quinta-feira, 24 de junho de 2010

1158 - UNIVERSIDADES DA AMÉRICA INSULAR

Las universidades en América Latina: ¿reformadas o alteradas?. La cosmética del poder financiero
(mollis.htm)
Presentación
Balance de la década de la globalización y de las políticas educativas en los sistemas de educación superior de América Latina y el Caribe
El impacto de la globalización y de las políticas educativas en los sistemas de educación superior de América Latina y el Caribe
Actores y políticas en la educación superior mexicana: las contradicciones del pacto de modernización empresarial
La educación superior en el mercado. Configuraciones emergentes nuevos proveedores
La crisis y las universidades públicas en Argentina
Bolivia: la reforma, ¿sin forma?
Acreditación y fomento de la calidad. La experiencia chilena de las últimas décadas
O discurso da crise e a reforma universitaria necessária da universidade brasileira
Avaliação e democracia: possibilidades contra-hegemônicas ao redesenho capitalista das universidades
Un breve diagnóstico de las universidades argentinas: identidades alteradas



Como citar este documento: Trindade, Hélgio. O discurso da crise e a reforma universitaria necessária da universidade brasileira. En publicacion: Las universidades en América Latina: ¿reformadas o alteradas?. La cosmética del poder financiero. Marcela Mollis. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales, Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Argentina. 2003. ISBN: 950-9231-84-3
Acceso al texto completo: http://bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/mollis/trindade.pdf

Descriptores Tematicos: Reformas de la Educacion; Enseñanza Superior; Universidades; Crisis; Banco Mundial; Privatizacion, Neoliberalismo; Educacion Superior; Reforma Universitaria, Brasil

Artículo en texto completo (pdf)



O discurso da crise e a reforma universitaria necessária da universidade brasileira* Hélgio Trindade**

As manifestações em torno da crise da universidade em escala internacional ao longo de século XX –rebeliões estudantis, greves universitárias, literatura acadêmica e política– produziram um discurso simbólico que se constitui, hoje, um capital político na defesa ou na crítica à universidade. Vai desde o movimento da reforma universitária de Córdoba de 1916, que gerou o discurso fundador do movimento estudantil e do modelo latino-americano de universidade, passando pela rebelião estudantil de 1968 na França com seus desdobramentos na Alemanha e nos Estados Unidos, até a greve da UNAM, desencadeada em 1999, contra o fim da gratuidade do ensino superior no México. Todos esses movimentos criaram suas metáforas para expressar, através de textos analíticos, de material iconográfico e de slogans, os diagnósticos e as denúncias que fazem parte do imaginário social das lutas universitárias.

Metáforas da crise universitária
A metáfora de um reitor francês de que a “universidade é um dinossauro pousado em um aeroporto” revela que as contradições da instituição universitária no mundo contemporâneo não se restringiam à América Latina. As análises acadêmicas e as denúncias políticas da crise sob os efeitos desagregadores das políticas neoliberais têm produzido outras metáforas para expressar o processo de precarização do espaço público nas universidades latino-americanas diante das “recomendações” do Banco Mundial a serem embutidas nas políticas educacionais subordinadas ao ajuste econômico e de reforma do Estado.
Foi na década de ‘80, na Inglaterra, no governo conservador de Margareth Thatcher que começam as políticas no campo do ensino superior que alteram as regras tradicionais do financiamento universitário e impõem hierarquias no interior e entre as universidades através de processos de avaliação. Este processo levou ao fechamento de departamentos e a “diabolização” da liberdade acadêmica em nome da “eficiência” e da “produtividade”. Este duro período –na verdade fundador do neoliberalismo no campo universitário– foi estigmatizado por um especialista como um “Ataque ao ensino superior” (Kogan e Kogan, 1983). Era a nova metáfora que simbolizava a realidade do Estado-avaliador fará fortuna, em escala mundial, nas décadas seguintes.
O discurso crítico e as metáforas sobre a crise das universidades em geral são altamente sugestivos no final do século XX: da “Universidade cativa”, e do “naufrágio da universidade” à “Babel da universidade” e a “universidade em ruínas” (Lucas, 1987; Freitag, 1996; Mucci e Sorcioni, 1996; Readings, 1996). Um consagrado matemático francês lança um apelo, “Para salvar a Universidade”, em 1983, com o argumento de que “a degradação da Universidade nos conduz a perda de nossa identidade nacional e de nossa cultura, ao enfraquecimento de nossa tecnologia e à baixa de nosso nível de vida” (Schwartz, 1983: 9-18) e, mais recentemente, um grupo de especialistas apresentam “Alguns diagnósticos e remédios urgentes para uma universidade em perigo” (Association de réflexion sur les enseignements supérieurs et la recherche, 1997). Mesmo nos Estados Unidos fala-se em “crise na academia” ou na “Universidade de pesquisa em tempo de descontentamento” (Lucas, 1998; Cole & Graubard, 1994). Um filósofo da Sorbonne, porém, discute o desafio universitário em termos mais radicais: “a questão da universidade poderia ser recolocada hoje nos seguintes termos: o que é uma universidade depois do fim das universidades?” (Reynaut, 1995: 43).
A metáfora do poder, por sua vez, se manifesta pela frase polêmica do ex-ministro da educação francês, Claude Allègre ao declarar que a política para a universidade francesa atual seria “dégraisser le mammouth”1. Reapropriada pelas grandes mobilizações de protesto “a caça vira contra o caçador”: o ministro fica identificado com o animal da metáfora, obrigando o governo socialista de Jospin a demiti-lo diante do desgaste em sua base política. Numa perspectiva mais construtiva situa-se o relatório “Por um modelo do ensino superior”, publicado em 1998, que diagnostica as distorsões do sistema francês –dualidade entre as universidades de massa e o elitismo republicano das Grandes Escolas– mas que reconhece enfaticamente a relevância do ensino superior para os países desenvolvidos: ”mais do que nunca, o desenvolvimento, a qualidade de vida de uma nação dependerão de seu nível cultural e científico que dependem fundamentalmente do valor de seu ensino superior” (Rapport de la Commision présidéé par Jacques Attali, 1998: 15).
