, a capacidade de enfrentar a dor e de aprender com o sofrimento, de se inspirar em ideais elevados, de aplicar princípios espirituais no dia-a-dia.

Por causa de sua enorme população, o país teve que desenvolver a inteligência ecológica, pautada pela adoção de padrões de consumo sustentáveis. O uso intenso do corpo e sua codificação sofisticada fazem com que se economizem mobiliário, talheres, utensílios diários e, conseqüentemente, os recursos naturais necessários para produzi-los. Muitas florestas deixam de ser cortadas, muita energia deixa de ser consumida, muita água é economizada.

Aquela civilização desenvolveu uma filosofia e estilos de vida amigáveis e pouco agressivos em relação à natureza, sabedoria que é um tesouro valioso para o mundo contemporâneo ameaçado de tornar-se insustentável pela falta de tais valores e dos correspondentes estilos de vida.

Para o futuro, será necessário enfatizar a unidade política, além das fronteiras. A Índia é celeiro e campo fértil para idéias e propostas mundialistas e voltadas para o federalismo mundial. O poeta prêmio Nobel Rabindranath Tagore observou: "O que a Índia já foi, o mundo todo é agora. O mundo todo se está tornando um único país por meio das facilidades científicas." Diferentemente dos países europeus, que precisaram colonizar África, Ásia e América para dali extrair recursos com os quais se sustentar, a Índia nunca foi expansionista. Pelo contrário, acomodou e hospedou os imigrantes que chegavam. Os estados-nação e a democracia dos direitos não constituem o último estágio da evolução política da humanidade.

A aproximação consciente do Brasil à Índia é um componente necessário para amadurecer e aprimorar a civilização brasileira. A Índia é um parceiro valioso ao qual o Brasil deve se aliar. O Brasil, nova civilização emergente, pode co-evoluir com a civilização indiana, que soube ser sustentável.

* Autor de "Tesouros da Índia para a civilização sustentável", Rona Editora, 2003.

www.ecologizar.com.br

Jornal da Cidadania nº120 - dezembro 2003/janeiro 2004.

Nesta edição:
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Entrevista: Alessandro Gama
Um olhar sobre a Índia
Parabólicas
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