Mudando o cenário para a América Latina, as universidades na década dos 80 estavam na confluência “das pressões da demanda social, das possibilidades abertas pela democratização, das restrições financeiras impostas pela reforma do Estado e das transformações da educação superior nos países desenvolvidos”. Este novo contexto “modela um perfil de mudanças onde sobressaem as tendências de diferenciação de ofertas, multiplicação de funções e tarefas, redefinição das relações Estado-universidade e da universidade-sociedade. Na década dos ‘90, porém, “o panorama econômico e político latinoamericano pode ser caracterizado, por um lado, em função da generalização continental das políticas de corte neo-liberal, mas, por outro lado, por um certo desencanto e deslegitimação dessas receitas” (Rodrigues Gómez, 2000: 46).
O desmantelamento da universidade pública produz suas próprias metáforas: da “universidade sitiada” à “universidade na encruzilhada” ou “desconstruída” (Menezes, 2000; Errandonea, 1998; Dias Sobrinho e Ristoff, 2000). Outra metáfora é a do livro-denúncia “Universidade em ruínas na república dos professores” (Trindade, 2001), simbolizada pela iconografia clássica da “torre de babel” com um duplo significado: de um lado, as ruínas físicas provocadas pela queda progressiva no financiamento das universidades públicas federais, a partir dos governos da Nova República, que atinge o seu ápice, paradoxalmente, na “república dos professores” presidida pelo Presidente-sociólogo. De outro lado, as ruínas institucionais com seu efeito mais perverso: a erosão do próprio tecido acadêmico que se esgarça progressiva e perigosamente, inclusive por sua privatização interna na captação crescente de recursos externos compensatórios, decorrentes da erosão salarial e da queda no financiamento da pesquisa pelas agências governamentais.
Essa situação crítica faz parte do quadro latino-americano, onde os dados globais da UNESCO para 1996 indicam que “o gasto público em educação não acompanhou o crescimento do sistema de educação superior”: este “se multiplicou por um fator igual a 2 entre 1980 e 1994, passando de 33,5 bilhões de dólares a 72,1. Estes valores estimados como percentagem do PIB variaram de 3,8 a 4,5. No entanto, o gasto destinado à educação por habitante passou de 94 para 154 dólares, o que significa um valor 10 vezes inferior à média dos países desenvolvidos (1,179 em 1994) (Yarzabal, 2001: 13). A crise da universidade foi objeto, em 2000, também de um número especial do NACLA, publicado nos Estados Unidos, no qual a situação latinoamericana foi analisada por especialistas, com ênfase nos casos do México, Chile e Peru (NACLA, Report on the Americas, 2000).
Marilena Chauí prefere o conceito de “universidade operacional”: a passagem da universidade da condição de instituição social à de organização insere-se nessa mudança geral da sociedade, sob os efeitos da nova forma de capital. (...) Numa primeira etapa, tornou-se a universidade funcional; na segunda, universidade de resultados, e na terceira, operacional. No caso do Brasil, essa sucessão correspondeu ao ‘milagre econômico’ dos anos 70, ao processo conservador de abertura política dos anos 80 e ao neo-liberalismo dos anos 90. Em outras palavras, correspondeu às varias reformas do ensino destinadas a adequar a universidade ao mercado” (Chauí, 2001: 219-220).
A metáfora de “universidade na penumbra”, cunhada por Gentili, embora se aplique fortemente ao caso argentino, resulta de um processo que se desdobra através de políticas neoliberais no conjunto da América Latina: “o círculo vicioso da precarização e a privatização do espaço público” que resulta de “um profundo processo de reestruturação dos sistemas educativos nacionais” a partir de três eixos principais: ”o ajuste da oferta” que se traduz pela redução da inversão pública destinada a financiar a prestação de serviços educativos; “a reestruturação jurídica do sistema”, através de um conjunto de novas leis, decretos e medidas provisórias que alteram sua base normativa; e “a redefinição profunda do papel do Estado em matéria educativa” substituindo o Estado docente pelo Estado avaliador (Gentili, 2001: 2).
Há, porém, outra dimensão da “universidade na penumbra” a ser destacada como parte da dinâmica latino-americana e que se está implantando em velocidades diferenciadas: a privatização crescente do ensino superior. O Brasil figura como o exemplo mais perverso da hegemonia do setor privado (2/3 do total das matrículas) e o México como a situação oposta, com um processo mais lento de privatização da educação superior (1/3 da matrículas privadas). A precarização do espaço público se expressa, pois, na dupla face de Janus: por um lado, produzindo a corrosão da missão pública das universidades estatais; por outro, induzindo ou estimulando o processo de privatização da educação superior.
Outra tendência é da penetração das “universidades globais” que derivam “da globalização crescente dos sistemas, impulsionados pela globalização da tecnologia e da economia”. Muitas universidades latino-americanas, públicas ou privadas, “encontraram incentivos para associar-se à expansão das universidades globais mediante canais muito diversos: desde a assinatura de convênios de valor puramente simbólico até contratos para estabelecer programas conjuntos outorgando diplomas de forma compartilhada”.
Essas modalidades têm sido praticadas por muitas muitas universidades privadas brasileiras, sobretudo, no campo da pós-graduação à distância e, na Argentina, inclusive o sistema público. Como reconhece Balan, “amparadas por uma legislação particular, as universidades privadas competem com êxito, neste mercado com a assistência internacional”, assim como “existem também sistemas de franchising através dos quais a universidade matriz transfere programas, apoia com recursos, controla a qualidade e avaliza os títulos de uma universidade local” (Balan, 2000: 13).

Desafio atual: da massificação à privatização?
Os dois traços dominantes na evolução da educação superior na América Latina, na segunda metade do século XX, podem ser resumidos em termos de massificação e privatização. O primeiro se traduz no rápido crescimento da matrícula no ensino superior, e o segundo na tendência generalizada de expansão das instituições privadas.
No conjunto dos países de língua espanhola e portuguesa, no entanto, observam-se evoluções bastante diferenciadas. Nos primeiros, há uma expansão das universidades públicas que se massificam progressivamente e, nas últimas décadas, se manifesta um fenômeno novo: o crescimento das instituições privadas. No Brasil, se um sistema nacional de universidades públicas se expandiu e se consolidou entre 1930 e 1970, a partir daí se da uma expansão espetacular das instituições privadas que absorvem atualmente dois terços da matrícula do ensino superior.
Na América Latina, até 1950, o acesso à universidade era fortemente elitizado. No conjunto do continente havia 266.000 estudantes, ou seja, em média 2% dos jovens de 18-24 anos. Em 13 dos 20 países, a taxa bruta de escolarização universitária não atinge a 2% (entre eles estão o Brasil, Colômbia, Chile e México), enquanto que nos países nos quais essa taxa é mais alta não ultrapassa a 6% (Argentina, Uruguai e Cuba) (boa parte dos dados desse capitulo foram elaborado por Brunner, 1989: 237-239).
Em 1960, esta proporção é três vezes maior e (6%) e o número de estudantes cresce mais de cinco vezes (1.640.000). O início da massificação se manifesta quando a percentagem dos inscritos passa de 13,5% (1980) para 16,6% (1990) e o número de estudantes cresce de 4.891.000 para 6.474.000 no mesmo período. O número de diplomados não ultrapassava anualmente a 25.000, “a maioria dos quais formam parte dos grupos dirigentes, dos estabelecimentos profissionais e, em geral, dos mais educados dentro de sua sociedade”. Havia um pequeno número de instituições, em sua maioria universidades que se dedicavam exclusivamente ao ensino. O corpo docente (em torno de 50.000 para o conjunto da América Latina em 1950) não era acadêmico no sentido profissional do termo, “mas integrada por professores universitários originários das profissões de prestigio cujo status aumentava com o exercício da cátedra”.
Entre 1960 e 1980, a educação superior na América Latina experimentou um forte e desigual desenvolvimento, ingressando numa nova fase de massificação da matrícula. Em 1986, ela atinge a 6 milhões de estudantes e a taxa bruta de escolarização passa de 3% em 1980 para 15% em 1985. Em alguns países a taxa é superior a 20% (Argentina, Equador, Costa Rica e Venezuela); noutros fica entre 15 e 20% (Peru, Uruguai e Chile) e, as taxas mais baixas entre 10 e 20% estão na Bolívia, Brasil, Colômbia e México.
Comparando-se as taxas de crescimento em cinco países representativos da América Latina (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México) pode-se avaliar o ritmo deste crescimento. O México e a Colômbia apresentam os índices mais altos entre 1970 e 1990: o primeiro, passa de 118.011 para 1.078.90 (índice 573) e o segundo, de 85.560 para 474.787 (índice 555). A Argentina e o Brasil expandem bastante sua população universitária, mas a velocidade é menos intensa do que o México e a Colômbia: de 274.634 (1970) e 1.077.212 (1990) e 430.473 a 1.570.860 com índices de crescimento respectivamente de 393 e 365. Segundo Brunner, “a massificação da empresa educativa de nível pos-secundário trouxe consigo vários efeitos combinados: mesocratização da matrícula, com crescente participação dos setores médios baixos em carreira curtas, médias e semi-profissionais; feminilização da matrícula, que levou a uma distribuição mais equitativa da mesma entre sexos, ainda que as carreiras profissionais de prestígio permaneçam preponderantemente masculinas; regionalização da matrícula com crescente participação de instituições situadas fora da capital ou das duas ou três maiores cidades de cada país; terciarização da matrícula que tende a concentrar-se nas carreira de ciências sociais, educação, comércio e administração de empresas; e finalmente, privatização da matrícula que atinge a um terço (1984) dos estudantes que estão em instituições privadas de educação superior” (Brunner, 1989: 237-239).
Nos anos 60, a privatização se manifesta ainda de forma incipiente: “ainda que tomada em seu conjunto, a expansão universitária foi um processo respaldado por iniciativas e planos de desenvolvimento, o ensino superior privado consolidou sua presença nos sistemas universitários do continente: em 1960, apenas 16,4% da matricula estava nas instituições privadas, enquanto que, em 1970, o percentual superava a 30%, o que representou um crescimento de quase cinco vezes em uma só década.” Como enfatiza Rodrigues, “a pauta da privatização alcançou níveis notáveis em toda a região e num ritmo muito acelerado. No transcurso da década (90), o percentual de estudantes matriculados em universidades privadas passou de 30% para 45%, o que permite supor que na passagem do ano 2000 esta proporção deva ser equivalente a dos estabelecimentos públicos”, tornando a América Latina uma das regiões de “maior percentual no mundo de estudantes universitários dentro da opção privada” (Rodrigues Gómez, 2000: 25 e 49).
É a partir da segunda metade do século XX, começa o processo de expansão das instituições de ensino superior privado na América Latina: 25 instituições privadas são fundadas entre 1950 e 1960, Esta tendência se acelera no decênio seguinte e este número dobra para 50 novas instituições privadas. Até 1980, mantém-se um relativo equilíbrio entre público e privado: 152 e 134 respectivamente. A grande mundança em favor das instituições privadas terá lugar a partir da década de 80: o número de instituições privadas fundadas entre 1981 e 1995 é quatro vezes superior ao das públicas: 232 instituições privadas e somente 51 públicas.
O interessante, porém, é comparar a dinâmica desse crescimento espetacular do número de estudantes e sua incorporação nos setores público e privado do ensino superior. Em termos globais, “a matrícula privada vem incrementando sua participação percentual de forma sustentada. Enquanto em 1960 captavam 15,2% dos inscritos, em 1995 retém 38,1% dos alunos, o que significa estarem 2 milhões e meio de estudantes no setor privado”. Nessa expansão que se dá entre as décadas de 70-80, passou de 164 estabelecimentos em 1960 à cifra atual de mais de 5.500. A grande maioria desses são instituições de ‘absorção de demanda estudantil’ cuja oferta se reduz a carreiras de alta procura e baixos custos operacionais e se comportam como ‘empresas lucrativas’, exceto algumas universidades confessionais, geralmente católicas e de elite, com ofertas educativas de alta qualidade (Yarzabal, 2001: 13).
Os cinco países, referidos anteriormente, têm processos de expansão bem diferenciados. No Brasil, Colômbia e Chile observa-se que grande parte dessa expansão se faz pela via das instituições privadas. O Brasil é o caso extremo: a matrícula global se inverte: de 40% em 1960, o setor privado atinge 63% das matrículas em 1980 e a partir de 1994 atinge 65%, ficando, em conseqüência, o setor público reduzido a 35% dos estudantes. Somente a República Dominicana (71,2%) e El Salvador (69%) têm um sistema privado comparável ao do Brasil, embora exista forte expansão do setor privado também na Colômbia e Chile: entre 1970 e 1994, a proporção de estudantes em instituições privadas cresce de 45% para 64% na Colômbia e de 34% para 53% no Chile.
Na Argentina e no México, ainda que a tendência de expansão do setor privado de educação superior tenha se acentuado no período considerado, a importância do setor privado e o ritmo do seu crescimento é comparativamente menor: nos dois países referidos o peso da matrícula nas instituições privadas, em 1990, está num patamar bastante mais baixo: 15% e 17% respectivamente. A evolução mais recente indica uma tendência ao crescimento do setor privado em ambos os países, mas, para o conjunto da América Latina, o exemplo brasileiro é o mais perverso. Além dos casos da Colômbia e Chile, o crescimento do ensino privado segue ritmos diferenciados segundo as tradições nacionais. As políticas neoliberais que dominam os países latino-americanos atingem as instituições universitárias públicas, através da reforma do Estado. Em consequência, o financiamento das universidades publicas declinou e estimulou a expansão das instituições privadas. Investir em educação superior tornou-se um dos negócios mais rentáveis e, por isso, o Brasil tornou-se o grande campeão da privatização da educação superior na América Latina: no ranking internacional sua posição é a 7° enquanto os Estados Unidos é o 20° na matrícula do setor privado!
O tamanho das principais universidades na América Latina permite estabelecer um certo padrão de elitismo/massificação: as instituições massificadas com mais de 100 mil estudantes situam-se no México e na Argentina; numa situação intermediária estão as instituições de 50.000 a 100.000 estudantes (Guatemala, Venezuela e Panamá); enfim, instituições de menor porte (entre 30.000 e 50.000 estudantes) estão localizadas no Brasil (São Paulo), Costa Rica, Equador, El Salvador, Honduras e Santo Domingo). O Brasil tem novamente uma situação singular: a maior parte das universidades públicas e privadas têm menos de 30.000 alunos. Hoje a maior universidade brasileira não é mais a Universidade de São Paulo (35.600 estudantes), mas uma universidade privada paulista (UNISP) com 44.500 estudantes.

As estratégias neoliberais do Banco Mundial
O mais recente documento publicado pelo Banco Mundial (“Educação superior nos países em desenvolvimento: perigos e promessas”, 2000) é revelador de sua nova estratégia, visando envolver a UNESCO, às vésperas de sua Conferência Mundial, na produção um pretenso documento conjunto. Sem pretender analisar essa metamorfose do Banco Mundial, cabe, no entanto, mencionar que o novo documento de 2000 busca associar-se à UNESCO que sempre defendeu o financiamento público das universidades como “um investimento social de longo prazo” (maiores detalhes vide Trindade, 2001: 117-124) e mudar o discurso que influenciou fortemente os governos latino-americanos. A idéia de que “prioridade” ao ensino primário se faz em detrimento do ensino superior apoiando-se na assertiva de que “o financiamento estatal das universidades é uma forma regressiva que favorece aos grupos de renda elevada”2.
A análise detalhada do último documento elaborado por Angela Siqueira leva à conclusão de que essa mudança no discurso (..) não significou um endosso à idéia do ensino superior como um direito humano e social, com uma qualidade e relevância vinculadas com o ideal de construção de uma sociedade mais democrática, justa e solidária tal como foi de certa forma explicitado em vários documentos da UNESCO.
E autora conclui que “o documento da força-tarefa nega os pontos fundamentais contidos nos documentos de política de ensino superior da UNESCO e de uma perspectiva educacional mais voltada para o meio-ambiente e não para o mercado. Em um contexto político mais amplo, o referido documento caracteriza mais uma disputa entre o Banco Mundial e a UNESCO. De fato, pode ser visto como um tipo de reação levada a cabo pelo Banco Mundial visando enfrentar e diluir a mobilização e aglutinação de forças de diversos grupos ligados ao ensino superior e não alinhados com a filosofia do Banco, e que certa maneira foi propiciada pelas discussões iniciadas de forma mais sistemática a partir de 1992 e que culminou com a Conferência Mundial sobre a educação superior em 1998, em Paris” (Siqueira, 2001: 3-8).
Conforme testemunho do ex-diretor da Divisão da Educacão Superior da UNESCO, a estratégia insidiosa do Banco Mundial foi clara: a Task-Force que resultou da “ação de um pequeno grupo dentro do Banco Mundial, não foi coordenada pelo organismo competente em matéria de educação no interior dessa instituição” (...)”Considerei inoportuna, naquele momento, a maneira como a iniciativa foi proposta. Parecia-me pelo menos ambígua. Havia risco de utilização eleitoral e isto não interessava nem a UNESCO, nem aos que do mundo inteiro se haviam lançado num processo de reflexão profunda sobre os desafios de educação superior no limiar do novo século” (Dias, 2000, 43 e 57). A leitura do documento mostra que, apesar de algumas mudanças na linguagem e adesão a algumas teses da UNESCO3, o Banco Mundial defende o estabelecimento de um sistema estratificado em termos de criação, acesso e disseminação do conhecimento. Países e indivíduos com renda superior deveriam produzir e ter acesso a conhecimento de alta qualidade, enquanto que os de baixa renda deveriam assimilar a produção. Essa é a divisão social e econômica do saber proposta pelo Banco: os de baixa renda tem que se especializar na “capacidade de aceder e assimilar o conhecimento novo”. Além disto, o documento “conjunto” nega os pontos fundamentais das políticas propostas pela UNESCO em matéria de educação superior, construídas coletivamente de 1992 à 1998, e representa, de fato, uma operação política para enfrentar e diluir a mobilização de forças não-alinhadas com a filosofia do Banco. A metáfora do “cavalo de Troia”, parece simbolizar a nova estratégia diversionista do Banco Mundial em sua relação com a UNESCO4.
Se examinarmos o impacto do Banco Mundial sobre as políticas de educação superior na América Latina, observa-se que existem, pelo menos, três tipos básicos de estratégias de implantação do modelo neoliberal.
O modelo precursor é o chileno que integra o conjunto de reformas iniciadas pelos chicago-boys, com o suporte do autoritarismo militar de Pinochet. O governo estabeleceu o fim da gratuidade no sistema público de universidades e implantou um sistema compensatório de bolsas, e, ao mesmo tempo, através de políticas governamentais o sistema privado expandiu-se fortemente. O primeiro governo democrático do Chile manteve a política anterior, mas introduziu controles sobre o sistema privado através da avaliação dos seus cursos. O financiamento estatal das universidades públicas regrediu a cerca de 25% do total do orçamento universitário e o restante deve ser buscado em outras fontes (mensalidade dos estudantes, pesquisas aplicadas e consultorias especialmente para o setor privado).
O segundo modelo é o mexicano que negocia sua dívida externa e torna-se o primeiro país da América Latina (depois do Chile) a adotar uma política de ajuste econômico, privatizações e de reforma do Estado. Embora a crise mexicana tenha encerrado o período de rápida expansão do sistema universitário público, os efeitos da crise de 1968 na Universidade Autônoma do México (UNAM) e a saturação da capacidade de expansão de sua principal universidade, levou à criação de uma nova instituição na capital federal: a Universidade Metropolitana do México (UAM). Resultado de uma articulação entre o governo federal e dirigentes da UNAM, a proposta da nova universidade multi-campi se estrutura através de um modelo institucional de pesquisa. No processo de sua implementação, os dirigentes da UAM, sob a hegemonia das áreas das ciências duras (vide a tese 2001, Casillas Alvarado) cria os mecanismos internos de avaliação de produtividade dos professores definindo uma tabela diferencial de carreira e salários segundo critérios de desempenho. Esses mecanismos, internalizados e praticados internamente na UAM sob a influência de organismos internacionais (OCDE e UNESCO), constituíram-se numa estratégia antecipatória interna que serviram de experimento para que o governo federal pudesse estabelecer posteriormente uma política do mesmo tipo a ser aplicada ao conjunto do sistema universitário.
O modelo brasileiro é original na comparação com outros países da América Latina. O regime militar teve uma política para o ensino superior enquanto que no Chile, Argentina e Uruguai os militares desmantelaram as universidades públicas. O sonho de criar um “Brasil-potência” fez com que os militares fossem sensíveis às propostas de setores do governo que se articularam com dirigentes e representantes da comunidade científica e universitária para definir políticas para a modernização da universidade e da ciência e tecnologia. A partir desse processo foram estabelecidas algumas políticas que tiveram efeitos transformadores no quadro universitário, científico e tecnológico. A reforma de 1968 e os substanciosos recursos oferecidos pelas agências de financiamento da pós-graduação e da pesquisa (CAPES, CNPq e FINEP), dentro de sucessivos Planos de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, profissionalizaram o sistema universitário, com a implantação dos regimes de tempo integral e de dedicação exclusiva e, sobretudo, implementaram uma consistente política de pós-graduação, com a avaliação pelos pares sob a coordenação da CAPES. Com recursos para pesquisa, oriundos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e um amplo sistema de bolsas de pós-graduação no país e no exterior e de iniciação científica para os alunos de graduação, a universidade pública modernizou-se, e a comunidade científica expandiu-se, gerando um crescimento sustentado das sociedades científicas, das associações de pós-graduação e pesquisa em ciências e humanidades.
Todos esses esforços conjugados certamente burocratizaram as universidades, transformadas em pesadas organizações, com complexo sistema de decisão corporativo, mas, ao mesmo tempo, modernizaram e qualificaram o sistema público de educação superior, colocando-o numa posição de liderança na América Latina.
O outro lado da moeda foi a divisão de trabalho no campo do ensino superior que se estabeleceu durante o regime militar. A universidade pública se qualificou mas não se expandiu para atender a forte demanda por educação superior. Minha hipótese é que tal fato resultou da conjugação entre o temor do governo militar com os efeitos políticos de uma universidade pública massificada ao estilo argentino ou mexicano e a posição de resistência de dirigentes e professores das universidades contra uma expansão que pusesse em risco os novos padrões de ensino pós-graduado associado à pesquisa. Ao não planejar uma política de expansão do ensino privado, o MEC estimulou, com a conivência do Conselho Federal de Educação (CFE) a fragmentação do mesmo, fazendo com que os níveis de exigência para a criação de universidades fossem aviltados pela disseminação descontrolada de “empresas educacionais”, cuja baixa qualidade média está a desafiar os sucessivos governos da Nova República.
A dinâmica das tensas relações entre governo e universidades públicas tem se manifestado, não só no Brasil, mas também nos países desenvolvidos e latino-americanos, como resultante de ações governamentais restritivas à forte expansão das universidades decorrente do crescimento demográfico. O pós-guerra favoreceu a massificação das instituições de educação superior, fazendo com que as universidades perdessem seu caráter elitista tradicional, transformando-as em organizações burocráticas e complexas.
A experiência chilena –diferentemente da brasileira que deixou a expansão do sistema privado ao livre jogo da permissividade (e da corrupção) do antigo CFE– foi mais consistente dentro da estratégia neoliberal: começou avaliando as universidades privadas, partindo do pressuposto que as públicas eram de melhor qualidade. Com relação ao México, o diferencial é que o sistema privado (embora em moderada expansão) representa menos de 20% do total matrículas, e os recursos para o financiamento público das universidades têm crescido, havendo um forte estímulo ao ensino técnico de nível superior.

A reforma universitária necessária no Brasil
O Relatório Attali (1998), ao enfrentar os desafios da universidade francesa na União Européia, reconheceu que, “mais do que nunca, o desenvolvimento e a qualidade de vida de uma nação” dependerão “fundamentalmente do valor do seu ensino superior” e a Assembléia do CLACSO, em recente reunião em Guadalajara (México), aprovou por unanimidade o documento –“América Latina 2020 - Em defesa da educação pública”– que proclama: “uma boa educação superior é o melhor investimento para o desenvolvimento nacional”.
Essa valorização do papel da universidade contrasta com o quadro brasileiro em que o sistema de educação superior enfrenta, hoje, o maior desafio em termos latino-americanos: o nível de acesso é um dos mais baixos do continente; a proporção de estudantes nas instituições públicas reduziu-se a um terço do total; o peso da matrícula e das instituições privadas de educação superior tornou-se o mais alto da América Latina; as universidades públicas (exceto as estaduais paulistas) não gozam da autonomia universitária consagrada na Constituição e o volume do financiamento do conjunto do MEC para as 52 instituições federais de ensino superior (IFES) é apenas três vezes superior ao das 3 universidades estaduais pelo governo de São Paulo5.
Esses dados que comprometem o futuro do sistema universitário brasileiro são o resultado, principalmente, da redução do financiamento público que se inaugurou, paradoxalmente, com a retomada da democracia pós-ditadura militar, aprofundou-se com a adoção das políticas de ajuste neo-liberal pelo governo de Fernando Collor, atingindo seu clímax nos dois mandatos presidenciais de Fernando H. Cardoso. A propalada “revolução silenciosa na educação superior”6 transformou em dura realidade a metáfora da “universidade em ruínas na república dos professores” (trata-se do titulo de obra coletiva pela Editora Vozes, 2001).
Nesta perspectiva, não pode haver contradição entre a prioridade ao ensino fundamental e a prioridade ao ensino superior. No manifesto lançado, em abril de 2001, pelo Conselho Político da Frente Democrática e Popular –Brasil, Ciência e Tecnologia: É Hora de Usar a Cabeça– ficou claro o que se espera da universidade pública: “além do ensino e formação de técnicos de nível superior, é o de dar apoio material, financeiro, institucional e, mais do que tudo o de garantir o ambiente necessário ao trabalho científico que fornecerá à sociedade o conhecimento de ponta, conhecimento este que é a base da cultura contemporânea, por um lado, mas que, por outro, é fonte inesgotável das informações necessárias às atividades econômicas.” Daí “a universidade brasileira estar convocada a exercer um papel de vanguarda na construção de um país que almeja ocupar o lugar valorizado na divisão internacional do trabalho, nesta chamada era da informação”.
Impoe-se uma transformação profunda na educação superior brasileira que vise atender aos anseios da sociedade para a construção de um país desenvolvido, democrático, com autonomia de decisão sobre os seus destinos, cujos cidadãos participem plenamente de um projeto de desenvolvimento sustentável. Para estabelecer as bases de um conjunto articulado de políticas publicas que reverta a situação atual de desmantelamento da educação superior pública e estabeleça em novas bases a relação com o sistema de instituições privadas, a melhor estratégia consiste em redefinir a política de investimentos de curto e longo prazo em educação superior, ciência e tecnologia articulando-as com o projeto nacional.
Uma nova política de educação superior precisa apoiar-se em sólidos pressupostos acadêmicos e políticos que indiquem claramente sua fundamentação doutrinária, articulados com uma análise abrangente da crise da instituição universitária e uma avaliação das políticas neoliberais que se implantaram, sob diferentes formas, no espaço universitário latino-americano. O enfoque adotado conduz à problemática das complexas relações entre saber e poder, propondo uma nova política capaz de refundar a missão pública do sistema universitário brasileiro, respeitando sua diversidade, mas tornando-o compatível com as exigências de qualidade, relevância social e autonomia universitária.
“A educação como direito e como bem público” sintetiza os fundamentos de uma política educacional que é base de um projeto de nação soberana numa sociedade democrática, solidária e justa. Esta é uma lição da experiência histórica que revelou a importância da educação pública para a cidadania republicana e a legitimidade democrática. “A educação em todos os níveis é um bem público, que deve desenvolver-se com antecedência e a taxas mais rápidas que a da economia em seus conjunto, pois é condição sistêmica do desenvolvimento e o crescimento econômico. Por tras dessas observações há razoes econômicas –a educação como inversão para o desenvolvimento sustentável sob o novo paradigma tecnológico baseado no conhecimento–, porém há razoes éticas –cumprir o mandato internacional e constitucional de efetivar o direito o direito humano a educação e razoes de governabilidade– construir sociedades coesas social e politicamente” (Coraggio, 2001).
Nessa perspectiva, a educação superior é instrumento poderoso de formação de cidadãos e de profissionais voltados para a construção do patrimônio cultural brasileiro. Todavia, pode também servir a interesses meramente individuais ou do mercado, como tem sido largamente praticada pelo ensino privado.
É importante realçar a dívida da democracia brasileira com a universidade pública, apesar dos avanços inscritos na Constituição de 1988. Com efeito, salvo em alguns momentos do governo Sarney e durante o curto governo Itamar Franco, as universidades federais foram duramente negligenciadas ou punidas com falta de recursos de manutenção e investimento pelos governos posteriores à ditadura. Os governos da redemocratização privilegiaram as universidades privadas: financiamentos vantajosos, isenções fiscais e previdenciárias além de outros benefícios, como dotação de recurso a fundo perdido, que propiciaram sua rápida expansão, inclusive com recursos do BNDES.
Os dois governos Fernando H. Cardoso aprofundaram esse quadro privatista não só por atender aos jogos de clientela através do Congresso Nacional, mas por ser coerente com a perspectiva dos países centrais e de organismos multilaterais, como o Banco Mundial, sobre a educação superior nos países em desenvolvimento. Embora com a OCDE no México e com o Banco Mundial na Argentina, a interferência desses organismos se faça de forma direta através empréstimos que condicionam suas políticas governamentais, no Brasil a situação é mais dissimulada, mas igualmente eficaz porque essas políticas foram internalizadas por ex-funcionários do BID que ocupam atualmente Ministérios da Economia e Educação no governo FHC.
No campo da educação superior, a missão pública do sistema é formar cidadãos, profissional e cientificamente competentes e, ao mesmo tempo, comprometidos com o projeto social do país.
Essa nova realidade colocou os países desenvolvidos em posição privilegiada face ao hemisfério sul e enfrentar essa nova forma de desigualdade é o mais importante desafio a ser enfrentado por países da América Latina, que não queiram aceitar a divisão entre nações produtoras e consumidoras de conhecimento e tecnologia. Nesta perspectiva, um projeto de nação soberana e competitiva no plano internacional necessita urgentemente se apoiar num sistema nacional de universidades públicas que dê suporte à formação de pessoal acadêmico e científico de alto nível, produza ciência básica e aplicada, de boa qualidade e avançada, e sirva de referência para o conjunto do sistema de educação superior.
Atualmente, os desafios da sociedade do conhecimento afetam a instituição universitária em geral, tanto nos países desenvolvidos, quanto nos emergentes ou periféricos. A universidade corre, no futuro, o risco de perder seu monopólio tradicional nos campos do ensino e da pesquisa, diante de novas formas concorrentes geradas, especialmente, por instituições privadas empresariais, que utilizam novos recursos informacionais. No contexto destas mudanças, concorrem ‘os provedores tradicionais dos serviços educativos (as instituições de educações superior públicas e privadas) com os ‘novos provedores’ que competem pela demanda que são ‘por um lado, a um setor de empresas e corporações distinta do setor privado tradicional’, de outro, o setor de universidades e centros de ensino superior de caráter empresarial ou for-profit”7.
Para enfrentar a crise, segundo Boaventura dos Santos, “a universidade deve dispor-se estrategicamente para compensar o inevitável declínio de suas funções materiais com o fortalecimento de suas funções simbólicas.(...) O verdadeiro mercado para o saber universitário reside sempre no futuro”. E acrescenta: “Numa sociedade desencantada, o reencantamento da universidade pode ser uma das vias de simbolizar o futuro (...) Tal papel é uma micro-utopia. Sem ela, a curto prazo, a universidade só terá curto prazo” (Santos, 1994: 196 e 200).
No governo FHC, estamos diante da conjugação de dois processos de privatização: através do processo de expansão do setor privado, pela via institucional, atinge seu ponto mais alto em termos brasileiros, reduzindo a matrícula em instituições públicas a apenas 1/3 do total; através do estímulo a privatização do espaço público acadêmico pelo produtivismo competitivo e pela reforma do Estado que precarizou sua missão publica introduzindo a lógica do mercado.
Na sociedade contemporânea, conhecimento e poder se interpenetram em todos níveis, da esfera pública ao mercado, redefinindo o significado do espaço público nas universidades e afetando na raiz sua “missão social”. Esta questão, além de interferir na lógica da produção do conhecimento e suas formas de aplicação em benefício da sociedade, coloca também, para a comunidade universitária e seus dirigentes, uma questão central de natureza ética: uma instituição pública não pode se deixar dominar pela lógica do mercado ou do poder.
Esta é uma questão que está, hoje, no centro da disputa entre as concepções opostas de autonomia universitária. De um lado, a defendida pela comunidade universitária que preserva a liberdade acadêmico-científica, viabiliza a autonomia de gestão e patrimonial com controle público a posteriori e protege a universidade das injunções do Estado e do mercado. De outro lado, as propostas apresentadas (sem sucesso) pelo governo atual, cujo objetivo era instrumentalizar o conceito histórico de autonomia, dentro de uma lógica estritamente financeira e de contrato de gestão, para liberar, no médio prazo, o Estado da responsabilidade sobre o financiamento das universidades públicas.
Todos esses fatores estão alterando a identidade própria da universidade pública e sua singularidade enquanto instituição social, atingindo sua autonomia acadêmica pela erosão do espaço público e pela privatização do ethos acadêmico. Esse processo levou a especialistas americanos, que compararam universidades australianas, canadenses, americanas e inglesas, a usar o conceito de “capitalismo acadêmico” no sentido de “os esforços institucionais e do corpo docente para obter fundos externos da mesma forma que o mercado, como parte do mercado” (Slaugher and Leslie, 1999: 209).
A resposta a esse processo tem de vir no bojo de uma reforma universitária profunda que –sem nostalgia do passado, mas respondendo aos desafios do presente e do futuro– tenha capacidade de articular os anseios da comunidade universidade por uma reformulação do projeto universitário com as demandas legítimas das instâncias representativas da sociedade, por meio de uma política de Estado que preserve e recomponha a missão pública do nosso sistema universitário.
A consciência, pois, de que a universidade é uma instituição social que não pode apartar-se da sociedade de sua época deve estimular a comunidade universitária e o governo a lutarem pela transformação do nosso sistema universitário: transformando os anacronismos do passado e enfrentando com ousadia os desafios do futuro século, mas sem renunciar a sua histórica missão pública.
Esse é o desafio a ser enfrentado: compreender as diferentes dinâmicas universitárias e políticas governamentais para buscar novos caminhos. Esta é uma tarefa urgente e uma exigência acadêmica e política. A comunidade universitária e seus dirigentes têm que se mobilizar para debater amplamente a questão e propor alternativas que tornem possível a reforma necessária para garantir o futuro da universidade. Tornou-se inadiável que todos os segmentos da comunidade universitária saiam do imobilismo questionando a “inércia” tática dos governos. Não basta mais a mera resistência e a postura defensiva, porque elas podem conduzir a um dos objetivos dos governos: tornar obsoletas as estruturas atuais, legitimar a privatização interna e manter a comunidade acadêmica sob pressão permanente através da precarização do espaço público. O terreno tornar-se-á, então, fértil para a hegemonia plena das “políticas salvadoras” neoliberais.
Nesta perspectiva, é preciso retomar e recriar esse patrimônio de metáforas incorporado à memória coletiva, nascido na espontaneidade dos momentos de crise radical e de transformação da universidade para fazer face à nova conjuntura mundial sob a hegemonia do neoliberalismo. É a tarefa fundamental para todos os que querem preservar e renovar a instituição universitária. Seria conservador e, facilmente acusada de “corporatismo”, manter uma atitude que se limitasse à defesa universidade pública, considerando-a como imune a qualquer reforma de sua estrutura atual, desprezando as lições da história das universidades e suas transformações no tempo e no espaço.


Bibliografia
Association de réflexion sur les enseignements supérieurs et la recherche (ARESER) 1997 Quelques diagnostics et remèdes urgents pour une université en péril (Paris: Liber-Raison d’Agir).
IBRD/The World Bank, 2000 “Higher education in developing countries:peril and promises”, in The Task Force on Higher Education and Society, Washington.
Balan, Jorge 2000 “Políticas de educación superior: los desafios del futuro”, in Balan, Jorge (coord.) Políticas de reforma de la educación superior y la universidad latinoamericana hacia en final del milenio (Cuernavaca: UNAM/CESS).
Brunner, José Joaquim 1989 “La educación superior y formación profesional en América Latina”, in Revista Mexicana de Sociología (México: UNAM) Año LI, Nº 3, Julio/Septiembre.
Casillas Alvarado, Miguel Angel – La récomposition du champ universitaire au Méxique, thèse pour l’obtention du grade de Docteur de l’EHESS, Paris, juin 2001, 489 p.
Cole, Jonatham R. & Stephen R.Graubard 1994 The research university in a time of discontent (Baltimore/London: The John Hopkins University Press).
Coraggio, José Luis 2001 “Construir Universidad en la adversidad”, trabalho realizado para a IIª Reuniao de Ministros de Educacáo das Américas no âmbito do Consejo Interamericano de Desarrollo Integral (Punta de Leste) Unidad de Desarollo Social y Educación de la OEA, 24-25 de Setembro.
Chauí, Marilena 2001 “A universidade em ruínas”, in Trindade, Helgio (org) Universidade em ruínas na república dos professores (Petrópolis, Editora Vozes/Cipedes).
Días, Marco A., 2000 Utopía y comercialización en la éducación superior del siglo XXI (París) Mimeo.
Dias Sobrinho, José e Dilvo I. Ristoff 2000 Universidade desconstruida: avaliação institucional e resistência (Florianópolis: RAIES/Insular).
Errandonea, Alfredo 1998 La universidad en la encrucijada: hacia un otro modelo de universidad (Montevideo: Nordon-Comunidad)
Freitag, Michel 1996 Le naufrage de l’université (Paris: Editions de Découverte).
Gentili, Pablo 2001 “La universidad en penumbras: el circulo vicioso de la precarizacion y la privatizacion del espacio público”, simposio internacional Higher education and civil society in Latin America (New York) 29-31 Março.
Kogan, Maurice and David Kogan 1983 The attack on the higher education (London: Kogan Page).
Lucas, Christofher J. 1998 Crisis in the academy: rethinking higher education in America (New York: St. Martins Griffin).
Lucas, Philippe 1987 L’université captive (Paris: Publisud)
Menezes, Luiz Carlos 2000 Universidade Sitiada: a ameaça de liquidação da universidade brasileira (S. Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo).
Mucci, Raffaele de e Maurizio Sorcioni 1996 La babele dell’Università (Roma: Ideazione Editrice)
NACLA, Report on the Americas 2000 The crisis of the latin American University (Washington) Vol. XXXIII, Nº 4, January/February.
Pour un modèle d’ enseignement supérieur 1998 (Paris: Stock) Rapport de la commision présidéé par Jacques Attali.
Readings, Bill 1996 The university in ruins (Cambridge: Harvard University Press).
Reynaut, Alain 1995 Les révolutions de l’Université essai sur la modernisation de la culture (Paris: Calmann-Levy).
Rodrigues, Roberto 2001 “La educación superior el mercado. Configuraciones emergentes y nuevos proveedores”, trabalho realizado para a IIª Conferencia Latinoamericana y Caribeña de Ciencias Sociales (Guadalajara) GT Universidad y Sociedad, 21-23 de Noviembre.
Rodrigues Gómez, Roberto 2000 “Educación superior y desarrollo en América Latina: un ensayo de interpretación”, in Balan, Jorge Políticas de reforma de la educación superior y la universidad latinoamericana hacia en final del milenio (Cuernavaca: UNAM/CESS).
Santos, Boaventura dos 1994 Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade (Porto: Afrontamento).
Schwartz, Laurent 1983 Pour sauver l’Université (Paris: Seuil)
Schwartzman, Simon 2000 A revolução silenciosa da educação superior brasileira NUPES/USP, São Paulo (mimeo).
Siqueira, Angela C. de 2001 “O documento ‘conjunto’ Banco Mundial/UNESCO sobre o Ensino Superior”, in Avaliação (Campinas) Ano 6, Vol. 6, N° 19, Março.
Slaugher, Sheila and Leslie, Larry L. 1999 Academic Capitalism (Baltimore: The John Hopkins Foundation).
Trindade, Hélgio 2001 “A UNESCO e os cenários da educação superior na América Latina”, in Universidade em Ruínas na República dos Professores (Petrópolis: Editora Vozes/Cipedes).
Trindade, Hélgio (org) 2001 Universidade em ruínas na república dos professores (Petrópolis: Editora Vozes/Cipedes).
Yarzábal, Luis 2001 “Impactos do neo-liberalismo sobre a educação superior na America Latina”, in Avaliação (Campinas) Vol. 6, N° 1, Março.

Notas
* Este texto é uma versão modificada do capitulo As metáforas da crise: da “universidade em ruínas” às “universidades na penumbra, publicado no livro coordenado por Pablo Gentili (2001).
** Professor titular de Ciência Política e ex-reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil). Coordenador do Centro Interdisciplinar de Pesquisa para o Desenvolvimento da Educação Superior (CIPEDES) e organizador do livro Universidade em ruínas na república dos professores (2001).
1 Significa literalmente “tirar a gordura do mamute” e este como sinônimo de universidade.
2 Essa posição de Donald Wincler do Banco.Mundial, foi contestada pelo então Reitor da UNAM, José Sarukham ao afirmar que em sua instituição “dois de cada três alunos que entram para a licenciatura são da primeira geração de sua familia que vai à universidade. Tem isto algo de elitista?” Maiores detalhes vide Trindade (2001: 27-37).
3 Por exemplo, a necessidade de expansão da educação superior, sua missão pública, sua relação com o desenvolvimento da sociedade e à formação da cidadania democrática, e, inclusive, revalorização papel do Estado no financiamento e a importância de dirigentes com liderança para melhorar os níveis de gestão universitária e a relevância da educação humanística para os países em desenvolvimento.
4 Esta foi a metáfora que utilisei na minha exposição sobre o documento “conjunto” Banco Mundial/Unesco na recente “Reunión Regional de Seguimiento de la Conferencia Munidial sobre Educación Superior de la UNESCO para la América Latina y el Caribe, La Plata (Argentina), 15-16 de março de 2001.
5 Dados de apoio sobre sistema de estaduais de SP e IFES:
6 Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE no governo atual, é o autor de uma conferência apresentada no NUPES/USP com este título – ‘A revolução silenciosa da educação superior brasileira’. O autor tenta justificar a política do governo no campo do ensino superior com a metáfora da ‘revolução silenciosa’que, na realidade, seria mais adequado chamar-se de ‘revolução invisível’na educação superior brasileira
7 Estima-se que a magnitude do setor de educação superior empresarial no Estados Unidos (for-profit), em 1998 já superava o das universidades públicas e particulares. Ver Rodríguez (2001: 1-5).



COPYRIGHT DEVIDO AO AUTOR DO TEXTO.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas