DE
HISTORIA GERAL DO DIREITO
OBRAS JURIDICAS DO AUTOR :
FRAGMENTOS JURIDICO-PHILOSOPHICOS, 1 vol.
HISTORIA DO DIREITO NACIONAL, 1 Vol.
OBRAS LITTERARIAS DO MESMO :
A POESIA SCIENTIFICA, (estudo critico) l vol. VISÕES
DE HOJE, (poema) l vol. ESTILHAÇOS (versos) l vol.
TELA POLYCHROMA, (versos) 1 vol.
COMPENDIO
OK
HISTORIA GERAL DO
DIREITO
POR
J. I Z I D O R O M A R T I N S J U N I O R
Lente Cathedratico da Faculdade do Recife.
PERNAMBUCO
RAMIRO M. COSTA & C ~ EDITORES
LIVRARIA CONTEMPOHANEA
1898
A
Sylvio Roméro
O GRANDE JURISTAPHILOSOPHO,
CUJA OBRA CRITIO-LITTERARIA É O ORGULHO DA ACTUAL
GERACÃO BRASILEIRA.
HOMENAGEM
De uni dos mais humildes da
Escola do Recife.
Du jour où on a connu le sanscrit et entrevu les lois de
la transformation du langage à travers les temps et les
lieux, on s'est aperçu que la spéculation pure etait
impuissante et qu'on perdait son temps à n' étudier qu'une
seule langue, fût-ce le gree ou le latin. Il en est de même
de la science du droit. Si elle se livre à la spéculation
abstraite. elle s'égare; si elle se renferme dans Vétude d'un
texte unique, fût-ce le Digeste ou le Code Civil, elle se
condamne à voir sans comprendre. Elle ne peut trouver la
raison des choses qu'à la condition de n'ignorer aucun des
monuments de lé' gislation, de les rapprocher les uns des
autres et de les embrasser tous dans leur ensemble.
R. DARESTE : Études d'histoire du Droit.
HISTDHH GERAL DO OIBEIIO
I Evoluçào do Direito e
leis que a dominam
Oonsiderado como nnrma agetidi, como coniplexo de regras
cousuebudinarias ou escriptas, o Direito nâo é sô uni engenlioso
mffhaninmo regulador da co-existencia social ein tal ou quai griipo
Jiuiiiîino ; é tambem, e principal mente, uni organismo, mu quasi ser
estrueturado e vivo, nascendo, evoiuindo e fluando-se en» condiçôes
détenu inaveis. (1)
Olhando-o por esse, prisma é que se pôde repetir, coin K. Von
Jhering, que o Direito «présenta «fcodos os attributos de uni produeto
natural : a unidade na maltiplieidade, a indivi-dualidade, o cresciinento,
etc. »
K é sobretudo nesse ponto de vis!a que se pôde fallar jein mua
evoluçào juridica, porquauto o lado mechanico e cul-tural do Direito
presta-se ninito meiios à inanifestaçao desse pheuoiueno.
Talvez por nao ter attendido ao duplo modo de ser, orga-hnco e
viechanico, do Direito, foi que 6, Tarde oppoz a idéa de
(1 ; Vid. Historia do Direito National, pelo ftntor, pags. 8,9 e 10.
OOMTENDIO DE H1HTOKIA
evolaçâo juridica a de meras tranuformaçOet, determinadas, îa m6r parte
dos casos, pelo espirito de tmUnçâo. (1) I Real mente, visto no geu aspoeto
de instituto social, de np-p;trelho regiilador e «Hector fabricado
voluntariainente para réalisai- na Cidade lui mai la «o accordo das
vontadea, produziu-do a equaçâo dos intéresses », o Direito pôde
apparecer-nos desegual, fragmentndo, imitativo, e em miiitos casos
regrettaioo\ niesnio.
Nîlo assim si o virntos na sua feie&o fondamental e orga-nloa, conio
nm prodûéto natural determinndo por fatal idades bio-sbc.iologicas.
EéimpoKKivnl recusar ver o Direito por esse priant», hoje que OH
methodoe das scioncias unturaee reunvaram OH estudos soeiaese dominant
em nbaoluto o campo dos conhecimentos lui-manoa,
Passaram on tempos em qoe se podia dizer que «o Direito) é nm acto
do livre-arbitrio, fundado na Ici moral e portait (o lima expansao da
voutade detorminada pela Intelligeucia. (S) A propria modalidade cultnral,
apparentement» voluntaria, do Direito, conforme o veinos entre on povos
modemos. ôbedeee a il Mi deteriiiiiiismo especial. em «pie ON
antécédentes e o laeio représentai!! o papel principal.
AMM»ntenios, pois, que te pode fallar desa»sombradameiito de
umn eeoluçâo jttridictt, d<> inesmo niud<> que se pode fallar de nma
truluriio dan e*p*d«ê (phllogênin..- on da evolnçao de uma especie
végétal ou animal detorminada tiuttiygfnUt).
O niesnio jurintu philosopho que acima Htamoa, o autor do livro Le*
Traiv/ormaUojtit du Ihoit nfto M auimon a repellir, de modo absolut*, a
idéa de que se trala.
mechanica e da loglea, • propo«*«*B a « iudicar os priuçïpaea traçoa da
emihtçêm
operaçfto de logica noeial.» ;
«J KKAI . DO DIKEITO 9
I A eoncepçâo de uni Direito orgnnismo, movendo-se, desenvol
vendo-se ou evohiindo, no tempo c no espnco, alravez dos povos e dos
paizes ; uurgindo do plasma piimitivo do facto ou do costume para
especializar-se nas regras législatives e nos codigos ; liga-se iutiniamente
a esta outra eoncepçSo da Socie-I dade-organismo, que ê a ceci ta e
défend ida hoje polos melbores e majores espiritos, em que pesé a Guniplowicz,
o illustre au-tor da Luta dan riiçu».
m A Sociedade-organinmo evoluiu e évolue anatomica, mor-phologioa,
pbysiologica <• psycbologicamenle, por intermedio da luta e sob o
agnilhao dos elenieutos bereditarios e mesolo-gieos ; o Direjtoorganisnio,
visceralinente ligado â .Soeiedade, evoh'ie coin ella e do
niesuio modo que clin, fazcndo idoufciçà trajeetoria. supporfando egunes
influeucias e In las, obtendo as mes mas victorias e der rotas.
fi' esta a lioao dos lac!os ; é este o depoimento da arcbeo-iogia, da
antbiopok)giu e da historia.
I Assim, porexemplo, qnando remontainos & phase inicial de
associacionisnio, em que varies nueleos de iudividuos coiisan-guineos e
afiins, divididos em tribus e bordas, viviam nomades ou sedentarios, sem
mua organisacao politiea régular, entregueS exclusivanicnte as
neeessidndes pbysiologicas da alimenraçâo e da procreacao : vamos
encontiar types de familia eaboticos e rudiinentares, refleetindo o
pro]*rio cabos das aggremiacôes primitivas. E' aqi i i o hetairisnio, ali o
nintriarobado polyan-drico, mais longe a polyganiia p.itriarcbal
endogamiea e exo-gainica e raraniente, ncsle ou uaquelle ponto, o typo
mouo-gamico da uuiao conjugal. (1) Tu do coufuso e informe, conio o
envolucro sopial respective H Si enearamos o phenomeno da
propriedade, vemol-a por
H (1) Para o fim ijue aqui temos em rista nâo carecemos Raber si promisenidade,
polyandrie, polyganiia e moiiog-areia dereni ser oonsiderados phases
rejrnlareu e suoeessivas da evolneâo da familiii. Conheccnios as divergen-oias
dos antorcs a esse reapeito e saluanos quaoto «5 atacavel n seriaçào de que se
trata. embora propoata e defendida pela gvneralidadc dos sociolo-Igicos e
juvistas,
2
10 COMPENDÎO DE HISTORIA H
.
sua vex evoluir, adnptaudo-se snceessivanieutû nos vavios roo-dos de
coustitnicao social : isto e. vemol-a mobiliaria on im-movel, individual ou
colleçtiva, colleetiva da fumilia ou dai tribu, conforme as eondieôes de
existeneia e desenvolvimento dos agrnpamentos sociaes primitivos. (1)
Foi da familia patriarchal, e posteriormente do clan e da M'ibu, que
nasceram as primeiras sautcnyas, portauto as pri-roeiras regras de Diieito.
« Por toda parte, no régime patriarchal, a justica esta no arbitrio dos jimes,
loi é a decis&o do pae» do chefë dessus aggregaçôes de pessoas, familias
ou clans que por jnstaposiç&o constituent jâ uni povo nias nâo formaiu
ainda uuia iiayâo. Isolados os homcus cm grnpos faïuiliarësj a palavra do
pae é a Ici cm oada casa : é a nnica loi. Depois, aggregadas as familias cm
clans, coustiluida a nnidadc da villa, os grnpos relaeionamse, e o enefe.
ré'i, coude, consul, juiss, king, konig, graf, soplietim, etc.-r é coino o pae
de mua familia mais vasta e o .juiz de «nui asseiubléa mais nniuerosa ;
mas o seu arbitrio. inspirado pelas Ihàntistes e nâo apeuas caprichoso, é
ainda a nnica lei, a maueira do que fora a do pae nos limites mais
acanhados do l'ôro domestico. » (2")
Os primeiros institntos penaes bu ma nos. taes como o Miâo e a
vinganya lamilial : o barbare instruinento processnal das ordaliwi wjuizox
de Dcus, revelam tambem, de modo éloquente, a ligayao intima das
eoncepeôea e ereacôes juridicas coin o es-tado gérai, — mental, affectivo
e pratieo—das sociedades cm que ellas surgem.
Nâo teuios necessidade de mais para nos conveneermos de que o
Diieito organismo tein, como o organisant social, de qne é commensal,
uma evolnyao que se pôde déterminai- e cujas leis superiores precisam ser
estudadas.
(1 ) Ainda neste ponto devranos advertir qne uào nos préoccupa a questâo de
sabot si a marcha da evoluçfi" effeetuon-se, nascendo o communismo familial do
oommunisxno da aldeiâ on da tribn. ou este dnquelle. Basta-nos ter certeza de que
as dnns formas alludidas ezistiram, tendo alias como con-temporanea e talvez
como predecessora a propriedade individual mobiliaria. \ enibora exeepcional e
limitadissima.
(2) Oliveira Martin» : Qnadro das Instilniçôes primitivas, pâgf. 145,
11
I
Encarando a qnesrào no se» aspeefco mais gérai, podeuios dizer que
a lei que préside il evplûçâo do Direito é a mesma que rege a Historia, no
seu desenvol viuiento secular, e da quai é uni resuino a vida intelleetual
de cada individno j por isso que jà eni biologia, jâ em sooiologia, a
ontogênia é uni resuino ou reproduclo individnal da pkilogênia.
Qualqner que seja a formula ofPerecida para traduzir a rel'e-rida lei
da Historia, ver-se-lia que o instincto juridico da ha-inauidade adaptou-se
seinpre as fatal idades da mesma lei. ES uueinos, por exeniplo, a célèbre
lei dos très estados, forum lada pelo fiindador da Philosophia Position e
pelo inesmo philosopho lançada eomo alicerce da Sociologia : — Todas
asl nossas eoncepçdes, qner iiulioiduaes quer collectivas. passant pelos tres
estados seguintes : o theologico, o metaphi/sico e o positivo.
Sabe-se que nessa concepçào de Auguste Comte o estado
theologico caracterisa-se pela predomiiiancia do sobrenatura-lisrao
religioso na explicaçâo de todos os pheuomenos ; o estado metaphysico,
negativo e dissolvente, consiste ua explicaçâo dos phénomènes por
entidades imaginarias, verdadeiros entes de razâo, desprovidos do
earacter de Divindade ; o estado positivo, eiufim, traduz-se n1 unia
interpretaç&o do miindo, fornecida pelos processos scientificos, se m
preoccupaçao de causas originarias ou finaes.
Dada como verdadeira a lei comteaua, poder-se-ha dizer que o
Direito perron e tanihem os très estados allodidosf Pa-rece-nos que si in.
Na India, na China, na Assyria. no Egypto, na Grecia, eut Borna,
no Péril e no Mexico, para sô fallar das grandes civili-saçôes anfàgas, o
primitivo Direito, quando nao foi francamente theocratioo, foi
profundaraeiile theologico. E' o que verifica-remos amplamente no
correr do nosso estudo, quando tivermos de tratar em particular das
velhas civilisaçôes referidas, e denCOMPENDIO
DK ItlSTOKIA
tro em ponco, qnando assignalarJUGs a confns&o originaria do| Direito
coin a lîeligiao e a Moral.
O periodo metapUysico do Direito foi, e ainda é actual-mente. mua
realidade ïrrecrisavél.
Quando, coin o correr dos tempos, os jurisconsultes e phi
losophe* abri ram brecha, em nome dus idéas de justiça e de
bumanidndc, no velho rednoto do Direito patriarohal e sagrado,
comecou para a Jnrisprudencia a phase criticn e dissolvente,
que do seoalo XV em dennte o espirilo humaiio inieiou, na
theoria e na pratiea, oontra o regimen eatholioo feudnl. Basta
recordar a obra dos» prudente* e dos pretor°s no Direito Romane
para avaliar a importancia da trausformaçao re.nl isada na diiweao
a que alludimoa. A cequHm, o jux honorarimn, forain na
vida jnridica pcoidentail a primeira lunuifcstayao do philoso
pbisiuo qne (!rotins e sons discipulos transformaram liesse ex-1
tenso compendio de mi'taphysica qne veio a chamar-se Direito
Natural, eein que l'allam ainda hoje uiuitosjnristas.
I O cstado poHtivo do Direito é, pot sen turno, uni facto in-negavel.
Corrcspondendo a nma coneepçao scientifica do mun-do, que KO em
ineiados do nosso seeulo nos ponde aer fornecida, elle esta
necessariameute no seu inicio, e coexiste ainda coin os restos dos estados
anteriores. Entretanto é indiscutivel que a concepcao qne hoje tomes do
Direito saturase eada ve* mais de espirito scientitico, isto é. positivo.
A substitnicao do conneito de um Direito Natural, etemo. iinmntavel
e anterior ao homeui, pelo de uni Direito hutnano, variavel e évolutive, fil
lu» das necessidades organicas e cuit limes da sociedade, é o signal da
crescente e definitiva positiva-e&o das iutniçoes e instituiyôes juridicas.
Além disse ahi estào as récentes e progrcssivas applicaçôes dos methodos
das sciencias naturaes aos problemas do direito pénal e mesmo do civil,
para attestai' a entrada do Direito em uma phase nova, puramente
naturalistica e scientifica.
Vê-se que, estudaudo a evoluçâo juridica, poder-se-hia as- j signalarlhe
conio lei capital a inesma que Auguste Comte deu coino base &
Sociologia.
GKRAJ", DO DIREITO
H Mas OH jinistiis nfto Ne téin contentado coni isso, e procura m as
leis espeeîaes do phénomène que nos estd ocenpando.
E' assim que G. D'Agnanno, em sen notavel trabalho Lui \genesi e
Vevoluzione del Diritto Civile, insère uni capitulo des-tinado a esfcndar as
leis que governam a vida do Direito. I O illustre ci vi lista italiano,
subordiuaudo-se ao ponto de vista anthropologico que domina toda sua
obra, aponta a he-rança, o meio, e a Ivta, oomo sendo as lois em qnostao.
(1)
Nâo ha d ii vidar que os l'a H os a que se réfère D'Agnanno H&O
verdadoiros e que tacs factos podem explicar a desenvo-Incâo do Direito,
eomo parte intégrante do orgauismo social, que, por sua vez, obodoce as
condiçÔes de licreditariedade, e que In ta. para adaptar-se
convonicntemente ao meio em que évolue.
Mas o que torna pou eu apreciavel a explicaeîlo do mestre
italiano é exactamente a ncnlmma peeuliaridade jnridica das
leis que elle «présenta eomo doininadnraa das insitituiçôVs rcspeetiv'iiH.
Pedindo cinprestadas a os natiu «listas Darwin e Hn>-
ekel as leis geraes du cvolm/ào das especies, D'Agnanno lez o
inesiuo que t'aria queiu se limitasse a dizer, segundo a coneepeao
de Comte, acima ex posta, que o Direito atravessa os très estados
revelados na Historia durante o evoluir da mentalidade hnniana.
X estas condiçÔes nâo podemos considérai' as leis de D'Agnanno
senâo eomo iudicadoras de que o Direito-organisnio évolue do mesmo
modo, e soi» os inesmos impulses, que a Sociedade-orgunismo ; —
exactamente eomo na hypothèse da lei comteaua. H Ao contrario de
Oiuseppe d'Agiiauno, um sen illustre pa-tricio, Pietro Cogliolo, atiron-se
résolu lamente na pista das lei* technico* e expeeifica* da evoJneao
juridica. (2)
(1) Note-se que D'Agnanno, no munmario du capitulo cm que se occupa
deste luwampto cnunicrti as leis alludidns destc modo ; 1* traditione, 2" crédita-
S'lotta pel diritto ; muH no desejivorrànonto du su» thèse équipant si tradiçâo à
herança (que iuïo difforcm rcalmcutc) e indien, o umbicnle on meio oomo o
maior modificador do Direito. ao lado da hereditarieda.de e da lubi.
(2) Vid. Pietro Cogliolo : Filomfiu del Diritto Privato.
u COMPEKOlf» PP. HISTOUIA
Eis as que elle fonnulon, clêpois do inquerito a que pvoce-deu nos
dotai nios da historia :
0 Direito (• primrtramente formudo un OKXS e ua familim e pouco a
pouco i tranxferido ao Estado;
A ewcciiçHo das sentaneos é primeiramente pessodl e dépôts \rwtl
; M As relttçôt'x juridicas antlgas ne enearuam ntis forma» pro-\
eessftae» ;
Todas a* formas ne modifieam. simplificamlo-se, e passa ado pelo
est ad i» do HIMULATA PEO VBR18;
Os êodigÔS de uni poco surgnn unqiielle periodo em que os
eostumes e an regras sâo nmue.rosos e est&o a eorromper-se.
Algumas (lestas leis, especiulihetité a 3*. e a 4»., sîlo alta-meutc
npreciaveis. A preeedencia (la aclio sobre o jus on do Direito adjectivo
sobre o substaut-ivo, é uni dos facto» mais intéressantes e génies
foimas prooessnacs 6, coino veremos daqui a pouco, mua importante lei
da evoluçao juridica, — loi, alias, jâ assignalada por Pierre Alex, no aeu
intéressante estndo iutitulado : Le Droit et le Positivisme.
Ontro antor itaîiano, (i. Carie, l'ai la em mua M de progrès- j sir a
tspiritualisaeào do Direito, em virlude da quai » força se subordina â
razâo, o eerto se fax seinpre melhor interprète do ver-dudeiro < a
autoridade procura eada vcz mais o apoio da razâo. « Por forya dêssa lei,
dix. elle, o Direito veui seinpre se despindo do que tin ha de material e de
rude mis suas origens para fazer-se de mais em mais interprète bénigne e
huinnno dos principios de razâo ».
Podiamos adoptai- pnra e siniplesmente as leis on aigu mas das leis
propostas por Cogliolo, on a indieada por Carie, simpli-ficando assiiu a
nossa tarda e pondo remate aqui ao assumpto. Mas parece-nos que
tomando ponto de vista différente do dos an- j tores da Filosofia del
Diritto Privato, e da Vita del Diritto pode-remos obter, uesta materia, aigu
nui cousa de mais simples e de mais précise.
GERAT. DO DIREITO 15
TTina vez que considéra mos o Direito uni organismo social «Ni
tjewrix, nâo é difficil :it(ribuii'-llie um aspecto physiologîco, ou antes,
aiinlowo-physiologieo e um aspecto morphologico.
E' o que julgamus necessario fàzer para mais régulai' encaminbameiito
do traballio que temns cm vista. Vamos pois, indngar
separadamei ite, 1', quai o modo de evoluçao do Direito o.ncarado como
organismo activo, dotado de energias fnnceio-naes ; 2; quai o modo de
evoluçao de suas Formas exteriores. Vejamos.
Nos primordioB dus vol h as sociedades. avôs da civilisacao, a vida
collectiva ostentaria o vultuoso polymorpliismo que ve») rificamos lias
sociedades de hqjeî
Absolutamente uâo. A confusao mais compléta, o syncre-tismo
mais absolu to doiuiuavam auquel las epochas as iustitui-çôes soeiaes e
as relaçôes iiidividuaes ; religiâo, moral, sc.itncin, arte e iudiistria eram
rai os de um mesmo circulo, coincidiudo e sobrepoudo-se uns aos oiitros.
A antoridade que autbropomor-pbisava Deus ou os Denses era a mesma
que estatuia sobre os costumes privados, que dava a e.xplicaeào do
euigma do m un do, que inspira va. as creaçôes artisbicas e regulava a
actividade pra-fica. Tu do esta va como uo cabos biblico : escuro e
araorpho. 1 " Abra-se o Mattava Dharma Saatra, a collecçao de leis de
Manu, e. ver-se-ba que os sens doze livros te m por objeeto, além da
creaçâo, da voeaç&o religiosu. das regras de abstiuencia, da penitcncia e
expiaçào e da transmigra çâo das aimas, mais: o easamento, os modos de
acquisiç&o, os deveres dos jnizes, as leis ci vis e criininaes, o direito de
successao e os deveres dos agri-cultores, dos industriacs e dos famulos.
Quadro somelhante nos offerecem o Zend-Avetita de Zoroas-tro. es
livros de Confucius, os hierogryphos egypeios, a legis-laçào de Mnysés
o o livro sagrado da religiâo mahoraetana — o Koran. Em todos esses
monuraentos da mentalidade antiga ha
10 COM PENDU) DE HiSTOKIA
mn f'Oino sinete anagranuuatieo fia religiao. da moral edaartc,
entrelaçadas an Dire.ito, marcaudn totlas as manifestaçôes (la aetividadë
social priniitiva.
K' assitn latnbeui na Grecia, (;m Renia e entre os antigos germanos.
Na Grecia, diz Ahre.ns, o direito e. a lei u&o se des-taearam iiiinca da
ethica ; na tlieoria e na pratica o direito e iv politica sào eoiisideiados,
notadamciite por Platao c Aristo-| te les, conio consti timide siniple.-nu-nte
mu ramo das sciencias ethiens.
A se il tnrno os pri moires legisladores ruina nos obedeceram a
fatalidatle liistoriea. O autor eitado assevera que a priineira epocha do
direito romano teiu autos de tudo mn earneter re.li-gioso, tïindando a
nnidade de toda a existeneia e de todas as instituiçôes eom a ligayao délias
a religiao. B rei'erindo-se aos germanos, escreve: entre os autigos allemaes
nos vamns achat* mua allianca do Direito e da Religiao analoga a aquella
que eu-eoiitrainos nos tempos primitives do povo i iul iano e na velha
Renia.
Todos os autores cslâo accordes nesse ponto, e Biagio Brugi résume a
opini&o dos confrades quando affirma o seguinte : « Xa-quellas
lunginqnas sociodades, as quaes queiramos remontai*, o Direito, n&o se
apresenta conio uni eonceito distincte dos outres lados da vida social : ha
sim mua homogeneidade da vida priniitiva. O Direito confuude-se coin o
costume, coin a moral e eom a religiao, que envolvem toda a vida do
individuo, inclusive os principios juridicos. »
De tudo ifcto verifica-se que no estadio inicial das civilisa-Çôes, o
Direito nos apparece visceraliuente uuido, ou antes con-fundido coin a
religiao, a nierai e a arte, pelo menos.
Mas gradati va mente e dia a dia elle se vae differenciando,
especialisando, individnando ; destaca-se pouco a pouco da placenta
conimnm e arroja-se para a vida conio uni ser indepen-dente, automone,
disponde de vida propria. Dâ-se ocaso, înuito conhecido pelés
naturalistas, da reproducyao por sisciparidade.
E essa passagem do complexe para o simples, do homoge-neo para o
etberogeneo, nao se effectua sô a partir da massa
GERAT, DO DIREITO 17
synelirefcica das regras sociaës primitivas até cbegar a accen-tnayâo do
canon juridico j
; a differenciacâo é entîlo de natuiezn heteronomica. ISegue-se, poiém, a
isto a differenciacâo autonomica do Direito, a evohiçao que, sô nelle e a
partir simplesmcnte délie, se effectua, pela segmentaçâo constante e
creseente do respectivo organis-1110, sob a aeç&o expansiva das suas
euergius intimas e ao iufluxo do condicionulismo mesologieo.
H E é assim que da massa primitivainente homogenea e compacta das
regras juridicas salie m uo oorrer dos tempos as mo-dalidades diversas
do Direito : distiiigucm-se o Privado do Publiée, o adjcctivo do
substautivo pela scparay&o do jus e da aetio (para nos servirmos da
linguagem romanft); no Privado o houorario ou doutiinario do escriplo, o
real do pessoal ; noPu-blico o Jnternacional ou cxterno do interuo, etc..
(1)
Glîegados a este ponto, é-nos licito indii/ir, e proclamai'a seguinte
lei de evoluçâo juridica :
Organica e phyniologieamtnte} o Direito eeuliie pmaaudn do
[ttyncretico para o diwreto, do .simples para o componto, do ho-
\mogeneo para o heterogeneo.
Confirma-se. assiui, ueste particular, a lei fondamental da
philosophia spenoeriaua. I
Examineuios agora a desenvoluçao do Direito no tocante a sua
morphoîogia.
Nao lia bistoriographo-jnrista que deixe de assignalar ol complicado
formaiismo do primitivo Direito, em opposiçâo â| simplicidade das
nossas actuaes regras de processo.
Todos os povos fornccem-nos documeiitos, mais ou métros
abondantes, da existencia e predouiinio do symbolisme e das formas sac
rame n tacs nos primordios da vida juridica. Em Borna, sobretudo, o
facto é évidentissimo.
As Institutax de Gaio nos iniciam no segredo das legis actio-\%es, isto é,
das cinco formas sacraïuentaes a que obedecia o primitivo processo
romauo (a nacramentum, a postulat io, a condictio,
(I), Vid. Historia do Direito National, do autor ; introd.
3
18^ COMPENDIO DK HISTORIA
a manu» injeetioe a pignoris capio). Modificado este. meclianismo pelaLex
JRbutia, o régimeii adoptado foi o An* formula- (ad fic-\ Ition-em legte
action-uni) que vigoron até o tempo de Dioeleciauo, sendo entâo
suplantado pelas cognitiones extraordinariw— ina-j nifcstaçâo ultima do
direito prnccs.su al entre os romanos.
Esses très systemas, «spécialmente os dois primeiros, eram
eminentemente. symbolicos e dramuticos, cbeios de actos e pala-vras
consagradas, de formalidades e ce remontas rigorosas, iniu-friugiveis sob
pena de perda da demaiidn.
H Entre os germaiios o formalismo processual nao teve a fî-l que/.a e a
rigidez do romano ; mas nem por isso deixou de exis-tir e de impor-se por
toda parte. (1) Foi em face do phenomeno de que se trata que Frederick
Pollock, na sua obra Introduction à r élude de la science politique, disse o
segniutc : «Quanto mais remontamos ao passado mais eneontramos os
povos esc-ravos do formalismo, e, como hoje diriamos, saerificando total
mente o fnndo dos negocios â forma. »
Poderiamos a este juutar mu il os outros testemunlios de mestres
respeitados. Relembramos, porém, apenas o estadio do simulutu pro verts
assignai ado por Oogliolo, e a par délie o ,jà citado trabalho de Pierre
Alex, que explorou o assnmpto com | proficiencia e exgotou-o.
Resta-nos sômente formulai* a lei que de tudo isso resalta, ' e fal-obemos
nestes termos :
Morphologica ou plasticamente, o Direito évolue simplificando e
abolindo gradualmente as cérémonies symbolicas e an formas sa- j
cramentxies primitivas.
Para nos sao portant o estas, que vimos de formulai-, as dnas
grandes leis teclinicas e especificas da evolnçâo juridica. Outras
podevao ser ennociadas e propostas, mas s6 para completal-ns,
nunca para anuullal-as. H
Ao fazermos nossa viagem atravez da historia do Direito, havemos
de aehar, em cada povo e no conjuncto de todos elles, a verdade dessus
leis, que acabamos de constatai'.
(1) Vid. ob. cit. do nutor ; introd.
II
I Os primcrdios do Direito objectivo nas raças
inferiores.(*)
Disse H. Suniner Maine, uni dos inestres (lesta mater i a, que kf as
idéas rndiiiientares do Direito sa» para o jurisconsulte o que as cainadas
prinlilivas da terra sao para o geologo : con-teem poteneial meute todas
as l'or m as que o Direito tomarâ mais1 tarde. »
A consequeucia a tirar deste îrrefutavel asserto é que o ju-ristahistoriographo
deve remontai' taoto quanto possivel aos primeiros dias
da bnmanidade para surpreheoder no seu surto inieial a sementeira dos
instiuctos juridicos.
E nao basta apreciar os primeiros brôtos da arvore do Direito nas
raças superiores e nos périodes francaniente liistoricos.
(*) FONTES : D'Affunniio. La genesi e l'evoluzione del Diritto Civile ;| O.
Miirtins. Raças hum. e a civil, primil. ; Topioard, L'anthropologie; Le-tourneau,
La Sociologie ; Lubbock. Les origines de la civilisation ; O. Maintins,
Quadrodas inst. primit, : Spencer, Sociologie ; Laveleye, De la propriété ;
Letourneau, L'évolution, jurid. dans les div. races hum ; A. Bspinas, Les sociétés
animales ; Bevilaqua, Contribuiçiiee para a historia do Direito (Re-vista da
Faeuldade, anno I).
20 COMFENDIO DE HISTORIA
Ha necessidade de ir mais longe, visitando com o espirito nao, s6 os povos
que por defeito organico ou influeneîas do meio esta-caram logo na aurora
da intell igencia e da cul tara, como tam-bem as régi Ces ante-historicas
onde o homo primigenius se con-funde ainda com os mais graduados dos
sens antepassados animaes-
Pov esta raz&o somos obrigados a tratar a materia deste capital o de
modo mais lato do que o indicado pela sua épigraphe, lnuitando-nos,
entretanto, a indicaçôes muito ligeiras.
Principiemos por affirmai- que sendo o Direito uni a fata-lidade
social, lima nccessidade organica da vida em co uni m, nao se lhe pôde
assignaiav mua existeucia limitada ao chamado \reino humiliai da velha
philosophia inetaphysica. Os primeiros lineamentos rudimeutares de aigu
mas iustifcniçôes de ordem ju-ridica podem ser encontrados entre certos
animaes inferiores uos qnaes o instincto de sociabiluiade appareee em grâo
apre-ciavel.
Convencido disto disse uni pnblicista notavel : «Todos os animaes
procriam, algnns cbegam a amar ; todos combatem, al-gnus sentem a
gloria e o orgulho da Victoria : observam-se che-fes em certos ban dos,
veeiivse reis nas colmeias; distingue-se faoilmente o medo, embryao dos
cultos, e quem sabe si no cere-bro dos brutos se nao desenham rudimentos
de religiao ? »
Abundaudo no mesmo pensamento escreveu algures o nosso
eminente collega Clovis Bevilaqna : « Algumas dessas organisa-çôes
associativas (as dos animaes considerados inferiores) offe- j recem 1 nuit
os pontos de semelhanya coin as nossas ; pôde-se mesmo dizer que existe
ahi uni pbeiiomeno correspondent*! ao direito objectivo sob a forma de
costumes imperiosameute obri-gatoi'ios. E tambem nao lhes poderemos
uegar a face snbje-ctiva do direito, senao a idéa, ao meuos o sentimento
juridico, vendo-os combater denodadamente, immolar-se pela defeza de
sens nucleos associativos, de sens graueis de inverno, de suas cidadelas. O
direito humano tera uni caracter proprio indnbi-tavelniente : o que se
affirma é que équivale e corresponde as iusbituiçôes que encontramos em
estadios meuos elevados da evoluçao do ser. Foi la que se debuxaram os
primeiros esboços
GEK.U. DO DIREITO m
do direito, como ('• là que cm peregrinaçfto descensinunl iremos deparar
coin as radiculas de quasi todas as art es, e, o que é mais, de quasi todos
os sentimentos hnmanos. » H Si qnizessemos voltar il nossu thèse do
Direito-orgauisnio teriamos nesses dizeres mais um argnmento em favor
délia. Devenu», poréro, prosegnir no deseuvolvimento do nosso assumpto
actual.
Assentado que o estndo da enibryogenia juridica é uma 'necessidade
para a expianayâo desta materia, e qne ella nos for-nece o nixux
formativus do Direito pondo em relevo os costumes e mesmo os
sentimentos de certas espeoies animaes, dotadas de forte instincto social ;
temos precisâo de bnscar, nos grupos hnmanos mais visinhos da
animalidade ancestral, o desdobramento dos institntos jnridicos iniciaes.
Para isso é necessario qne tcnhamos :i vista uma classiifca-yao ou
divisao das rayas humanas, — cotisa que parece facil e que entretanto é
problema dos mais complicados. Basta notai? que tratando-se de rayas,
vem a ton a immédiat a monte o célèbre debate sobre a unidade ou
pluralidade originaria das espeeies bumanas, — a diflicilima queslân do
monogenUrmo e polygeninmu, ou alites, do tiionophyletismo o
polyphylrtimw.
Força é, comtudo, dizer algumas palavras sobre esta materia,
necessariaincute ligada ao nosso piano de estudo.
A.té principios do nosso seculo fallava-se geraluiente e convictameute
de uma experte liumana, o que iuiportava affirmai- à priori a
unidade originaria de todas as rayas. A Sciencia eaPé davam-se aos ma os
uesse ponto, e a legenda de Adào tinba fôros | de cidade nos dbiniiiios da
philosophia. As doutrinas dos naturalistes casavam-se com a tradiyâo
biblica.
Cuvior foi o grande defèiisor dessc estado de cousas e seu nome
symbolisa o intransigente monogenismo classico, de que Quatrcfages,
em nossos dias, se tornou o mais eminente représentante.
Agassiz, porém, rompeu com a doutrina dominante e fez-se o arauto
do polygenismo, susteiitando que as rayas bumanas |nasceram
separadamente em oito pontos do globo, distiiic.tos uns ! dos outros por
uma fauna e uma flora propria.
22 fJOMPEKDIO DE ÎIIHTORI.V
A questâo parecia insoluvcl quando os modernes traballios de
Darwin, Wallace, Hoeckel e sens discipulos vieram facUitar-v Ilhe a
sollicita O trausforiuismo de Lamarck, revigoradoe eom-pletado na
ïnglaterra e na Allemanlia veio Faxer arrefecer o de-bate, niodifioando os
termos do probleina, que segnndo Topi-nard, sfto hoje os seguiiites :
«Os typos huinanos mais elementares nos qnaes se possa remontai',
os typos de al g n ma sorte irrodiictiveis, tenhain elles |o valor de generos
ou de especies no sentido dudo babitualmente a estas palavras, sahiram de
varios antepassados anthropoides, pitheeoides ou ontros, —ou dérivant de
uni sô tronco represen-tado por nm sô genero actualniente conheeido ou
nâo î Os da-dos da anthropologia pareeem-nos mais favoraveis â primeira
opiniîio. As rayas melhnr caraeterisadas, vivns on ex ti ne tas, nâo formam
nma série ascendente unica, comparavel a uni a escala ou a uma arvore,
mas rednzidus a sua mais simples ex-pressâo a uma série de linhas limitas
vezes paralellas. »
E coin Topiuard a maioria dos hoinens de sciencia sustenta
modernaiiiente a origem polyphyletica das raças e linguas hu-manas.
Mas esta conqnista scientiftea difticnlton ainda mais o probleina da
taxinomia ou classificaçao das raças. Desde a antiga divisâo de Linneu (1)
a té a classifieaçao lingnistica de Fr. Huilier tem-se procurado resolver a
questâo, se ni que até esta hora se cbegasse a uni aeoordo sobre a inelhor
das divisées propostas. M As eondiçôes geographieas, os caractères
pliysipos externos, as partieularidades anatomicas, as aptidôes moraes, as
diver-Isidades de idiomas -tudo têm si do procurado como base para as
classificacôes das especies huinauas. Deixaudo de parte os niais antigos,
podemos citar coino antores de divisôes notaveis : Leibniz, Kant, Morton,
Agassiz, Isidore Sant-Hilaire, Huxley e Hoeckel.
A verdade, porém, é que a mais simples e uma das mais antigas de
todas as tentativas taxinoniicas foi a que se enruisou niais ibrteinente no
canipo de sciencia : reterimo-nos aclassifica-
(1) Homo sapiens, homo férus, homo mtmstruosits.
GERAT. DO DIREITO 23
ç&o de Bluinenback, resninida, ou an tes, redusida por Olivier.
Distingnindo 1res grandes raças bnmanas (a hranca ou eau est sica, a
amarella on mongolien e a negra ou ctbiopica) tal ilassi-iieaçào, apezar
de superficial e aceentuadaniente mouogenista, ganhou até as adbesôes
dos scientistas ;ict nues, adeptos d;> plu-ralidade originaria das espeeies.
Para exemplo basfca citar Le-tonrneau, que adoptoua francnuieiite.
De todos os natiiralistas modernos loi Quatrefages 0 que inclhoidesenvolveu
a divisâo ciivieriana. Dos très troneos ci-tados sabem
respect!vanicnte. os aryanos, seaiilas e allopliylos ; os mongol i.ios e
oiigria.nos : os negrifos, melnnesios, alVieanos e saabs (hottentotes).
Tomaudo por base este quadro, ennipre-uos agora iudagar quaes das
raças indicadas podeiu ser eousideradas inferiuies vo\ ponté de vista do
desenvol vimento pbysiologico e psycliico. H O citado atitor de La
sociologie d'après Vethnographie iim-nifesta-se. a respeito de modo
inequivoco, di/.endo :
« O typo mais inferior eiu gérai é o typo uegro. Nunea o uegro,
abmdonado a si niesnio, sein mistura com raças snpe-riores, soube créai'
uma civilisaçâo elévada. Sob esta relaçîlo o boinein amarello, o mongol,
é muito superior. Muito eedo os inelbores représentantes deste typo, os
mongôes asiatieos, loi -niarain grandes soeiedades, sabiamente
organisadas que, coino a sociedade ebineza. rivalisam coiu as
civilisaçôes das raças brancas e sob cerfcas relaçôes podem ntê lhes
servir de modelos. Mesino os inongoloides mais inferiores, os mais
pobres cm cere-| bro, os a me ri rai) os, souberam, por sens typos
superiores, dar outrora, no Mexico e no Perd, nofcaveis exemplos de
progresso social. »
E' cousa sabida coin effeito que entre os varios grupos do typo negro
é que se encontraiii os exemplares mais complétas da inl'erioridade
buiuana, quer quanto â orgauisayâo physiea qner quanto ao desenvol
vimento psycliico. Espalbado pelaOcea-n ia ( pu puas e wgritos) pela
Africa (ethiopios on guineauos e ca\ \fres) e por alguns pontos da Asia
(weddahs e negro» da india) os représentantes desse typo bumano
começam a ser inferiores pelas condiçôes anatomicas. Todos os
efclinograplios e antbropo24
COMPENDIO DK HIHTORIA
logistas assignahtm-lhcs nm enuien alongndo on dolichocéphale» (quando
muito mcMilicppluiln e $uh-brachic*phnl.o cm certas sub-raças). lima
front© estreita na base e fugidfa no alto, lima nuta-vel salioneia dos maxil
lares ( prognat'wnio) aU'm de militas outras particnlaridades osteologicas
que se nfto encontram notyponma-rello o sobretndo no hranco.
E' claro que eoiu uni» tal estmetura e sobretudo coin a con-fornia<;âo
craneana que lhe é propria, o negro na<» pôde possuir nui cerebro
desenvolvido e npto as mais elevadas funeçôes dessej orgao— séde da
iiossa vida de relaçao. Suas concepeôes, por-lanto,—religiosas, mornes,
artisticas, juridieas—hao de ser forçosauiente rndimentares como o
îespectivo apparelho cérébral. (I)
Estit démos, pois, os primordios do Diroito cm aigu ILS dos grupos
mais conheoidos desxa raya.
Poetas c homeus de sciencia estao de accorde em affirmai' que a
fome e o amor, o iiistinctu de conservaçao e o de repro-J dueeao, forant e
sao os dois primeiros e grandes motores do des-envolvimento bumano.
Délies surgiram a familia e a proprie-dade — dois institutos jnridicos
fundamentaes.
Consequentemente vejamos quai é o esta do ou eondiçfio desses
institutos entre alguus povos negrosdaOceauia eda Afri-ca. Em Beguida
nos occupareuios das suas intuiçoes e institui-yôes de ordeiu repressiva ou
pénal.
(1) Burchell quer que <> bosohimano esteja abaixo de todos os homens ;
D'Urville dâ esse logar aos australios e tasmanios, Owen aos andamans. Os
weddahs de quem Dury affirma nâo terem nomes individuaes medem m.1.50 ; as
mulhercs menos. Os negritos après entam nos sens hnbitos évidentes reminisoencias
sîmianas. Bowriug vin cm Ceram nma tribu qne vivia nas ar-j vores
e noton a agilidade corn que o negrito trepa e desce, snspenso polos pés, as
enzareias dos nnvios. (0. Martins : A» raças Humana* e a civil, primit. vol. II).
GERA t. DO 1MKK1TO
a) Oceaniu. — Os nsos familiarcs e mntrinionincs das popu-laçôes
espalhadns pelas mimerosas il bas lia Oeeaiiifi sâo o quej ha de
maisgrosseiro è rudimeutar. tînindo-se sexual mente de uni modo todo
animal, more canino, o homciu e a mnlber nào teem, cm gérai, outra
preoecnpaeao se nào a de dur pasto aos| Sens a petites seusuaes. Nas
tribus mais atrazadas da Australia, da Tasmania e de Andamuii, o qne se
nota oomo ponto do par-It ida da sociedade conjugal é mua larga
promiscuidade ; cele-bram-se até Testas destinadas a annimciar nos
rapazes e rapa-rigas chegados a certa edade que lhes é permittido
entregar-se livremente as relaeôes sexnaes. Entre os andainans as nui
Ibères pertencem a toclos os homens da tribu, seudo para ellas uni cri-nie
negarem-se a qnalquer délies.
I Ha entretaiito, no meio disso certas u unies relativamcnte d m'admiras,
determinadaspela prenlicz da ni i i l l ier e nnscimcuto de uni lillio. Nesta
hypothèse os progénitures de creanea eon-servaw-se nnidus até que o
lilho possa alimentar-se pur si. Nisso uada teem os selvageus de sii|)erior
aoa cliamados irraeionaes, que, coino se sabe, proeedem do mesmo
modo para coin a proie.
Ao lado da promincuidade ou hetairismo, que éj pur suai natureza,
endogamica, encontramos nos povos oceanianos uni processo especial de
ncqnisiçao de mulbcres a que os au tores diamant exogamico, por se
eflecluar entre individuos de tribus différentes. O que caractérisa esfe
proewSSO c o rapto da mnlber, que ora é verdadeiro e brutal por meio de
uma pancada na ca-beça e arrastamento pelos cabellos, ora 6
simulado.oii ficticio, eomo entre os tasmanios, segundo affirma o padre
Bonwick.
Constitue essa pratiea uma forma de casaineuto, destinada a
c on s t i t ui r familia regularf Peusaïuos coin Leloiirncau qne isso que os
viajautes tem impropriauiente cbamado casameuto é « apenas a captura
de uma escrava, que sein duvida poden't servir aos prazeres amorosos do
douo si elle o qnizer, pois que ella é seu animal domestico, sua
propriedade, uni ser (pie elle tem o direito de bâter, ferir, matai-, e
mesmo, segundo a necessidade, de corner. »
£111 todo caso a apropriayao das mulberes pfelo rapto reall
ou ficto dâ logar a uni certo esboço de relaeôes familiales, mais
4
26 COMPENDIO DK HI8TORIA
extensas e profundas qiïe :is (las uttiôes livres endogamieas. Militas vt'/.cs
as duas tribus a que pciteneem mptor e raptada' eonsagrain pybTicàuiciite
a uniâo dos dois por nicio de festas e banquetcs, e até em algumas
celebrum-se certas ceremonias es-! peciacs, como a de amarrai' os
con,juges sV mosinn arvore, qué-brando a anibos o mcsmo dente iucisivo.
Por toda parte a miilhcr e propriedade do honieni que a toinou para si
e que tant o direito de toinar quantas queira, pois que a polygamia é o
costume dominante. Alguns chefes de| tribus, Bobrctudo, possuein
centenas de mulheres, sendo uni pequeno numéro de légitimas (cujos
lilhos sào os unieos reco-nlice.idos) e a maioria do eoncubinas ou
escravas, — todas ellas passiveis de quaesquer encargos e desprovidas de
quaesquer direitos.
Todavia esse ente rebaixado e nullo é, dcbaixo de eerto Iponto de
vista, superior ao iiomem e dominador da l'ami lia, po-| dendo-se
perfeitamente l'allar de uma gynecocracia geral'entre os povos de que nos
oecupainos. O facto da maternidade sendo o unieo eerto para déterminai1 a
filisiçâo c o parentesco (dada a promiscuidade e as pratieus adulterinas
limitas vexes i m postas i'is mulberes pelos pi'oprios maridos) acontece que
o matrîar-chado ea nota dominante lias tribus océan binas. Nas uniôes
exogamicas, os lilhos pertencein â tribu de sua mâe e nâo & de seu pae, e
îuesnio mis endogamieas o pae e o fil ho nao sào con-siderados como
parentes., cabendo, quasi seinpre, a niutio a au- j toridadc patenta.
Em rosunio. e para encerrar esta materia, digamos coin o autor de La
Sociologie (Va-j-rèn Vethnographie, o quai nos tem ser-vido de guia na
présente explanaçâo : «Os costumes melanesios fazem nos assistir â
origem do casameuto ua raça. Ha a prin-cipio uma promiscuidade
compléta, subsistindo ainda maison imenos larganieute nos diverses grupos
ethuicos; depuis a rari-dade dus mulheres e a necessidade de uma ou varias
lestas de cargn levaram a praticar tanto quanto possivel o rapto exoga-l
mico, a principio coin extrema violenoia. Posteriormeiitc as tribus
iiiteressadas ratifiearam, dépôts de exaine e por conveni-îlo| débat ida, o
facto consummado. Mas scmpre a polygamia foi
«KR\I. DO DfREITO 27
1 ici ta ; sempre a miilber foi a propriedade do do no, nào poden-do serlhe
infiel seuâo qnando elle o ordenava ; nao tendo jamais o direito de ser
ci osa de sen mai ido e estando sempre exposta a todos os inaos
tratamentos que elle llie qnizesse infligir. »
Pnssemos agora a observai- o phenomeno da propriedade) entre os
oceanianos.
Como veremos no correr de nossa viagein liistorica, o collectivisnio
é o caracter dominante da propriedade priinitiva. Conforme
observa uni autor, emqnauto nos agrupamentos hu-niauos o nexo
associaiivo repensa sobre o principio de consan-guinidade e nào sobre o
da contignidade local, a familla, a gens, o clan, a horda, a tribu possuem
moveis e imnioveis em com-nium, podendo se qnando mnito fallar no
dominio individual de certes utensilios, adornos e armas. Nem entre os
povos nomades, eaçadores ou pastores, se pôde coin p relie nder a
apropria-yâo individual da terra.
Xa Oceania, entretanto, vamos encontrar o caso singular da
existcncia' da propriedade individual reeabindo sobre a terra. O facto foi
assignalado por Eyre, o autor do importante tra-balbo Discoveriex in A
uxlralia e fcem sido coufirniado por ontros etlinogi-aplios, como
Letonriieau, que a proposito escreve estas palavras : «é curioso acbar em
unia das raças mais inferiores da humanidade a propriedade individual e
alienavel ; isto é, tal quai existe entre os povos modernos. »
Cuuipre notar, porém, que é sobretndo ua Anstralia e na Nova
Caledonia que se dâ o facto alludido. Em miiitos outros pontos da
Oceania a regra gérai é o collectivismo da familia ou da tribu- Entre os
tasmaniauos, por exemplo, a propriedade territorial, pessoal ou
individual, nào existe. O que existe é o dominio venatorio da borda ou
tribu, isto é, a cxteusâo de terra necessaria para a caça, de que vive a
communidade. E essa terra é propriedade indivisa da commiinhao.
A propriedade individual australiana inanifesta-sc do se-guintc
modo: cada individuo do sexo masculiuo possiie uma| parcella
determinada do tcrrifcorio da tribu, e tem o direito de vender. trocar c
repartir sua terra entre sens lilhos.
O mesnio se dâ em Ko va Caledonia, onde todo boinein, pos28
COMPENDIO DE HISTOEIAl
sue nma extensâo mais ou menos consideravel de campos culti-vados.
Aqtii o caso do individualismo domanial é menos extra-nbavel qne o da A
nstralia, pois os ueo-caledonios sâo, era gérai, agrie-ultores e n&o
caçadores.
Reduz-se a isto o que sabemos do institnto da propricdade entre os
oceanianos.
I 6) Africa. As institniçôes familiares das numerosas tri-j bus africanas sâo
fnndamentalmeute semelhantes as dos povos da Oceania. Entretanto a
promiscuidade e o ebamado casa-inento pelo rapto s&o, no grande
continente negro, mais raros do que entre os australianos e melanesios. Por
outro lado o'| regimen do matriarchado appareee-nos aqiii mais nitido e
des-envolvido.
Nas populaçôes da Costa de Gui né, no Sénégal, eni Loanda, uo
Congo, o purentesco femiiiino on de procedencia materna é a| regra gérai.
Tambem na Africa central prevalece identico re-Igimen, de moda a
transmittir-se a soberania ao fllho da irmâ- do soberano e nâo ao deste* Em
algnmas tribus guinéanas quando a mâe é escrava os fdbos sâo tambem
escravos, inda que sen pae seja o chefe ou rei da tribu. Sempre obedecendo
ao mesmo priucipio os filhos dos Kimbnndas perteucem ao tio materno,
que tem o direito de vendel-os. Entre os Goinmi o filho de uni boniem da
tribu e de nma inulher estraugeira nâo é Commi ; é estrangeiro como sua
mâe. Os Tuaregs, por sua vez, obedecem a preoceupaçâo de que «é o
ventre que tinge ofilbo». A criança tuareg é apenas filbo de sua mae :
nobre si a mâe é nobre, es-eravo si a mâe é escrava. Além disso os bens
adquiridos pela familia, de caracter collectîvo, sâo berdados pelo
primogenito da irmâ primogenita, boni preterieâo dos proprios filbos da
de-funta.
Quanto ao regimen das uniôes conjugaes, deparamos corn U808
muito variados, entre os povos da Africa negra. J& obser-vâmos que o
casamento exogamico pelo rapto ou captura existe em algumos tribus,
mas nâo é ali o mais geueralisado. Coin effeito, na môr parte das
popnlaeôes africa nus a comprit toma-o logar do ronbo, o contracte
oneroso substitue a violencia na constituiçâo da sociedade conjugal.
Assim na Hottentocia os
GKR.U. IX) PIREITO 29
pues (la ni i i lhc r nubil trocnm-n'a amigavelntente por mua rez,
considéra «do o ca sautento como nm aoto puramenfe commercial,
résoluve] a vontade e desprovido de qnalqner sanccao. Os ca-fres
coiuprani suas esposas aos pars desde que cl las salient dai prime ira
infancia. Entre os Timatiis e Mandingas a mnlher n&o é consultadn
iiunea para o cnsaniciito ; os pretendentes as compram aos paes, fazendo
o pagamento eni espeei arias diver-aas. As hordas do Gab&o vendent as
tillias desde a edade de très ou qnatro minus e os eompradores l'a zem-se
sens ninridos ao eoiiipletarein ellas doze ou treze an nos — epocha
normal dit tm-hilidadc feminina entre as populaeôes alricanas.
A polygamia é por toda parte admittida como na Oceania, e do
ntesnio modo qne ali a mnlher é seinpre propriedade do| marido, qne
pôde usar da pessoa e serviyos délia segundo os sens capriclios. tendu o
direito de punir o seu adulterio eom a mutilaç&o de nui metnbro ou eom
a morte. Eni certas tribus o divorcio é permittido quer A iiiullier quer ao
marido, mediante.] compe-nsaçôcs ajustadas.
S&o estas asprincipaes iustituiydes atVieanas. eni materia de l'a mil
ia e easameuto. Vejainos as eondicôes da propriedade. *-*.
Ao contrario do que viiiios na Austral ia, vamos ver ua Africa a
propriedade territorial indivisa e collectiva. Quanto a movel, aqui, como
ali, lia o comniunisnio e o iudividiialisiiio — este para os objectas de
me.ro uso pessoal. H Os calres, ja. agricultores, alias, attribuent a tribu o
dominin do territorio aravel, e nuia vez destribuido este entre os nienibros
da commiitiidade pelo cliefe, cada porçâo de solo distribui-(la [tassa
a ser propriedade collectiva da l'ami lia que aadqneriu. Entre os Yoloff's,
u ici ou chel'e, assistido de uni couselho de aucioes, reparte anntialmente
pelas familias os lûtes de terras a cultivai".
Ha entretanto regiôes da Alïica equatorial eni que parece nâo baver
idéa de uuia propriedade territorial, seja collectiva seja individual. Sao as
habitadas pur certas tribus muito pouco sedentarias que construem uma
aldeia ltoje para queimul-a amanliâ, si uma doença qnalquer produz mua
baixa entre os sens. Para taes tribus a propriedade ou riqneza comuiuni
con30
rOMPBNDIO DF 1ÏIHTORIA
siste priiicipalmente na porfsè do maioi- numéro de mulliPres e|
escravos. I
Como se vê, nâo é possivel encontrar entre os negros da Afriea um»
coneepçao précisa do doininio. como facto juridico. Podemos affirmai*
talvez que o union direito de propriedade de que elles terni idéa é o do
mari do sobre a mullier, proveniente da compra desta. Debaixo deste ponto
de vista os negros austral ianos e neo-caledonios levam vantagem nos da
Afriea. En-tretanto estes sao snperiores a aqnelles 110 que diz respeito ao|
desenvolvimento das instituicoes familiaes e sobretudo no régi inen do
casaniento, que deixa de ser nm producto da força para tornar-se mn
contracto de compra e venda.
Inntitufos pennes oceano- a/ricos.
Por mais atrazados que sejam os différentes povos da raça negra,
força é convir que os principaes délies cliegarain nao sô| a esbnyar a
familia e a propriedade, como a coneeber e réalisai*I nlguinas instituicoes
do que nos chaînâmes direito publico. A existencia entre elles de chefes ou
reis e de assemblons e eonsc-Ihos das tribus encarregado de dirigir ou de
julgar, segnndo «s usas ou costumes dominantes, nao deixa duvida a esse
respeito. j
Assim, anteriorniente a essa phase é provavel que a vin*l ganya
individnal fosse a regra em materia de pénalidadc ; mas nôsjâ encontrainos
regularmentada essa vingança, que foi trans-ierida do homein para a tribu,
fazendo-se gradnalmente collecta va.
Entre os ausfaralianos, por exemplo, assignalain os cthno-graphos a
existencia, cm cada horda, de uni eonselho (teudi) que fnucciona como
tribunal de justiya e cujas decisôes sao defini-tivas e obrigatorias. E' esse
tribunal, composto dos mais velhos da tribu, que toina conhecimento das
trausgressôcs dos usos eonsagradose décréta as pénalidades respect! vas.
O furto, o ronbo, as lesôes corporaos, o assassina to sao os I actes
gérai mente cousiderados cornu criniinosos. Tambem o adultérin o
é, mas nao como figura criminal distincta ; sim coiiio uni furto ou roubo de
natureza espeeial.
Para tacs crimes, com excepcâo do hoinieidin, us pciins sfto, em
regra, as bastonadas, os golpes de lança, os tiros de flecba,
GERAI. DO DIREITO m
iipplicados segundo o principio do tali&o, isto é, produziudo no i"éo,
(auto quaiito possivel, o mal (eifco ao oifendido. Aigu nias vezes é por
meio de duellos entre offciisores e victimas que se effectua a pénal
idade. Termina o duello desde que o offenser e ferido.
Onde b laliào se toron eoinpleto é no caso de pena)idade por
lioiiiifidio. Quer o assassine pertença ao clan, quer seja (le t r i b u
différente, a morte é purçida eom a morte. Mas a pena uâo (cm uni
earacter pessoal ; o verdadeiro oriniinoso raraS ve-| zes ]>aga per si o
crime counnettido. B' son irmào mais vellio, seu pae ou um seu parente
proximo, do se.xo masculine, queni 11* m de ser victinnulo pela
sentenea do tendi; sô na lai ta do quai quer délies lecalie a pena sobre o
verdadeiro liomicida. Sise (rata de uni assassïnato por iudividno de outra
tribu, os inciii-bros da do morte décrétai» o l a l i à o contra todo o clan do
assassine e sàii todos solidarios na exeençâo. Conforme a jerarcliia d"
assassinado, maior ou menof numéro de victiiuas estrangeiras lem de ser
saeri/ioado.
H Explicam-se estes t'actos pela nalureza. especial dos agritpa-nientos
tribaes, onde o i u . l i vi d n o desapparece na collectividade,| onde a nocîio
de personalidade nao esta, aiuda nilidamenle l'or mulada.
Na Al'rica as regras ou anles OE costumei penaes differen-eam-se,
embora nao fundanientalmente, dos da Australia. Viinoaj que a vendetta
primitiva, exerci
regulamentaçâo instituida pelos elie(es. Km conipensacao encontramos
na. Afriea uni progresso sobre o taliîio australiano ; cm alguiuas tribus e
em certes cases adinitte-se como substitutive da pena a eoiuponiçâo, on
compen-8'içao em val ores.
O quadroda cri m inalidade entre os al'rica nos, é uni poueo mais
lato que o de sens irmàos da Oceauia. Entrelanto as prin-cipaes figuras de
crimes sfw> as que ali notàmos e mais a feitiça-\rui. O roubo e o
adulterio, sobretndo, sâo as mais notaveis, por isso que sîlo as mais
terrivelmente punidas. Digamos desde jâ que a puniçao, qnando nao é uni
restiltado da vingança pessoal
•*
32 OOMPENOIO DE HISTOBT&
o directn, 6 imposta petos rois ou ehefes de tribus, que, segundo «eu
arliitrio, onveiu on n&n uni Oonselho de velhos. Compre-bende-se isto,
uinn vez que sis tribus-nfricanas sao, em gérai,| monarcliicas.
H O roubo aoarreta a pena de morte, luesiao quando seja de; uni objeefco
de peqne,uo valor. E' assim no Congo e é tanibem assim entre os
Vuazaramox du Africa Oriental, que décapitai» o eriuiinoso e, expôe.m
Ihe a eabeça na entrada do aldeiamenfco. Note-se. poréiii, que o furto ou
roubo so é eonsiderado crime quando é praticado dentro da tribu e reeahe
sobre objectes délia-A rapinagem e esbulho dos estrangeiros e
espeeialmente dos brancos nao sô ficam impunes, eomo sào a té
protegidos por uni fétiche espeeial — o fétiche do roubo, înuito venerado
no Congo.
A puniçâo do adulterio— outra mod alidade do roubo eomo na
Oceania — é realisada iinplïioavel e ferozmente, quando o crime é
conmiettido coin mua mulher de al ta jerareliia. E' o que se dâ principal
mente no Gabao e no Congo onde os crimi-l nosos sào quasi seinpre
mortos violen lamente. Aigu mas tribus eomo em Fernando Pô, sein
distingnir mesmo a condiçâo das niulheres, cor ta m os punlios aos
culpados e os abaudouam fora e longe da aldeia. Em certos casos,
entretanto, a pena do adulterio é simplesme.nte nma eompensaçao ou
indemnisucao em objeotos do use ou coinmercio. Entre os povos da
Costa Oriental, por exemple, a pena para o homem culpado é esta : paga-j
inento de pinco escravos ao marido lesado, si este é uni cbefe ;j de uni sô
escravo si o marido é de baixa condiçâo.
O crime de feitiyaria é tambem punido rigorosame.nte, ej coin a
morte na nier parte dos casos. Por isso mesmo que sao fetichistas, os
africain» acreditam que certos individnos sao outras tantos espiritos
malfazejos, causadores de doenças e de mortes. Os individnos tidos eomo
taes sao quasi sempre condemna-dos a morrer na fogueira.
Para o homicidio, entretanto, as penas .sào relativanionte nul las, por
isso que se red nzem ao preço do sangue, indemnisa-] çao ou coniposiçâo,
maior ou nienor conforme a qualidade da victima, e consistent^ as mais
das vezes na entrega aos paGERAI.
DO DIBBITO 33
rentes do oflendido de mua certa porç&o de gado, como car-neiros,
cabras, etc.
Acciescentemof» apenas ao que ahi fira que é coi rente nas tribus da
Afriea o uso dus ordalian, como nieio de prova nos casos crimes. O
veneno, o fogo, a agnn fervente e ontros instrumentes de tortnra «fto
àppli endos nos areusados para 8e lhes recoubecer a criiuinalidade on a
innoceiwia. F" escusado dizer que coni taes expedicntes processuaes raro
é o innocente que deixa de ser oondeinnado. Islo, porérn, nao p6de ser
censnrado aos pobres negros i n fer i ores, porque os niesinos expedientes
ireuios encontrar nu edademédia entre OH indn-europcus, de pelle branoa
e cerebro largo.
III
As grandes monarchias antigas da raça amarella»
Institutos juridicos da China, Peru' e Mexico. (*)
§
Eni unia adniiravel lioyâo de liistoria, dada lia Escola Po-lytechnica
de Bordeaux, no aimo de 1871, (lieyâo que infeliz-mente foi unira) o
grande espirito que se ehainou Emile Littré, apresentou a se us discipulos
uni programma completo do curso que se propunha a fazer, e nesse
programma inseriu a seguinte nota: «Ooino entre o homein préhistorien e
os egypeios, enja civilisaçâo apparece toda formada, uma lacuua existe,
eu inter-calo uma civilisacSo intermediaria, cujo typo tomo entre os
Mexicanos e Peruvianos».
Esta observaç&o do eminente escriptor francez aponta-nos o
(*) PONTES s-r E. Littrô, La science au point de vue philosophique;1
TrajaDO de Moura : Do Homem americano ; D« Naclaillae : L'Amerique\
préhistorique ; Th. Braga : Historia Universal ; P. Laffitte : Considérations
générales sur l'ensemble de la civilisation chinoise ; A. Ott. : L'Inde et la Chine ;
Ahrens : Encyclopédie juridique ; Lctourneau : Lu Sociologie e L'évolution jurid.
dans les div. rac. hum.; Sylvie Romero : Ethnographia braaileira.
I
ORK.VT. HO niRKITO
liiuiav que devenios transpor para penetrar no gigaulesco edi-ficio das
antigas civilisaçôes ûo oriente, ftindadas sobre o empirisme» e artes
industriaes.
BeaTuiente, de pois dos uegros inferiores que antecedente-mente
estudamos, a propria classificaçâo das raças proclamada por Bluiueubac-
.il, Olivier e Quatrefages, nos obrigava a descan-sar uni poiic-o no
segmido degrao da escadaria que vae dos ini-| ci os das sooiedades ao s«u
mais brilhanto apogeu. O troneo amarello da buiiianidudo, de craneo
brac-hic-eplialo e de cerebro proporcionalmente desenvolvido, nâo podia
deixar de prender-mos a attençao, conio o elo neeessario entre a
selvageria priini-tiva e as elevadas civilisaçôes do oriente nsiatieoafricano
e do occidente europeu.
Jà deixamos dito, n'a nia citaçao de Letourueau, que nao Isô os
mongôes asiatieos eoiuo os ebamados mongoloïdes ameri-canos. derain
ao nmudo docnmentos notaveis do sen val or social coin as civilisaçôes
chineza, peniviana e wexicana.
E', agora occasiào de apreeiar taes civilisaçôes, no pouto de vista
juridieo.
A notaçao feita por Littré uo seu programma de historia parece que
nos deveria conduzir a séparai' de qnalquer outro grupo buniano os dois
curiosos typos das antigas populaçôes aniericanas, que sao commumente
representadas pelos qqni-cbilas e Aztecs. Certas razôcs, porém, nos
assistent para en-corporar a este capitule) o estudo da velha eivilisaçâo
cbineza, lligando assim por uni laço meramente logico as .très grandes
monarebias antigas da raya amarella. Dizemos por uni laço meramente
logico para siguificar desde ja que nâo é nossa inten-çfto nom esta em
nossas idéas dar como cousa provada a origem asiatica dos povos
americanos, estabeleeendo uni cordâo um-bilical de natureza etbniea
entre os ehinezes, incas e aztecs.
Sabemos que tal opiniao é valoutemeute defeudida por scientistas e
sabios da maior competoncia e que se» o nome de uni délies, Huiuboldt,
é cnpaz de impor adlièsôes a primeira vista. Mas a vordade é que a
hypothèse das successivas e di versas migraçôcs de povos do velho para
o uovo mundo cm e pochas tnte-historicas é aiuda lis aub judice, e
parece uiesmo ir per3b
OOMPENDIO DE HISTOKIA
dendo terreno deante da idéa do antochtonismo das raças anie-rieanas. idéa
que mais se coaduna coin a doutrina polyphyle-Itica, vencedora hoje nos
dominios da ethuogenia.
Uma bel!a aflfirmac&o do que dizemos é o notavel trabalho do
DOSSO illustre patrieio Dr. Trajano de Moura sobre o Homem americano ;
trabalho que levou seu antor as conclusôes se-' guintes :
« Deslocamentos de povos asiaticos para a America poderiam se ter
realisado ri a epocha quateruaria, si ja entao a fauna e a| flora deste
continente nâo nprescntassem caractères pecnliares, inteiramente
independentes, e si por ta! facto uâo fi casse plena-mente refutadaa
hypothèse da chamada ponte aleutica e do célèbre continente da Atlantide,
que sô ezistiu na imaginaçao de Platao. » — «Contactas casuaes tiverain
logar, coino esta prova-do, entre os habitantes do Novo e do Velho Mundo
uos tempos pre-colombianos, mas nâo forain sufficientes para prodnzir
uma modificayâo dnradonra nos caractères geraes do homein americano.»
— «O pretendido type mongolo-americauo sô existe mes regiôes
hyperboreas da Asia, America e Buropa, onde aiuda hoje é patente e franca
a mescla de sens habitantes.» — «Os povos americauos, pelo conjuncto de
caractères physicos e moraes. podiam ser considerados, ao tempo da
descoberta, como varie-dades multiplas, constituidas no espaço e no
tempo, de uma \ mesma especie indigena — Homo americanus. »
Yao neste rnmo as nossas sympatbias theoricas; porém nâo nos é
licite considérai* absolutamente inanes muitas das ail égayées produzidas
em favor da thèse contraria.
Beduzindo a questâo do asiatismo dos americauos ao qmi dro do
uosso trabalho, mencionaremos aigu us dos facto» que a varios autores
serviram para levantar a hypothèse de estreito | parentesco entre chinezes e
americauos do Peni e Mexico.
O principal dos referidos factos é a tradiçâo ehineza rela-tiva ao paiz
de Fu-sang, si tu ado a leste do mar oriental. (Le pays connu des anciens
chinois sous le nom de Fu-Sang, por D'Her-vey de Saint Denis). A esse
mysterioso paiz se réfère taniheni a obra de Ch. Levand : Fusang or the
discovery of America by chinese buddhist priests in the fifth century.
Como se vê deste
GEKAL DO DIEEITO 37
expressivo titulo o autor présume que no secnlo V padres bu-i dhistas
chinezes cstiverani em uni ponto qnalquer do nosso continente. A
autoridade de De Guignes veio dnr força a essa hypothèse pela
uffirniae&o, que fez, de que o paiz de Fu-sang era de facto a America.
Por outro lado descobertas archeologicas vieram fortifies r as
presumpeôes dos asiatistas : naa rainas de Chimu e Chinca-Alta foram
encontrados idolos de typo egual aos do Céleste Im-perio. Accresce ainda
que aigu us au tores n'aérant insistente-mcnte notai* a extraordinaria
seii'ellia nça existante entre as raças mongol icas e os habitantes do
uoroeste da America. (1)
Por nltimo, o Viscoude de Nadaillae resnmin deste modo 0 pouto
em questao :
«De Guignes attribue à iminigraçôes chinezas aeivilisayao dos
peruviniioB. As eu ri osa s analogias que se notam nos costumes, nos
regnlameutos minuciosos que attingem a todos as acçôes exteriores do
honiein, o putronato concedido â agriciil-tura. a lesta animal celebrada
em boura dos agricultorcs pelo inca do Perd e o imperador da China, o
systema das irrigaeôes, o paganieuto dos impostos em especies, o uso dos
quipog, a con-strucçâo das pontes snspeusas coiu cordas, a semelhança
de certes detalhes de architectiira. a das barcas pernvianas eom os jiincos
chinezes, sao todas de natnreza a justitirai- esta hypothèse. »
C'hegados a este pouto nao ê déniais observai' que o etni-uente
historiador e philosophe Theophilo Braga expressamente ligou os
mexicanos aos chinezes, considerando-os como ramos «la iiiesma arvure
ethnica — » nu;» turaniana- Segundo a clas-sificaçao perfilhada pelo
notavel autor portugnez, as raças his-torieas distribuem-se em très
grandes grupos : o turaniauo (cru-1 samento do typo branco eom o
amarello) o IcuschUo-setiiita (cru-samento do braneo eom o negro) e o
ârico (branco extrême de crusamento).
B' verda
habitos différentes, séria diffieil distinpuir os chinezes dos indios.
38 . rOMPENDIO DR HIKTORTA
batida, sobretudo nas suas subdivisôes e detalhes cthnographi-cos. E entre
os adve.rsavios do turanùmo asiatieo auiericano estai o iiosso grande
critieo Sylvio Roméro. Nada importa, porém, isso ao nosso proposito, que
é siraplesincnte assignalar a exis-tcneia de valiosas opiniôes era favov da
ideutidade de caractères cthiiioos e sociaes entre chûiezcs e
ainericauos do Mexico e Perd.
Oonsignado isto volfcamos a affirmât que si ligamos neste capitulo
as très grandes niouarchias antigas da raya amarella, fazemol-o por outras
razôes que nao as de Th. Braga, Humboldt, De Guignes, Nadaillac, etc.
Fazemol-o porqno, no nosso ponto de vista todo xoeiologico,
eheg&mos a verificaçao de que o conjuncto das coucepçoes re-| ligiosas e
poli tiens dos qqnichûas e aztecs corresponde nosseus pontos Ciipitaes ao
conjuncto das mesmas concepçôes entre os ehiuezes. E' assim que vemos
qualquèr desses povos no mesmo estadio da evolny&o religiosa ; a
astrolatria, a phase ultiina, do fetichismo iaicial, é que domina era todos
elles, uni tanto me-diticadajâ por uni grosseiro esboço de polytheismo : o
inipera-dor filho do Céo e o incafilho do sol obedecem à mesma preoecnpayao
nstrolatrica. Quanto nos mexicanos, hasta Citar estas palavras de
uin amerieanista notavel : «tudo provaque o polytheismo existia entre
elles, e mesmo uni polytheinmo muito infe-\ rior eomo concepçâo a a quel
le que a historia nos mostra entre os egypeios e os gregos. » Si
cousideramos as respectivas organisâmes politico-sociaes, aindit ohinezes,
peruanos e mexicanos nos appareceni ligados logicamente por n m mesmo
vinculo instifn-cional, coino veremos daqui a pouco.
Accresce que as duas nayôes americanas nao passaram o limite que
sépara o regiraen das classes sociaes mais on menos liierarchisadas do
systema das castas. Outrotanto aconteeeu ua China, conforme nos diz A.
Ott. E digamos de passagem, que por este motivo é que nao podemos
ebamar theocraticus, noj rigor do teruio, as eonstituiçôes dos povos de que
se trata ; pois seguuda a lucida observaç&o de Laffitte «o que caractérisa a
theocracia, cuja base é necessariameute polytheica, é o rigimen das castas
e a coordenaçâo das diversas castas entre si pela pre-
11
GERAL DO DIREITO 39
pondéra nc-ia du cnsta sacerdotal.» Nâo qner isto dizer, porém, que as
instituiçOes dos ohinczes, peruvianos e inexicanos nào fosseni
profundaiiiente théologiens. Bem ao contrario, é essa a {respectiva
earacteristica fondamental.
Ex postas a largos traços estas idéas introductorias, apres-senio-nos
a 1 ratai- propriaiiionle do nosso assiimpto.
§
H China.—Este iiumenso paiz da extrema oriental do velho continente
offerece aos olhos curiosos dos occidentaes o especta-culo de aina naçào
de cerca de quatrocentos inilhôes de i n d i v i - duos, a quai dois mil an
nos an tes da era christs jà possuia a original organisaç&o politico-social
qiieainda hoje apresenta.
Tracejemos ein primeiro logar o sen direito publico ; vero-mos
depois suas instituiçOes de direito pi'ivado.
A constiluiçâo politica da China é a de mua monarchia
absolu ta e hereditaria calcada sobre o typo domestico do patrio
poder. eujo ehefe éfilîio do céo sendo ao mesmo tempo pae e mâe
de fodos os chinezes. A. suprema autoridade paternal, eoncentraila
nas mâos do imperador, dirige e régula todos os intéresses
publicos e privados par iuterniedio de mua extensissima rede
de fnnccionarios, sahidos da classe dos lettrados. Governando
em vi r i i ide de um niaudato do ceo, o imperador te m a responsahilidade
de tu do, até mesmo das pertu rbaeôes eli mater i cas. A
m un lai responsabilidade é> natural que corresponda uni poder
iiiiinenso. H
Segnndo Laffîtte, as duas forças que presidiram ao desenvolvimciito
graduai da civiiisaç&o chinez» forain : 1* uniu lïnnilia
impérial represcnta
constiluiçâo senâo depois de Confucio, mas cnjos fuiidamentos existiam
desde niuito an tes. R Esta classe, uuica dirigente ou governante ao lado
do imperador, uHo constitue entretanto lima aristocracia hereditaria. Ella
é rccrntada em todas as classes da populac&o por meio de
40 COMPENDÏO DE HI8TORIA
exnmes diversos que conferem titnlos analogos aos de bacharel, licenciado
e. doutor. A. esses exames pôde eoncorrer qualquer individuo qne qneira
habilitasse ao mandarinato (1) on funecio-nalisino publiée.
Os org&os da administraçâo snperior do Estado sâo, além do
impcrador, nm conseilla privado o seis ministerios que se sub-dividem em
uraa iufiuidade de reparti çôes secuudarias. Uni importante e enriosissinio
documento attribuido a Tcheû-kong, irmâo do fundador da dynastia dos
Tcheûs, nos fornece indica-çÔes intéressantes e complétas sobre o
inechanistno do direito publico chinez, qne, alias nenhunia alteraçâo
notavel tem sof-frido até hoje. Esse documento é o Tcheû-li (ritos de
tcheû) — especie de almanack administrative do imperio chinez, na
epocha em que foi escripto (secnlo XI mites da era christs..)
Segnndo o Tcheû-li. a (esta da administraçâo esta uni pri-meiro
ministro, o ministro do eêo, que é quem centralisa toda a acçao
administrativa e tem sob suas ordens cinco outros ministerios : o da terra
ou do ensino, o da primavera ou dos ritos, o do verâo ou da guerra, o do
outomno ou da justiça e o do inverno\ ou dos trabalhos publicos.
N&o ha na organisaçâo politica da China vestigios de inter. venç&o
directa ou indirecta do povo na gestâo das cotisas pu-blicas. A lei ou esta
feita nos livros de Confncio ou fal-a o imperador segundo o seu criterio.
Todavia vê-se pelo Tcheû-li que em très easos a multid&o era consultada
em assemblea gérai : quando o imperio estava em perigo ; quando se
tratava de mudar de capital ou se transportava a populaç&o de uni territorio
para outro por insufficiencia das condiçôes de subsisten-cia ;
einfim, quando vagava o throno e era preciso eleger mu principe.
Accrescenta o Tcheû-li que tambem se consultava o povo em caso de
condemnaçao capital e sô se exécuta vain os cri-minosos quando a
inultidao nâo pedia que elles fosse n perdoa-dos.
(1) Convem observât que as palavrns mwndarini, mandarinato, îifio siio de
origem cbineza, e sim portugueza.
GEKA L DO DIKEITO 41
O podcr judiciario uao teni existencia independente da do
'executive, entre os chiuezes. O ministro do oulomno éo grande
j jni z criminal, que por si ou por sens agentes julga definitivaïhente
no civel e no crime. Os processos criniimies que podem
dnrlogar a pena de morte sao instrnidos pelos preboslcs de justdça
masjiilgados pelos ministros a porta exterior do palacio. Quanto
â," qm>stô< « eiveis, as partes comparecem à andiencia eosi uni
feixe do fleciias, emblema da rectid&o de suas intençôes ou dâo
trinta libras de ouro para demonstrar sua sinceridade. Os pobres
ficam coin o reenrso de tocar uni grande tanibôr collocado
a porta do palacio e destinado a chaînai- a attencao do ffflio do
Cêo sobre os infelizes. I
Notemos, por fini, qne a siieeessao impérial nâo estasujeita ao
direito de primogenitura, podendo o imperador escolher qualquer de sens
filhos para succeder-lhe, e lereinos, nas suas linhiis geraes, o direito
publico chinez.
A principal instituiçâo de direito privado, a l'amilia, é altamente
considernda no Céleste Imperio. Foi pelo seu typo patriarchal que se
modelou o Est ado e é ella quein J'ornece aos chiuezes uma das mais
importantes modal idndcs de .sua religio-sidade. fetichista— o cnlto dos
antepassados e respect!vos ritos fnnerarios. Subordinayao e respeito ao
pae e irmaos niais ve-Ihos, veueraçao â mâe e aos antepassados. sao os
caracteristicoB da fainilia chineza, eujo typo gérai, entretanto, r.âo é o
niono-gamico, pois a lei, embora t-ô reconhecendo uma mulher légitima,
permitte e saneciona uni coiicubinato régulai-. Comtudo a polygamia sô
prédomina entre as classes elevadas e ri cas da so-ciedade, a partir do
imperador.
E' quasi excusado accentuar a iniportancia do patrio poder pas
relaçôes da ta mi lia chineza : o pae teni autoridade absolu ta sobre os
filhos podendo vendel-os e castigal-os até o ponto de tirar-lhes a vida. Os
filhos porém, succedeni â inteslado, por qoanto o direito de suecessao é
baseado sobre a mauutenç-ao da unidade das familias. Quanto ao casa
niento é elle gérai mente contrahido sob a forma de compra da esposa,
sendo o eelibato prohibido qner para o houiom quer para a mulher. Eis,
se-gundo A. Ott., o que ensina o Tcheû-H a esse respeito : Uni of42
OOMPEXIMO DE KISTORIA
ficial dos easamcntos régistni as uni Ses conjugues e providencia para que
toda mu Hier seja ensnda nos vinte annos e todo o ho-muni se case o mais
tardai- aos tri ut a annos de idade. Na lua do meio da primavern é ordenada
umn reuniao gérai de homens e mulheres. Aquelles que n&o se eonforiuum
aos editos sein mua causa especial sao punidos pelo dito officiai dos
casauientos,! «pie é (plein os effectua e qiieni jnlga todos os cusos de
relacôes sécrétas entre homeui e inulher-
A legislaçao, on mellior o costume, permit te o divorcio por
consentimeuto ni ut no ; além disso o iiïarîdo pode répudiai' a niulber por
diversos motivos, coino sejam : esterilidade, immo-t'alidade, inclinaçao an
fnrto, maledicencia, etc.
A propriedade individual, movel e iinniovel, existe un Chi-j nae é
protegida por varias dispostçôes de Ici. O dominio territorial proprianiente
dito soffren di versas niodificaeôes no curso da liistoria. Citareraos a este
proposito, as seguintes palavras de A lire n s, que synthétisant
sufficienteniente a materia : «Antc-riormente ao meiado do terceiro seculo
A. O. o imperador era o i inico douo do solo e a propriedade territorial era
repartida por elle entre os particulares, de modo quo sobre uma extensao
de terreno determinada, uove décimas partes fosse m cultivadas em
proveito do doado e a outra cm proveito do doador. Mais tarde as
provinciasforain dadas pelo imperador aos sens logares-tenentes seguudo a
maneira feudal, e finalmente a maior parte do solo foi cedida aos
particulares, a titnlo de propriedade pri-vada alienavel e hereditaria.
mediante o pagamento de dizimos e a prestaçâo de services feudaes.»
Resta-nos fallar das institnicôes chinezas em materia crimi-j nal e
pénal. A este assumpto consagrou Letonr-neau dois grandes capitnlos de
sua obra L'évolution juridique dans les diverses races humaines. E' elaro
que nâ-o podemos condensar em alguns periodos a larga exposiçao do
sociologo francez, ne m isso é précise a uosso ver. Além do que deixamos
dito sobre a organisaçâo judiciaria da China, consignaremos apenas o
segninte :
O Tcheû-li informa-nos que os crimes dos chinezes sao punidos coin
a prisao temporaria, com a coudemnaçao a trabalhos ignomiuiosos, com a
escravisaeao e ainda com estas outras peORRA
T. DO WRRITO 13
lias : a inarca uegra no rosfco, H ampufacâo do nariz, a reolusâo uo
palacio (castracâo), a ampntaç&o dos pèse a execne&o capital. Podiani
ser aecresceutadas a essa enumeraçao outras peu as ainda hoje em us<> ;
nias nos limitaremos a citar a bas-tonada de bambû, pois no dizer
incisivo de Letourneau KO bain-brt bastouante é a caracteristica da pénal
idade chineza. »
Ha casos, porém. em que qualqner d'essas penas é suhsti-tuida por
unia composiç&o pecuniaria, porquauto, coino ainda observa Letourneau
o resgate pénal existe ua China desde a mais alta antignidade, e o
Chouking (uni dos mais antigos livres sagi ados) estabelece que a inarca
uegra na face pode ser resga-tada por 100 hoan, a amputaç&o do nariz
por 200, a dos pes e a] eastraçao por 500 e a peua capital por 1.000,
H Além do homicidio, das offensas pbysicns em gérai, do adultérin, do
rapto, do incendio e do furto, a legislacao clii-| neza elassiflca coiuo
crimes, e dos mais graves : a rebelliâo, a deslealdade, a deserç&o, o
parricidio, o massacre, o sacrib'gio, a discordia, a impicdade, a
insubordinacao e o iucesto. O homicidio, em regra acarreta a pena de
morte, e si se trata de parricidio o autor d'elle e sens cuniplices silo
condemnados â| morte leuta e dolorosa.
I Vê-se ahi uma revivescencia do taliâo e da vingança. Terni in aremos
nota H do que a justiça chineza loin mais em vista a importancia do
prejnizo causado pelo facto delictuoso do que a intençâo ou grao de
perversidade do deliuquente, E' assim que os homicidios casuaes,
fortnitos, ou por erro, sao pu ni dos pela estrangulaçâo, e que o incendio,
mcsnio quaudo accidentai, détermina a pena de bas ton ad as.
Perû e Mexico.— Na epocha da conquista hespanhola, o im-perio
dos in cas ou a velha nacao peruviana, tinba cerea de 3000 léguas de
extensâo e 400 de largura, coinprehendendo nos seus limites o Perû, a
Bolivia, o Equador, e mna parte do Chili e da Republica Argentina
actuacs. Tinha cerea de dess mil Iules de habitantes e as raças
prédominantes eram as dos qquichûs e aymâras que pelos costumes e
liuguagem se tinham quasi iden-ti/icado, vivendo alias os aymaras no
plaiô dos Andes e os qqui-chûas nos arredores de Cozco — a capital do
imperio. A tra44
OOMPENDI© DE HIOTOEIA
diyfto narra, diz Nadaillnc, qoe Manco-Capac e a bella Mauia-Oello, sua
irm& e mulher. fizeram conhecer os primeiros ele-mentos da civilisaç&o a
tribus atë entfio selvagens e barba ras, e que & sua voz tacs tribus
quebrnram sens idolos para adorar uni dous do quai o sol e a hia eram a
forma visivel. Segnudo o niesmo autor P de accordo eom a legenda,
Manco-Capac e Oello sahiram da ilha de Titicaca, por ordem do Sol,
levando uni ranio de ouro que n'uni certo ponto dévia in terra r-se no solo.
Foi em Cuzco que o prodigio se operou e OR incàs, eheios de reeon
hec.imento, estalieleceram alli a séda do seu i ni péri o. De Manco-Capac a
Atahualpa (l(Mi2 a 1534) quatorze incas rei-n ara ni no antigo Perû,
fundando e dirigindo uni a das mais ori-ginaes e brilliantes civilisayôes da
terra.
Jâ sabenios que do niesmo modo que na China, a phase as-trolatricn
do fétichisme era a que dominava entre os qqnichiias, eni materia de
religiao e culto. E' précise» agora indagar quai a sua organisayao politica e
juridica. Vanios fazel-o, reprodu-zindo as indicaçôes do autor da America
préhistorien, que tam-liem quanto ao Mexico nos servira de guia. O
systema de governo era a mouarchia absojuta e despotica
fundada sobre o respeito religioso devido ao descendente do Sol.
(Como na China, onde o Impcrador é fil ho do Céo). Uma hierarchia
administrativa sabiamente combinada levava dos simples decuriôes
(chefes de decurias e conjunctos de decurias) aos curacaH ou
governadores de provineias, nui ni dos de poderes extensos e hereditarins.
(Tambeui entre, os chinezes, segundoo Tcheû-U, cinco familias formant
uni grupo : cinco grupos for mant uma seeçao ; quatro secçôes fazem
uma commuua ; cinco comninnas uni cautào, etc.).
Os qquichiias uao conheciam poder legislativo e judiciario que nâo
fosse a vontade do inca. Em direito privado, o casa-mento era obiigatorio
(tal quai entre os chinezes). Em uni dia fixo de cada anno os rapazes de
vinte e quatro annos e as rapari gas de dezoito eram réuni dos na praça
publica e os représentantes do inca juntavani as màos de cada par,
proclainando sua uniâo perante o povo. (Os chinezes, como vimos,
praticam do niesmo modo, na lua do meio da primavera). Essa uniao ao
ar
GERAT. DO DTREITO 45
livre, independentemente da vont a «le dos eaposos, era n uni«a
forma de casainento.
H Nos termos da legisla<;&o ou direito consiictridinario dos
peruvianos ncnhum homein podia possuir mais de inna mnllicr
légitima ; todavia esta rogra nao attingia os curacus on governadores
e o soberano, os quaes podiam pratiear a polygamia, tendo
uni numéro illimitado de mnllieres. (Ainda «qui a ana-logia eom a
China é évidente).
O instituto da propriedade entre os primitivos pernanos nao
chegou' si phase do individualisme* polio nienos qnanto ao
dominio immovel e territorial. lïem podia ter chegado, nma vez
que o regimen economico nili dominante era o de nm noria-Hsmo
de Entado rudimentar e grosseiro. As terras dividiam-se em terras
da comninnh&o e terras do sol on do inca. As pri-îneiras era m
repartidas pelos individnos e familias por deter-minaçao dos
decuriôes e sô durante mu anno n'eavam no poêler j dos seus
eultivadon's. Toda vez que se «lava um easaim-nto n'nnia deenria,
esta era ohrigada a fnzer construir nma easa para] o novo casai e a
eonceder-lhe um tvaeto de terra suffi ci en te para a sua
manntençao. Ao nasciineuto de eada filho a doaç&o era
angmentadn de nmfanepa por cada menino o de meio fanega por
eada nienina. (O funegn era a area correspondent e ao semeamento
de ce m Ultras de milbo).
A crimiualidnde e pénalidade no imperio dos iueas era m mais
ou menus semelbantes as dos chine/es. Homicidios, adul-terios,
blasphemias contra o sol ou contra o inca, sodomia, in-cestos—
tndo isso era punido coin a | ena capital. O sodomita eraesquartejado
; o incestuoso enforcado. O decuri&o que nao
denunciava os crimes commettidoB em sua decuria era passive! da
mesma pena «pie o culpado. Como as vestaes de Borna, as |
Virgens do Sol, que mentiam a sens votos, eram euterradas vivas.
Os outros crimes memts graves eram punidos com a prisao e a
fuBtigaç&o.
Passe m os ao Mexico autigo, cuja civilisa«,ao foi talvez mais
original do que a pernvi.ma.
Os traitai h os dos archeologos e ethnologistas téni quasi demonstrado
que alguns secnlos an tes da era christa a America
46 -COMPF.VniO PF. ÏÏTSTORIA
central era nma regiao onde vnrios o. grandes fiôeos soeiaes projeetavam
a luz da sua eivilisaçâo. O Yucatan, Honduras, Guateniala.
Nicaragua, o Mexico, ainda hoje ostentam as ruinas de
antigas cidades e monumentos, devidos ao engenho.e esforço de
povos que a historia conhece pelas denominaçôes de Olinecs,
Toltecs, Miztecs, • Zapotecs, Chichi mecs, e Aztees — todos, ao
que parece, deseendentes do tronco Nahnate. Uma dessas popnlaçôes,
a dos aztees. fundon profavel mente em principiosdo
seeulo XIV, a cidade de Tenofchitlan ou Mexico, cnjos primei-ros
edificios foram aigu mas nxiseraveis eabanas feitas de ma-deira on
de barro. Dizer conio desse estadio intérim- chegaram os m ex i
eau os a civilisaciio que os hespanliôes vieram encontrar no secnlo
XVI é difticilimo ; a verdade, porém. é que elles pro-grediram
original e rapidamente.
Dissemos atraz que os aztees tinham uma reïigiâô"• polytheista
muito visinha do fétichisme. Isto demonstra que os
primitivos habitantes do Mexico.tinham evoluido uni poueo mais
que os sens irmâos do Peni. Vejamos a sua organisa çào politica.
Segnndo os melhores interprètes das velhas instituiçôes
americauas, os aztees, do mesmo modo que os outres Nahûas, nâo
constitniam uni Esta do compacte e eentralisado ; est a va m
organisados em uma confederayâo de tribus, compostas de clans ou
calpuUi, as quaes recouheciani conio chefe snpremo mu roi ou
monarcha originariamente eleito e cnjos suecessores heredi-tarios e
legaes deviam ser coufirmados pelo voto popular. Na tribu cornu
nos calpulli nenhuni cargo ou dignidade era hère-ditario ; era a
eleiçao que os dava, coin exeepçâo do titulo de Tecahtli que era
conferido por notavel mereeimento militai* ou politico. A
ovganisaçâo politica do Mexico era, pois, sensivel-mente différente
das da China e Perû. Entretanto as instituiçôes soeiaes erara
extraordinariamente parecidas.
A tami l ia aztees aprosenta-nos o regimen do matriarchado
conio dominante nas relaçôes de paes a fil h os. O parentesco pelo
lado paterno sô muito tarde começou a ser reconhecido no Mexico.
Apezar disso a condiçfto das mulheres em baixa e dolorosa : como
nas sociedades iuferiores ellas eram considéraGEKAI,
DO DIREITO 47
(las propriedade. dos m a ri dos. enibora se lues concedesse o di-reito de
pedir o divorcio e (le réalisai-o dada a approvaçao do volpulli.
O casainento existia e era obrigjttorio (a semelhança da China e
Perd). A os 20 uimos todo lioineiu era obrigado a ca-l sar-se,
exceptiiando-sc apenas desta regra os que se dedica-vani ao service) do
e.ullo e faziam por isso voto de castidade. À mouoganiia era a regra da
soe.ie.dade conjugal, mas a poly-gamia era tolerada o largamente
praticada coino entre es Chili e/es e pe ru via nos. Nao encontramos,
porém, entre os mexi-canos vestigios apreciaveis de patrio poder e de
direito succès-) soral. Quanto ao primeiro é fa cil de explicar-se a
ausencia pela predominancia do uiatriarcado ; quanto ao segundo parecenos
que oppoz se ao seu apparecimento a organisayâo coniniiinista dos
calpuUi. Real mente os calpuUi (nucleos de l'ami lias uiiidos pe.los laços
de uni territorio coin m uni e de ritos religiosos e lin-gnagem tambem
communs, sot) a direeçao de uni chel'e eleito) sâo a instituicao capital das
veillas tribus aztecs. Era m elles que se encarregavam da edncacao das
crianças e que possuiam indivisamente as terras (calpukdli) as qnaes nâo
podiam ser alienndas. O solo era'repartido eni epochas fixas pelos
liomens do calpuUi coin a eondiçâo de as cnltivarem. Certas terras)
(tlamilli) eram reservadas ans chc.fcs, mas reentravam no do-ininio
publico cessadas as funceôes dos sens donatarios. Aiguillas outras,
emfiui, eram separadas e cnltivadas para o paga-mento do tribnto devido
ao rei do Mexico.
A ausencia entre os aztecs de lei escripta estabelecendo crimes e
applicando penas. uao impedia que a jusfciça pénal soi réalisasse, e coin
o maior rigor. O boinicidio, o roubo, o adultérin, u estupro, o incesto, a
sodomia, a cal uni nia, a einbria-guez, eram especies criminaes muito
conbecidas dos inexicauos, e punidas na nior parte com a pena capital.
Assim o liomi-cid.i era iiiorto ou reduzido â escravidâo perpétua ; o
iucestuoso era enforcado, o estuprador erapalado, o sodomita queimadu,
a) i ini l l i er adultéra esquartejada. O autor de uni roubo de objectes
consagrados aos deuses era condemnado à morte ; o rouba-dor de cotisas
profanas era, porém, " condemnado â escravidâo
48 COMPENDIO DE HISTORIA I
perpétua, si nao rostiruia o objecta) roubiido. N;i hypothèse 4H
rest-ifcuiçao o crime desapparecia.
Poinos ponto aqui a longa viagcni que fizenios ueste capituln.
IV
0 Direito no antigo Egypte (*)
Atravessdnios a*té agora povos p paize» euja physionomia jnridioa
diffici] monte podenios apanbar em linbas pouoo nnnie-rosas e quasi
apagadas. Exceptuada a C'bina, tivemos de pedir a viajantes e
ethnograpbos, a antbropologistas e arebeo logos os dados necessarios au
nosso estudo, e é claro que fcaes subsidios nao nos podem ter inioiado de
modo compléta e satisfactorio nos segredos da complieada trama do
Direito entre povos, sel va-gens uns, desapparecidos outros.
Felizmente va m os agora pisar terreno mais firme, embora
(*) FONTES : A. Enuos : Hist. Univ. de Oantû, réf. e ampl. ; Th. Braga
: Hist. Unit) ; Lenormant ' Leg premières civilisations ; Bevilaqua : Egy- '
pto antigo, art. na Revista do Norte (Recife. 1891) ; R. Dareste : Études
d'Jmt. du Droit ; P'Agnanno : Gen. e évolue, del djr. ci». ; Letourneau : So
ciologie e Evolution jurid. dans les div. race* hum ; Antigo Testamento :
tiv. do Gen. Além destas fontes de fucil acceaso devem ser consultados os I
livros de Herodoto e do Diodoro de Sicilia e sobretudo o Cours de Droit
Egyptien de Eevillont, partiouluruiente baseado sobre a interpretayâo dos
papyros modernamente deacobertos e traduzidos, H
50 COMPENDIO DE HIRTOEIA
aboi'demos o estudo da mais antiga dits eivilisaçôcs que a Histo-ria
conhece — a civilisaçâo do valle do Nilo, a original e glo-| ri osa
monarcliia dos pharaôs, tâo cheia de assombros niateriaes e moraes.
Para nâo sobrecarregar a nossa tare fa e sobretudo para nâo engajar
a nossa humilde respousabil idade n'nin assura-] pto que os inestres,
os cjnnpetent.es, inda nâo consegniram liqni-dar ; deixamos do
parte a questao ethnica, abstendo-nos de in-dagar quaes os tronc-os
originarios dos pdvos que, fundidos sobj a acçâo de elenientoa
diverses, eonseguirain réalisai1 no extrême nordeste da Africa, era
epoehas remotissinias, a br il hante civilisaçâo egypcia.
Tambem nâo faremos aqni a historia politica do Egypte,
enumerando as respectivas dynastins e os grandes snccessos
gncrreiros on indnstriaes dos pharaôs. Liraitar-nos-hemos a uni
qnadro resuinido das institniçôes politico-soe.iaes que domina-' vain
a vida colleetiva entre os egypcios, e t'eito isso passareinos a
occupar-uos propriamente das suas ereaçôes jnridicas.
« Tâo longe qualité se possa reniontar na Historia, o antigo
Egypte apparece como nnia sociedudo submettida a uni governoj
regular, a uma inonarchia apoiada sobre o" régi in en das castas | e
revestida de uni caracter sacerdotal. « Sâo palavras, estas, de R.
Daveste, a que nenhunia, contestayâo se pôde oppor. Poder- j se-ha
apenas accrescentar que a nionarchisi egypcia era heredi-tari a e
francamente despotica, embora a este nltiiuo respeito alguns
autores notaveis, firmados na autoridadc de Diodoro.de Sieilia
tenliani aventado opiniâo em contrario. Olovis Bevilaqua I faz
notai', era uiu de sens trabalhos, <]iie o proprio poder ospiri-tnal ou
sacerdotal, que alias era parte intégrante do governo, nâo estava
isento de ser annnllado ou cereeado pelo detentor do poder
temporal, isto é, pelo pharaô. E para comprovar son | lasserto
cita estes factos, que sâo rea) mente significatives : « Khuwu
(Keoppà) ieclia os templos e interdiz os sacriticios ; j Khasora
(Kkephren) seu sncecssor, nâo abaudona essa politica anti-religiosa
contraria aos intéresses dos ministros do culto officiai ; Amenotep
IV nâo trépida cm abolir o culte nacional de Amnion paru impor a
adoraçâô de Adcn ou Aten, que nada mais é do que o Adonai de
Babylonia ; no tempo da XXI dyGEKAL
DO DJREtTO
nastia os chefes
populaçào e deadministraçâo local, pelos quaes debutou a con-Istituiçâo
politica do Egypto) se confederaram nos principados de To-niera (Baixo
Egypto) e Tores (Alto Egypto) fornecendo a Mena opportunidade de
unificar ein uni Estado grande e forte as varias circuiuscripçôes politicas
anteriores ; jsî o fetichismo inieial dos egypcios ascendera, passa m lo
pela astrolatria, a uni vasto polythei8iuo, elaborado e systematisado pela
classe sacer dotal. Além e acima dos prinieiros fétiches como o crocodilo,
o hyppopotaino, o iclineiimon, o boi, o carneiro, o chacal, o ini-1 bâfre,
etc. surgeiii os denses Râ, Ammon, Plitat, ffor, (teins,— o inytbo solar eni
maiiifestaçôes ou synibolisaçôes diversas — e limitas outras divinisaçôes
dos phenonicnos ou forças da natu-reza, como Nepra, obblador dus
senientes, Seb, o amigo da ceara, Hâpi, o dadivoso factor das innndaçÔes
do Nilo e da fertilidade da terra, etc.
Uni a tal elaboraeâo polytbeica deterniinara fatal meule a
predominane.ia inoral da classe sacerdotal e por isso inesino a
eonstituiçao de uma verdadeira theoeracia, isto é de uni régime n de
castas coordenadas entre si e subordinadas â cas ta su-perior dos
saeerdotes. Segnndo Herodoto erani sete as castas egypcias : a
sacerdotal, a dos militares ou guerreiros, a dos coin-mer ciantes, a dos
pastores, a dos guarduâores de porcos, a dos pi lotos e a dos interprètes.
A estas accrescentain e coin razâo, Dio-doro de Sicilia e Strabâo a castxi
dos agricultures. E' escusado dizer que as du as classes dos padres e dos
guerreiros eram as unie-as privilegiadas — as detcutoras das posiçôes e
dos cargos e as isentas do pagameuto de iinpostos. No vertice dessa pyramide
social estava o pbaraô soberano, omnipotente e limitas vexes
divino. (1)
( 1 ) A càpo di tutti st.'i il uovrunn. di front*.* a coi g"li stessi saoerdoti.
atteza l'assolutft costitnziont* monarchica, sono de grao huiga inferiori e nei
inouu-nenti sono rappresentati colla faccia nella polvcrc al cospetto dcl| loro re.
(G. d'Agunnno : Qen. ed, evol. dd dirit. civ.j
52 COMPJKNDIO DE HISTORIA
A synthèse que acabamos de i'azer da o aspecto gérai da |
civilisaçao cujos segredos juridicos vamos prescrutar. Mas para dar a
esse aspecto uni niaior grâo de suggestibilidade, reprodu-ziremos aqui
este intéressante trecho de Théophile Braga :
I « Para se comprehender a historia social do Egypto, basta procuraicomparaçôes
nas di versas epochas da historia da hu-manidade : a
instituiçao da realezw era uni mixto dos peiores imperadores roman
os coin o apparato exterior de uni LuizXIV ; a aristocracia era
analoga aos barôes feudaes emquanto ao seu direito sobre as classes
operarias e aos eortezâos da» epochas cesaristas na sua dependencia
das graças dos pharaôs ; nâo exis-tia povo, mas tâo somente classes
ndstrictas ao trabalho forçado, entre as qnaes se inisturavam todas as
variedades da servidao— a elientella, a gleba, o colouato, o
mereenarismo militai" ; o po-der espiritual era exercido por nina
classe sacerdotal aspira min A soberauia, como a Egreja no tempo de
Gregorio VII, nias sub-mettida a uma protecçao tutellar como no
imperio de Carlos Magno ; uma outra parte desse poder era exercida
pelos scriboe, especie de classe formada dos que se emancipavain
pela illustra-çâo litteraria, analoga aos se ri bas da Obi na,
complicaudo a ad-ministraçâo civil com todo o desenvolviniento
burocratico de funccionalismo e relatorios dos systemas politicos
coustitucio- ' naes. » .
A essa curiosa civilisaçao, sô conhecida até conieeos do uosso
seculo pelas narraoôes dos histbriadores gregos, como He-rodoto e
Diodoro de Sicilia, foi que Chain poil ion, coin a deci-fraçao dos
hieroglyphos, Letroune e Peyron com a traduccao dos papyrus
egypcius escriptos em grego, Brugsb e Bevjlhiji|^_ coin a
interprebaçâo dos textos demuticos, vieram atirar projec-çôes
luminosas, sufficienteniente br il hantes e fecundas para con-stituirem
nina nova sciencia, que hoje tenta os majores espiritos — a
egyptologia. Os mnseus e bibliothecas de Paris, Londres, Berlin,
Vienna e Ta ri m pussuem actual mente exemplares pre-ciosos de
docnmentos egypcios, escriptos em caractères démo- 'ïj ticos, e que
lauçam uma grande luz sobre o imperio dus pharaos. Baseados nos
trabalhos dos interprètes de taes docnmentos e toGERAI,
DO DIRKITO 53
inandn principalmcnte por guia o sabio Dareste, (ï) que os estudou
de perto, podemos emprehender nossa vingem atravez das
iusfituiçôes juridicas do Egypto.
I I
Tanto qnanto se pode julgar pelas fontes conbecidas, a fei-çâo
juridica da primitiva sociedade egypeia era esta : faniilia
constituida em moldes patriarcbaes ; pleno poder do respectivo
ehefe sobre suas mulheres, filhos e escravos : propriedade iiii-1
movel perteneente em çonnnuni â familia. e por isso inesino de
facto inalieiiavel. Esta, )>elo m en os, éa opiniao gérai dos egyptologos,
embora Herodoto e Diodoro, pelas descripçôes que
fizerain dos cnstunips da sociedade conjugal egypeia, tenham feito
su|>por que o matriarcado era ali o régi in en dominante. Ha
exagero, de certo, lias refend as descripçôes ; nias o facto é que
inesnio no regimen do patrio poder, que 6 innegavel no Egypto, ha
vesfigios de niuâ outra phase de hegenionia feminina si assini nos
podemos exprimir. Realmente pode-se dizer com Dareste que o
conjuncto das instituicôes conjugaes e familiares entre os egypcios
« consngrava a liberdade absoluta da mulber e a sua doininaçâo no
ménage ».
O casainento realisava-se seni formaiidade religiosa ou civil,
dependendo apenas de uni a inscripçâo em registre publiée para
cstabelecer a filiaç&o. Era um contracte ordinario entre pessoas
agindo em plena liberdade, no quai a mulber nfio précisa va ncui
do consenti mente nein da assisteucia de pae ou tutor para se
obrigar. Desde que um boinem resolvia tomar como esposa a nia
detei ininada mulhcr, a ella dirigia-se para obter o seu
coiisentimeiito. Esfcabelecido o accorde, era eutregue & mulber
nma eerta quanti a, - especie de arrbus do contracto— e o futuro
marido fixa va desde logo a importancia da pensao que
(1) NSo sô tomaremos por guia o antor dos Jitudes d'histoire du Droit,
comii lhc furemos constantes emprestimoa de observa çôes e palavrus, reprodnzindo
aman o traduzindo outras.
54 COMPENDIO I)K III8TOKIA
dévia'forneccr a esposa para as despezas lia fainilia a constituir. E
estava feito e perfeito o contracte conjugal. Si a niulber pos-suia
bens de aigu m valor, continuava a ser a proprietari» e adiniuistrudora
délies, fazendo se uni iuventario estimative dos
moveis o estipulando-se bypotheca dos bens présentes e fnturos do
marido.
Este era o typo ordinario da nniâo conjugal. Dareste affirma
coin toda segnrauya que até o présente nada veio confirmai' as
conjecturas dus que snppôem ter existido no Egypto unia especie de
casamento civil ou de bençâo religiosa.
Nâo pensa, poréni, do mesmo modo G. d'Aguanno, por-qiianto
diz o seguinte : « Conheeiani-se très especies de casa-mentos : uni
servi 1 (aqnelle cm que a mulber ficava escrava do boiiiein a que ni
se unia), outro, uo quai era esta bel ecida aigual-dade de direitos,
semelbaute a coiifarreatio dos roinanos e pelo quai dava-se certa
coiumunhâo entre os conjuges ; outro, final-, mente, que pode
collocar-se entre as dnas especies citadàs e que ge fundava sobre
qnalquer dotaçao ou présente nnpcial que o marido fazia â mulber.
»
Quauto ao chamado casamento servit, nâo temos du vida de
que os egypeios o praticavam. Ha pelo me nos uni docunieuto que
o prova e que vem trauscripto no Corso de Direito Egypclo de
Revillont e ua- obra de Paturet sobre a oondiçâo juridica da mulber.
E' uni contracte matrimonial eelebrado no aimo 4* do reinado de
Psaninietico, da XXVII dynastia, entre unia mulber de nome
T'énesi e uin tal Anuuon, e no quai entre outras de-elaraçoes
bastautes expressivas se lecm estas pal a v ras : « tu me deste, e o
meu coraçao ficou satisfeito, o preço coinbiuado para que en me
torue tua escrava. »
Egual base documentai nâo tem o casamento que d'Aguanno
compara a confarrèatw roinana. Para procéder coin segu-I va n ça,
devemos porta nto fallar apenas de um casamento servil,
naturalmente a forma priinitiva das n niées conjugaes no Egypto, e
do casamento sein formaiidades civis ou religiosas, livre-niente
coutractado pelos un bontés conforme o exposemos açinià.
A polygamia e o uso fréquente do divorcio eraui os contrapesos
natuvaes das regalias excepeionacs da mulber egypeia. O
ru? K
DE
RECURSOS
GERAI. DO DIREITO
conjuge do gexri nmsculino, descle que nao fosse sacertrej^felQT££>* que.
semlo-o era nbrigado a uionogaïriia) podia coutrahir casa-J tne.nto ou faze.r
eonlraotn eguul coin varia» mulliere». Quaiito ao repudio da esposa, ou divoroio,
fioava elle ao arbitrio do inai'ido. coin tantoque indemnisasse, a repudiada com
nma certa qnantia e se obrïgasse a fazer sens herdoiros os filhos do casai.
('omo eoiisequeiicia deste regimén, a iudependenein dos filhos e a
nenhuma disl.iue.eao entre natura.es e legitinios ei'a regra entre os
egypcios. Todo» os filhos lierdavam, sein dis-tineyao, e por partes eguaes,
cabendo, entretanto, ao mais ve-|lho, a t i tulo de indeinnisayao polos
euoargos da sncoessâo, uni quinhiio inaior. Tainbein era regra gérai no
Egypto o cusa-mento entre parentes, sendo apenas proliibido o inoesto
entre aseendentes e descendentes. Nada era mais fréquente, com ef-feito,
do que os casumentos entre irmâos e irinans, os qnaes | porduraram até
muito tarde, como se veriftea pelas narra<;
Affirmamos em oomeço que na fa nii lia cgypeia o cominii-nisnio
territorial era o régi mon da propriedade. E' isto verda-de mas uïio é a
verdade inteira. Tal régi mon foi o dos pri-meiros tempos ; qnando sob es
reis pastores e principalmente uo tempo dos Ramessides a proponderancia
politica passou dos sacordotes para os mil i tares produzindo o ascendente
da realeza, j o doininio emiiiente das terras passou tambem da familia para
o Estado o a propriedade territorial foi reparbida entre o roi e as dlias
classes ou castas snperiores. Nao parou ahi a transl'or-niaeau. No oitavo
secnlo antes de nossa era, as reformas do rei Bocclioris lundiJiearam
coiiipletainente o regiinen anterior. Foi no reinado desse pharaô que se
estatuiu a liberdade dos contractes e tal progresso juridieo abriu eamiiiho
a propriedade individual o alienavel. Affirmaui os tradnctores dos textes
démo ticos que lia nelles provas decisivas de que na epocba refe-rida ,jâ a
p r imi t i v a connnnnliâo de familia estava dissolvida e a propriedade
passava de mao em mâo por vendas ou aliéna56
COMPENDIO DE HISTORIA
çôes, para as qnaes o chefe rie familia apenas preci.sava do consenti
ine.nto da mnlher e fil h os.
Ein gérai os escriptores desta inateria assïgnalam apenas conio traço
caracteristico da propriedade no Egypto o primi-tivo coramunismo da
familia. Mosmo d'Aguanno nâo vae adean-te, litnitando-sea reproduzir os
dizeres do Herodoto e Diodoro sobre a triplice partilha das terras entre o
monarcha, os sacer-dotes e os militares. Os documentes hoje descobertos e
deci-frados sao mais éloquentes. Assevera Dareste que elles « nos mostram
a propriedade const ituida mais on menos como entre nos e raaito dividida,
embora sen gozo permaneça commuai entre os co-partilhantes. »
A translaç&o da propriedade fazia-se mediante très aetos, que nos
podoremos denominar : venda, juramento e tradicçâo. O primeiro,
cbamado acto para dinheiro era o accord o passade entre o vendedor e o
coiaprador, designando o objecto vendido, constatando o pagamento
intégral do preço, e contendo a pro-niessa do vendedor de complétai' a
venda pela celebraçâo dos dons outros actos e pela entrega dos titnlos de
propriedade. O segnndo acto, de caracter religioso, era ara acto de
affirmaçao coin juramanto prestado peio vendedor. O terceiro consistia na"
entrega ou passagem da posse ao comprador- Com o correr dos tempos
caliiu eiii desnso o segnndo acto e os contractos de com-pra e venda
vieram a fazerse apenas por dous actos : uni que transferia a propriedade,
otitro que investia na posse.
Uma dnpla originalidade notava-se liesses actos : — estipu-lava-se
sempre o pagamento intégral e â vista do preço, e nâo se indicava a somma
ou quantia que constitnia o niesino preço. A exigeneia do pagamento
intégral e a vista faz suppor que no I Egypto nâo era conbecida a venda A
oredito. Esta fazia-se, po-rém, e tambem de nm modo originalissimo :
realisavam-se si-multaneaiuente duas operaçôes ou contractos : nm de
venda a diuheiro a vista e uni outre de mntuo, pelo quai o vendedor
emprestava ao comprador todo preço ou parte délie.
Expoudo e comme.iibando estas pecnlaridades do direito egypeio
Dareste observa que a venda coin pagamento & vista era uma
consequencia das idéas primitivas sobre a força obrigatoGERAI.
00 DIREITO 57
rit» dos contractos. Eis as snjis proprias palavras : c Os bomens so
pouco a ponco chegaram a comprehender que uma obrigac&o civil
pode resaltar do simples conçurso dp dnas vontades. Para que o
compromisso fosse considerado como irrevogavel era pre-eiso nos
tempos mais remotos algnma consa mais : por exe ni pi o : nma
prestaçâo feita por nma das partes, e assim, para fallar al
ling'.iagem ticbuica, os contractas reaes prccederam por toda parte
os conl raetos puramente consensuaes. »
Esta coi clnsâo e gérai meute admittida como nma das limitas
leis particulares da evoluçâo juridica, e de tal valor é cl la, que o
proprio G. Tarde coufesson baver « nma verdade parcial e relativa
» cm tal asserçâ-o de Dareste.
Uma vez que fallando de transi uissâo de propriedade abor-j
dâmos a materia dos contractos coin pie t en i os coin aigu mas outras
as ligeiras noçôes dadas sobre o Dircito das obrigaçôes entre os
egypcios. Jâ vimos que elles conbeciam o emprestirao como
elemento constitutive da vendit a credito. Accrescentare-mos que
eram communs os emprestimos de dinheiro ou de frigo e que o
penhor. a hypotbeca. a locaçao tinbam uso fréquente. O praso dos
emprestimos era sempre curto e a demora no paga--înento fazia
incorrer o devedor cm uma forte clausula pénal. No caso de nâo
pagamento o credor nâo tinha direitos sobre a pessosv, si m apenas
sobre os liens do devedor. Os contractes de iocacào ou
arrendamento de terras tinbam logar ordinariamente pelo praso de
uni anno. A prova dos contractos dévia ser feita por escripto ; na
ausencia délia era admittido apenas como prova o juraïuento do
proprio devedor. A escriptnra podia ser particular ou feita perante
officiai pnblico, da catbegoria dos nossos escrivaes e tabelliaes.
mas dévia sempre ser feita deante de testeinunbas (cinco a
principio e posteriormeute sete) as qnaes eram obrigadas nâo sô a
assignai' como tambem a copiar o contracte.
Quand o tratâmos do modo de constitniçâo da faniilia egy-peia
dissemos aigu ma cotisa sobre herança on snecessao ; por outra,
sobre a maneira pela quai herdavatn os filbos, quer le gitinius quer
naturaes. Aecicscentaremos nesta materia o se-gninte : Nâo era
conhecido o testamento. Para bénéficiai1 alK
1
58 OOMPEKDIO DK HISTOKIA
guem que nao porteucesse a sua fa milia, o respective chefe tinha de
recorrer a adopeao, que era ïnrgamenLo praticada. Dissemos que o
fil ho mais velho era o encarregado de fazer a partilha dos liens,
razâo pela quai o seu quiuhao era sein pré' ni ai or que o dos déniais
herdeiros. Entretanto parece que na niôr parte dos casos a divisao da
herança era feita pelo proprio pae de faniilia, quando se aproxiniava
da morte. Pelos me.nos Kevillont, fundado em textos demoficos,
affirma que o pae ou chefe dava a eada uni dos filhos sua parte de
herança légal, njuntando uni» penalidade para aqnclle que
offendesse os ou-tros herdeiros. Os filhos de pae desconhecido
herdavain apenas de sua mae. Comtudo o reconhecimeuto ou
perlïlhaçâo de quai-quer délies dava direito a herança patenta.
Passenios agora a dizer algo da organisaçao judiciaria e por
Jim do direito pénal do Egypte.
Dada a organisaçao theocratica do Estado era natural que a al
ta administrayâo da justiça coubesso aos sace idoles sob a su-prema
direeçao dos pharaôs. Real m en te era m os padres os ma-gistrados
superioves, do mesmo modo que eram elles os lança-dores de
impostos, os fiscalisadores dos pesos e niedidas, etc. Xem podia ser
de outre modo visto que eram elles os dépositaires da chave
hieroglyphica dos oito livres de Thôt— os sa-j grades livres das
l'êis decretadas por Isis.
O que sabemos da orgauisaçào judiciaria egypeia é innito
pouco e chegou até nos por intermedio de Diodoro de Sicilia. O
velho historiador fallu de um numeroso tribunal suprême,
composte de trinta juizes escolhidos entre os mais notaveis sacerdotes
de Heliopolis, Meniphis e Thebas e incumbido de diiii
i i i r todas as questôes, eiveis e crimiuaes. A existeucia desse
tribunal esta hoje, alias, plenamente confirmada pela descoberta e
traducçae de um papyro em que se faz mençào do présidente que
dirigia os trabalhos dos triuta jnizes. As nor mas procès -suaes
nsadas perante o referido tribunal eram simples. Osplei-teantes
deviain comparecer pessoalmente e produzir por escri-pto suas
allegaçdes. Cad a parte tinha direito apenas a u ma repliea- Os
jnizes deliberavam em segredo e davam. as seu-tenças proferindo
um aim ou um nâo, que nâo precisava ser mo«
ERW, no OIRErTO 59
tivado. O présidente do tribunal, entao. confirmava mnda-mente a
sentença, applicandn sobre a fronte do pleiteante victo-rioso a figura da
verdade — mua peqnena estatueta de olbos cerrados, que.trazia pendent*
do peseoço' Abaixo do tribunal dos 31 estavam osjnizes das provincias e
das cidades, que jfll-gavam as questôes de pouea monta ; aciina délie esta
va o rei ou pharaô, que podia avoear todas as causas, jnlgando-as por si
mesmo on fazendo-as jnlgar por qnem quer que désignasse, visto que era
elle o grande jniz instituido pelos denses, o inves-tidor e o remnnorador
das funcçôes-dos magistrados.
Do Direito pénal egypcio podiamos nos l imi tai ' a dizer o que se lé
em Davestë, isto é que os papyros gregos e domoticos nada revola m
sobre elle, e que a interpretaç&o dos papyros hie-roglyphieos publicados
por Bireh, CL a bas, Devenu e Maspero nao é ainda sunïciente para darnos
uma idéa justa a respeito. Nao obstante resumiremos o que se
encontra nos an tores de mais nota sobre tal assumpto, que alias é
competentemente tratado por Letonrneau.
Na Biblia e nos eseriptores gregos temos referencias unine-rosas a
oertos aetos deliotuosos e respectivas penalidades. Be-corrondo a estas
fontes, verincamos, por axemplo, que o homi-cidio, o parricidio. o
infantecidio, o roubo, o adulterio erani crimes puni dos severa e mesmo
barba rameute. A morte, a re-dncçâo à escravidâo, as mutilaçôes de toda
a ordem eram peuas comninmente applicadas conforme a natnreza do
delicto e sem-pre n'uina intima relaçao coni este, isto é, obedecendo ao
prin-eipio do taliâo. Verificamos, outrosim, que o processo criminal
tinha a tortura como o principal meio de instrneçao e que em fait a de
outras provas recorria-se ao juramento das partes ou a os oraculos dos
deuses.
Acabamos de fallar em taliâo. Coin efleito pode-se affirmar que
essa modal idado da vingançr. primitiva era a base das con-cepçôes
juridico-penaes dos egypeios. Letournean faz notar que entre elles as
peuas eram tanto quanto possivel expressivas ou analogas aos crimes.
Por ontro lado Bevillont réfère se a nm dialogo 'entre dois fétiches, em
que se le o seguinte : « Aquelle que mata sera morto ; aquelle que manda
matar sera morto. »
60 COMPEND!0_J)E_JIR5TOK!A
Entre as posas expressive» de que falla Letourneau, aigu mas
nos fazeni conhecer outras especies de crimes, além das que indicamos.
Sao ellas : a calumuia, a fabricaç&o de moeda falsa, a
descoberta ou delaç&o dos segredos de Estado, a falsificaçao dos
pesos e raedidas e a dos sellos publicos ou privados. O calumniador
soffria a pena que mereceria o calumniado si a im-i
putayào fosse verdadeira ; o nioedeiro falso e o falsificador de
medidas on sellos soffria m a niutilaeao de anibas ou uma das
UI&08 ; o delator de segredos de Estado perdia a lingua.
O homicidio arrastava fatal mente a pena capital ; o par-1
ricida era pnnido coin a morte sobre uma fogueira, depuis de se lhe
ter amputado as maos ; o autor de uni infanticidio era condemnado
a ter ligado ao eorpo durante très dias e outras tantas
noites o cadaver de sua vietima. A mnlher adultéra foi a prin-cipio
punida cou» a morte, posteriormente coudemnaram-n'a a ter o nariz
amputado ; o estuprador era phallotomiaaâo, o que significa que era
punido por onde tinha peccado ; o ronbo. a semelhança do adulterio
do mulber, foi a principio punido coin a morte e mais tarde coin a
inutilaçao do nariz. Quanto ao ho-meiu culpado de adulterio sem
viol en ci a, a pena que lhe cabia era a de mil vergastadas.
Abstrahindo dos delictos sociaes, ou das disposiçôcs penaes
que serviam de sancçâo as numerosas e miuuciosas leis policiaes
— s&o estes que ahi ficam os tracos principaes do direito pénal
egypcio.
Finalisaudo, oumpre-nos apenas observai- que a lcgislac&o
por nos estudada refer«-se unicamente ao Egypto anterior as
occupaçoes grega e romana. A partir dos Ptolomeus o Direito da
velha monarchia pharaonica começou a sotïrer modificaçôes
sensiveis, sob a influiç5o dos costumes e leis da Grecia. E' verdade
que os gregos e romanos procui-aram respeitar quanto possivel
os usos e leis indigenas on locaes, ; mas apezar disso trausforraaçôes
importantes se operaram, que deram ao autigo direito
uma physiouoniia difterente da primitiva.
AT
Aryanos e iranianos. ~~ 0 velho Direito da India e
Persia (*)
§
Como viajante tenterario que da entrada eni terras da pntria depois
de ter ealeado por niuito tempo solo estrangeiro, chega-iiios nos agora
âqnclla regiSo do oriente de onde sali ira ni eut epocha iudeteriuinada os
geradores dos nossos caractères ethni-cos e de todas as nossas aptidôes
sociaes. Estanios no paiz de origent, no berço tellurico dos avôs; estanios
na India, que, no dizer de Bitumer Maine, é «o grande inttseu onde se
aehant re-iinidos todos os pheiiotnenos de antigos usos e de autigas idéas
(*) FONTES : — R. Von Jhering : Les indo-européens avant l'histoire ;
Adolphe Pictet : Les origines indo-européennes on les aryas primitifs vol. 1. ;
Fompeyo Gêner: La mort et le diable; G. Carie : La vita del Di-\ritto net svoi
rapporti colla vtta sociale ; A. Ott. : L'Inde et la Chine ; Ahrens :' Encyclopédie
juridique, vol. 2',; H. Stunner Maine: Les communautés de village en orient et en
occident e Etudes sur l'ancien droit \el la coutume primitive ; d'Aguanno : Oen. e
evoluz. del Diritto Civile ; Letonrneau : Evol. jur. dans les div. rac. hum. ;
Dareste : Etudes d'histoire du Droit.
62 GOMPEXDTO DR HTSTORIÀ
juridicas ainda snscepbiveis de verificaçao. » Soraos latines, o,\
como taes, rennidos aos gregos, celfcas, gernianos e lithuanosslavos
fcivemos a tenda auccstral no traclo de terra asiatica onde
medron e de onde irradion o poderoso nueleo primitivo da raça
aryana. Este parentesco é lioje nm easo jnlgado. «O reconhecimento
de. qae todos os povos indo-europeus descendein dos
Aryas é uma das niais hrilhautes descobertas scientificas do sc-culo
XIX»— disse R. Von Jbering, e acerescentou : «Na noîte do
période de niigraçâo que nenhuma infonnnçâo eselaroce, pre-parouse
o fntnro da Europa ; é a obseuridade do sein mater no. O Hindû
actnal e o enropen sâo seres absolnta mente différentes, e entretanto
elles sâo os fillios de nina s6 e mesina mae, irmaos geineos de nina
natnreza originariameute idrntica. Mas uni délies, o primogonito,
fleon como herdeiro da casa paterna, ao passo que o mais raoço,
entregue a si niesmo, atirou-s» ao mnr, peroorrendo todos os
oceanos, affrontando todos os perigos. Vol-tando apôs longos an
nos elle nâo reconhece sen irmao gemeo, de tal modo a vida os
differenciou. O Hindû actnal é o primo-j genito, o enropen é o
irmao mais moço. »
Coin effeito, as modernas seiencins da lingnistica. e da
pliilologia, nmh.is estudadns pelo methodo comparative cotise-1
guiram assentar em bases solidas a doutrina de que as varias fa mi
lias ethnicas componentes da eivilisaçâo occidental s.*o to-das
ramificaçôes de nm mesmo tronco que a Asia central via brotar e
crescer, coin nina seivosidade pnjante. Qne esse tronco é o da raça a
qne se da o nome de aryana, e que tal raça creou uma lingnageniinae
de onde derivaram todos os idinmas dos povos indo-enropeus
on indo-gerinanieos(l) —sâo consas actnal -monte quasi
incontraversas. A descoberta e estudo do sanscrite e do zend e a
coiuparaç&o délies coin as linguas europeas leva-ram il essa
conclusao a generalidade dos lingnisfcas, philôlogos e ethnologos.
A palavra sanscrita arya, tomada snbstantivamente, signi-fica
: dono, senJior ; como adjectivo significa : fiel, dedicado,
(1) R. von Jhering préfère a denoininaçâo de inâo-europeu» ; A. Pi-etet
repelle ambas, adoptando a désignais o de familia nrijivnn.
GERAI. DO DIKEITO 63
wiriind», excellente, Qunndo os nossos JIVOS nsiatieos a emprega-vam
n'uni sentido genealngicu ou ethnico davam-lhea signifioa-y&o de
eeneruvel, excellente, de boa raçn. E queiu dira que tae.s| aftribntos nâo
cabem a gïorïosa estirpe liumana, de pelle braura, niais ou menus al va,
de IVonte espaçosa e alla, de cranoo beml eonformado, de inaxillares
reduzidos, eiifos dese.ender.tes e représentantes, toniando o rumo do sol,
claboraram eni varios pontos do nosso plaueta a assumbrosa civilisa çao
de que goza-nos e nos orgiilhamos hqje?
Dissenios que foi a Asia centra] a patria origiuaria dos ttryiut
antigos. Partic.ulurisando niais, podenios dizer que o énorme platô do
Iran, «o innnen.so quadrilafero que se estende do Indu ao Tigre e ao
Euplirates, do Oxus e do Iaxartes ao Golpho Persieo» foi a séde cotniiiuiii
da grande raça. Quanto a deteriuinaçâo exaetn do ponto do platô onde
viveram e dw onde se destacarain, eni direcçôes diversas, os nossos
antepas-sados arycos, soinos obrigados a confessai- que a scicucia nâo
den ainda a sua ultima palavra, liavendo aie sérias divergen-cias entre os
autores. Coinludo ha uma hypothèse, apoiada por fortes dados
sc.ientificos : é a que fixa aqnelle ponto na Bactria-ii;i- ou Balkh actual ;
isto é, na regiâo situada entre os 33 e os 38 gràos de latitude, a quai se
estende entre o Hindukoch ao sul, a Buckaria ao aorte, o Belotag a leste e
os territorios de iMerw e Herat a oeste.
Uma série de presuinpçôes cada quai mais plausive!, ou inelhor uma
série de importantes subsldios fornecidos principal-; niente pela
linguistica, autorisaram Adolpho Pietet, o sabio aviil or de « Le* origine*
indo-européenne» ou les tiryas primitifs a | dar coino provavel a
hypothèse de que foi a regiao geographica aeima delimitada aquella que
foriicceu aos uossos antepassados o se u prinieiro ])ouso,.on antes a
primeira morada coin mu m das tribus arycas.
Acceita esta hy| othese, que é, aliâs, a mais corrciiteinente admit
lida, devemos quanto antes voltar os olhos para a épigraphe do nosso
c a pi t u l o e lai lar dos iranianos. Nao ha uisso a miuima difliculdade
porqiianto aryanos e iranianos sào apenas dois ga-lhos do înesmo ratno
cthnico. Tratando da Persia no seu adini...
ïi m m
64 COMPENDIO DE HIBTOBIA
ravcl livro intitulado La Mort et le Diable, o grande escriptor
hespauhol Ponipeyo Gêner escreveu coin razâo : «Nasaltas pla-j
nicies da Bactriana, em nina epoeha tao longinqua que se perde na
noite da origem das civilisaçôes, encontramos o povo do Iran, povo
ai .vano, irinao dos Aryas da India e dos Aryas que povoarani a
Europa. »
A. opiniâo emittida neste trecho de P. Gêner esta fora de
qnestào. Ha autores até que tratam os iranianos pela denorai-naçâo
de aryas de, Zoroastro on aryas da Persia. Entre taes autores
podemos citar A. Ott. E quando houvesse duvida a rcs-peito, fiearia
ella defeita coni estas painvras de Pictet : « O que se pôde
demoustrar de uina maneira précisa é que os Aryas deveni ter-se
dividido priniitivamente em dois grnpos. uni oriental, outro
occidental, dos quaes snhiram, de uma parte os Aryas da Persia e
da India, e de outra os povos europeus. » Fnndados ainda na
autoridnde de Pictet podemos dizer que, dada a Bactriana conio
séde dos primitivos aryanos, os iranianos eram os aryas.de uordeste
e os indianos ou h in dus erain os aryas de sud este.
Houve uma epoeha em que esses dois grnpos eniigraraui da
morada conimum : nm marcliou a principio para os altos valles das
nioiitaiilias de leste, de onde vol ton mais tarde para povoar o
Iran ; outra seguiu pelo valle do Indo, afcravessou-o, estabele-ceusc
no Pendjab e espraiou-se depois por quasi toda a penin-sula
liindostanica'
Sâbido isto, compreheude-se o niotivo pelo quai reuniiuos
neste capitulo a India e a Persia antigas, para estudar-lhes as
instituiçôes de Direito. Conicçaremos pelos hindus; occupar-noshemos
depois dos persas.
§ '-*
huila. — Quasi todos os autores tacita ou expressamente
accordam em dividir a liistoria antiga dos hindus em dois pe-riodos
principacs : o oêdieo e o brahmanico. Esta*» denominayôes sâo
tiradas dos docmnentos ou fontes onde se encoutram infor«
KRAL DO DIKEITO 65
maçôes niais ou menés exaetas sobre a organisaçSo social e sobre as
idéas e costumes dos aryas da Iudia. Mas a divisao alludida nfto tem s6
esse fuudaïuento de caractef docamentario : ellft é real e fecnnda porqne
corresponde a du as epochas disti notas da oivilisaçào dos bindûs.
Bloquante estes, organisados em lami-1 i fis, ou qnando uiiiito em clans
ou tribus, conserva ru m as mo-destas iustiliii(;ôcs religiosas e
patriarchaes que haviani trazido da B.:ctrianu e que os Vèdan
cousagravain, a ciyilisaçâo dos aryo-indios t.*ve uni aspecto di verso da
dos tempos subséquentes cm que preponderando os brahmanes, ella
revestiu uni carncter politieo e social muito mais complexe.
Devemos, pois, ad m il tir coin G. Le Bon, G. Carie e outres
autores, a suecessôo dos dois citados periodos na desenvolue&o social
dos hindiîs. Abrens distribue esta desonvoluçuo em quatre periodos, que
a final corresponde!» fiindamental mente aos dois iudicados. E' que o
notavcl profess< r de Leipzig ligou a historia dos bindus «â inudança e a
extensâo de sens estabele-ei montes » e nao as suas coneepcôes de ordem
moral e politica.
Para o estudo do periodo vâdico temos os livros sagrados que ja
citâmos (os Vêdtu, que sâo em numéro de quatre : o Rig-\ Yt'da, o Sama-
Vêda, o TadjurVéda e o Atharva- Vêda) e como fontes subsidiarias
possuimos os grandes poemas epicos institu-lados lïamapana e
Mahabharata, eoniposicôos au inesino tempo historiens, mythologicas c
pooticas, que. nos fascina ni pelo grandiose de sua concepçao e pela
riqueza de imaginnacâo dos seus anlores. Recorrendo a esses citriosos
docunientos indianos, ou autes a sens traductores e coinnientadores, sernos-
hia taciJ com-Ipôr uni quadro largo e suggestivo do primitivo esta do
social dos h indus. Mas como as indioaçôes de ordem juridica espontam
muito rara e parcamente em taes obras que (sobretudo os Vê-1 dr/s) têm
mua caracteristica essencialmente religiosa e mythica, deixamos de parte a
analyse délias e vamos dar, em synthèse, uni esboço do Direito que apenas
transparece atravez dos seus hymnes sagrados e das suas fieçôes poetieas.
Neste intuito to-inamos emprestados a B. Da reste os periodos seguiutes : H
« Quando os Aryas desce.ram as plan ici es do Indo e do Ganges
assemelhavam-se aos herôes de Homero. A compra da
9
66 OOMPENDIO DI. HISTOR1A
mulher era :i forma do casnmento, e o direito cri mi nid intciro consistia
em uma série de compoinçôes exaetamente tarifadas se-| gundo a
grnvidade do danViio. O preço dosaugue era pago emj 11 m certo numéro
de vaeraa e un» tonro. Gaula ma (um dos livres brah maniées mais a
litiges) nfto eonheee outra moeda. Vis-I chnu (nas suas Insiilulas) falla dp
uma certn moeda de cobre, mas em sous eseriptos a tarifa conserva uma
progressai» toda arcliaica : Si um homem levaiita a mào para bâter, pagarii
10 ; si levant» o pé, pagarsi 20 ; si levant»' um basf&o, pagarâ 200 ; si usa
de uma arma, pagarâ 1,000. A oiganisuçôo patriarelial da familia on tribu,
a pratica (la adopcâo, certas medidas toma-l das para assegn ra r uma
posteridade li et ici a ao homem ni<>r.to| sem filhos, sîio outres tantes traços
earaeteristicos de. civilisaçà.oj primitiva, que os primeiros codigos
hiudiis constatam. bnscando supprimil-os e modifical-os. »
A esta perfunetoria apreoiaeâo do citado historiographo-Ijurista
acereseentaremos apenas mis ponces traçoe, que se nos aligurani dignos
de relevo.
Os A r y a s do peviodo vedico nào conslituiaiu um Est ado, iicm
inesmo uma naçao ; nào ehegaram a coneebpr e organisa r uni governo
além do patriarelial. (1) Familia, clan on tribu rennia-se no aldeiamento e
délibéra va collectîvamente sobre os cases graves déliai xo da direcefto
d<> pao on chefe. que era o de-positario despotico das fuiiceôes
exeeurivas, judiciarias inclusive. O regimen da propviedade territorial era
o do comnin-l nisnio de aldeia ou tribu, conforme deixon dito Sbrabào e
foi modernameute contirmado pelos trabalhos de Spencer. d« Lave-) leye
e deSumner Maine. As terras eultivàveis eram-n'o em co'm-I I IUI I I ]>or t
pilon os habitantes da aldeia, sendo no fini de cada a ui i i i dividido o
produeto da cultur». Vem a proposito citar
(1) Temos até agora indicado sufficientemeute a natureza do regimen patriarelial
; nào obatante julgomos conveniente aclarar a îioçâo que temos dado
com a segminte esplendida definiçâo de Smnner Maine :
animada e inanimada, tinidôs por um laço de sujeiçno commun ao pntrio poder do
chefe da casa. >
«KitAJ. no nrREiTo 67
estas palavras de S. Maine : « A vida que levava outrera en»
conunnm o grgpo on a communidade fraginentou-se até permit-jtir
a apropriaeao privada do solo cul tu i ado, nias nâo à(!é tolerar
0 abandono do systema de rnltura communi.sta. » Junteni-se a
isto senti mentos altainente cavalheirescos para coin a» mtilheres
e uni verdadeiro culto pela familia, e estarâ desenhado o typo
do byndà primitive. (1)
Vejamos o que foi elle no periodo brahinaiiico, indicando
préviamente as fontes p ri m arias e capitaes de onde sâo extrafaidos
os conbeci mentos (pie sobre tal e pocha possuimos.
1 Até meiados do uosso seculo os imicos documentes da litteratura
iudiana. que couheciamos, erani, além do Ramayana, do
Mabbarabla e dos Vodâs, o célèbre Codigo de Manu (o Ma H ara
Dharma Sastra) e o livro, inuito mais récente de Yajna-Valkya.
Mas de uns trinta an nos a esta parte alguns ontros forain deseobertos
e traduzidns, forueccudo aos indianologos e principal
mente à sciencia do direito liindù no vos e magnifions, stibsidios.
Estes ontros doeunientos silo os seguintes : As Institutus
de Narada, que sâo mais on nienos coutemporaneas da compilaç&
o Yajna-Valkya, as InstituUin de Vischnû (trndu/.idas pelo Dr.
Joli y, que tambein foi o traductor de Narada) e as de Gauraina,
Baudhayana, Vasishtha e Apastamba (traduzidas pelo
Dr. Biihler.)
A divulgaeâo destes trabalhos foi da mais compléta opportunidade
e eonveniencia, por quauto o classico livro de Manu jA
era snspeitado de nos dar noticias inuito pouco authenticas da
veilla civilisaçâo bralimanica. Bealmente é hoje pouto liqnidadoj
que o Manava Dharma Sagtra é inuito mais récente do que a col-
(1) E' possivel que em epoeha muito remota. talvez contemporanea do
estabelecimento na Batriana, a familia aryca nâo ostàvesse constituida como a
oncontramos no periodo vedico. D'Aguanno apoiado em nm trecho do Mah-harnli
ta faz ver qne deve ter existido entre OH primeiros hindus nm periodo de
promiscnidade e de regimen matriarcal. Eis o trecho em que se baseia o civilista
italiano : 4i Houve um tempo no quai vil a era um delito »er infiel ao esposo,
antet um dever... As mulheres de todaa us classes sâo communs ; como\ \sSoai
vaeeas sâo un mulheres... Foi Cweta-Kitoit que estabeleeeu restrieçôes] para os
homens e mulheres sobre a terra.1> {Mahablwrata, 1. 503, v 4719—22.)
68 OOMPENDIO DK HISTORIA
lecçao de IustUutas tradnzidas por Bahler, sei-vindo para argumente nesse
senti do a circnmstanoia de ser elle escripto em versos— uso que na Iudia
foi inuito posterior ao dos livros em prosa aphoristica, segundo provon M.
Mol 1er. Este sabio che-gou a déclarai', e com approvaç&o de S. Maine,
que o cita, o seguinte : « Quanto ao Manava Dharma Sastra, o Mann
tradn-zido por William Jones e que sens institntores indigeuas affirmnvam
ser a base de todo o direito sagrado da India, é nnia re-dacçao tard
i a da dont ri na légal dos Manavas, gêna ou clan por-tadora do uome de
nui Mann mencionado freqnentemente na ilitteratura sanskrita mas que o
antor do livro actual menciona como alguem différente do proprio. Si o
velho Mann tivesse eomposto nm livro de direito (o que é duvidoao) elle
nâo teria certameute escripto no métro poetico do codigo actual. » (1)
N&o obstante teremos de pedir a esse velho Codigo (que segundo
todas as probabilidades foi redigido um on dois seeulos antes de nossa
era) militas das informaçôes de que eareeemos sobre o direito hindii, na
sua phase francamente brahmanica.
Este segundo periodo da evolnçae dos aryo-indios corresponde ao
fixainento destes na parte su péri or do Hindostâ-o e nas margens
snperiores e médias do Ganges. Caracterisa-se elle, no ponto de vista
politico, pelo evento de uma constituiç&o mo-narehica, substituindo o
velho pu 1er frngmentado dos chefes de familia ou de tribu ; no ponto de
vista social, pela systematisa-çS.o do régi m en das castas e correlativa
preponderancia da classe sacerdotal on brahmanica, — o que vale dizer
por uma organisa-ç&o theocratica da sociedade. Uma louga elaboraçào
polytheistu,' saliida da astrolatria, como no Egypto, dera a base mental
para o predominio dos sacerdotes, meros poetas-philosophos na epo-cba
anterior celebrada pelos liynmos vedicos. Dos denses na-turalistas Indéa e
Agni passa-se à Irimurta, triada ou trindade
(1) Yê-se como é différente a versâo scientifica da outra em que Mann
apparece, segundo a legenda, como o primeiro homem, sohido de Brahma,
creador de Inêra e de toda a cohorte dos denses, tendo um filho que lh« nasce'
do umbigo como as diversas castas haviam nascido da hocca. do l tuço, da cou
e dos calcanhares do Dou.s supremo.
GERAI. DO DIKEITO 09
«le Brahma, Yixchmî o Sirn c ao domina motaphysico da transmigraçao
das aimas ; de Brahma, o deus creador, extra.he-se a
organisaçào cl as qnatro castas, corrosponden tes a hocca, ao bra-
|ço, a perna e ao pé do ser snpremo. Quer a institnicao da rea-leza,
quer a do régi me» das castas, explica-se facilmente pelas uovas
eondiçôes de habitat dos h in dûs e principalmente pelas lui as
continuas e prolongadas que tiveram elles de sustentai' coin os
iiidigenas do Hindoatâo, a quem dispntarain o solo.
Nao se snpponha. entreianto, pelo que aeabamos de dizer que
fazemos côro corn a opinifto dos apregoadores da absolu ta
ansencia de antécédentes, no periodo vedieo. dcsfe regimen politico-
social. Sabemos que cm uni dos Vidas e mis epopéas in-1
dianas ha vestigios da triade eneabcçada por Brahma, e sabemos
tninhem que as castas nao forani uma ereaçâo do C'odigo de Manu,
nias si m uma systématisa yao de idcas e usos vindos de longe.
De resto, nada niais natural do que isso : as sociedades, como a
natiire/.a, nâo fazem saltos.
Feitas estas observaçôes estâmes habilitados à passai- en»
revista as instituicôcs juiïdicas dos li indus no periodo brahma ni
co.
Das (juatro castas cm que esta va rigorosaniente dividida a
sociedade : & ùos brahmanes (padres, sabios, magistrados), a dos
kchatryiax (iiiililares, gnei reiros), a dos caisyas (agricultores,
conimerciautes, iudustriaes) e a dos mtdras (serves, cscravos)|
sdmente as du as primeiras eram altamente previlegiadas e collaboravam
no governo ou adniinistracao publica- Exactamente
como no Egypte ; havendo a in da este ponte de contacto entre l'a
soeiedade do Njlo e a do Gauges : — o rei, da classe dos guerreiros.
iiiîpuzera se aos sacerdoles e domiuava-os, como os déniais
su lui il os. Portante o Direito Publiée dos h indus é facil de
coiicclier : o monarcha é o suprenio legislador, o snpremo exécuter,
o snpremo juiz, enibora a té certo ponte peiado em seu arbitrio
pelos dogmas da religiao uacional e pelas injuncçôes dos
respectives exegetas. O Codigo de Manu todavia, consagra limitas
regras re le rentes â adinioistraçao infcerior e aos uegocios
exteriores ; disj'ôe sobre oasos de guerra, sobre tratados coin outras
naçôes, sobre impostes, etc. Alias estas mi nu ci as regu70
OOMPENDIO Dl: rtlSToRIA
1 amen tares sào cuininuns a toilos os Codigos primitives. E' aqui oecasiâo
de fazer nofcar que o Manama Dharma Sa&tra é inenogl uni cotlign de lois
do que nui tratndo de religiao. « Ainfla que eontenha uiiiilo de Direito,
Mann é essencial menti- mu livro de r i tua l . de deveres sacerdotaes e de
observa m-ia religiosn » dia Snuiner Maine. A este respeito recordaremos
apenas que tal facto é nui dos que comprovam a primeirn lei de evolueao
ju-ridica que no eapitulo inicia l deixamos enuuciada. I Passe ni os no
direito privado- dos hindûs, comeyando pela organisayâo da l'ami lia, —a
exemple» de Dareste que aqui, como fin rolaçào ao direito egypeio, vae ser
o uosso principal gnia. I Oomo vimos, os codigos brnli maniées sâo de
estructura e data diversas, de onde a possibilidade, ou autos, a neeessidade
de d i vi d i r a respectiva legislacâo em dois periodos : o dos *«• trat, ou
antigos livres em prosa, e o dos codigos niais récentes .OUI verso, liasear
nos-lienms nos primeiros e indic.areinos depois os pontos da legislaç&o
niodificados pelo Codigo de Mann.
Enibora as Institut as de Vasishtha e. Apnstamba fallem apenas em
seis, oito eram as especies de casamento reconbe-cidas peins hindtis. As
quatro prime iras realisavam-se por ir.eio de uma ce re mon "ni religiosa e
coin o assenti monte do pai da noi-va ; — eram os easamentos honrosos e
lègues. As outras qua-tro urain : a nniâo livre (modo don musicos célestes)
a oontpra (modo dos mâos genios),o rapto, c a oiolaçâo da mulher quando
privudn de sentidos (modo dos vampiros). Havia impediineutos entre
parente ate seis grâos do lado do pae e quatro do lado înateriio. Tawbem
nao se easavam pessôas que trouxessem o iiiesmo nome. A polygamia era
permittida ans homens das cas-tas supedores ; sômente os sudra* on
escravos eram obrigados | a monogaïuia. O poder marital era bâo respeitado
quanto o pa-trio poder. Deseoiihecia-se o divorcio ; mas no caso de
ausencia do marido por seis anuos o casamento era dissolvido. Segnndo
Apastamba havia uma especie de esponsaes que coiistituiam na realidade
mu casameuto civil. O nui vu fais i a ao pae da nuiva mu présente de cein
vaccas e uni oarro — présente que dévia ser restituido si nao se réalisasse o
casamento. O 6m da nniâo conjugal era procréar filhos qne praticassem os
ritos fuuerarios em.
GERAT. DO DIREITO 71
h on ru
cuuhndn. o pedido do pue esteril feito a a m ontro ho-mem para
engcndrar-lhe mu filho, etc. O rpgimen patriarchal nnido u'> cullo dos
antepassudos explica cases costumes tâo | ulheios HO n.osso modo de ver
ad nul.
A successao tcslamentaria nao exisMu ; o.substitutive légal do testa
ineiito cra a adopeâo. Depois da morte do pa© a he-rança ora parlilhudu
egnal mente entre os lillios varôes. As fi-llnis nao lierduvani ; mas
herdavani OR lillios varôes dus Jillias. O filho mais velho tinhn uni
quinliâo m'ai or qne os déniais, fal-ve.z, conio no Egypto, a titnlo de
indemnisaçao pelo trabalho da distrihniyao du herauea. Ainda a
semelhauça do qne se du va | no Egypto, uiuitus vezps o pue, cm vida,
fa/,in por si mesmo a pari ilhu entre os lillios. Outras vezes a licruuça era
pelo pue udjudicada toda ao filho mais velho, coma condiçao dp sustenta
r elle a familia. Os présentes feitos a mnlher em rnzào de. sen cassuincuto
e (pie constitiiianr soi) o nome de stridhana propriedade purlic.nlnr s nu,
erain herdados pelas fil lias e nâo peins filhos.
O regimen da propriedade uo periodo brahmanico chegara jû em
grande parte ao sen typo individual. Certo ainda perlais! iao collectivisnio
familial e a. enltnra em cmnniiini dos cam-pos. a qne jâ livemos occasion
de alludir. Mas a evoluçao es-tu vu- feilu cm grande esenlu. Assim os
modos de acqnisiçào da propriedade. individual estâo determinados eom
precisâo nus Institntas de Gantama. Eis as proprias palavras do texto : «
Adquire-se a propriedade por successao, compra, part-il h a, appreliensào
on achudo. E' preciso aeereseentar a aceeitaeâo de nui présente
para «m brahmane, a couqaista para mu kchatryia, o traballio para um
vaisya ou um stidra. »
Os h indus conheeiam e pratieavam quasi todos OR contractas do
di r e i to moderno : a compra e vendu, a bypolheca e an-tichrese, o
ju'iihor. o emprestinio a jnros, etc. Este ultimo of-ferecia a
parlicnlaridade de que a taxa do juro differia conforme a custa do
devedor. Entre pessoas da inesma casta os jnros nao dcvi i im nuuca
nltrapassar o capital ; mas entre contractan-
—- w
72 COMPENDIO DK HI8TOKTA
tes de easta différente os jnros podiam ir nléni d«> capital 3, 4 e
at£ oito vezes. As (lividas provavatn-sc quer por escripto quer
pur testent unh as. quer peîojuizo de Deus ou o niai in. A. inexe-i
cuç&o das obiifiaçôes era eonsidcrada crime. O depositario inftel
tinha a mesina pena de uni ladrâo, e em geïil aquelle que
u5o dava o que promettent pagnva mua multa de 250 pana» e
era constrangido a exécutar-se. H
A organisayâo juridica de que fallu m os codigos brahma-nieos
»' a mais rndimentar possivel: ao rei iucurabia a distri-buiç&o da
justica e elle se desenipenhava desse dever por si mesmo ou por
intermedio de uni tribunal eoniposto de très ou| quatre brahmanes,
versados un sciene.ia dos Vedas ; o processo era o mestuo quer se t
ratasse de uegocios ci vis quer de criminaes. E' esta a opini&o
valiosa de Da reste que se exprime a respéito nestes termes : « Toda
esta parte do Direito nos autigos codigos brahmanieos é ainda
confnsa, o as contratHeçôes que uella se eucontram mostram bem
que. o legislador proenrando moditicar os vellios principios uâo
conseguira l'azer triumphar definitiva-inente os uovos. » X&o pensa
deste modo Letourneau, que fax dctalhada exposiçao da
organisac&n judiciaria e processo hin-dûs. Segundo este antor, na
In
Havia a justica communal, a» justica urbana, a justica das baixas
castas, a das corporaçôes, a justica familial, a dos brahmanes, a
arbitrage m das comninnas, etc. No ciino de tudo isso estào dois
tribunaes : o do cbefe de justica e do rei. Assignala tambem
Letourneau como inuito fréquente o juizo arbitral. Quant») ao
processo a <\piniâo do mesmo autor é que elle era complexo, reluti
vaincute sabio, fa-vorecedor da pesquiza da verdade e restrictivo do
arbitrio dos juizes. » Consignamos este juizo, mas n&o
acompanharemos o autor de L'Evolution Juridique ua sua
explanaçâo do direito crimiîial e pénal dos hindûs. Diremos apeuas
coin Dareste que ao lado dos restos de uma antiga tarifa de
indemnisaçôes ou composiçôes o direito pénal da India nos a
présenta uma escala de peuas que vae desde a multa até a morte,
passando pelo exilio e pelas mutilaçôes corporaes. O homicidio,
sobretudo o
GERAL DO DIREITO 73
de nra brahmane, arrastava a pena capital ; o ronbo, o adulfce-rio, a
injuria verbal era m era gérai fracamente pu ni dos. O adultère pagava
uma multa ; o roubador aie m de restitnir o obje-cto roubado tinha de
apresentar-se deante do rei, de cabellos esparsos, segnrando uni bastâo,
para fazer a confissâo do crime. O rei usava ou nâo do sen direito de
perdao. Uma particula-ridade da lei hindû com relaçao ao ronbo era a
segninte : O rei tinha obriga<,âo de fazer restitnir os objectes roubados e
si taes objectos nâo erain eucontrados, pagava do sen bolso o valor délies.
Isto queria dizer, segnndo a observaçao de Dareste que
0 cantâo era responsavel pelos crimes que se commettiam em|
sen territorio.
A esta lcgislaçào dos Sutras o Codigo de Manu veio trazer certas
arapliaçôes e aigu mas modificaçôes, nâo em grande numéro. Das
ultimas indicaremos as seguintes :
As 8 especics de casamentos forera reduzidas a seis pela aboliçâo
dos casamentos A moda dos mâos genios e &. rnoda dos\ vampiros. A
leviraçào (Ne-yoga) foi perfei ta meute detalhada e| regulada, mas
formalmente proscripta, embora pareça que tal proscripçao foi
iuterpolada no texto inuito dopois da redacçâo do Codigo. Entretanto
como remiuiscencia da leviraçào Manu deixou disposto que si o noivo
de uma mulher fallecer depois dos esponsaes e antes do casameuto, o in
nâo do morto deve des-posar a noiva. Aigu nia consa semelhante ao
divorcio foi ad-mittido no Manava Dharma Sastra : assim o marido
podia répudiai- a mulher si lhe descobrisse qualqucr vicio que lhe hon-
1 vesse sido occnltado. Quauto as ampliaçfies feitas ao velho
direito pelo autor da collecyâo-Manû nâo nos é possivel entrar
no desenvolvimento de todas. Diremos apenas, senipre acoinpanhando
Dareste, que a base é a mesma, embora o edificio seja
mais amplo, appareceudo o direito civil e o canonico mais
desenvolvidos, senipre debaixo da influencia religiosa. Para
terminar apontaremos, porém, certas novas disposiyôes intéres
santes do Codigo de que se trahi. Sâo ellas : O recOnhecimento
expresso de que a terra pertence a aqnelle que aarroteou como
a gazella a aquelle que primeiro a feriu ; a consagraçâo tambem
expressa da irrevogabilidade da consa jnlgada, com réserva da
10
74 OOMPENDTO OR HTRTORIA
revisao por cnnan légitima ; por nltîmo, nm prinripio de direito de fn mi
lin, que. fsi/. pensnr lias proticna ila pulyaiidria, alita iiAn existontes entre
OH hindi'is ;— eil-o : «Qoaudo entre vitrios irmaos, diz Maori, nm délies
tem uni fil ho, este flllm deve sér, consiricrudo eomo o fillio de todos. »
Dito isto. dumos por fiuda IIONHU tare fa qnanto aos ary<>-| indios
e vamos passar no direito dos sous innaos irunianos.
§
Persia.— Qnizcramo* que outre, ninito mais largo, fosse o
quadro do nosso t ru bal ho, para que podcssemos estudar a velha
e gloriosa IIHC&O de Zoroiistro, em lodas as mnnil'csfctçues de sua
uctividnde. 80 a sua original e sndia couoepcao do inundo e da
vida humana— em eonfrouto coin as philosophais niais ou menos
désolantes dos outros paizea doOrinte— merecia o mais
/ucurado dos exames e a mais nmpla dus apoîogias. «Tudo é
/ miiMeulo entre 0$ persus (eserove P. Gêner), a eonscieneia, o]
|ii'iisaiiiciilo, o braco, a lingmigem, e aie a escripta ; fiel reflexo
de suas râeuldadi's iiiicriorcs f i l a appar.cee em pleno vigor : é
sobre o granit o que se fixa sua pnhivra- Para elles a lus e a
I palavra sfio cotisas iibsoltitamentc eguues ; ludo (alla : monta
nliaa, prndos. rios, marcs, vcgelaes, animaes, ludo tem uma lin-
! gttngeui spbre a terra. K tumbem no eéo os astros proiiuncitim
I um eteruo discnrso de luz que dâ a saberioria a quoi» salie eom- ;
prehemlel o. O mal subjective, o poecado, consiste someiite
I em deixnr enfraqueeer a coragem, em abandomir-se a si mesuio,
j em perder a diguidade e a esperanea. Elles 11&0 possuem nem
pont i liées, nom templos, nem cercmonhis, nem idoles ; uao ref
eonhocem outra autoridade seuao a do pae de Inmilia e distin-
[ gneni se pelo vigor e pelo boni sensu.
Vê-se por esta ligeira syntese quanto séria proveitoso pénétrai' na
vida inteira afièctiva, mental e pratica, dos persas an-t igos e examinai-a
de perto. Iiilclizmciite leiuos de nos limitai' ii apreeial-a iipeuus 110
pouto de vista juridiro, e isso uiesmo cm traces muito îapidos. E' o que
passâmes a lazer.
GERAI. DO DIRETTO 75
Sabidos do nord este du Baebriana, os iranianns ou aryo-porsas
dirigiram-se priineiro para os altos val les das inontanhas de leste,
retrocendo posterinrmente para o Irmi, — ja o disse-mos. PreciSiinios
accrescentar que foi ao longo (la costa do golpho persico qne elles
vieram estacionar definitivamente, coni Atlas familias, sua religiào e sens
costumes, tao originacs. Nessa regîâ-o « esterUe, maie inaffiata,
eaMixxima e motif noua per la mag-gior parte », no «lizer de Carie, foi
que elles fuudaram a notavel civilisayao primitiva, cujas instituiçôes
juriilicas vainos passai" oui revista, e a quai, no pensar de muitos au
tores, pôde e deve ser considerada o elo que liga a Asia a Euro pu, o
oi4iente ao oc-cidente.
Nao fosse Anquetil Du Perron ter descoherto. ha uni sec-ulo,
lia quasi-illia de Guzzarat (India) o manuscripto do Zend-Aventa
- o livro sagrado da vellia religiào persa - faltar-nos-hia indu,
hoje uni dos poucos documentes com que podemos contai* para
lo estudo da civilisaçao de que se trata, (1) porquanto os escriptores
gregos e ronianos quasi ncnliuma informaçao apreciavel
nos fornecein a respeito* Apezar disse, respigando aqni e ali,
lia chrouica de Tabari, no poeiua epieo de Firdusi, no Talmud
de Babylonia, tein sido possivel aos crudités de noSso tempo
reproduzir as liulias geraes do antigo direito persa. Yejanios
quaes sào ellas. I
Ja fizenios notar qne o inanuscriplo do A vcsta. que chegou até nos
é mais tbeologico do ((lie juridico. Realmeiite sao in-significautes as
noçôes de direito que elle nos da. Do easamento falla-se nelle ligei
rameute, verificando-se apenas que a poly-gamia e a uniao entre irmaoe
irma eram recommcndados. Ve-rifica-se tambeni qne elle reconhece o
direito de vingança e manda acceitar o preço do sangue, quando o que o
offerece é itm fiel. As on bras uocScs juridieas forueeidas pelo Aoesta
sao
(1) Segiinclo mua certa tradiçâo o Zend-Avestu se compunlia de 21 livros,
dos cjiiaes o 9.* e o 19." eram consagrados as leis e ao procosso. Taes livros
desappareceram, e o Avesta on Vendidad, que possnimos hoje. c apenas um
tratado de théologie, provavelm.9u.te tilho das locubraçôes religiosas de Zoroastro.
76 OOMPENDIO DK HI8TORIA
as segnintes :—A violae&o do contracta é nraa falfca punivel por
lima pena pecuniaria. Ha seis espeoies de contractas : os que se
formam pela palavra, os que se fazem pelo aperto de inâo| ou
juramento e os que se effectuant pela daçao de uni penhor, que pode
cousistir em uni carneiro, uni boi, uni honieni ou uma terra. Esses
contractas, a partir da 3." classe regulam-se pelo valor do penhor.
Nas offensas ha sete îuonientos distinctes, que sâo : toiuar a arma,
brandil-a, bâter, ferir, derraniar o sangue, quebrar ura osso, tirar os
sentidos. Oada um desses actos é pu-nido coni um certo numéro de
açoites, de 5 a 90. Um açoite pôde ser resgatado mediante seis
drachmas. A prova judiciaria pôde ser feita pelo juizo de De us ou
ordalia, pelo einprego da agua fervente ou do fogo.
E ficam vistas as informaçdcs juridicas do Avesta. Como se vê
é quasi nada. Busquemos portante os ensinameutos das outras
fontes a que nos referimos.
Segundo o que se deprehende délias aorganisaçao politicosocial
des aryo-persas era a seguinte : — uma especie de aristecracia
feudal subordinada a um rei absolnto ebaseado sobre uma
constituiçao patriarchal da i'amilia, subdividida em gentes e tribus.
A populaçâo estava dividida em quatro classes que nao chegaram a
constituir-se em canins : ados magos ou mobeds, a dos nobres, a
dos lavradores ou agricultures e a dos artistas raechanicos. Abaixo
de tu do isso esta vain os escravos, feitos pela gnerra on pela
insolvabilidade. Cadasenhor feudal eraobrigado ao serviço militai'
e marchava a frente do contingente de seu cantâo. Os juizes era m
altos funccionarios, tirados da classe dos mobeds, que faziam
exeursôes, davam audiencias, e remet-tiam os negocios mais i in
por tau tes ao julgamento do rei. As sentenças que proferiam nào
eram motivadas, tal quai no Egypto.
O casameuto fazia-se pela compra da mulher, que liera por
isso ficava escrava do inarido. As contrario a condiçao délia era, ua
familia, das mais respeitaveis, tante assim que ape-zar de admittida
a polygamia, no lar sô podia ha ver unni csposa légitima. Je vimos
pelo Avesta que era permittido o casaniento
GERAI. DO DIREITO
entre innâos e irmans ; devemos agora confirmai-o, adduzindo que o
inccsto era tambem tolerado ira linha recta.
Havia einco especies de casamento na Pcrsia : 1.» o Sh«h-\ Zan ou
casamento de moça solteira. que se tornava esposa légitima ; 2." o Yogan-
Zan, na quai a mtilher estipulava que seu Ipriniogenito nao séria
considerado como filbo de seu ma ri do mas si m de sen pae ou de seu
irniao ; 3." o Sutar-Zan em que se estabelecia a mesma condiçao etn
proveito de nm terceiro nao parente e mediaiite uma certa quantia; 4.' o
Çakir-Zan, ou casamento coin uma v i u v a ; 5.", o J\hoda.iJc-liâi-Zan ou
casamento de uma mullier que se espçsa contra a vontadc. de sens paes.
A adopçâo era fréquente e efl'eetnava-se coin uni cérémonial todo
militai', pela tradicçâo das armas. Mas ao contrario do Egypto e cl a
India, a Pcrsia nao usa va da. adopçâo para s u b s t i t u i r o testaniento.
Este era conliecido, bem como a tu-tel la. A snccessâo ab intestato davase
scndo os bens egual-meiitc reparti dus entre os û'Ilios, as fil bas nao
casadas e as espo-sas. Quanto as filhas casadas o dote (pois que o dote
existia e| era constituido cm regra pelo pae danubentej que cl las havinm
recebido era considerado como- o équivalente da parte, que po-deriam
pretender na snccessâo.
O regiineu da propriedade tinbacomo na India evoluido quasi
completauiente ; o dominio revestia uni caracter indivi-dual, em que
pesé a d'Agnanno, que ueste assumpto nos parece miiîto suggestioiiado
por idéas preconcebidas. A propriedade immovel nao podia ser
transleridn senào por acto escripto. Oo-nbecia-se por outro lado a
prescripeao acquisitiva depois de uni praso de qnarenta aunos.
Em materia de obrigaçôes sao quasi nullas as indicacôes que temos.
A este respeito ha- sômente a notai' o singular costume, ainda
modernamente constatado por S. Maiuo, de ir o credor jejuar a porta do
devedor em mora - costume que, alias se encontra tanibem na India c que
nos esqueoeinos, de ineucio-nar em occasiâo opportuna. O symbolisme
de tal costume é clarissimo : o credor demonstra desse modo sua
inteuçâo de fi car no incsmo logar, sem corner, até que seja pago.
78 OOMPENDIO ni-: HTSTORIA
O principio da vinganea do sangue e do taliao di*a para os
borsas o fundainento do Direito cri minai. As peu-as as ruais
rigorosas eraui applicadas obedecendo sempre a Val principio.
Todavia podiam nâo ter execnçâo cm dois casos : si o rei as
commntava ou si os parentes do offendido perdoavara, a occitan-]
do uiua composiçao eui dinheiro. Eis coi no se passavant as cou
sas u'um caso de liotuioidio : Os parentes iam ao juiz ein fortes
brades, arrastando eomsigo o maior numéro possivel de possoas.
Interrogados pelo magistrado, diziain : « nos padimos a observancia
da lei. o sangue de mu tal, que matou um tal, | nosso parente». O
juiz ei'a obrigadn a prometter a vingança. j Mas si o homicida
t inl ia meios para resgatar sua vida mandava t-ratar coin os
interessados por uni intermediario, que lhes dizia : « Foi uma
desgraça. O criininoso qner fazer-sa derviche ou moiige para
penitenciar-se até o fim de sens dias. Que farcis vos do sangue de
um miseravel cao raeio raorto de dorf Elle quer dar tndo o que
possue no mundo ; elle vos offereee tanto. » Si os parentes
acceitavain a proposta o juiz nal i tinha que l'a-1 zer ; si porém
recnsavam, o assassino era entregne ans parentes da victima para
passai* pelo taliao.
Os crimes contra o Estado, como a trahiçâo, a desercao ou
récusa do serviço militai' « o abaudono da religiao nacional, eram
punidos coin a morte. Os ontros crimes menus graves contra o
Estado e as offensas physicas oui gérai acarretavam penas
corporaes diversas, inclusive a nintilaçao. Segundo attestant os
rabbinos judeus o roubo era sempre punido coin a pena capital,
qualquer que fosse o valor da cousa ronbada e houvesse ou nao
restituicao délia. Todos os membres de uma familia eram
considerados solidarios ua vingança do sangue de uni sen parente,
assim eomo na responsabilidade para coin ter-ceiros offendidos.
For esta razâo quando um chefe de familia comiuettia um crime dos
mais graves contra o Estado, a familia inteira era executada ao
mesmo tempo que son chefe.
A prova cri minai fazia-se por testeinunhas, e uma sô bas-tava
para a condemnaçao do criininoso. Na ansencia de teste munhas a
instruccao do processo era feita pelas torturas ou pelas
sobro o julgametito e limitas VPZCS élimina vain a peu».
Sâo estes, que ahi ficam, os traços geraes da physionomia inridica da
veflia patria iraniann.
VQBH
», > i
0 Direito entre os semitas.«~Kebreus e Arabes. (*)
§
Unm das grandes raças da hnmanidade, — raça a que os
liistoriadores, ethnologos o liugui'slas convencionarain chaînai*,
semitica, e cuja linguagem, segnudo Renan, révéla n ma psycho-l
Jogia identiea â da estirpe aryana — foi chainada, 110 enrso da
historia, pela propria força de sua idyosincracia e de sua sî.-i
tiiaçS.0 géographie», .a réalisai* a ligaçâo do oriente coin o ooei-|
dente, servindo de elo entre as velhas civilisaçôes, fundadas sobre o
empirismo e artes industriaes,.e as novas civilisaçôes, fundadas
sobre, a scieneia.
(*) FONTEB : — E. Littré : De la civilisation et du monothéisme ched les
peuples sémitiques ; E. Renan : Histoire générale et système comparé des langues
sémitiques, apud. inesm. aut. ; César Ganta : Hist. Univ. réf. e ampl.\ por A. Ennes
; Th. Braga : As civilisaçôes semitas'e Hist. Vniv. ; Alirens : Encyclopédie
juridique, 2.' vol.; H. Dnreste : Ktudes d'Mst. du Droit ; d'Aguanno : Oen. e évolue,
del dir. civ. ; Biblia, seg. a Vulgata ; C. Bevila-qna : Legislaçtïo comparada (2.*
ediçâo) ; Esohbach : Introduction générale à l'étude du Droit,
S
GERAL DO DIREITO 81
« Diffluindo da Arabia, (diz Th. Braga) estabeleccndo-se no Oolpho
Persieo, subindo o En pli rai es e fundando a civilisa-! yao assyriobabylonica,
entraudo na Syria, onde propaga as idéas religiosas do
Egypto, alargando-se pelas costas do Medi-terraneo, feenndando a
Grecia, descendo a Etbiopia, eivilisando a Africa septentrional,
penetrando no occident* da Enropa, onde inicia os progressos métal 1
urgicos ; a raça serai ta prépara na Italia, na 11< spanha e nas II lias
Britanicas os caininhos para a implantaçâo da grande raça arica, a que m
dévia perteneer a eorôa da civilisaeSo inoderna. »
A uni tronco ethnico de tal ordem nao é passive! reçu sa r a
homenagem das nossos referencias e do nosso estudo, na parcia-lidade
qne nos occupa. Déniais, os sein il as nao forain sômente nui a raya
cosmopolita, viajora e commereiantc ; forain nma raça creadora, cnjo
genio eonteniplativo, retlexo dos désertes do paiz de origera, ascendcu
muito eedo il concepçao snperior do mono-j theismo, fornecendo ao
mundo os très grandes reveladores qne NO cbamaram Moysés, Christo e
JVIahomet, e as du as poderosas religiôes que, ao lado do Brabmanismo e
do budhisinc ainda hoje domina m a quasi totalidade dos homeiis—o
christianisme e o islamisino. Nao é que nos scjamos do numéro dos que, a
Witielhança de Ernest Renan, pensant que as « grandezas e aber-raçôes do
polytheismo forain estranhas nos semitas. » Littré oppoz ponderosos
embargos â opiuiao do citado sabio francez o apôs elle, moites outros nul
ores amontoaram tact os e argunientos provando que as dnas primeiras
nianifestaçôes do tbeologismo, o fetiebismo e o polytheismo, existiram,
.sufficientemente cara-! cterisndas, entre os représentantes da faini"ia
«emitica. Hoje é cotisa liquida este ponto e para além da phase fetichista
conhe-cein-se os nomes dos numerosos deuses e deusas que eram adorados
na Syria ou Pbenieia, na Chaldéa, em Babylouia, na As-Jsj ria. A
hisfcoria desses paizes esta cbeia de sumptuosas e, por vezes, pavorosas
ceremonias cultuaes realisadas em lionra de Brtfl/, Bel, Moloch, Zegreua,
Eliun, Tammue, Artarte, Salammbô, Ashera, etc. Isto, pore m, apenas
prova que a lei da evo-luçâo mental é inilludivel entic iudividiios e povos.
E assim o valor da raça semitica nao diminue, coin ter sido ella successi-
11
82 COMPENDÎO DE HTBTORIA
vamente, emborn rapidamenle, fcticliistn o polytheica. Accrescc
dizer que os dois principaes esgalhos do ramo elluiioo em quèst&
o—liebrens e arabes—forain aqnelles em que nienos se acoen-l
tuaram os estadios théologiens iniciaes. E' délies, exclusiv.t-mente,
que nos occu pareinos, poudn de lado os diversos povos mais ou
menos mesclados que sào eonhecidos pela denominaçâo de
kuscleito-semitas e que tiveram a sua maior expressào social nos
velhos e grandiosos imperios chaldeu-babylonio e as-l syrio.
ïlebrens.— Principiemos por dizer que a denominaçâo de
Jtebreus é équivalente as de israelitas ejndnis que sào usadas por
muitos escriptores indifferentemente, mas que, designando de facto
uni sô e mesmo povo, correspondem entretanto a epochas di versas
da historia desse povo. Hébreu (que significa o da ou-\ tra tmiraem,
do lado de là) foi cT'nome dos evoa dores do jehovismo quando,
tendo sahido de Hur e transposto o Euphrates, estabe-lecerain-se em
Harran. E' o periodo abrahmida, que, seguudo Renan, rêve la-se
nullo em cultnra intellectual e noçôes politi-cas. Israelita chamon-se
o mesmo povo quando as varias tribus submetteram-se a Jacob e
instituiram o oulto dos heloius. Este periodo comprehende o
colonato egypeio, o exodo, a fixaçâo em Canaan e o subséquente
estabelecimeuto da realeza. Jadeu foi nma denomi naçâo posterior,
provenieute do nome da tribu de ! Judâ e respectavo reino. A. jnlgar
pela importancia juridica de cada uma dessas phases deviamos fallar
neste capitule de um direito israelita e nâo de um direito hébreu. A
questâo, porém, de mais ou menos exacta denominaçâo nâo nos
préoccupa uem pôde influir sobre o uosso estudo, visto ser de uma
supernciali-dade visivel.
Coir.o todos os povos primitives, onde religiâo, politica, moral
e direito surgiram crystalisados em um complicado syn-chretismo,
os hebreus tiveram o seu codigo sagrada, em que o verbo do
legislador-videute deixou definido o regimen rigide da
GJEBAL DO DIBEITO 83
vida individual e collectiva, ealcado sobre niandamentos divi-nos.
Esse codigo foi o Prntutriun isto é a collecçâo dos cinco primeiros
livres da Biblia, ou melbor do Antigo Testamento (1). Ahi esta
resumido o direito hebraico, tal quai foi durante toda a existeucia
nacional do respectivopovo. Bxponhamol-o em suas liuhas geraes,
deixando para depuis o estudo das modificaçôes subséquentes,
coutidas na Misehna e nos dois Thnlmuds de Pa-lestina e de
Babylonia.
O direito publico dos hebreus, segundo as vagas indicaçôes da
Biblia, pode ser delineado em poucos fcr&ços. O governo das
familias e das tribus pertenceu snecessi vamente aos patriarchas,
juizes e reis, coin poderes apenas limitados pelas injuncçôes
nioraes e religiosas do monotheismo mosaico. A lei era a palavra
de Deus interpretada pelo revelador e por sens sueoessores na
direcçao do povo eleito. Assim o patrinrcha, o juiz ou rei| era o
suprenio executor e julgador, segundo a palavra divina. O povo
era, pois, o rebanho passivo coiuo nas outras naçôes an-| tigas do
Oriente. Eutrutanto a consciencia jnridica dos israeli-tas, alargada
pelos principios altamente humanitarios consagra-dos no
Dfrcalogo, afastou-os singularraeute da constituiuao dos outros
povos, eliminando o regiraeu das castas e déniais insti-tuiçôes
correspondentes. Assim o elemento sacerdotal prépondérante agia
como simples classe mental e moralniente superior, nâo como
casta liermetica. Dahi a importancia relativa que os
(1) Peutateuco é nma palavra de origeni grega que corresponde em hebraico
a tara h (a lei). O torah era a micra (leitura) dos hebreus e é o biblos (livro por
ezcellencia) dos christâos. Os livros do Peutateuco têm as seguin-tes
deuominaçôes : Genesis, Exodo, Levitico, Numéros, Deuterotiomio, a qu«
oorrespondein, em hebraico, estas outras : Berechit, Elle cliemot, Vaicra,
Bamidbar, Elle liadébarim,
Nâo entramos na questâo de saber ai a Biblia foi redigida por Moyscs. Este
terâ sido un individuo, un symbolo. nma evehmerisaçâo de certos niythos ? Nâo é
nossn obrigaçao discutir a respeito. Ditada ou escri-pta pclo jndeu salvo das
uguas ou pelo esoriba Esdras, como algiins preten-dem. a verdade é que nella
esta oontido o conjuncto do idcas, isto é, de oren-ços c de regras de conducta
social, que 6 attribuido ao ohamado povo de Deus,
8£ OOMPEN'DIO DE HISTOKIA
hébreu* I?gavant BOB direitos das pessoas, como se verifica pelos
textos que limitavam o eaptiveiro a 6 au nos, que m
respeifcar a pessoa do estrangeiro amigo, que estatniarii a per-soualidadc
do crime e das penas, etc. (1)
Mais rico do que o publico é o direito privado hebraico, embora,
seguudo Dareste, elle se reduza a uni pequeno numéro de regv-is que nfto
revelam nm conjuneto systematico e que uada teem do ahsolutameute
originaes.
O casamento por cnmpra ou pelo tapto (este mènes fréquente) cra o
modo gérai de constituiç&o da familia hebraica. A este modo, mencionado
nos livros do Gênent* e dos Juizes, o Deuteronomio accre.scent« uni outro
— especie de conçubinato légal entre um homem livre e unia mnlher
escrava. O casamento entre parentes proximos era prohibido ; uao o era,
po-rém, a polygamia. Praticava-se largamente o divorcio a vonta-de do
marido e a peu as coin a formalidade de uma deçlaraçâo eseripta do
repudio. Consagrava tambem a lei a instituiç&o da ileviraçâo ou levirato,
— uso que temos encontrado entre quasi todos os povos até aqui
estndados.
O respeito a personalidade humana, à que alludimos aeima, e os
preceitos de caridade e amor ao proxiino limitavam muito o patrio poder
entre os judeus. 86 excepcioual meute encontra-1 mos no Aidiffo
Testamento casos de immolaç&o de filhos & Divin dade, e ainda assim
taes immnlaçôes n&o podium ser feitas a idolos como Moloch. O Levilico
é expresso a este respeito. Ou-bro-sim nào podiam os paes entregar a
prostituiç&o as fillias e sô tinhani o direito de dar a morte a nm (ilho
desobediente depuis do queixa eommum dos progenitores e em seguida a
um julga-
(1) O direito publico dos hebreus teve très phases successivas e différentes
: até a morte de Moysés foi o de um governo patriarchnl absoluto. espi-|
rit nal e temporalmente ; depois da conqnista defûiitira da Palestina por
Josué foi o de uma demoeracia federativa, cujos poderes eram o grande sanhedrim
ou Senado e o schophet. chefe executivo e judiciario. enearre#ado
da administraçâo publiai e da suprema applioaeâo da lei. For iim, no tempo
darealcza, foi ode uma monarchia religiosa e politica, cuju"çbefe absorvia
todes os poderes sociaes.
GERAL DO DIREITO 85
iiieutn. Entretanto lia na Biblia casos de vend a dos fillios peins
Ipaes.
Tambem, como ja fizemos notai*, e peln iiiesino motivoque a
dos fillios, a condiça-o dos eseravos era relativanieiite benigna.
entre os hebrens. • Cahiam eni escravidao os devedores insolvaveis,
os eriininosos de fnrto, os que se vendiam voluntaria-mente
on os que eram veudidos pelos proprios paes* Si senhor o eseravo
eram hebreus, o eaptiveiro dnrava apenas (i ami os, conforme
dissent os aeima ; si o seulior era estrangeiro e o eseravo era
liebreu, este podia resgatar-se, e quando o nao fazia em jposto em
liberdade no dia ilojubilf-u (1). Sômento para o eseravo estrangeiro
o eaptiveiro era perpetno.
Os priniitivos usos dos jiideus negavam as iillias o direito de
suecess&o ; o direito mosaieo, porém, deu-lbes esse, direito, I na lai
ta de fillios varôes. O primogenito pereobia mua parte dupla na
snccess&o do pae, sendo mais aeertado dizer que, por lei, devin
perceber ; porquanto, de faeto. nos casos de partilha cm vida o pae
aquinhoava melhor este ou aquelle tilbo que prête ria, fosse elle
naseido do easameiito ou eoueubinato, fo.*se mais velho ou mais
moço. O doicuis oflerece exemplos desses fa et os. Na falta de
fillios e de filbas a suecessao era défi rida aos irmâos lu depois aos
tios paternos. seguindo-se a estes os mais proximos parentes.
Nfto lia vestigios da existencia do testaiiienio entre os israellitas,
e ontro tante se pdde e devo dizer da adopyâo, instituto
•*ntre muitos povos snbstitutivo dnquelle. Nao assim eom rela-
(1) O jubileti era imm testa uaeional. de caraeter reUgioaQ, que se re-ulisavn
de 50 em 50 aiinot*. Era a festa do desoanso e dus reivindicaçdes para os honii'ns
c para itx cotisas. N<> anno jabilar nno s<5 eram restitiiidos â liberdade on
eseravos o restitiiidos ans SBUS primitives douos as terras alienadas. ootno
tambem deixava-se raponaar a terra pela suspensâo temporaria dos tra-ballios
agricolas. Al
nno sômento se deixava de lavrar e sotnear a terra, como eram consido-rados nmidos
todos os débites.
t
86 COMPENDIO DE HISTOBIA
çfco an dote, de cnja instit-uiçao eucontramos abondantes provas em
varies brèches da Biblia. Bin gérai a fllha feeebia do pae. por occasiao do
casamento, o équivalente da parte que teria lia succèssao, — de que era em
regra exchiida, como vimos.
O institnto da propriedade tiuha, no direito israélita, uma
physionomia toda particular. À propriedade mohiliaria era individual e
alienavel, como é a regra entre boclos os povos, mesmo OH mais
atrazados. Nao assim a propriedade immovel, on melbor, territorial. Esta
era snjeita a uni certo numéro de regras restrictivas, de caracter bastante
singular. O livre do Genesis e o dos Numéros nos relatant como, segnudo
as ordens de Jeovah, forain destribuidas as terras de Canaan entre as tribus
e familias do povo eleito, trausformado de parte em agri-cuit or qnando se
fixou no Paiz da promitttÛo.
Uma ves repartidns as terras' a communhao familial era a regra
précipita do dominio. Mas nao ficava ahi ; a propriedade territorial era
inalieuavel em absoluto, ficando qualquer vendade immovel rural snjeita il
clausula do resgate pelos mem-bros da familia vendedora. E dado mesmo
ocaso de que se nao effectuasse esse resgate, a que os juristas fraucezes dao
a deno-ininacao de retrait lignager, a revogaçâo das veitdas se fazia, de
pleuo direito, de meio era meio seculo, por occasiao da testa do jubUeii.
Por essa coucha cada familia reentrava no dominio e posse dos bens
alienados. De tndo isto conclue-se que o contra* j cto de coinpra e venda,
no iireito hebraico, era an tes uma figura oîio toda origiual do contracto de
penhor do que mit meio de transmissào alienatoria dos tiens. Da reste,
referindo-se a este pouto, diz positivamente : « quanto a venda, n&o é, na
m6r parte dos casos, senao um contracto pignoraticio ».
Além do de venda os contractes gérai mente usadoseram o
emprestimo, a locaçao de cousas e de services e o deposito, sen-do
absoluta e expressamente probibida a usura. Qnanto as aeçoes instituidas
para garantis! da propriedade e dos direitos contractuaes, tomavam quasi
todas as formas «le procodimento cri minai, promovido peraute os
Anciâon ou juizes que erant
GERAL DO DIREITO 87
encontrados as porta» (las eidades e que ahi diiimiam as con-
It.ClIllil.S. (1 )
Passonios sis instituiyôes ni mi mies e pennes do chamado
povo de DeiiH. *,
Uina analyse, inesino ligoij:'a, do Pentitteuco é sufticiciite para
mostrar que o primciro estadfo pénal dos hebrens durante |o periodo
pastoral foi o da vingança privada on pessoal inspi-rada no tali&o (2) e
tendo oomo succedanea a composiç&o peeu-niaria. O primeiro e
snpremo legislador. isto é Moysés, foi quem substituai o regimen anterior
polo da vingança social e proliibiu Icrmiiiantemente o pagamento do
preyo do sangue. \{Nnmero8, XXXV, 31) E' cnlretanto certo que a
composiçao peeu maria perdni'on cm rectos csisos cri mi mies, iiiesmo
apôs a proliibiçâo mosaica.
O vingador do saugne era, segundo a loi, o parente niais proxiino do
morto; a elle cabia o dever de persegnir o crimi-noso. de apresenfal-o aos
juiy.es, fazeiido depor du a s testomu-nhas, e de exeentar a sciitença,
dado o caso de condeninac&o. O iinsassinato involniitario, porém, nâo
era pimido si o eriininoso se àsylava cm mua das seis eidades de refugio
sitnadas :1s mar-gcns do JordâiOO
mccliaiiisiiio pénal do direito israelitn quasi que
se redu-zbi a nina peça iiniea - - a pena de morte. Ella era applieada
eonslaiitemente aos crimes de homicidio, idolatria, adnlterio,
bhisphemia, e em gérai a todos os crimes contra os costumes. A prova do
acto delictuoso fazia-se por testcmmilias, podendo al-gumas vexes o
accnsado jnstiflcar-se por meio de jurainento. Quanto si prova do juizo
de Deux, soi lien te era ella nsada qnando
H (1) A organisai,"!» jndiciaria vigerite, na Palestina. até a epooha da réalésa era
a seguinto : très tribunaes collectives, représenta n do très grâos de jurisdicçào e
rluinmdos tribunal do» 3. tribunal do» 23 e San lied ri m on 8e-nadn. A' porta de
cadn cidade tiulia séde uni tribunal do» 3 acompanbado de IUH juiz do tribunal
dos 23 (quando a cidade oontinha mais de 120 familins). Esta delegndo dos 23
decidia em grâo de appellacao.
(2) O livro do Exodo (XXI) consagra o célèbre prinoipio : olhopor ollw.i
dente par dente, inilopor inâo, pé por pe, etc.
9
mm m
88 OOMPENDIO DE HISTOBIA ;.
se fcratava de mua mnlher suspeitada de adulterio, nao havendo
lesteiuniihas que depozessem a respeito.
Ahi ficain, em traços larg.m, as institniy-ôe.s jnridicas dos
hébreu*, segiiïhlo a Tonte bibliea. Assignalemos agora aigu mas dus
priucipaes modifteaçôés postêrinres, «le que nos dao eonhe-elmento a
Mixehna o os Tlmhiimlx, dizendo prinieirameute aiguilla eousa sobre
estas outras fontes da materia de que nos occupa ums.
Mixchim é o nome de uuia especio de [nstilnUis do direito liebraieo,
redigidas, uni seeulo apés n eouqiiista roinana e a des-truiyào do
teniplo de .Terusalem. pelo jndeu Babbi Jelin la. Este trabalho de
poditicay&o e dmitriua foi, desde o seu appa-rccimenlo. adoptndn por
toda parte em que existiam nucleos de populueào israel ila, e, especi al
mente em Palestina e Baby-lonia, onde se lornoii ob|eeto de
rommentarios e desenvolvimen-tos uuiuoriisos e notaveis, por parte dos
rabbinos ou don tores judeus. Tae8 poininentnrios adqueriram no correr
dos tempos valor semelhanle ao dus rtsponsd prudentiiim da legislaç&O
roinana, e assini fnrueeeruin maleriâ a dois ontros eodigos hebrai-
Lços : — o Thulmuil de Pulextiim e o Babylonien, sendo o primeiro
redigido em fins do seeulo IV e o segundo em principios do Vj seculo. (
1)
Fallando da Mischna e dos dois Thalmuih dix o sabio autor dos
Étude* d'histoire du Droit que elles sao « uni înonumento ju-ridico de
mu grande iinporlaueia» e que ha nelles « nma verda-deira codilicaeao,
u ma lei compléta, e nma exégèse que lembra a eertos respeitos a dos
jurisconsultes romanos. \ , Todas as antigas e no vas leis hebraicas
esta-o eontidas na S." e 4.- parte da Mise/ma, as qnaes expôem os
respectives di-reitos civil e eriiuiual soi) os titnlos seguiutes : — Dus
mulheres, Dos domnos. As outras partes do Codigo (l." e 2.*, 5." e 6.")
coûtent apenas as regras de religiâo e de moral decorrentes do
IPcntuteueo, Nâo eabendo no nosso programma fazer uni estndo
(1) As citadas oodificai/ôes suocederaui-se alfrumas outras nieuos importantes,
sendo a ultima deltas o Go ligo de Knro, enja denominacâo provém do
nome do seu autor, um jttdeu hespanhol que viveu no seculo XVI.
GERAI. DO DIRBITO 89
compléta, uma analyse detalhada da codificaç&o de Babbi Je-huda, li
mitai"-nos-hemos a indicar suinmariamente os pontos do velho direito
por ella ampliados ou modificados-
As principaes alteraçôes le i tas no direito antigo, das quaes nos da
testeinnnlio a Mischna, sâo referentes as relaçôes de fa-niilia. Jâ ahi nao
encontramos como modos de casamento o rapto e a comprit. A uniao
conjnga! realisa-se pelo consenti-mento livré da mullier e pelo das
pessoas que sobre ella têra au-toridadé. Interveui no contracta o elemento
pecuniario ; mas nao a titulo de pagamento, si m como uni doui ou
présente sym-bolico feito a noiva pelo futuro mari do, que é obrigado a
dizer na occasiao da oft'erta :— tû es sagrada para mim, ou — In es
minha exposa.
Uma outra instituiçao de natureza nupcial culmina no direito da Mischna ;
é a khetouba : — o dote constituido a mulher pelo murido. No periodo
mosaico esse instituto dotal era apenas couhecido e raramente usado.
Coin o correr dos tempos, poréni, | elle veio a ser elemento essencial e
constitutivo do| casamento. A khetouba dévia ser constituida por
escriptura e a lei lixa-va-lhe o minimo da importancia ein dinheiro, que
era este : 200 \zouzes para uma mulher sol te ira e 100 zouzes para uma
vin va. A administraçao e livre disposicao <\»khetouba, do niesmo modo
que us do dota e dos bens paraphernaes da mulher, competiam ao marido,
sobre cujos beus recahia hypotheca légal em garan-tia da esposa. Era
por morte do marido on no caso de divorcio que a mulher percehia a
importancia da khetouba.
A proposito de divorcio devemos observai* que tambein nesse
ponto a Mischna e on ThaJmudê modificaram a legislaçâo anterior,
concedendo a mulher, em nlguns casos, a quel le direito, que
primitivamente sô pertancia ao marido, como vimos. Vi-mos tambem
que Moysés nao cogitara do testamento ; os novos eodigos instituiramn'o,
sent o submetter, entretanto, a quaes-quer formalidades. Bxigiu-se
apenas para existenoia e validade do testamento que houvesse uma
declaraç&o, escripta ou mesmo verbal, da vontade do tastador.
O direito pénal antigo foi tambem alterado pelas novas codificacôes.
O taliao foi quasi totalmeute substituido pela eom-
12
hiffîtii
90 COMPENDIO DE HISTORIA
posiçllo em dinheiro. O 4." livro da Mischna eatahelercu, para) lis
golpes e ferimentos, mua tarifa de iiideinnisaçôes pecuhia-j rias,
segnndo a qnal o culpado tinha de pagar : 1.°, pelo damuo,| 2.°, pela
dor, 3.°, pelas despezas do curativo, -t.", pelo impedi-l raento do
trabalho, 5.", pela vergonha. Esta eu ri osa dynamisa^ ç&o do
delicto e da pénal idade nâo é, de reste, para admirar,! porqtianto a
legislaçao dos rabbin os esta eheia dessus snbtilezas, em materia
repressiva. Basta notai' que a Mitchna, ao estabe-leeer a
responsabilidade de alguein pelos damnes causados a outrent por
nm boi de sua propriedade, distingue : 1.°. si o boi feriu eom os
cornos ou coin os pés, 2.", si o animal era inoffen-, sivo on
inalfazejo. No primeiro oaso o proprietario nâo pagava seuâo a
inetade do prejuiao, no segundo pagava a totalidada délie.
Bastam as amostràs que ahi ficam para se poder avaliar do
alcance e earacter do direito rabbiuico on thaînindico — o brilhante
jus honorarium da legislaçao dos hebreus.
Arabes. —Jâ o monotheisnio cliristao, filiado ao de Moysés,
t i n h a revoluciouado philosophiea c politieamente o mutido an-j tigo
: jâ o poderoso imperio roinano havia ruido, sob os barba-roe, coin
toda a coltnra polytheica que o christianisnio avassa-lara ; quando a
raça seniita lançon ao muudo uni outra révéla-dor de verdades
theologicas, uni novo fàbricador de dogmas religiosos. lieferimonos
a Mahomet ou Mafonia, o mystagogoj arabe appareeido no
seculo VU coino portador da dontrina do] islainismo ou da salvaçâo,
—dontrina nionotheiea baseada no î inosaistuo, temperada de
christianisnio e enxertada de nm certo numéro de idéas e praticas
agnosticas.
Nâo teriamos razâo para oecnpar-nos dessa outra manifes-taçâo
do genio religioso dos semitas, si os dogmas fundamentaes do
islamisino nâo houvessem transposto o fôro intimo dus tra" bus
arabes que soffreram o ascendente moral de Mahomet. E' sabido,
porém, que a nova rcligiâo iez-se instrumente de couGERAL
DO DIEBITO 91
qtiistas e tic fundaçôes politicas importautes, clando nascimeuto a uma
orgauisaçâo juridica peeuliâr, nos varies pont os dos continentes ein que
troou o verbo do propheta e refulgiu o al fange dos kalifiis.
YejamoB, pois, qnaes as fontes e os institatos da alludida
organisaçâo juridica, que, seguudo affirma Sawas Pacha, édigna da
atteuçao dos historiadores e dos philosophes de todos os paizes.
Do raesino modo que a Biblia é o livro fundamenlal do direito
hebraico, o Al Koran ou Korcn o é do direito mnsul-uiano ou arabe,
dautlo-.se a té a circumstaneia de significarcm a mes ni a cotisa (livro ou
tritura por excellencia) as palavras biblos e koran.
Assim é no Koran qne acliaremos os principios basicos da
legislaçâo que vamos ligeiramente esboyar ; (I) porqne sendo elle ao
mcsmo tempo o livro da crença e o do direito, a obser vaut'ia dos
preceitos juridicos 6 lias suas paginas imposta como um dever religioso.
Note-se, porém, qne mtiito pror>osital-| mente s6 attribuimos ao Koran
«os principios basicos» do direito islamico, e uao o direito mnsiiliuaiio
ampliado, eniique-cido e mais ou menos systematisado, que nos releva
ainda boje a aptidao juridica dos arabes. Este ultimo foi o dcsdobramento
natural do primeiro, e sô pelo esforco dos doutores e professores do Islam
sahin do quadro resumido e iucompleto que lhe era assignado no Koran.
Forant coin effeito os jurisconsultes arabes que crearam o
verdadeiro direito musulmano. tomando por base o velho direito nacional
acceito com modïficaçôes por Mahomet, e descn-volvendo-o largamente
pela introdticçao de novos elemeutos respigados nas leis judaicas e
christaus.
* Dada a fuga de Mahomet e seus scctarios de Méca para Médina (a
cidade do propheta), ou antes, realisada a liégira, que
(1) O K«nu: II dividido ein duus partes : Imau (doutriiia du i!ê) e Diu
(duatriua moral). Ambas sulnlividem-so cm capitules (surnj e versos ouveroicnlos
(ajat.)
*» ^* "'Jl*
92 OOMPENDIO DE HISTORIA
ficou sendo a base do kalendario arabe, começou o trabalho de
desenvolvimento scientifico do Koran. O proprio Mahomet iniciou-
o, proferindo e colleccionando as hadits, especie de senten-cas
ou decisôes obrigatorias entre os arabes. A colleeçao defi-uitiva ou
codificaçao de taes sentenças, feitas ja pelos successo-res do
propheta no 2." seculo da hègira, constituiu a Sunnah (t-ra-diçao).
Foi o estudo exegetico da Sunnah que deu logai* ao desenvolvimento
e systematisaçâo scientifica do direito islainico, pelos
ulémas (os homens versados no direito, os jurisconsultes). Qua-tro
destes mestres de jurisprudencia forain os verdadeiros créa-dores do
direito mnsulinano : Abu Hanifat, Malek, Chaféi e Hanbal, cada uni
dos quaes fez escola. E tâo brilbante foi a agitaçao juridica
produzida nesse periodo (seculos VIII e IX), que Dareste a compara
a que teve logar em Borna no tempo das controversias entre
sabinianos e procnleianos, fazendo observai-que, como o direito
roinano, o Islam teve as controversias dos Jtanefitas, màlêkitas,
chafeitas e hanbalitas.
Desta vasta elaboraçao scientifica e doutrinaria alguma cousa
de pratico dévia surgir como complemento da Sunnah ; surgiu, com
effeito, a Idjma, — colleeçao ou compilaçao das sentenças,
decisôes e opiuiôes dos qnatro chefes de escola e dos respectivos
discipulos.
O Koran, a Sunnah e a Idjma sao, pois, as très grandes fontes
do direito musulmano, cujas linhas geraes passamos a traçar. (1)
E' bem de ver que a (errenha organisaçao politico-religiosa das
tribus arabes naolhes podia fornecer um direita publico amplo e
rico. Direitos politicos apreciaveis nâo os podem ter povos
subjugados por autoridades espiritual e temporal mente
(1) Algiunas outras fontes secundarias existem ; sâo ellas varioR manuaes ou
livros destinados ao ensino. As mais notaveis délias sâo : o fflulteka, de Ibrahin
Halebi e o Mukhtacar, do ulema egypoio Khalil. Todas as fontes ei-tadas servem
apenas para o direito musulmano orthodoxo ; os heterodoxos êchiitas discipulos
de Ali, repellcm a Sunnah e a Idjma, baeando-se apenas no Koran.
GERAI, DO DIREITO 93
absolu tas, e individu os dom inados pela ohaessao do fatalwmo. A
este respeito, portanto, podemos qtiando niuito referir-nos a
lorganisaçao judiciaria, ao processo e. ao direito pénal dos musulman
os. E como pouoo ha a dizer mesmo em relaç&o a esses
institut-os, fallarenios em primeiro logar dos de direito pri-vado.
A primeira cou sa a notar é que coin relaçâo â capacidade
juridica, e isso quer no direito publieo qner no privado, a lei de
Mahomet estabelece differença formai entre musulmanos e Hâo
musulmanes, sujeifando estes a disposieôes especiaes em Imateria
de imposfco, de penalidade e de propriedade. Nada mais mit u rai
em uma legislaçâo baseada sobre a intolerancia i-e-i ligiosa.
O mol de gérai da familia isl arnica é o polygamico ; o arabe!
pôde ter quatro mnlheres légitimas e ter aléin di&so nm numéro
illimitado de concubinas. Algnns escriptores prétendent mesmo
que entre os antigos arabes sao facilmeute cnconfcrados vesti-gios
de uma polyandria primitiva. Eiitretanto a instituiyâo do levirato
nao faz parte do direito musulmane».
O easamento arabe, anteriormente ao advento do islamisme,
era contrahido sob a forma de vends e ordinariameute tï-nha uma
duraçao temporaria. A mulber passava a fazer parte dos bens
comprehendidos na suceessâo. O Koran porém dispoz que a
mulher dévia dur o seu consentiniento expresso ou taeito para a
nniao, declarou-a proj>rietaria do dote ou présente nup-j cial,
concedeu-lhe a conservaçao e gozo dos sens bens particu-lares e
iseufcou-a de qualquer autorisaçâo do marido para a pratica
de actos juridicos.
O principio da perpetuidade da uniâo conjugal é procla-
Imado, mas sômente em thèse ; o divoreio é permittido e é tambem
permittido aos divorciados toinaiem a unir-se até nove vezes.
Consagram as leis musulmauas a du pi a snceessâo testa-mtntaria
e légitima, seu do a primeira com a eondiyâo de sô dispor o
testador da terça parte de sens bens. O testamento pode ser feito
verbal meute ou por escripto em présenta de duas testemunhas.
A ordeiu de successao estabelecida por Mahomet
94 COMPENDIO DE HISTOBIA
para a légitima ou àb intestato é realmente curiosa e original, j
Querendo dar as mulheres uni direito de snccessâo que até o seu
tempo ellas nao possuiani, creou o propheta duas classes de lierdeiros
: uns eom direito a nma parte légal da herança ; outros com
direito à herança inteira, mas sem projnizo das partes lega.es.
Estas partes pertenciam, conforme os casos, ou ao ma-rido, ao pae e
avô paterno, on a vinva, a mac, a avô materna e la filha, a irmâ, etc.
Apôs os herdeiros de partes legaes veem I os herdeiros simples pela
ordem segninte : deseendentes, ascendantes e collacteraes snccedendo
cada um por cabeça e cada grâo exclnindo o segninte, Ein falta de
herdeiros a snccessâo ; pertencia ao patrimonio dos pobres : — o beit
el mal.
O Koran nao admitte a adpoçào. Admitte, entretanto a escravidâo.
Comtudô o casaniento dos escravos é reconhecido pela
lei e produz effeitos ci vis. Tambem é perniittido ao escravo
pactnar com o senhor o seu resgate.
O institnto da propriedade apresenta, no direito islam ico,
um caracter especial, mixto de collectivisme e individualismo.
Si por um lado o Koran dâ varias vezes a entender que a terra é
commnm porque pertence a Deus, e estabelece o chef/a ou resgate
de indivisao ; por ontro lado textos expressos nos mostram que o
direito mnsulmano proclama como fuudamento do dôminio a occupaçao
individnal fnndada sobre o trabalho. Parece que a
differença provém das diversas situaçôes sociaes do povo arabe :
onde este se estabeleceu orgauisado apenas ein tribus predominon
o régi mon collectivista ; o contrario deu-se onde as tribus |
constituiram uni a. nacionalidade politicamente organisada. j
A prescripçao acquisitiva uao era coubecida dos arabes ; o
respectivo direito estatue que a reivindicaçâo da propriedade 6
sempre possivel. Isto quer dizer que a posse, a posse longa, a posse
de bôa fé, nâo existent no direito musulman» como titulo de
dominio.
Os contractes mais geralmeute conhecidos pelos fieis do
Koran sâo a venda propriamente dit», a troca, o canvbio de
moedas, a locaçao, a venda a termo, (salant), o oaucionamonto eo
penhor. Este ultimo era mais um uicio de prova do que um
contracto como hoje o teuios. A .hypotheca, a usnra e oui
GERAI. T>0 DIREÏTO 95
gérai os contractes aleatorios sâo dcseonhecidos ou prohibidos pelo
direito islamico. Escriplnra on testémunbas nâo sâo exi-gidas para prova
dos contracte» senâo tratando-se da venda a termo c do casamento.
E' ao trahirent do contracte de venda qne os jurisconsultes
musuliuanns érigent a sna tlteoria das obrigaçôes. Aléni das obrigaçôes
"religiosase cnltuaetf subdivididas cm obrigaçôes nul-venues e parciaes,
expôent elles très classes de obrigaçôes : as qne dérivant de um facto on
delicto e independem da vonhtdo I das partes, as que uascem da voutade
de uma sodas partes, e as qne se originam do aocordo de du as vontades.
O objecte, o consenti mente e a capacidvde sâo os eloinentos constitntivos
de lodo contracte.
O direito pénal dos arabes consiste principal inente cm um systema
de reparaçôes on oomposiçôes peenniarias. E' o regi-incn do preço do
sangne, snbstibutivo do da vingança privada, tal quai o vimos jâ entre
outros povos. O homicidio e as offensas physicas sâo tari fados conforme
a inteusidade do delicto c a condiçâo das pessoas offendidas. Assim o
preço do sangne (diu) é para uma inulher a mutade do de nra bomem,
para mu pag&o a décima ([ii i ut a parte.
As outras infracçôes da lei criminal sâo punidas com penas
différentes. O ladrâo, por exemplo, é condetunado, pela pri-meira vez, a
perder a mao direita, pela segunda a perder o pé esquerdo, e da terceira
vez é condeniuado a prisâo. A rebelliâo e a apostasia acarretam a peua de
morte, coin confisco dos bens no caso de apostasia. O réo de ad ni ter io
soifre a lapidaçao, uma vez provado o delicto pelo depoimento de qnatro
testemu-nhas de vista e pela confissâo do culpado. Qnarenta açoites é o
miuiino da peua para o individuo que infringe o preceite de nâo beber
vinlio.
A organisaçâo jndiciaria entre os musnlmanos é shnplissi-ina, A
jnstiça é destribuida, quer no civel quer no crime, pelo \kadi, juiz
singnlar, de nomeaçâo do soberano, que julga cm pri-nicira e ultima
instancia e que nâo pôde ser destitnido sem mo-itivo juste. O kadi pôde
ser assessorado por mu ou alguus mufA6
OOMPENDIO DE IIIKTORIA
Un ou ulémas (jurisconsultes ou doutorcs notaveis) mas a respoiiHtihilidude
dit serifeença s6 a elle eabe-
0 processo, crimiiial ou civil, seguo esta marcha lapida e uada
formalislica: oifcadas as partes, eoinpareccii) ellas ein pes-soa p tirante o
kadi ; explicam-se verbal nie rite ; produzeui suas prova». O julgamonto é
proterido in continenti. A confissao, 118 tostiMiiunlias e o juramento sào
os nieios legaes de prova ; os documentas oscriplos iiTio tf-iii viilor senao
qunudo eonfirnindos pelas pa ri os ou Icsteniunhas.
Tal é a pliysionoinia gérai do dircito mulsuniano, estndado no Koran,
ua Snnnah e na Fdjma.
-vxx
A vida juridica na Grecia antiga. (*) _
I
I
Avisinhamos-nos do Oceidente. Para traz fiearnm as agwas
sagradas do Ganges, o delta feeundo do Kilo, as planicies perfn-madas e
risonhas da Mesopotamia. Desapar ecem, ao longe, no ho ri son te, os
cimos nevados do Hymnlaia, as cumiadas pensativas do Libano e as
arestas rijas das pyramides, dominadoras dos desertos ci r camj a ce n tes.
Bffectuanios a viajem do sol, que foi a mesnia dos avôs, que foi a
mesnia da Historia. E o primeiro pouso que se nos dépara é a Grecia, a
peqnena peninsula do Mediterraneo,—jardim pro-digioso qne a natnreza
préparant para a floraçao snprema do genio aryano.
.TA ti vemos opportunidade de explanar a theoria gérai mente)
(*) FONTES :—G. Carie : La vita del Dvritto nei mot rapporti colla vUa\
sociale ; Fustel de Conlanges : La cité antique ; 0. Martin» : Raças hmnanas e
civil, primât ; A'A guanno : Gen. e evol. del Dir. Civ. ; Eschbnch : Introduction
gen. à l'étude du Droit ; Ahrens : Encyc. Jur. ; Letourneau : Evolut. jur. ; Victor
Durny : Histoire de» Grecs. ; Delacroix : Constitutions de l'Eu
rope et de l'Amer, vol. 1°.
là.
98 OOMPENDTO DR HTSTORÎA
recebida da origcm connu uni dos cliamados povos indo-eUropêus
on indogermanicos. Vimos que géographes, historiados e 1 inguistas,
sâo hoje accordes em admit-tir que a grande raça aryca,
primitivamente acampada na Àsia central, dividiu-se n'uma epocha
indeterniinavel, em dois grandes grupos : o . iraniano e o aryano, o
segnndo dos quaes subdividiu-se em ramos. que emigraram do
habitat dos antepassados para os lados do'occidente. E agora
occasiao de complétai- as indicaçôes ent&o feitas.
Foram em nnmero de cinco as correntes ethnicas que passaram
da Asia & Europa, trasendo comsigo a bagage m psycho-
Rociologica dos nossos antepassados. Uma dessas correntes—a
primeira, provavelmente) a sahir da patria primitiva—foi directainente
do Caucaso il extrema occidental da Europa, fixando-se
na Gallia, na peninsula iberica e na Gra-Bretanha e Irlanda. É a
familia dos celtas. Très outras correntes seguiram-se a primeira.
Est-as tomaram rumos di versos, seguindo dnas para o sul e uma
para o norte e centro. Sâo os helenos, os italos on latin os e os
germanos. Veio entâo a ultima leva de aryanos, que procu-rou
principal mente as partes oriental e septentrional da Europa. É a
familia dos lithuauo-slavos.
E da corrente grega ou belenica que temos de nos occupar
neste capitule, deixando de parte, por estranhas ao nosso programma
de estudo, as questôes relali vas a existencia e origem dos
primitivos pelaago* — o povo que, segundo as lettras clas-siqas,
formou o strato basico da formnçâo ethnica da Grecia.
Principiemos salientando uma dupla cireumstancia, que /
suppomos de alcance largo e fecundo : A Grecia nao nos appa-f rece
apenas como uma estaçâo geograpbica intermediaria entre as costas
do Egypto e da Mesepotainia, por um lado, e as da Italia, por outro ;
apparece-nos tambem como fecundo élo social e politico entre as
civilisaçôes trans e cis-mediterraneas, isto é, entre as conquistas
inoraes e materiaes do oriente asiatico-afri-cano e as do occi dente
europeu. A filiaçâo e a continnidade historicas accentûamse aqui
claramente pela contiguidade geo-graphica e nesta solidamente se
esteiam. Si é verdade que foi das migraçôes proviudas dos arredores
do Caucaso e Mar Negro que
____________GEBAL DO DIREITO 99
a terra dos snppostos pélasgos recebea o elemento colonisante dos ariogregos,
nao é me nos certo que foi das eivilisaçôes kaniito-semitaâ da
Aaia Meuor e do Egypte que os vencedores dos pélasgos receberam os
primeiros i.iiHnxos, as iniciaçôes fun-damentaes, da cultura coin que
depois illnminaram a Europai
Vista por esse prisma, a cidade (1) helenica toina um aspect» parti
en lar, altamente snggestivo de uni certo numéro de con-sideraçôes que*
ligeiramente enuneiaremos.
B' bastante couhecida a divisao que H. Kenkle fez, dos povos, eiu
solares, crepusculares e planelarios. Os primeiros représentant o lado
diurno da humauidade ; os seguudos o lado dilucalar, matutino ou
vespertino ; os ultimos o lado nocturno. Esta divisao pôde ser
transplantada para o terreno do Direito, eomo em parte jâ fez Cl o vis
Bevi laqua, nas suas Licçôes de Le-gislaçâo Comparada.
Applicando a classificacao de Kenkle ao cas» particular da Grecia
juridica, parece-nos que a civilisaçâo helenica pôde ser iucluida no
segnndo membro da divisao. Na historia do direito a Grecia é uma
nacionalidade crepmeular, isto é, de transiçâo ; nao é creadora ; é
assimiladora, modincadora e transmissora. Confirma este modo de ver a
segainte phrase de Oliveira Mar-tins : «A Grecia é um turbilhao luminoso
e cahotico ».... I De facto : o senso juridico nao foi, de modo algum, o
apa-nagio dos gregos. Confrontando-os coin os romanos, G. Carie
observou nuiito bem que o genio latiuo alliou o senso juridico a virtude
militai', ao passo que o genio grego foi apenas bel-licoso e philosopbico.
O proprio Platao, o divino, referindo-se ao espirito do povo a que
pertencia assignalou apenas que era « um espirito curioso e avido de
sciencia. » À unaniraidade de ppiniôes neste sentido autorisaram
Eschbach a pronuneiar-se nestes termos : « Entre os gregos o Direito nao
se elevou jamais a altura de uma sciencia especial : sua inntginayao
poetica e
(1) A palavrs cidade 6 aqni empregada n'um sentido différente do moderno.
isto é. signifioondo aesociaçâo religiom e poliHca. Os gregos e romanos
dûtingniam a cidade — associacao da cidade — area edifioada e povoada.
100 COMPENDIO DE H1STORIÀ
movel u&o se prestava a cultura de. mua seiencia tâo severa e tao
înathematica coino a Jurisprudencia ; houve entre elles emineutes
publicistas, mas uuuca jurisconsultes propriainente ditos. » É
sabido, alias, que Plat&o e Arigtoteles consideravam o direito e a
politica como simples capitulos da Ethica.
Assim, éi fora de duvida que podemos insistir em nosso modo
de ver, baseado sobre a divisâo de Kenkle : os heleoos, que fora m
nui povo solar no que respeita a philosophia e as artes, foram
simplesmente mu povo erepuscular no tocante a iutuiçôes e
instituicÔes de Direito. A civilisaç&o groga, no ponte
/de vista juridico, foi a madrugada do luminoso dia roniano ; Spart
ha e Atbenas foram o dilueulo auroreal do esplendido
I meio-dia de Borna.
Isto, porém, u&o quer dizer que o conjuncto do direito grego
offereça a mesmisaima pbysionomia do bindû, do chinez, do
judaico on do egypeio. Corn serein uma raça desprovida de genio
juridico, nem por isso os gregos importaram em bloco tal ou quai
legislaç&o estraugeira. Uni povo novo, em uni meioj novo, assimila
ou imita, modifieando largamente as idéas ou institut os
transplantados. E militas vezes, depuis desse pre-cesso de
adaptayao, rcage contra os sens primitivos empresta-dores de
instituiçôes. A propria Grecia fo.rnece uni exempta disso, com as
modificaçôes legislativas iutroduzidas no Egypto logo apôs a
conqnista macedonia. Déniais, sendo a organisaçâo politica das
cidades gregas profitndantente diversa da das outras naçôes antigas,
o direito publiée respectivo n&o podia deixar de ter uni caracter
proprio, especial.
E é, com effeito, pelo seu direito pnblico que a Grecia an-tiga
se torua digna de nota, no curso da evolnç&o juridica bu-ntana.
Instrumento de transiçâo entre o typo patriarchal do oriente e o typo
de eidade que surgia sob a press&o de no vos idéaes, a gloriosà
Helade forneceu ao mundo uma boa parte dos thesonros que
foriuaram o patrimonio juridico dos posteros, no que concerne as
relaçoes de ordem publica. Podemos mesmo affirmai' que o
trabalho e fuucçôes capitaes da Grecia em ma-teria de Direito, foi
dar individualidade e autonomia ao direito
GERAL DO DIREITO 101
pablico, separando-o do privado ; foi séparai* o patrio poder do poder
publico, firiuando uni uovo modo de «convivencia civil e\ polit ica » em
que puderam medrar as noçôes de causa municipal, de causa national, de
causa publica. E assini preparou ella o terreuo para o broto auspicioso du
soivosa arvore romana.
I §
De todos os pequenos Estados que constituiram a urdidura social e
politica da Grecia antiga, de todas as cidades esparsas nas planicies da
Phocida, da Beocia, da Attica, da Megarida, da Corinthia, da Argolida,
da Lacouia e de Mantinéa, dois l'o-ram os nucleos de populaçâo que
synthetisaram as qualidades e defeitos do ramo aryano para ali
transplantado. Sparta, a cidade lacedomonia do val le do Eu rotas, e A
thon as, a cidade attica visinha do Hyiuéto e do Pentélico, forain os
grandes fôcos politicos, oada um por sua vez hegemonico, da civilisacao
hele-nica. É pois na Laconia e na Attica, ou an tes, em Sparta e| Athenas,
que podemos encontrar a expressao juridica do genio grego. Minos,
Zaleuchus e Karondas, os pretensos legisladores de Créta, da Locrida e
da Grande Grecia, nao têm relevo liera authenticidade historica bastantes
para que nos occupemos das| iustituiçôes que lues sao attribuidas. E
corao o spartano Ly-curgo e o atbeuiense Solon — os dois eupatridas da
jurispruden-cia helenica — floresceram em epoeha relativamente
moderna, é bem de ver que nâo fazemos remontor nossas indagaçôes aos
tempos priinitivos e heroicos do povo grego.
Penetrando tanto quanto possivel no passado desse povo cora o
auxilio da poesia legendajia e épica, conseguimos dis-tinguir duas
phases do seu desénvolvimento social. A primeir.i é a phase da vida
barbara e nomade, assignalada pela couquista gnerreira do territorio e
pelo subjugamento das primitivas po-pulacôes nelle domioiliadas ; é o
tempo fabuloso de Theseu, de Hercules e de quantos herôes e
semideuses a imaginaçao popu-lar forjou para symbolisai' as lutas e
victorias dos aryo-gregos. A segunda é a phase semi-historioa da
fundayao dos reinos e
102 COMPENDIO DE HIHTOBIA
das cidades, apôs a Victoria dos conquistadores ; é a epocha do
sedentarismo agricola e da constituiçâo da cidade religiosa e politisa. Este
segundo periodo da historia légendaria da Grecia tem fini no seculo XII ou
XI. A. C. e é sô nos seculos IX e VI da mesma era que apparecem Lycurgo
e Solon coin as respect! vos obras législatives.
Nestas, porém, e particulai'niente na de Solon, eucontra-reinos nos
crystalisadas, embora jâ com profundas modificaçôes as principaes
institûiçôes sociaes e juridicas dos dois prinieiros périodes da evoluçâo
grega, a partir das realezas primitivas até a democraeia atheniense, coni as
respect! vas creaçôes religiosas e politicas da familia, da patria, da tribu,
da cidade, das assemblons do povo, dos anciâos, etc.
Passemos, i>ortanto a examinal-as
SPABTA — E por intermedio dos autores classicos gregos e romanos,
depositarios nao de documentos escriptos si ni de rae-ras narrativas
tradicionaes, que podeiuos reproduzii* us lin lias principaes da
organisaçâo juridica da Laconia, ou mais propria-mente da cidade
lacedemonia. As leis de Sparta nunca forain escriptas, e basta isto para
dificultar nm estndo corapleto e ex-acto da îuatcria. Por outro lado o
proprio legislador sparciata é lima individiialidade sobre a quai os
historiadorcs projectaiu grandes sombras de duvidas e de contradiçôes.
Plntarcho, por exemplo, afiirma convictamenle que « nada se pôde dizer
de certo sobre Lycurgo, sendo diversameute relatadas sua origem, suas
viagens, sua morte, suas leis e inesmo a forma de governo que elle
estabeleceu. » (1)
O que é, comtndo, gérai mente admittido é que Lycurgo, homera de
sangue real e de alta intelligeuoia, nascido era Sparta no seculo IX, foi
D'uni certo periodo de sua vida publica, obri-gado a exilar-se, por motivos
de ordem politica. Réfère a tra-
(1) Segundo os mais autorisados historiadores înodertios pnrece que a
obra legislativa de Lycurgo foi elaborada o'uma dada epocha do Reinado de
Teleklos, 8." rei de Sparta, ao tempo em que occopava o outro throao o roi
Caarilaos, pertencente a dynastia dos proklidus e gobrjnlio de Lycurgo,
ftER.W. TK) DIREITO 103
Ifliçâo que o nobre sparciata aproveiton o tempo do exilio para
cultivar seu espirito e reforyar s fias uptidôes politicas viajando
por Creta, pelo Egypto e pela India, enjas instituiçôes estudou
profundaraente. Voltando ao seu paiz. apôs dezoito annos de
desterro e de estudos, solicitaram lhe os conterraneos sua inter*
veuçâo para a restauraçao do bem pnblico, gravemente prejndicado
pelo mal estar provenieute da desegualdade das fortuuas
entre os lacedemomos. O recem-viudo accèdeu, e, depois de onvir
o oraculo, que se lhe mostrou bonigno, metteii hombros) à
empreza, que consistiu, ao ver de uni historiador moderno, no
seguinte. : « fazer reviver, coordeuando-os. antigos costumes,
précisai1 o que era vago, completar o que era imperteito, e for-mar
de elementos esparsos mas vivazes uni corpo de leis rigorosamente
encadeiadas. »
O legislador sparciata surgi u no solemne momento historien
mn que se effectnou a prime ira revolnçâo das que agi tara m o
muiido politico—juridico formado e dirigido pelos aryo-gregos.
[- Houve na Grecia, eoino em Roma, très movimentos sociaes e
politieos que determiuaram outras tan tas sifcuaçoes juridicas da
sociedade occidental. Forant elles o dos patricios ou riôbres contra
a realeza, o dos clientes contra os patronos e o da plèbe contra os
patricios e clientes. No primeiro os reis antigos forain despojados
de sua autoridade politica, ficando reduzidos aopapel de meros
chefes religiosos; no segundo os clientes on servos, homens de
inferior condiç&o ligados ao patrao ou patri-cib pelo culto
domestico, fizeram-se eguaes dos se us superiores conqnistando o
direito de propriedade sobre a terra ; no ter-ceiro a multidâo que
nâo tiuha culto nem direitos conseguiu ] uina religiao e leis
egnalitarias, ascendendo ao nivel dos outres clenientos sociaes.
Lycurgo apparecen na passagem do primeiro para o segun-
[ do de&ses movimentos. Foi elle o représentante do pensamento
dos patricios nobres contra a dictadura real. Da familia patriarchal
e do culto domestico tinba sahido o rei-pae. soberano
I entre os paes e snpremo ministro da religiao. Era preciso li-
[ initar e diminuir essa autoridade oppondo-lbe os magnatas das
104 OOMPENI>IO DE HISTORIA
fniuilias, phratrias e tribus constitutivas da cidade. Foi o que
teve era vista o tio de Charilaos com a legislaçao que formulou.
Dcsenheinos os raios principaes dessa construcçae, que nao
chegou inteira até nos, mas cujos fragmentes nos demonstram
que foi erigida para abrigo de uma sociedade aristocratica e
gnerreira, em que o cnlto da força era tao grande como o culto.
: • dos devises. I
I Lycurgo, acceitando e systematisando os usos em vigor, deu
I a Sparta a segninte organisaçSo politica ; uma Assembléa popular,
uni Senado (Geroniia) e uma Réalésa eonfiada a dois reis — o
que sô por si prova que o governo sparciata era nionarchieo apenas
nominalmente.
Bealeza, Seuado e Assembléa do Povo exerciam sua antoridade
e attribuiçôes sobre cerca de 30,000 dorios; 120,000 periêcos
e 240,000 ilôtas. (1) dos qnaes sô os primeiros, isto é, os
dorios, tinham direitos politicos e podiam gosar do titulo de
cidadaos.
A Assembléa popular era composta de todos os cidadaos
sparciatas maiores de 30 aunos. Em regra reunia-se mensalmente,
na epocha do plenilunio, e tinha como principal attri-
I bniçao approvar on regeitar (o que era feito quasi sempre sem
discussao) os projectos formnlados pelo Senado ou pelos reis. A
essa attribniçao veio juntar-se posteriormente a de jnlgar os crimes
politicos, sobretudo os dos reis, quando accusados pelo Senado. As
votaçôes faziam-se por acclainaçao ou separando em dois grnpos
os cidadaos, conforme os votos eram de appro-vaçâo ou rejeiçao.
O Senado ou Gerontia era uma corporaç&o formada por 28
(1) Periécos e Hâtas eram os dois grandes grnpos de povos lacedemonios
guerreados e subinettidos pelos conquistadores dorios Os primeiros que
eram quasi todos cnltivadores e que eram obrigados ao pagamento dos impos*
tos e ao serviço militar gozavam de liberdado individnal, emborà nâo fossem
oonùderados cidadaos ; os segundos nâo sô nâo eram cidadaos como nâo
eram homens livres. Eram escravos que nâo tinham esperança de libertar-se,
porque a lei prohibia que fossem manumittidos ou nlforriados, prohibindo
tambem que fossem vendidos para fora do territorio spartano.
S :<
GKRA.L DO DIREITO 105
cidadaos niai ores de 60 un nos, nomeados ou eleitos direetamenta
pelo povo o enjo mandate) era vitalicio.
O processo de que se serviam os spartauos para a eleiçâo
dos iiMMiibros do Senado oftereee uni aspeoto tfto singular, ou
an tes, tôo original, que uâo nos podemos furtar ao desejo de
deixal-o eonsignàdo, niesino ligeiramentp. Era o seguintP, o
processo eleitoral a que alludimos : I
V Marcado o dia da eleiy&o e conheeidos os candidates ao cargo
sénatorial, era m estes e o povo eonvoeados para a praça publica.
Alii, h'a nia orderu estnbelecida por nieio de sortent, desfilavaiii,
uni apôs ontro os aspirantes a senatoria, camiubaii-ûo cada um cm
sileneio c de olhos baixos. O povo manifesta-va-se entao por
meio de gritos de apprevayao mais ou nieiios numerosos, mais ou
me nos fréquentes. Estas acchunacôes eram registradas por uni
certo numéro de individuos occultes em ruina casa de onde os
candidatos nâo podiam ser vistos, e effo-etuada a passageiu do
u l t i ino candidate, taes individuos vinham declarar quai o
momeiito ou a vcz em que os gritos de appro-vaçâo liaviam si do
mais fortes, mais coiitinuos e em maior numéro. Sabido pelo
numéro de ordem o canilidato que passara Loin tal momento,
estava conliecido o eloilo do povo de Sparta. A litulo de présidentes
da corporaçilo os dois reis faziam parte do Seuado. Este tinlia
conio attribuiçôes principaes : a alla gestào das finanças publicas,
as declaraçôes de gnerra e de I pnz, os t rata dos de alliauça, o
julgnincnto de todas as causas ca pi ta es e a accnsaçâo e
julgameuto dos proprios reis.
A. Realejsa spartana foi, a partir de Lycurgo, quasi simples-'
mente decorativa. Mantendo a iustiliiiçao dos dois reis, o logislador
sparoiata procurou fazer, e fez, coni que elles fosse m apenas
os présidentes do Senado e os exécuteras das deliboraçôes
dessa eorporaçao. Do facto, era o Senado que governava Sparta,
sendo a jurisdiçao real, em tempo de paz, ineramente religiosa. Por
isso diz uni bistoriograpbo-jurista corn toda verdade que os reis
Spartanos eram apenas « primeiros cidadaos eem côrte e se m
fausto ». Em tempos de guerra, entretanto, eram elles os choies
roues do exercito e nesse caracter tinhaui uma jurisdieçâo railitar
ex te n si ssi ma, H
14
106 OOMPENDIO Dl. HISTOB1A
Oonhecidn. iissim si nrgauisaçào dos po'defès pablicos doini-j
liantes fia capital (Ta velha Lacedcmonia, vejainos as respecti-
I vas iusHlniçôes de direito privado, deixando para mais tarde,
conforme o méthode que adoptâmes, o exame de sua organisaçacj
jndiciaria e de seu direito repressivo. .
I Principiemos pela eondieào das pessôas*
i
H Da menyâo que lia poneo lizemos das très classes eni que se
dividia a populaçao subiiiettida ao governo de Sparta, in fève-se
iiniiiediatainente que nao s6 os direitos peliticos mas tambem os
civis erani desegnaes entre os individuos que a compnnham. Si os
dorios e sens descendentes erani cidadaos e liomens livres, os
ppriêeos erani livres mas nao erani cidadaos, e os miseros ilotas,
adstrictos a gleba, nao erani cidadaos nem liomens livres. A eseravidao,
coin todos os horrores (\ojus vit» et necis e sem o adoçainento
da manumissao, pesava sobre a grande maioria dos
lacedemonios e laconios.
A fa m il i a spartana baseiava-se sobre o casamento effectua-1
do pelo rapto verd nleiro ou si mal ado, e contrahir casamento, ou
antes, procréai" tilhos para o serviço da patria, era unia nc-cessidade
de ordem pnblica, um verdadeiro dever civico. O ce- ; limonial do
acto nnpcial era nenhnm. Ordinariamente a m ni lier tingidamente
raptada era conduzida a uni lugar afastado, onde lbe cortavam os
cabcllos e davam-lhe a calyar os sapâtes do fu-turo marido.
Consumado o casamento, a mulher passava ao gyneceu domestico,
onde ficava recolliida c occulta.
Nao se conhecia a polygamia ; nias o concubinato era permittido
e largamente praticado. O divorcio, on an tes, o repu-1 dio
simjiles c voluntario da mulher pelo marido era consa coin-mnm.
Sendo o fim exclusivo da uniâo conjugal a procreaçâo de tilhos
permittia a lei que o honieui aban do nasse a mulher esteril e que o
marido esteril cedesse a mulher a outro hoinem capaz de | fecundala.
Os casunentos effectuavam-se de preferencia entre | parentes, nao
havendo impedimeutos, na linha collatéral, se-nao entre irmaos
nascidos de uma m es m a uiae.
O poder marital nao era limitado senao pela vontade ou
condesceudeucia do marido ; a mulher obedecia sompre, ainda
'GERAI, DO DIREITO 1071
luesmo qnaudo era offerecidit ou einprestada a nui ontro homcm. O
patrio poder, ao contrario, era muitissjmo reduzido, por isso que os
fillios de uni cidadao spartano perteiiciam nao a seu pue mas ao Estado.
As crianças que por naseerem boni conformadas eseapavani ao
matadouro do Taygétes eram educadas pelés paes I sômente até aedade
de se te au nos ; dahi por dcante passa va ni ao gyranasio ou
plianlansterio onde iam desenvulver e exercutar os musculos e
aprender a bravnra e a in?ensibilidadc.
Os spartànos praticavam a adopçâo, e esta materia foi, nos
priiueiros tempos, da competencia privativa dos reis. Nao te-! mos,
porém, uoticia segura do uso dos dotes e da tutella, em Sparta. Quanto
ao direito de suecessao a!i vîgente, sabemos apenas, por vagas
indicayâes dos tiistoriadores, que o direito de primogenitnra era
observado e que as fil bas sô hcrdavam na 1 falta absolu ta de filhos
varôes. A herauça de immoveis passava aos herdeiros sempre indivisa,
nâo havendo absolutameut:- parti! ha.
Este facto provinha da natnreza do regimen de propriedade
instituido por Lycurgo. TJma dus principaeS tnedidas deste
legislador foi dividir o terri torio do paiz oui 30'mil lot.es assim
destribuidos : nove mil, do solo de Sparta, a outros tantos cida-dâos de
origem doria, e trinta mil, do resto da paiz, aos laconios periécos. Estes
receberam as terras em usufructo e sbb condicao de pagamento dd
impostos. Os sparciutag tiveram os lotes ter-ritoriaes sob as olausulas
de indivisibilidade e inalienabilidade e coin o caracter.de propriedade
conimum da familia. A mes-ma feiçao commiinista imprimiu Lycurgo
a propriedade movel estatuindo que os instrumentes e os auimaes de
trabalho de cada proprietario podessem ser utilisados por qualquer dos
sens visinhos, que délies nécessitasse.
É cousa corrente nos manuaes de historia que o legislador
spartano, no intuito de dar a seu povo uni idéal exclnsivameute I
guerreiro, proscreveu o uso dos metaes preoiosos e baniu de sua patria
o commeroio, a industrie e as actes. Nestas condiçôes é inû|;il procurar
na legislaç&o que estâmes analysaudo qualquer iustituto juridico
notavel, filiado ao direito das obrigacôes,
108 OOMPENDIO DE UISTORIA
Passemos adeante, portante
Quando acinm fallamos do meebauisino governanieiital de]
•Sparta dissemos que o Senado e a Assembléa do povo tinhain
attribuiçôes de ordem judic.ial. E assini era. A oi?ganisa$5o jn-l
diciaria por meio da quai se exercitava ajustiça spartana nâo nos
apparece seu&o nas suas assenibléas politicas, que erain ao mesnio
tempo sens tribunaes superiores. Na epocha de Lycnrgo très
jurisdicçôes coexistiaiu em Sparta : a dos rois, a do Senado e a da
Assembléa popular, sendo que a primeira foi rapida-inontc
absorvida pela seguuda. Na realidade o tribunal spartauo por
excllencia era o Seuado, ao quai exdusi v ameute cabia eo-uhecer
(las causas-crimes e décrétai- peuas capitaes coulra os| cidadâos.
A marcha do processo, em taes casos, era régularisai ma ej
garantidora do direito de defeza. Designava-se dia para andieu-cia
do aecusador e do accusado ; este era citado para compare-cer ;
produziam-se testemunhas on provas documentaes, e o tribunal
depois de maduro exaine que, por vezes, durava roui-tos dias,
pronunciava o seu veridictum. Nem todos, porém. po-( diam ser
julgados pelo Senado ; tal privilegio cabia sôaos sparta nos que
tiuhaiii direito ao titulo de cidadâo.
O direito cri minai iustitnido por Lycurgo tiuha mua phy.
siuuomia peculiar, quiçâ extravagante. Assim era in considera-Idos
crimes o celibato, a obesidade, o talento culinario, o uso do ouro e
da prata como iutermediarios de trausacçôes ; entretauto nao erani
c.lassificados como delictos o assassinato, o furto, o adultérin, etc.
Ao contrario, a lei sanecionava o adulterio pér-'l mittindo ao ma ri
do céder a esposa a ontrem ; a soeiedade ap-plaudia os au tores de
l'urtos praticados coin coragem, agilidade. astucia ou sangue frio ; o
bomicidio em tao pequena conta era tido que a cryptia ou caca aos
ilôtas, em que os jovens sparcia-tas matavam de emboscada aquelles
miseraveis, era cotisa oâo s6 nat ural como até ensinada e
applandida. É certo que sô contra os esoravos era permittida tal
selvageria : mas nem por isso o facto torna-se menés répugnante.
Nao obstante isso, o systhema pénal dos spartanos, sendo
GERAI. DO DIREITO 109
grosseiro e barbaro por uni lado, era, por outro, adcantado e superior. A
par da morte pela estraiigulnçao e pela dilaceraçâo, do bauimento e da
flagollaçâo, viiihani as peu as pecuniarias e| as penas montes, entre estas
a atimia, que feria o culpado nos sens direitos eivicos e na sua honra. O
atimico, que era quasi sempre u eidadâo accusado de eovardia na guerra,
perdia os direitos politicos, era obrigado a céder sua mulber a outrent,
ficava légal mente incapnz de contractai" e tin lia de eobrir-se de
andrajos para receber os insnltos e ataqucs dos caminhantes.
Sâo os que ahi ficain apoutados os traços geraes da legislaeâè de
Lyourgo, isto é, da estruetura juridica de Sparta, n«i sec.iï-j lo IX. Resta
uotar que cterca de seenlo e nicio depois essa organisaçâo politicojuridiea
foi graudeniente inodifieada em alguns dos sens
detalhes. O advento dos ephoros, magistrados cuja
creaçâo os reis favonearam para enfraquecer o Seuado e que acabaram
por aunullar ao mesiuo tempo os seuadon s e os! reis, veio altérai*
profundamente a ordeni de cotisai) estabelecida. Em numéro de eiiico e
eom o titulo de chefes e orgaos do povo, os ephoros tomaram a. iniciativa
da propositura das leis e ustir-paraiu a preponderaucia exécuta va e
judiciaria, conûada il Réalésa e ao Senado. Xenophonte diz que tinham o
direito de accusai* e premier quai que r pessôa e Isocrates affirma que
elles décréta vain, por sua propria autoridade, a morte de qaalquer
eidadâo. Uni aut-or moderno compara os ephoros aos con-sores dp
Huma, que fiscal isavain os costumes, e nia outro affirma que elles
intervinham a té na intimidaile domestica dos reis, inda-gaudo da
fidelidadedas raitihase velaudo pelo ciimprimento dos deveres
eonjugaesque doviam perpétuai" nos dois thronosa raya dos Héraclidas
Nao admira que desse modo o novo poder poli-tico spartano tivesse
domina do tudo e honvesse feito em pedaços a obra leaislafciva do
sobrinlio de Charilàos.
ATHENAS. —Aqui pisamôs solo mais firme e teniosluz mais inteusa
projectada pelo sol da Historia. Aléui da tradiç&o temos doeumentos, e
encontramos uma figura de legislador sobre cuja existeiicia pessoal
uenluuua du vida séria se le van ta.
Jâ tivemos, incidentemeute, oecasi&o de observai* que no
11187823
110 COMPENDIO DE HISTORIA.
periodo da civilisaçao greco-romana a palavra cidade tinha uni significado
différente do que moderuaniente Ihe damos. Précisâmes agora insistiv
nessa observaçao, que nos habilita a eom-l prebender a formaçâo e a
constituiçao dos esta dos gregos fini gérai, e em especial da rcpublica
atheuicnse.
A. cidade greco-romana era uma confederuçao religiosa e polibica,
formada do fmnilkis, de phratrias (grupos de familias) e de tribus (grupos
de phratrias). A. organisaçào dcssa cidade antecedeu a fundaçao das
cidades materiaes— accumulos de habitaçôes e edificios construidos em
um determinado sitio — cidades de pedra que forain primitivamente
fundadas para servirent de sautuario ao culto da cidade moral :— niera
associa çâo pohtioo-religiosa.
Familias, phratrias e tribus eonfederadas derain nascimento a uma
organisaçào politica, sacerdotal e aristocraliea em quej dominavam
exclusîvamente os patricios on nobres —aqnelles que eram chefes do culto
domestico e os que délie participa vain pelo direito do sangue. Abaixo
dessa classe ficavam os clientes e os plebeus, servos e protegidos uns,
estranhos e perseguidos ontros.
Jâsabemosque a Grecia inteira, do mesmo modo que Borna assistin a
lut» desses elementos uns contra os outros. Vinios que em Sparta Lycurgo
foi o orgâo législative dcssa lut», quando ella se travou especial mente
entre a nobresa e os reis que a pro-pria organisaçào patriarchal fizera
surgir. Agora, no solo athe-niense vainos presencear o segundo acto do
draina, —aquclle em que a classe dos clientes bâte a dos patricios e coin
ella cou-1 segue nivelar-se, elimiuando definitivamente a réalésa antiga. E'
aqui que apparece Solon, eupatrida da raça de Codrus, eleito .archonte nos
ultimos annos do seculo VI.
Nesta epoca Athenas tinha jâ effeetnado como Sparta sua revoluçao
contra a réalésa, reduaindo a um an no o praso de go-verno do monarcha e
rebaixando este a cathegoria de archonte, | isto é, de um dos nove
magistrados annnaes que governavain a cidade. Mas a lu ta entre pobres, licos
eoupatïidas eslava no seu auge. Sentindo a necessidade de pôr um
terme a agitaçâo
GERAT. DO DIREITO 111
pin qno sa oxgotavam, os très parti dos accord arara era escolher
<> cnpatrida Solon, n-itural de Salami lia, para reformai" e fixar
os direilos publico e privado da patria.
I Evideneia-se o ncerto da e-jcollia pelas seguintes palavras de
Fustel de Conlangcs : «Solon tinha a rara fortuna de perten-cer
aoB eupatridas por sen nascimento e aos commerciantes pelas
occu payées de sua mocidade ; su as poesias nol-o mostram coiuol
iim homein desligado dos prejuizos de sua custa ; por sen espi-rito
conciliador, por sen gosto pela riqneza e pelo luxo, por sen amor
do prazer, elle afastase ninito dos antigos eupatridas e pertence ii
nova Athenas.»
K Resta - n os saber como Solon se desempenliou de sua ingento e
nobre tarefa. Vejamos.
O meclianismo governamental foi censtruido com du as peçasapenas
: uma Assembléa do povoe uni Senado. A este cabiam
as priucipaes funcçôes executivas e ambas asassembléas tinham
uni certo numéro de attribuiyôes judiciarias.
Faziam parte da Assembléa do povo, que se reuuia ua| praça
publica, todos os cidadàos mai ores de 20 an nos inscriptos nos
registres lexiarchicos. Era ella prusidida por um episluhi (1) que
abria as sessôes expondo os assumptos sobre os quaes os cidadàos
tinham de délibérai*. Esses assumptos eramordinaria-nie n te a
adopyâo de leis, a eleiçâo dos magistrados, a declaraçâo de guerra
ou de paz, os tratados de allianca, a concessâo do dircito de cidade,
etc. Ao contrario do quesuccedia cm Sparta, as discussôes da
assembléa atheniense eram lougas e brilhaules. Os o-adores
faziam-se ouvir de mua alta tribnua e como signal de sua
inviolabilidadé parlamentar (si a palavra pode ser cm-pregada)
traziam a eabeça cingida por umacorôa. As votayôes eram feitas
symbolieaiueiite por meio de um gesto que consistia cm lcvautar
uma das niaos aoima da cabeya. Ha via entretanto Ciisos em que.
o veto por escrutinio secreto era de rigor : tacs eram as resolucôes
sobre concessâo e dcsHluiçâo do dircito de cidade.
(1) O epistata era uni sonador tirado dentre os prytants e que serriii de
grande tbesoureiro e auardu-sellos da Cidade.
112 OOMPENDIO DK HlSTORIÀ
O Senado compunha-se de 400 cidadaos maiores de trinta a n nos,
design ad os pela sorte dentre os mais elevados représentantes das quatro
tribns cm que no tempo de Sol on estavam di-vididos os athéniennes
possui dores do direito de cidnde. S6-monte no tempo deKIistbéues o
numéro de senadores foi elevado a 500 por ter si do o povo dividido cm 10
tribus. Nessa epoca eada nina das tribns veio a ser representada por 50
cidadaos.
A. al ta assembléa dos représentantes das tribns reunia-se
diariamente, uienos nos «lias de testa e do lato social. A convo-j caçân do
Senado, seu regimento interno e a promnlgaçao e execuçân de sens
décrètes estavam a cargo de uni certo grnpo de senadores chamados
prytanag que se di vidiam cm varios sub-grupos ùe proêdra*. Da
corporaçao dos prytane* sabiam os epi»-\ tatas que presidiam as sessôes.
As attriboiçôes do Senado erain as da Assembléa do povo,
augmentadas de militas outras, de natu resta exeentiva especial-mente.
Tinba elle a iniciativa de todos os projettes de lei que iain ter a Assembléa,
e como supremo représentante do povo era elle o snperintendente da
administraçao pnblica, sobretudo no tocante as finanças, e era ainda elle
que recebia as mensagens on relatorios dos generaes e envi ados da
Republiea, que dava audiencia aos embaixadores estrangeiros, etc.
As votaeoes da assembléa dos senadores eram feitas por t'scrntinio
secret o, lança ndo cada uni'délies n'nma mua nma fava branca ou prêta,
conforme approvava ou rejeitava a me-dida.
Snggerida senâo i m posta por uma notavel revoluçâo social, a
legislaçao de Solon estabeleceu antes de tndo a egualdade pe-rante a lei,
apagando as distincçôes antigas entre patricios e clientes, entre eupatridas
e thêta*. Oom excepçao da classe dos escravos, que foi mantida mas sob
uni regimen relativamente brando e impregnado de tendeneias
bumanitarias, todos os habitantes da Attica t i n b am uma oondiçao
honrosa. A prevençâo contra os estrangeiros nâo encontrou gnarida nas
lcis, e isotéles e metoêea* sentiam se bem ao lado dos cidadaos
athënienses, po|
GERAL DO DIHErTO 113
£ deudo uns « outros entrar para o gremio da cidade por meio da
naturalisaçao e gozaudo os primciros de plenos direitos civis.
Isto basta para caractérisai" on anfres para définir clararaente I o
espirito da oodificaçao de qne nos occnpamos. O direito pri-[ vado de
Solon BO em alguns pontos horaologou a iegislaçâo an-< tiga, — Iegislaçâo
da quai Dracon, trinta an nos an tes, havia sido I o ferrenho codificador. (1)
Nos ont rus pontos, isto é, na maio-1 ria dos casos, o direito soloniano
afaston-.se notavclmente das I leis anteriores.
E corao este facto é o earacteristico sn|K>rior e gérai do mo-
viinento juridico a que nos reportâmes, poinos de parte a indi-
cacao simples dos diversos institntns do direito p ri vado insti-I tuirio por
Solon e paasamos n expor as modificaçfles que a nova j Iegislaçâo trouxe
ao direito antigo. Na impossibilidade de fa-I zel-o melhor do que o sabio
Fnstel de Cou langes, tradu/iremos | apenas o que esse autor escreven a
respeito e que se résume no
Es Seguin te :
« O direito antigo prescrevora que o fil ho primogenito fosse | o
union herdeiro. A loi de Solon diz em terraos formaes : oa\ I irmâos
dividirâo entre si o patrimonio. Mas o legislador nao se
a l'as ta do direito primitive até o ponto de dar & irman mua
I parte na snccessâo : A parfUha, diz elle, ne farâ entre o» filhos.
[Mais ainda : si uni pae uîio deixa senâo uma fillia, esta nao pôde ser
herdeira ; é ainda o agi)ado mais proximo que tem a suc-çessâo. Xisto
Solon conforma-se coin o antigo direito, mas pelo incnos elle consegue
dar â filha o goso do patrimonio, forçando o licrdeiro a desposal-a.
« O parentesco pelas mulheres cra deseonhecido no velho direito;
Solon o admitte m» novo, indaque collocando-o abaixo do parentesco
masculino. Eis o que elle estatuia: Si um pae
(1) O archonte Dracon. enpatrida imbnido dos preoonceiton relifriosoB e
politiooa d'is da ana cliiaw», foi o homem da tradiçâo iuflexivel e aeu nome
ainda hoje adjeotiva toda lei violenta e de im placavel severidade, Seu oo-difro,
promulgudo no moment» ng-ndo da lntn entre eupatriclns e thêta», era uni
conjunotode re/rrns oppresairas<1 estes e. na parte criminal. em prodigo de
penas capitaes para OR menores delictos.
114 COMPEXniO DK HISTOKlA
innrto inlestado sô ck'ixn utnn filha. o ngnado mais proximo herda
casaudo-se coni a orphft. Si nfto deixa filho algum, seu irmfto, o nfto
sua irotft, herda, preferindo seu irmfto germano on consanguinco a
seu innîlo nfieririô*. Na falta de irniftos ou de filhos de irniâos a
siiccess&o passa â innan. Si nfto ha nein \v-inftos, nom irmaus, nein
sobrinhos, herdam os primos esegnn- \ dos-prinios do lado paterno.
Na falta desfcps é a successfto defe-rida aos collateracs do lado
materne.
« Assim as mulherps conieeam a ter direito il successfto, inda
que oui posiç&o inferior & dos bornons. A lei enuucia formal-niente
este principio : o» oarôes e descendrai es de varôes excluent on
mulheres e on deHcendenies dan iiiiillurts.
m Sol on introduziu ainda na legislaçfto atheniense ama cousa
novissima : o tcstamento. Antes délie os bens passavant necessaiiamento
ao mais proximo agnado on, lia falta de agnados aos
t/ennf'tas ; isto résulta va do facto de serein os bens considerados
como pertencentes nfto ao individno porém
legislador permittiu, pois, aô bomem dispôr de sua fortuna e
eseolher seu legafcario.
« A religifto pr imi tiva tinha deixado ao cbefe de familia, ao \
pae, uina antoridade soberana no lar doinestico. O direito an-tigo de
Athenas ia até o pooto de permittir a venda e a morte de uni filho.
Sol on, eouformando-se coin os novos costumes, poz limites a esse
poder ; sabe-se corn certeza que elle prohibai a venda de uma filha
por sen pae, a monos que ella liouvesse commettido falta grave, e é
verosimil que a niesina prohibiçfto fosse feita qnauto aos filhos
varôes. A antoridade paterna en-fraquecia-se a medida que a antiga
religifto di min nia de ascen-dente : assim o direito atheniense
permittiu ao filho chegado a uma certa edade libertar-se do patrio
poder. O costnme, senfto. a lei, veio insensi vol mente estabelecer a
maioridade dos filhos, mesmo em vida do pae. Conhecemos uma lei
de Athenas que impnnha ao filho a obrigaçfto de alimentai- o pae
velho ou enfer-1 ino : uma tal lei mostra que o filho podia possuir
bens proprios, o que importa na sua emancipaçâo.
GEKAI. DO DIKKITO 115
x Quiuito â mnlher. a loi de Solon conformava-se ainda coin o
direito autigo quando a impedia de fazer testament», porqne a mu
Hier nâo era realmente proprietaria e nào podia senâo usa* frnir ;
mas affastava-se daquellé direito quando permittia a mailler
retomar o seu dote. Uma outra uovidade do codigo solo-niauo foi
o direito concedido a todo cidadao de procéder judicialmente
contra mu criminoso ; anteriormente tal direito so eabia â familia
ou a gens da victima. »
I Depois destes substauciosos trechos do autor de La Cité Antique
limitai1-nos-hemos a deixar consignado : que o regimeu conjugal
atheniense era o da monogamia, sendo tolerado o con-cubinato ; que
o casamento coin estrangelros era permittido e que os impedimentos
por consanguinidade limitavam-se ao parentesco em linha directa ;
que o divorcio era admittido o que o simples repudio da m ni lier
pelo marido era tambem permittido ; que o dote, a adopçào e a tu tel
la era m conhecidos | e praticados ; que o direito coutractiial ou das
ohrigaçôes, si uâo| cbegou na Attica ate a perfeiçâo do dos romauos,
foi eut retanto objecto de estados e de regulameutaçao legai, tanto
que uesse assumpto tiveram os helcnos uma creaçao que passou para
o direito moderne—a das arrhas, em materia de vendu.
Dito isto fallemos ligei rameute da organisaçâo judioiaria e
[do direito pénal da Attica.
Letourneau faz notar com razao que a immobilidade e o Spëgo
ao passado nâo predominando naGrecia e principal mente . em
Athenas, a evoluçao historica dos helenos foi assignalada I por
incessantes progresses raesiuo ua organisaçâo dos tri bu unes e do
processo. De facto, a estructura judieiaria e processual que ali vamos
eucontrar depois de Solon é riquissima em orgaos de maior ou
menor extensâo e importaucia. A's priraitivas magistraturas dos nove
archontes, ao autigo tribunal areopagico
j da colina de Marte e ao tribunal dos epliêtas, iustituido pur
Dracon, vieram juntar-se outros muitos, dos quaes o principal,
traduzindo a orieutaçao democratica de Solon, foi a Helièa, o
grande jury popular, com ampla alçada criminal e tambem com
nlyada nas causas civeis em grâo de appellaçâo. O Areopago
inesmo foi reorganisado e constituido em Côrte suoïema, inVeg11C
OOMPKNDIO DK HI8TORIA
tida de uni alto direito de fiscalisaç&o sobre os magistrados, I
admiuistradores e casos refereut.es :'i moral publiea.
Pelo que acabaïuos de dizer evideucia-se que ua Athenas 1 postsol
on iana havia os seguintes tribunaes : 1." o doit archonte»,* 2.* o'
Areopago, 3." o dos ephétaa, 4.» o dm heliastas, isto é, a Jfeliéa.
Os archontes julgavani delictos de pequeua importants ] nias
cxerciam fnncçôes do nosso moderno miiiisterio publico, j
aflVctaudo certas causas aos prinieiros tribunaes ; os areopagiUu
além da funcyao fiscalisadora que jâ llies attribua in ôs, julgavani :
('spécial mente os honiicidios preineditados e os crimes de impiedade
e al ta fcraîcSp. Este t r ibuna l , como o dos ephêtan, era 1
composto de eu pat ridas, sendo que, pela reforma «le. Solou, sô j
délie podiam fazcr parte os velbos archontes de mais illibada j
reputaç&o. Os ephétaa forain por Solou despojados de su.is principaes
attribuiçoes aut-igas e ficaram julgando os honiicidios \
iuvolnntarios. Este tribunal é tambem conhecido por Palladio n. j Os
heliastas eram em numéro de cinco mil, e esses milhares de J
jurados constituiam a Heliêa. Mas este numerosissimo tribunal nfto
fuuccionava ein reuuiao de todos os sens membros ; os heliastas
foram divididos em 10 secçôes.ou tribunaes parciaes, ] composto
cad a mu de 500 délies. Eram sorteados an nu al mente 1 pelos
archontes e recebiam, como symbolo de sua jurisdiccao, 1 um
bastao com a côr e o numéro da secçâo ou tribunal em que deviam
funccionar. A heliêa conhecia de todas as causas que 1 interessavam
o Estado e a religiao, recebia os relntorios dos magistrados cujas
funcçôes haviam cessado, jnlgava osoradores que tinham defeudido
ou proposto decretos illegaes, e com o ' correr dos tempos veio a
decidir dos litigios entre particulares, j Suas sentenças, em assumptos
de interesse publico eram defini-tivas e prima vain sobre as da
Assernbléa do povo.
Além dos quatro tribunaes citados havia outros de uienor ;
importancia, que passamos a indicar. Taes eram : o dos dietélax ou
arbitras, o dos qaadragintaviros e o dos nautôdicos. Xenhiim délies
tinha jurisdicçao criminal, sendo o segundo uni tribunal'ambulante
que tinha competeucia para julgar as questôes
GEBAL DO DTBEITO 117
cujo val or nâo passava de 10 drachinas. Ao terceivo cabia o coulieeiiuento
dos pleitos coin niereines.
A marcha do processo peraiite 08 tribu unes athonienses era régulai'
e criteriosamente encaminhnda. Uni escriptor diz que ella era «
complicada, sabia e de urua ieiçâo quasi moderna. » Sol ou proscreveu
os advogados e estabelcceu que todo cidadao dévia defeuder-se a si
mesuio ; nus causas publicas, porcin, ô povo desiguava uni orador para
sustentai- a accnsaçâo. Quer lias causas criminaes quer nus civeis o
processo hclcnico faxia-se coin citaçâo das partes, juramentos dus
tesiciuuuhas, pruzos para a exhibiç&o de provas, direito à defesa, etc
A legislaçâo pénal deSolou obedece a este pensaiiiento capital,
contrario alias ao das Icis draconiuiias : a punicâo nao deve ter o curacter
de mua expiacâo religiosa, si m o de mua intiiuidaçâo preventiva,
consistent^ em uni souri inento pliysico ou moral ou em uma perda de
dinheiro. Dabi uni systema de penas aftiietivas e pecuniarias. Ta es penas
era m a atiiiiia (dc-gradacâo civica eomo em Sparta), a prisâo
temporaria, o boni-\mento, seguido ordinariamente da atimia e da
confisoaçâo de beus, a morte (pelo envenenameiito, pelo
estrangulaïucnto, pela decapitaçâo, pelo lançamento em abysmo, pela
lapidaeâo e pela bastonuada trataudo-se de escravos) a mntta e a
confiscaçâo dos benn. Nao menciouamos o ostracismo porque elle nâo
era pro-priamente uma pena e sim uma medida politica, dextinuda a
afastar teraporariamente de Athenas uni cidadao que podia tornar se
perigoso as instituiçôes e a patria.
Os principaes crimes de ordem politica era m : a alta truiçâo, a
prevarioaçâo, a eorrup.eâo, a impiedade, tifurto ou roubo dos betis
\publico8, a fabrieaçâo de nweda falxa, a offensa contra funecionarios
\publico8 no exeroicio de suas ftincçôes, a prostituiçûo vénal. Os de ordem
privada eraui : o homicidio volunturio ou involuntario, o enve-
\nenamento, a prooocaçâo do aborto, a reducçâo â escravidâo de pessoa
\ttvre, as offensas physicas, a violaçâo de uma mulher, o adultrrio, o furto
e o roubo. Selon nao reeonliecen os delictos especilicos de parridicio e
infanticidio ; entravam ambos na classe gérai dos homicidios. Tambem
em materia de estellionato sua legis118
OOMPENDIO DK HISTOKIA
laçào era lacniiosa ; entretanto a fraude era pnnida eui certes casos, como
tambem o era a ayeophantia—espeeie de chantageni exercida por meio de
denunc.ias contra os cidadâos.
Terminaremos assignalando duas enriosidades do direito criminal'e
pénal de Athenas, na cpocha a que. nos referimos : 1." — O grâo de
maldade no animo de alguem era tu do em ma-teria de delicto ; o facto
delictuoso era aferido mais pela per-versidade do animo do que pelo
damno causado ;— razao pela quai as leis de Solon puniam os maos I
ratos aos an'imaes ; 2."— Os objectes iuanimados que serviam de
iastrumento ao crime ou que produziam inconsciente e casualmeute uni
damno pessoal eram castigados ou puuidos, effectuan d o -se a retirada
délies do solo da Attica. Nao deixa de ser intéressante esse phénomène
juridico em virtude do quai, nos seres conscientes, a disposîçâo malevola
bastava para a punicao e, nos inconscientes, a puuiçao dava-se inesino na
ansencia absolu ta de intençâo criminosa.
Roma. — Phases principaes de sua evoluçâo jurldfca. (*)
§
Pela esplendida ponte que os ario-gregos nos lançararâ atravez
do Mediterraneo somos «gora chegados em plena terra occidental,
-no fôco niesino da portentosa eivilisaçâo qae irradiando-
se das margens do Tibre e do Anio levou a força o a
grnndeza do genio indo-enropen as paragens mais longinquas e as
mais notaveis das sociedades coévas.
Temos di an t e de nos a primiti va Borna guadratn, a sagrada
Quirium, a cidade das sete colinas, debrnçada sobre as «agnas
barrent as de pnzzolana avermelhada» do Tibre. U Como e por
onde cliegaram até a sua séde os italiotas des-taeados do tronco
aryano,—os italos, irmaos dos gregos e primos dos celtas, dos
germauos e dos slavos ? A Historia guarda dosa mente osen
segredo debaixo das sete chaves inysteriosas com que as lendas
soem trancar as origens dos povos.
O que apeuas se podc asseverar, uao obstante as pro fondas
(*) FONTES : —T. Moinmsen : Historia Romana ; O Mnrtins : Historia da
Repvblica romana; B. vou Ihering: 0 espirito do Di
traverso la civiltâ. européu ; G. Carie : La vita del Diritto ; Aurons : Encyelop.
jurid. ; P. Cogliolo : Storia del diritto privnto romano ; F. de Coulanges : lia Cité
Antique.
120 OOMPENDIO DK HISTORIA
dissemelhanças de idiosyncrasia entre os dois ramos ethnicos,
é que helenos e latinos, sabidos da riiestha placenta asiafeica,
ainda depois do est a bel eei dus eni dois pou tus di versos das terras
beijadas polo Méditerraneo, iinmixtarain-se estr como
saudosos do tempo em que vi ver a ni e viajsiram juntes. Sobre este
ponto ha miraerosos testeniunhos n&o sô da historia eomo da
tabula, que é mua «reveladora da historia. »
E Hignificativa a lenda de Evandro, o arcadiano de saugne real
que fuudou nina cidade ao pé do Palatino, e mais significativa
ainda é a legenda do trojano Euéas, o filho de Anchyses e de
Venus, —legenda a que o estro de Virgilio deu a radiosa iinmortalidadc
das cousas d'Arte. NSo foi do Bhéa Silvia, filha do rei
Numitor, descendente de Euéas, que Tito Livio e outros classicos,
baseados na tradiçâo, affirma ram ter nascido Rouiulo e Remo, o
primeiro dos quaes foi o divino fuudador da antiga capital do
niiiudo la tiuo?
Mas como bem se avalia, nao podo ser nosso intuito pêne-1
trar no labyrintho das versôes mais ou menos historicas, relati-vas a
Roma e a sens primitives habitantes. No ponto de vistaj que nos é
peculiar tanto important as londas refereutes a Evandro e Euéas
como a fabula de Caco e da terri vel caverua onde esse filho de
Ynlcano vomitava cliammas que sô Hercules teve| a coragem de
affrontai-.
Tomemos o assumpto no ponto e m que elle apresenta uma
feiçâo menos lai ml usa : o ponto de onde partiuTh. Mommsen assignalando
os Tapygios, os Etruscos e os Italiotas como a base
ethnico-social de Roma, ou. mais particulaimeiite, aquelle que
outros aitfcores caracterisaram pela co-existencia e federaeao dos
ramnes, ticios e lucéres, nos arredores do monte Palatino.
Em Olivoira Martins, seetario de Mommsen, lê-se que os
ramnes erain gente latina. os ticios eram sabinos e os lucéres
provavelmente latinos tambem. Pietro Cogliolo chaîna os prifheiros
Minos de Romulo, os segniidos sabinos de TU» Tacio e os
tereeiros etruscos. Ahrens, por sua vez, diz que a naeionalidade
roma na se for mon de très elementos : latinos, sabinos e etruscos.
Vé-se que a divergenc.ia, si ha, é insigniiïcante, podendo-se
GERAI. I>0 DlREÏTO 121
apenns levantin* dnvidas sobre o latinismo dos lueéres e sua
identificaçao coin os efcruscos.
B, portante, acoeitavel a hypothèse de que a civilisaçao romana
tenha sido uma equaçâo sociologica dos terni os cthnicos
que acabamos de noraear. Os latin os oon tribu ira ni para ella
coin os concoitos de força e disciplina reveladores do poder da|
vontade individual e da aptidao social ; os sabinos coin o élé
ment n religioso creador das formas sagrndns ; os etrnscos coin
as ceremonias do rit uni juridico e com a technica do primi
tive direito. I
H No inoineiito eni que esses povos começaram a gravitar uni
para ontro, preparando inconscientemente a eomstituiçâo do
nvnndo romane, o estado social de cada uni délies era provavelni
en te o que pnssamos a esboçar :
A estirpe latina appnrecia jâ regularinente organisada, destribu
ida pelas suas t i inta cidades abertas on nncleos prineipaes
de populaçao que constitniam uma especie de coufederacAo a qnal
servia de centra polit-ieo Alba Longa—a cidade chefe. rTendo li
ligna, costumes e religiao communs, possuiaiu os latin os n ma
organisaçao familial e gentilica, e eram entre elles corren-tes as
idéas de tribu, de populun, de civitas, de urbs, além das de vici e
pagi.
Os sabinos (povos nuibro-sabellicos) apresentavam uni aspecto
m 11 ito menos definido e uni desenvolviiuento social muiro
niais atrasado. Monta nhezes e pastores, vivendo eni com mu mis
ruines on aldeiamentos abertos, ostentando uma independetieia
selvagem e bellicosa, caractérisavam-se elles pela mais profunda
religiosidade e por uma poderosa organisaçao gentilica. Os
conecitos de povo, de naçâo, de cidade, nâo liaviam ai ml a surgido
do conjuncto de suas concepçôes estreitas, baseadas no familismo.
H
[ O povo etrusco, sobre cujas origens & relaçôes com os ro-manos
tanto se teui discutido, mas cuja existencia foi alinal comprovadu
pelas cscavaçôes feitas eni Ronia nos annos de 1874 e de 1883 e
principalmente pela descobertn dos restes de Raaéna — a cidade
reveladora de mu riquissinio sub solo historiée romane -—esse,
mais do que os sabinos e do que os latin os, tinha,
16
122 <-^j OOMPENDIO DE ÛrSTOEIA
no momcnto H que nos 1 cportamos, uni physionoinia aecentiiada
de povo organisado e culte. Os etrnscos viviam em communas
urbainis on cidades, prnticavam a navegaçâo e o commercio,
conheeiam as urt**8 c a moeda, repartiam-sc cm nobres e ple-l
bons, cm tribus e ou ri as, e haviani jit sali i do dos mol des propriainonte
ge.n#l Lcos para mua forma superior de organisaçao civil
è politica. As teudencias religiosas dessa gente, que, alias, erani
profnndas, culniiiiavam no sen ritualismo coinplîcado, lias
snperstiçôes de sua artc augurai e no synibolisino de suas, praticas
sagradas.
Foi de todos esses cleincntos combiiiados que saliiu, pri-meiro,
a Homa palatina on qmdrata, depois a eonfederaçâo do
wptitnontium e por nui, coin o correr dos tempos, a Roina dos
tribunes e dos prêter es, dos censores c dos consulcs, dos Cezaresj e
dos jnrisconsnllos.
Oumpie agora saber qnal o conj-uncto das caraeterisfcicas Ida
Roma primitiva, unia vez realisada a fnsâo ethnica, consti-tuida a
cidade, e antes que se réalisasse a exteqmtio juris, da quai | foi
portadora a célèbre Lei dsis X M Talxvas -o mais velho nionn-mento
juridieo do povo roinnno. Esse conjnncto de caracte- j risticas
corresponde ao priineiro dos très systemas da historia do direito
roniano, aqnelle que, scgnndo R. Von Ihering, représenta o capital
originario recebido da historia e remonta ao periodo do
coiniiinnismo inicial de todos os povos indo-ger-m an i cos.
I O antor do Expirito do Direito Roiiiaiw pensa dteste modo il «Nu
historia do direito roma no distingnimos très systemas ; o scgnndo
destes, cuja floraçao corresponde a da Repnblica, é o| systema
especifico roniano : résume otriumpho das vistas nacio-naes
romana8 em materia de direito ; os dois outros systemas sâo os elos
oppostos por meio dos quaes o direito romauo se liga a historia
estranha a Roma :—o primeiro représenta o capital originario que
Roma rccebe.u da historia, e o terceiro, o niesmo capital,
augnicntado de jnros opnlentos, que Roma restituiuj ao ninmlo.»
Quai foi esse capital originario que Roma recebeu da bisG
Rit Al DO DIREITO 123
toria e que*, no |>en.Siir du grande jurista do Goettingen, remonta
aepocba remotissima du commnubao iîido'germanica?
Nâo é dilBc.il respondêr. Foi cm primeiro logar o aeervo das
coucepeoes juridieo-roligiosas dos uossos avôs aryanos e foi |ein seguida
6 complexe don institutos sociaes e politioos décor-rentes daquellas
coneepeôes,—inst i tutos H que a civilisaeâo gre-co-latina den o
desenvolvituento reqnerido pelas «uns einincnte.s qunlidadese pela sua
cultura snperior.
Eni Roma, coino na Gree.iu, enoontrainos as velbas crencas aricas
sobre a morte e a aima, e eomo conseqnenci» o cnlto dos mort os, o uso
do fogo Siignulo, a religiâo dôiilesfiica, n l'amilia| eomo iustituiefto
religiosa ao mesmo tempo que politica; eneon-tramos taïubem as curian,
équivalente das phratrùit, as tribus, « por fini a Oidade—assoeiaç&o
politico religiosa de ordem supe-rior, confederaçao de tribus, que por sua
veat erani eonfedera-yôes de carias, eomo estas eram de lamilins. (1) A
gens, o patri-ciado, a clientella, a oscravid&o, s&o institutos grecoroumnos
egualineute.
Dadas essas condiçoes geraes é facil coinprebendi-r que o primitive
di re i to privado dos romanos loi, semclluintcmeute ao dos gregos, uni
direito de cameter tbeologieo e sagrado, fnndado sobre o cnlto dos niortos
e a organisaçao religiosa da lami l ia.J Assim o casamento roligioso, o
sieerdocio do pae de familia, a jnterdicçào do eelibato, o divoreio em caso
de esterilidade, a adopçâo, a emaneipaçRo, as rclaçôes de parentesco e
principal-
(1) Na obra de O. Carie iutitulada Le Origini tlrl Diritto Romano (que
sô por desouido deixâmos de indioar entre ai foule» deste capitule) lû-ae
o segninte a respeito da cirtade romana :
H *A oidade primitiva apparece oomo un oentro e t'ôco de vida public*
entre as varias oommnnidades uldeùs, enja vida doniestica e patriarchnl continua
a desenvolver-se nos vki e nos pag: ; de onde a oonsequencia que
elln nâo se apresenta originariamente oomo reunifo de habitacôes privadns,
mas sim oomo reuniâo em uma area sagrnda dos edifioios de destinaçâo pu—|
blica. corne a fortalezn, o sanotnario commun), aa casas do rei (cwtos wrbia)
e dos sacerdoles (saeerdotei populi), o lugar onde se administrava a justiça
(forum) o sitio onde se renniam os eomicios e as curius, etc.
124 COMPENDIO DE HISTOKIA
meute a agnacâo, o proprio caracter da propriedade ;—tudo isso decorria
da coucepçao theologiea dominante, da quai sahirani tambein os priineiros
vagos esbocos de um direito publieo que sô mais tarde dévia eonstituir-se
regnlarmeute.
«O Direito (diz • Saverio de Cil lis) surge em Borna como gnarda
das sagradas tradiçôes dos patres, qne se reuneui uas eu ri as, sciuelhantes
as phratrias gregas, para resolverem sobre os negocios importantes de
suas familas e as necessidades supre-mas do Estado, o quai résulta
naquelle primeiro moment») dos aggregados das varias genten qne
aspiram à gloria de ab.iter a grandeza dos autigos Estados italieos e
formai1 a Cidade que dévia ser a métropole do mnndo.»
Durante um larguissimo période foi esse o quadro da vida juridica
na velha Borna : perfeitameute semelhaute. répefcimus, ao quadro juridico
da Grecia antiga. (1)
86 muito tempo depois, com o correr dosseculos ecom o de-
(1) A proposito do caracter religioso do primitivo Direito dos romanos
devemos deizar aqui oonsignada a observaçfio de Hegel, reproduzida por
Ihering, de que em Borna «a religiâo nâo nasce senâo depois do Estado» e
que é portante poaterior ao Direito. Entendemos que esse modo de ver é
determinado por nm ponto de vista todo especial dos mestres citados. A
religiâo que apparecea depois âo Direito foi a religiâo officiai, mettida nos
moldes politicos consagrados, acommodada as conveniencias da orgauisa-çâo
governamental. A essa, porém, preexistin a religiâo popnlar, herdada dos avôs
aryanos, qne alias conservon sempre sna velha base familista prédominante em
todo o velho direito romano.
O proprio B. Von Ihering escreve o segninte, no mesmo capitule em que se
p5e de accordo com a opiniâo de Hegel :
oomeçado de nada e de ter tndo produzido por elles proprioa ; é por esta razâo que
ella nâo collooa no coineço da historia de Borna nem nacionalidade, nem religiâo,
nem direito. A verJade é, ao contrario, qne tudo isso existia antes de Borna.
Poder-se-hia oomparar os fundadores de Homa a emigrantes que continuam em
outra parte a communhâo na quai viviam em sua patria e que trouxeram comsigo
sua familia e sua fortuna, sua religiâo e suas instituiçôes.»
H Jnlgamos-nos, pois, autorisados a manter a opiniâo emittida no texte e que é a
que mais se conforma com a logica e com a histeria.
GERAI. DO DIBEITO 125
Renvoivimeiito natnral das aptidôcs peculiares de cada uni dos
dois povos irmàos, foi que a civilisaçào romaiia si* diflferenciou
profundaineute da grega. Para fazer lima idéa mais ou nie uns
compléta dessa differenciaçào, basta ler-se o seguiute (recho do
eminente Moiuruson :
« Esse geuio beleuico, que sacrificon o eonjuncto ao detalhe, a
naç&o A communbâo e a commuubâo ao cidadào ; cuja vida idéal
era o bello e o béni, mas limitas vezes tambem a doec ocio-sidade ;
cnju deseuvolviuiento politico consistiu em ultra passai* o
particularisme primitivo do cantào, o que mais larde trouxe a
dissolnçào compléta do poder governameutal ; es.se Grego cujo
pensaniento" religioso inventou deuses â imageni do borne ni e
mais tarde negon sua existencia ; que deixava totla liberdade a os
menibrus uns das erianças em se us exe r ci ci os corporaes o abria
um campo livre ao pensaniento, para que elle se desenvol-bvesse
em toda sua grandeza e magestade : eis abi certaniente um
contraste frisante coin o caracter romano, que mantinb i o filbo no
teinor do pac, o cidadào un temor do magistrado e todos 110 temor
dos deuses ; que pesquisava e nào ustiniava senào a ncli-vidade
util, e que obrigava todo cidadào a encher cada instante de sua
existencia rapida pur um fcrabalho incessante ; que ini-punba
mesj.no a criança o dever de cobrir modestamente a niid»'z de seu
corpo ; que tinha por mâo cidadào aquelle que desej iva| distinguirse
dos outros ; para quem o Estado era tudo e a gran-deza do
Estado a unica paixào descnlpavel.»
Mas, conio confessa o bistoriador c.itado e coiuo jtt deixânios
dite, uào foi senâo depois da coustituicào dclinitiva das cidades
gregas e romauas que se maiiifeslou essa profunda diversidado
intellcctual cujos eff'eitos se perpetuaram aie os tempos modernos
; no ebainado période greeo-italico faltavam ainda as causas
que deram îiascimento aos coutrastes acima a pont ados, e 6 que
existia, na cidade de Romulo. uni niatcria de crenças, costumes e
lois, era cabedal iuteirameute formado noseio da unidade primitiva.
Uni» vez porém dada a individualisaçâo romaiia, effecfcnada
a cspecialisacào do geuio latino, caracterisada deiinitivaniente
126 COMPENDIO DK HISTOKIA
pela cultnra do direito a fuucçao kistorieu do povo du Laciq, quaes
forain o estraebos que compuzeram o solo juridico da| grande
uacionalidade ; quaes forain, em snmiua, as phases capi-taes da
evoluc&o do Direito Romano t
O illustre autor de La vita del Diritto faz notai- coin todâl
razao, que qoando se encara a jurisprudencia latina tal quai ella
chegou até nos, parece, a primeira vista, que sua Iransfor-niaç&o
lent a e graduai fez—se cohérente e narnion icainente ; mas que
quando se a examina de perto veem-se-lhe os vestigios de materiaes
e epoeas di versas, indieadores dos varios periodos em| que se
dividiu sua trabalhosa forniaçâo. As idéas directoras do inovimento
juridico, diz o ci ta do autor, v&o se transforiuando conforme as
epoeas ; de modo que a jurisprudencia roinana pôdel ser dividida
em très periodos distinctos, dominados respeetiva-mente pelos
conceitos do jus civile, do jus gentium e ùojus na-turale.
Eis como G. Carie caractérisa cada ura desses periodos : j
No primeiro délies Roma, pequena aggregaçâo de cominu-nidades
aldeas e asylo aberto a plebeus e clientes necessitados de proteeçâo
e defeza. inspira-se quasi exclnsivamente lias suas proprias tradiçôes
e nas necessidades de sua vida ecouomica, essencialinente agrioola ;
apega-se estreitamente aos mores vete-l rutn, à longa eonsuetudo ;
gnarda zelosamente os ritos, os sym-bolos e as formas sacramentaes
do proprio direito ; inantem-se fiel A expressS.0 littéral da lei,
erabora para accoinmodal-a aos factos invente as ficçôes. Neste
periodo o Direito de Roma, apezar de codificado jâ- nas Leis das
XII Taboas, tem ainda ri ni caraeter tradioional e cousuetudinario e
ehama-se justameute Jus datte, porque é exclnsivamente proprio dos
cidadâos romanes, ou jus ipsum, porque se considéra o direito por
excellencia. No segundo periodo, porém, ja iniciadas e desenvol
vidas as conquistas, Roma nfto sente diffîculdado em offerivor
asylo uoa proprios templos aos deuses das cidades eouquistadas, e
assim
GERAT. DO DIREITO 127
ii ceci In facil monte as instituiçôos est range! ras que pudem de qnalqner
modo linrnionisar se coin ;i sua eonstrucçâo juridica. Desde esse
inoineiitp, o commercio coin os povos alliados on ven-cidfis,
nseontroversins quolidianas entre estrangei ros e cidadâos, força in o
pretor e o jiirisoonsnlto a confrontos e compa-raçôes continuas entre o
direito proprisimente l'omano e o dos outres povos ; pelo que, ;io lado
ûojnt civile, vai se formando graduai-mente o conceito de nm jus genlium
eoiuninm a todos os povos. £ nm periodo ein qne melhor se révéla o poder
do genio legisla-tivo romano ; porquanto atravez e apesar do dualismo e
du lu ta do jus civil*' e do jus gentium, do jus ut ri et u m e da crquifns. dos
contractas stricti juris e bonne fidei, do vinculo da agnaçâo e da cognaçâo,
da propriednde ex jure quiritium e in bonis, o inovi-1 ini'iito législative
accentua se sempre, admiravel mente harnioni-en e pro])orcionado em
todas as suas partes.
Por fini, no terceiro periodo, a G-recia é conquisbada e der-1 rama
sobre os conquistadores os tliesouros da sua idéalidade. Di'Sde enlfio os
conceitos da philosophia grega relatives ao.justo jietiorram mais largamente
em Borna, perdent a sua transcenden-cia, enccrrain-se uns formas definidas
e précisas que sao o apana-gio da jnrisprndeiieia romans, e inipriincin a esta
uni caracter mais philosopliico e rnciomtl, do quai encoutramos évidentes '
signaes nos grandes jurisconsultes do Imperio. N'este periodo perdura aiuda
o dualismo anterior, mas a Victoria vae sendo i cada vez mais da equidade
sobre a stricto, jusliça, das inbituiçôesl do direito das genres sobre as do
direito civil, da cognaçâo sobre ' a agnaçâo, da bôa fé sobre o direito
littéral. () respeito polos ritos e soleinnidadcs antigas (juris antiqni fabula?)
desapparece graduai mente e coin elle a su perst.içâo da lettra da Ici ; o
jurisconsulte, em vez de ater-se ao texte procura de preferencia a rasîlo e o
espirito délie. Ao lado do jus genlium, couceito for-[necido pela
comparaçâo das instituiçôos romanas coin as dos! povos visinhos, apparece
jâ o couceito mais idéal e especula-t-ivo de um direito natural. jus nalurale,
no quai se concentrant Lis vistas dos.jurisconsiiltos.
É Iniuiiiosissiina esta vista synthetica da desenvoluç&o liisJ torica do
Direito em Bouta. De cima destas très grandes emi128
0OMPESpiO_D]Ç_inRTOEIA
nenctiM do Direito Privado :—o Ju» iïvûë, e J«w gtnlium e o Jn»
nntunilr—deacortiiia se o panorama prodigioso «la vida roman», j im que
ell» love «le unis feeundo, original e bri]hante.
lïstsi rtisto o nterito tla divisilo adoptada pur G. Carie (1) e.
correlHtivHmente, a iniprinridade. das divisOes propostas e Idclcniliilus
pela geuornlidade dos roman istas, ineliisivé Guido Padellelti, que
pretendeu fmidar a sua nos «cambianifinU la-\ ti'nli r profondi
il as divisôes o sulalivisôcx mais on iiienos clnssicas da liistoria do Direito
Koniano, a partir da distinoç&o capital for-mnlaila por Leibniz entre a
jurisprudencia historica interna e a oxterna.
86 n'um cni-sn régulai- e completo da matoria caberia orna
apreoiuv&o dossas. A nos, o que nos eoiivém e uni apanliado das
priuoipaos phases da olahorayao juridica na velha Roma, feito do niesmo
ponto de vi sia em que se oollocarani Muirhead e Carie. (3)
1" m tal prooesHo ofTereee nao sô a oarneterisacao exacta das
grandes epocas da liistoria legislativa do povo-rei, coniotam-boni a
vantngem de podermos verifioar nessa liistoria a existon- I Ci a. das
grandes linhas da evolnç&o jurirïica gérai.
(1)0 autor du La vita del DirUto déclara que foi na obra de Hnirhead
iutitulada Hiatorical Introduction to the priva te Lato of Borne, qne aehon
0 sriterio fuudamental da referida divisilo.
(2) A divisâo de Fadelletti é a seguinte : 1.° periodo, dos inicios de
Romn até prinoipios do seciilo VII e destruiçâo de Carthago ; 2.", dos
prineipios do seonlo VII até fins do seculo III de nossa era, on até o
reinado de Dcocleciano ; 3.", clos fins do seonlo III até a qneda do Importa
romano do Oceidente.
1 Em nosso trabalho sobre o coneeito da xquitas tivemos ooeasiao de
uns oceupar dessa divisno. "Vid. Fragmentas Jvridico-phUotophicos.
(8) Explioaremos em outra parte deste livro a razâo pela quai, neste oapitnlo,
segnimos methodo différente do qne adoptâmes nos estndos sobre as lejfislaeôes
orientaes e da Grecia.
GERAT. DO DIREITO 129
Essas grandes linhas sâo perfeitamente inclicaclas por Saverio de
Oillis, nas seguintes pal a v ras :
«Em très periodos pode dividir-se a legislacâo de todos os povos : o
primeiro é aquelle em que o direito se révéla como direito patriarchal ou
de casla, adstricto a uni principio eminen-temente theocratico ; o segundo
é aquelle em que o direito de casta se aniiuncia nïio mais exclnsivo porcin
em lut a e nn collisâo coin o pratieado pelo povo ; o terceiro é aquelle no
quai o direito se manifesta mais conforme ou accorde coin o espirito
gérai du sociedade. »
Adoptandn este fecundo criterio historico-philosopliico, o nutor da
niagni/ioa prelecçâo intitnluda // Diritto romano à Ira-verso la ci cilla
europêa cliegou ao mesmo resnltado de Muirhead e do Ourle ; isto é :
encontrou como estadios superiorcs da evo-Inçao da jurisprudencia hit
ina as très grandes epocas enraete-risadas pelo jus civile, pelo jus
gentium c pelo jus naturale.
Em uni trabalho nosso, submettido outrora ao criterio da Faculdade
cm que lioje temos a houra de professai1, procurainos desenhar
syntheticamente aqucllcs très emiuentes aspectos da vida juridica de Ko
m a. É agora opportuno reprodiv/ir, devida-mente ampliadas, as palavras
que entâo escrevemos.
O periodo inicial do jus civile, do striclum juv, do optimum jus
rfvium romanorum, esteude-se desde os primordios de Borna até o secnlo
V anterior & nossa era, podendo-se dar-lhe como linha do delimitaçâo a
Lex Ploetoria, promulgada em 490 A. C.
Essa epoca é a do direito aristocratico e sagrado, que Saverio de
Oillis chaîna de casta, 6 a phase do direito quiriturio e patriarchal,
culminando na patria poteslas a que Vioo den o appellido de direito
cyclopico. Os costumes e as leges que forma-ram a trama essencial desse
periodo crystal isaram-se na Lex Duodecim Tabularum—primeira
Victoria dos tribnnos da plèbe sobre os représentantes do patrieiado.—
303-304 A. C. (1)
(1) A Loi clas XII Taboas on lex decémviralie que foi chamada por
Tacito finie lequi juris e reoebeu do povo romano a denominaçâo de car-
17
130 COMPENDIO DE niSTOIHA
O Direito, ciitâo, proelauiava a aiitoeracia do pae de fsuni-îia,
comprchendido nclla esse tcrrivel jus vilce et nccin sobre os lillios ; attribut»
caracter s.igrado ao direito de propriedadc ; cnnsagrava : a mancipatio c a in jure
ccssio soient nés, a manu» e a tu tel la perpétua dos proximos agnados para as mal
hères sali Mas do patrio porter, o JM ncxus ein virtnrtn rto quai o crertor fazia seu
escravo o rtevcrtor insolvavH ; cstabclecia, por sobre isso, o regimen proeossnal
(iaslcffis actiones, e entoava o oanto
Hicit necessarium, foi considerada por Cicero como superior, por sua força e sua
utilidade, as bibliothecas de toclos os philosophes.
Pelos fragmentas, «lue chegaram até n6s, desse monumento legishv iivo,
vorifioa- se qne a Lei das XII Taboas foi redigida n'um estylo concise, iinperativo e
rijo como suas disposiçôes, — o qne nno impede que niuitos autorcs tenham visto
nella nm codigo cm verso E a verdade é que encontram-se facilmente desinencias
rhythmicas em muitos dos fragmentas conhecidos, sendo certo, por outro lado, que
o synchretismo ju-j ridioo-religioso dos povos em formaçào autorisa a crença de
que elles cau-iavam os sens hymnos religiosos.
A lèse decemviralis. uma vez gravada nas 12 Taboas (dez primiiivas e dnas
snpplementares), foi exposta no Forum, e era alii que ella se impuni i a aos
romauos e desaiiuva a memoria das crianças, que eram obrigadas a eonservnl-a de
cor.
As palan-as que deixâmos escriptas no texte indicaui que considérâmes a Lei
das XII Taboas como redacçâo do direito costumeiro. vigente em Roina ua sua
phase de formaçào. E realmente c esaa a feiçâo da legis-laçâo decsrn viral. A
legenda da legaçâo ou deputaçâo enviada â Grecia para trazar de la os elementos
da codificaçâo do direito, c mais qne muito contestavel. apezar de estar insert'a em
quasi todos os manuaes de his-toria.
Dizemos, pois, com J. Ortolan :
athenienses ; si bem que elles tenham colhido «estas algu-raas disposiçôes que nos
sâo assignaladaa pelos esoriptores e pelos juris-cousaltos como transcriptas quasi
litteralmente, e cuja semelhança, em cousas de detalhe arbitrario, nâo pode ser
attribnida ao puro accaso nom â razâo commum ; entretanto é justo dizer que o
direito qne elles estabele-ceram foi o direito quiritario, o direito dos homens de
lança, cvelusiva-•mente pi'oprio ao cidadâo romano, radicalmnete destacado, por
seu caracter, do direito dut outras tiaçôes.1>
OF.lt AI. DO DIREITO 131
doecmviral, do seutido cruel para os eslrangciros : ailrersvii liantes
a'ferna autorilas eslo !
O Corpus omnis romani juris, fons publici pricaliquejuris de
que fallaiu os cl assieds latinos, jsto é, a Lei dus Dozo, Ta boas,
estereotypu uns suas laconieas é ferrenhns disposiçôes aquella
sociedade patriciu fuiidada sobre a rcligiâo domestiea, na quai o
pac 6 HO îiiesino tempo logislador, juiz o sa ce ni oie, cm que o
Direito é sagrado, symbolico, formai ista e licnnetico, pertenceudo
a guarda e interpretaçao respectivas no collegio dos
pontifices ou a uni determinado numéro de patres. Da se alii o
syncretismo juridicoreligioso dus civilisucôes primitivas, exactamonte,
como o obscrvilmos nas sociodades do oriente e especialmente
no Egypto Ihcocratico.
Ao periodo doininado por esse Direito «esclusivo, intolérante,
violente» succedeu, como cra natural, uni outro, mais largo, mais
libéral, mais luimano. TTma sociedade, como uni ijidividuQ, n&o
se pôde isolar cm absolu to se m risco de atro-pliiar-se c de
perecer. A cioitas roniana teve de transigir. De fins do seculo V
para oonieços do V[ aecentiioti-se uma trans-formacao que j;i o
estabelcciiuento muito anterior da pretura urbana ha'via
prenunciado.
A partir da publicayâo da Lex Plwtoria, jâ citada, cujos
corollurios nnturaes forain a Lex JEùulia (do data incerta) que
extinguiu as acçôes da lei, e as du as lois Julia; que esta bel ecerani
no [iroeesso judieiario o System a dnn/ormulie ; abro-sc para
o Direito lioinauo uma era de brilhautes c feenridas transformaçôes.
Creada em principios do seculo VI (507) a magistratura do
preetor peregrinus, accentuain-so valo.nfcoinonte as tendencias da
legislaeâo edictal uo seutido de uiljuvare vel supplere, vel eorrir\
\ger~e jus civile, propter utilitatem publicam, conlbrmo se diz no
fragmento de Papiniano iuserto no Digesto.
É a epoca dus fictioncs, das exceplioncs, dus restilutiones in
\integriim, dos inlerilicta, das bonornni possessiones ; final monte dos
in numéros institut os destiuados a alargar o circulo bronzeo do
direito quiritario, iutroduziudo uelle a bvnu /ides, o respeito
132 OOMPENDIO DE HISTORIA
pela cognatio c todos os elcineutos necessarios à existencia juri-dica dos
nao cives, isto é, dos estrangciros.
I Ao trabalho dos pretores veni, logo depuis, juntar-sc a no-| brefaina dos
jurisconsultes. Do meiadoa do scculo VI por deaute couieçam a surgir os
juria interprètes, os fnndadores do néo-di-reito civil, aquelles enjas casas
crani, segundo o tcstemunho de Cicero, totiua civitatis oraculum, e que
exerciam a eminente func-çâo social de respondere, cavere, agere,
scribere. Gajns Cornélius Scipio Nasioa, eleito consul em 563, a quem o
Senado offerecen uma casa para que podessc ser mais facilmente
consnltado, e| posteriorinenle os dois Calôes, Publins Scoevola, Servais
Snl-picius, Quintus Scoevola, além de alguns outres de estât tira menos
elevada, surgira m gloriosos, acceutuando o movimento gigante que se
esta va a operar ua esphera
proetorium, do jus genlium, final mente. O couceito (la U-\bertas, opposto
ao da civitas, conforme observa inuito bem Tobias Barrctto, havia
triumphado clas vclbas idéas e dos velhos mol-' des. A logislayao edictal,
compilada no Edietum Perpetuum de Salvio Juliano, é o uionuniento
jnridico dessc periodo, é o segundo marco da eslracla pereorrida polo
genio juridicp dos ro-inanos,—aquclle quo assignala o raeio camiuho entre
a Lei das XII Taboas e o Corpus Juris de Justiniano. (2)
(2) Salvio Juliano foi um notavél jurisconsulte, da classe dos protores,
que viveu ao tempo do reinado de Adriano, — o divus Hadrianus do
que nos fallu Justiniano em uma de suas conslituiçôes.
An tes do trabalho de Salvio Juliano. uni outro legista, Aulus 01ilius,
havia compilado a logislacSo edictal. ooico se pode ver de uni frugmento
de Pomponio, que vem no L. 1." T. "2." do Digestn, de origine juri*.
Mas o Edietum Perpetuam teve sobre a obra de Otiliua a vantagem de ser
ordenado pelo imperador e sanecionado por um senatuaconsulto.
O fini do Edietum Perpetuum foi fixar o diroito honorario, dando-lhc
expressamente uma alta autoridade. Elle pontinha, ao que dizem os nutores,
uma codrdennçfio methodica do dircito pretoriano, segundo os varies I
edictos puhlicados até o reinado de Adriano.
A proposito desta compilaçâo ha duas consas a notar : 1.", que a expressâo
edietum perpetuum, dada como titulo ao trabalho de Juliano, en
HEU Aï. DO PIKEITO 13.1
O terceiro période ovolucional do Dircito Romano é pro*|
priamento a obra dos jurisconsultes, iufliieuciados pèlsi philosophia
grega e trnnsfbrmados de jurix interprètes, que nnteriormeute
cram, eiu juria coud i tores, que passa ra m a ser.
Jâ no tempo da priinitiva renleza a culliira lielenîcn tinlia
invadido Roma, inoculando-llie no organisait) vigoroso o ger-men
das espeeulaçôcs philosophicas. Km lins do sccnlo V e no correr
do VI cram cm grande numéro os romanes que iam a Allumas e
Rhodes busoar os thesouros da sciencia e arte grogas,| voltando â
pat lia para fnndar csoolas liliadas nos syslewas dos îm-xtros. E do
VII sccnlo on diante, qnaiido Diogencs, Crito-Jâos e Oarneadcs—
os très depulados de Allumas "attirèrent par \lear éloquence
Vattention de» romains, conio inlbrina Ortolan, a agitnçao helenista
cbegon ao seu auge.
É curioso observai' conio se eflectuou em Roma a coitHnencia
das di versas cor rentes philosophions da (îrecia, c conio a
jurisprudencia foi o lcito que cl las mais faeilmente poderam cavar
para serpearem atravez da Italia e do innndo.
O atoinismo de Leueippo e Democrito, o Pythagori-mo, o
Socratismo, oEpicurismo, oaeudeminmo de IMatiio, o xtoicixmo de
Zenao o Crisippo, o peripatetismo de Aristoteles, vicram t rnns -
fnudir-se em Roma na doutrina academicostoica de Cicero, no
corrente om Roma para désigna r os odictos an n naes de cada pretor ; 2.", que
depois de promulgado por Adriano o Edietum de Sulvio Juliano. os magistrados
continua rain a pnblicar anuualmente os sens edictos. Uma passagem das
Instituta.i de Gaio da testemunho disso.
Deve-se concluir desse facto que o Edietum Perpetuum nâo tore se-nûo UID
val or secnndnrio e passa gelro ? De modo algum. As soient nidu-des de que
Adriano o rêves tin e a propria natureza do trabalho, que c-ra, conio jil dlssenios,
uma coordenaçâo roetbodica do dircito pretoriano nnterior, eatno a iudicar que o
Edietum de Salvio Juliano mauteve-se e perdnrou como codigo gérai e regimonto
commum do dircito honorario. Os magistrados que vieram depois dessa
conipilaçno conformant m-su coin ella em seu conjunoto, edictando, quando
inuito, disposiçôes accessorins ou nieras regras do forma, reclamadas pelas
condiçdes do momento.
E' essa a opiniâo da generalidade clos autores. Vid. Histoire de ta
teijululion romaine de J. Ortolan.
134 COMPENDIO DK HISTOKIA.
plalonismo erudito de Favori no e Alcinoo, no scientificismo-poe-\
tico de Lucrccio, no nêo-pythagorismo de Quinto Sexto e Nigidio|
Fignlo, e na brilhante escola stoica do Anneo Senecn, Eplcteto e
Marco Aurelio. Como era naturul, os juristas do tempo nâo poderam
fiigir a inlluiçào das idéas reniantes. Por isso o Digesto danos
tcsteiiiunlio da sympathia de Callistrato pelas dontrina«|
platonicns, da autoridade de que gosava Aristotelcs para Ju-liano,
da veneraçâo coin que Marciano fa lava do stoicismo, c do respeito
que Ulpiano e Jnliano votavani aos philosophos oui gérai.
Dalii para a concepeâo e sustciitaçâo de uni jtis ntittti'ûle, de
mua lex nuluroe e de iiina ratio nuturalis inipondo-se aos hoiueus
uas suas rdaçôes de sercs intelligentes e responsaveis, nâo ha— via
se nâo uni passo, desde que os philosophos tinhain aberto o
caininho para tacs conecitos. E o Digesto esta, cheio de textes
eloqueutissimos a esse respeito. Os grandes espiritos da jurisprudeueia
classica, a pléiade memoranda dos Gai os, Papi nia-nos,
Paulos, Ul pianos e Modcstinos, conseguem réalisai' o cou-' sorcio
da philosopliiagrega coin o direito patrie, realisando ao| niesmo
tempo, com a crcaoâo i\o jus nalurale, a equaçâo ad mira vol diis
duas vol lias fontes legaes : o jus civile e o ju» hotio-variant.
Uina vez effectuado esse trabalho, o Direito Komano desse
terceiro c ultime période quasi nada mais tem do commum coin o
velho direito quiritario, ininiigo dos estrangeiros e da plèbe.
Theodosio c Justiniauo acham o terreno desbravado o podem cnt&o
effectuai* suas codifieaçôes, mis qnaes os traços do philoso-pliismo
grego e cliristâo cniergein, cm relevos altos, das profun-didades
cahot i cas do antigo jus strintum. Foram-se as disfcinc-çôes entre
propriedade quiritaric e bonitaria, entre res mancipi o née mancipi,
entre latinos junianos e dediticios, entre nsucapiâol e j)rescripçâo,
entre obrigaçôes dois e honorarias, entre hoeredi-\ tas e bonorum
possessio, etc.
De tudo isto se conclue que o texto do Digesto e das lustitubas
que divido todo o Direito privado oui naturul, das gen-tes e
civil (Privalum jus tripertitum est: aoUectum etenim est ex\
natiiralibus proeeeptis, aut gentinm, uut civilibus) 6 nâo 80 uma
G JOUAT. DO DIBEITO 3 35
divisào didactica eomo tambem, e principal monte, uma synthèse (la
evo]uçâo historien do Dircito Itomano, indu que chronolo-gicamente
invertida.
Podeinos, pois, repetir aigu mas pal a v ras que esere.vemos aigu res
:
COIIIO de uma ecllula on de uni organismo simplissimo, no dizer
dos naturulistas modernos, sali cm monogaïuicamente, e por
scissiparidade, novas eellulas c novos orgauismos (loi a cl os de vida
propria ; assim do direito patricio c qniritario, do optimum j un cioium
romatiortim, do jus civile oui su ni ma, naseerain, primeiro o jus gentium,
e depois o jus naturel?, que alargaram o circulo da actividade juridica
dos romauos, e reunidos a final trausmittiram até nos o inexgotavel
thesouro da legislaçao e Ijurispnulencia latinas.
Esse thesouro esta encerrado na compilaçilo jns t i i i iaue a, ou
melhor, no Corpus Juris CU'His, que é a erystalisaçâo snpcrior de mais
de dez seculos de faiua juridica a que se entregara m os melliorcs
espiritos do povo-roi. O Digesto, as lustitutas, o Co-digo c as Novellas
sâo ontros 1 autos areos do abobnda de uma grande nave, sob a quai
resam a ntissa eterna do Dircito as gentes da civilisaçâo occidental.
Foi no Corpus Juris— arca que durante o preamar da inun-daçâo
barba rica sobrenadou gloriosa—que se conservou vivo e fecundo o
espirito juridieo que anima hoje os codigos e leis do inundo culto.
Rcsurgida no seculo Xfl eomo base da Glosa, a codiiîeàçâo de Jiistiniano
injecton nos povos modernos os sens principios cardeaes, a sua
orientaçao, c infini, as idéasc senti-montes que formaram a trama intima
das nossns aetuaes eonec-pçôes juridica». Diz mu i t o bem Ihcring :
«TSo fundo eomo na forma todas as legislaçôes modernas baseiam-se
sobre o Dircito romano : elle tornou-sc, para o muudo moderno, eomo o
christianisme, eomo a litteratura e a arto gregas o romanas, um ele-meuto
de civilisaçâo ; nosso pensamento juridieo, uosso methodo, jiossa forma
de iutuiçâo, toda nossa educaçao juridica cm uma palavra, tornou se
romana.»
E hoje, apezar de morfco eomo codigo, eomo legislaçao activa
130 fOMPENDIO DE HISTORIA
o coereitivn, o Corpiu Jnris Civilis âge c commanda, transfun-dido
na eonsciencia juridica de todos os povos. B sobre elle idi-bruçamso
demoruda c méditât ivuincnto us juristas de todos] os paizes,
relendo nas suas paginas e lias suas disposiyOes a ac-cidentada
historia de «mu desses povos cent raes nos quuos se coneentram,
como cm mu l'ôeo lmninoso, os raios disperses da liumanidade», no
dizer de Iluschke.
lîssa historia, na quai a logica rigorom e o espirito conserva-\
il or. dos romanos representaram o papel principal, é a historia de
uni povo dotndo do uinn «vontade firme e energica» que scr-vindose
dessa qnalidade superior fez triumpbantciiieute sua trnjcctoria,
lutaudo e fazeudo da luta o instrumente de son progresse e da sua
grandezn. A historia romana, c com ella a historia do direito
romano, é uni campo de batalha. nbstrahindo inesuio das gnerras
militires ou dos feitos mareincs que nella cnxameiani. Lu tas entre
os primitivos povoadores, lu tas entre patricios e plcbens, lu tas
entre a idéa uacional e o senti nient o cosmopolita, lu tas entre o
direito stricto o honorario emenda-rani-se, superpuzcrain-se e
domiuaram fcoda a vida de Iloma.
Dabi os contrastes ou as antithèses que offereec no observa-,
dor o inniido roinano. Toinemos ao profundo e sabio autor do
Espirito clo Direito Roinano uni quadro dessus antithèses :
« De mu lado a soberauia do povo c todo orgulho do espirito
de independencia individual, do outro os poderes os mais extensos
da magistrat ma, a disciplina de ferro do chefe do exer-cito lora de
Borna, e, cm caso de necessidade, a autoridado i 11 i-initada.
inesmo cm Koma, do dictador ; aqui a casa fechada com a plena
soberauia domestica, ali o censor que, scmelhnnte a uni pedagogo,
submette a sua jurisdiccîlo todos os segredos da casa ; aqui o niais
cioso araor da liberdade ; ao lado a popula-ridado de uin
fuuccioiiaiio que cm vez de lisougcar o povo exer-cia suas
funeçoes com a autoridado de uni rci. Em logar de mu sô titnlar
para cada alta fnneçâo, dois, podendo cada um| paralysai" a acçîlo
do outro ; cm opposiçâo com a magistratnra patricia a instituiçao
plebéa dos tribunos, encarnaçâo organi-sada da negnçîlo politica.
Entre o povo o inesmo dualisnio : duas especies de assembléas
populares—os couiicios por centu.
OBRAL DO DIREITO 137
rias e por tribus. Mais acima o Scnado, coin o son poder elas-tico,
coin o direito, notadaniente, de annullar as leis c as elei-çôcs,—
direito que senâo cm seu espirito, ao menos na pralica, implicava
a possibilidade de uma negaçao da vootade do povo.»
Entretauto atravez dassnas In tas eapezar dessas antithèses,
o povo romano chegou a este resultado tanibem eonstatado por
Ihering :—força, ordem, unidarfe.
É que—explica o mcsnio antor—para Roma o contraste, a
coutradieçâo, a luta, nâo erain, nos sens bellos tempos, senâo o
exercicio de sua força.
Orgnlhcnios-nos nos outres dessa força, de que fomos lierdeiros
pela raça c pela cdncaçâo jiiridica.
1
IX
Celtas e slavos ; sua antiga physionomia juridica. Os
Germanos e suas instituiçôes primltivas. (*)
§
O minuit) roiuaiiu confina va coin o niundo barba ro ; a bis-toria
romana, c portail to ado sen Direito, confina com a historia dos
germanos e a do Direito gc.rmauico.
É pois nos costumes o lois dos povos germauicos que deve-mos
agora di r igi r os uossos olhares.
Mas iiîlo é licito la/.cl-o sein consagrar algnmas palavras e
referencias, mesmo ligeiras, nos dois ontros ranios da fa initia indocuropéa,
que, coin os grogos, latinos e germanos, trouxe-rain da Asia a
seineiiteira moral em que vinhani enenbados os frtietqs da civilisa çâo
do occidente.
(*) FONTES :—César : De bello gàllico ; Dareste : Et. d'hiet. du Droit ;
Snmner Maine : Etudes sur l'hist. âe» inst. prim.it. ; Ernest Nya : Etudes
de droit, intem. et de droit polit. ; Letourneau : L'évolution jurid. dan* le*
fii». rae. humaine» ; Von Soholte : Histoire du Droit et des inst. de F Alle
magne (trad. (U Fournier) ; Ginonlhiao : Hist. générale du Droit Français ;
A. Esmein : Cours el m. d'hiet. du Droit Français ; Tacito : Moeurs des
germaine (trad. de Burnouf) ; Carie : La viln del Diritlo j Ewhbaoh : Introd.
gen. à l'blude du Droit. H
140 COMPKNPIO DE HIBTOKIA
Qucreinos referir-nos aos celtas o slavos, que, coiuo ante-riormente
deixâmosnotado, fixaram-se, osprimeiros, naextretua occidental da
Europa (Gra-Brctanha e Irlanda, Gallia e penin-sula ibericaj e os scgundos
lias partes oriental e septentrional do velho muudo.
Estes esgalhamentos do vetusto e fecundo tronco aryano nao
abrigarain, sob seus ramos, civilisaçôes originaes c pode-rosas, capa7.es
de impor-se ao glorioso imperio latino e a vigo-rosa Germauia.
Dominados inuito cedo — especialiuente os cel-tas — pela cuitura
roniana, subiuetteram-so ou retrahi rain-se ambe-s, apparecendo-nos iï'uni
periodo relut ivainente nioderno, jâ trausformados por influencias
alicnigcnas e especialiuente pelo influxo das idéas e institniçôes do
cliristianisino.
Em todo caso nao é licito dcixal-os eni esqucciinento, n'uina| epocha
em que as pesquizas linguisticas, arcbcologicas e historiens, estao a
reeonstruir povos e civilisaçôes desappareeidas, j empregando nesse
trabalho a mesiiia teuacidade e segurança com que um paleontologista
reconstruc especies aniiuaes extinctas. j
Dao-se aléra disso as circumstaucias de ter si do a attençâo dos
eruditos contemporaneos attrahida, de ciucoenta nnnos a esta parte, para o
estado e interpretaçâo dos velhos documentas relativos aos celtas e ao sen
Direito, e de terein sido os slavos; estudados hirgamente na sua
organisuçao familiar e territorial I primit-Lya,— o que veio fornecer mais
unia prova de sua filiaçào indo-européa.
Na Historia, como uo muudo material, nada se perde ; as institniçôes
iguoradas de lima raça esquecida sao, cm regra, o ndubo fecundissimo de
unia civilisayao subséquente. Tanfco é assim que uni escriptor notuvel jâ
asseverou tercm sido os celtas uni dos elementos influenciadores do
peiisamento moderno. 53e-gundo esse escriptor, ao quai se réfère o
eminente prolcssor E. Nys, Konia deu-nos as tradiçÔcs de ordeni ; o genio
germa-nico o vigor intellectual que permit tin ao homem um cxaine
aprofuudado das cotisas, e o elemeuto celtico o espirito de eu- j riosidade,
o amor da nuvidade, a prcdilceçâo pelas soluyôcs | radicaes.
Si é isto rerdade temos razao em determo-uos neste ponto.
GERAL DO DIREITO 141
Tado quanto se tenlia n dizer tins instituiçôes juridicas peculiares
aos celtas deve ser procurado na eollecç&o das antigas
leis irlandezas, que até principios do seculo XVII mantiverain-se
em vigor, lutando valentemcntc contra as invasôesdo direito
inglez. (1)
Essas leis, de unia «profunda originalidadc» no dizer de
Sumner Maine, estiveram esquecidas e frngraentadus até meia-dos
do nosso secnlo. Mas em 1852 o Governo britanico orde-nou a
collecta, copia e publicaçâo dos manuscriptos existent es,
encarregando desse importante trabnllio os sabios Curry c Donovan,
cujas pesquizas forain pustcriormcntc complctndas por
DLancoek, Mahony, Richey e Hennessy.
Graças ao esforço desses eruditos podoiuos hoje enconliar
reunidos cm uma publicaçâo notavel (Ancieni laïcs of Irelanil,
Dublin, 1865—1879; 4 vol ) os principaes documentas du velha
legislaçâo irlandeza e portanto do priiuîtivo direito celtico, £
d'entre esses docuinentos uni lia, que pela sua oxtcnsao e valor
intriuseco, pôde ser considerado uma cspccic de Dige&to da jurisprudencia
celtica. Senchus Mor é o nome irlandez desse docu-
(1) Dos onfcros paizes onde se looalisou o elemento celtico pouoo on quasi
nada se sabe a respeito das primitives instituiçôes. Os escriplos de Cczar sobre a
Gallia, as pesquizas feiiaa sobre as antigas eartas da Bretauha e sobre os
costumes da Escossia e do paiz de Galles, nenhuma base Iarga e forte offerecem
para a interprétaç£o das autiguidades desses paizes. «Desses dados, dis Dareste,
foram tiradas inducçôes engenhosas mas nada de certo nem de positivo.S> Un
ontro autor, B. Nys, eboreve a respeito o seguinte : 4 Ha vinte e très secnlos a
maior parte da Europa era dominada pelos celtas. Mas sucoessivamente estes
foram obrigados a reouar deante dos earthagi-nezes na Hespauha, deante dos
romanos no norte da Italie, deante dos ger-manos na Europa Central ; a Gallia foi
conquistada por Julio Cezar, os paizes celticos da margem esquerda do Dannbio
foram invadidos pelo Impe-rador Auguste ; as armas romanas submetteram uma
parte da Grâ-Breta-nlia. Na propria Gallia o direito celtico foi esmagado ; npenas
tioaram délie vestigios na Bretauha. Elle se manteve, porém. no paiz de Galles,
nos Ihighlands da Escossia e na lrlauda. O direito gaulez, tiugido de romano, foi
conservado nas oollecçôes do XIII seculo, attribui las a Hoel le Bon ; raras
indicaçôes ficaram sobre o direito da Escossia.»
142 COMPENDIO DE HI8TOKIA
mento e significa, ao que parece, grande colleoçâo de nnligwiA
dudes.
Esse trabnlho, enja redaeçao remonta provavcliueiite ao seculo
V, ao dar-so a inlroduceâo do Obisliauisino lia Irlanda, é
verdadeirameute uma compilaçâo de velhas regras de dircito
costuiuciro revestiudo uma forma tâo nrcliaica quantos os uses em
que se funda. Ao lado do velho texto apparocem duas glosas, de
data incerta mas em todo caso muito posterior a da redaeçao do
documento.
Eis como Dareste descreve os moldes do Senclius Mor : — «
Nada de methodico nem de systeinatico. Deeisôes particnlares soin
laço apparente, jipplicando regras que uao sao formutadns em parte
aigu ma, cinprogaudo termos que uâo defmem. Pouca ordeni,
iiculiuma idéa gérai. Portoda parte versoscujo métro fui quebrado
para délies fazer-se prusa>•
Esses defeitos de forma, porém, n&o auniillam o valor liistorico-
juridico, a alta importancia scientifica do Scnchus -I/o/-, a
cujo estndo se tem applicado espiritos como os de Curry, Sullivan,
Samuel Maine, Jubaiuville o niuitos outros. Tanto qnanto os mais
antigos codigos brabmaiiieos, coin os quacs, aliâs, tem afitnidades
estreitissimas, o livro principal das lois irlandezas 6 de inestivavel
preço para a historia, para a philulogia, para o direito, c mesmo
para a ethnologia. Por elle comprova-se a liliaçao dos cclfcas â
familia indo-euro péa, a filiaçâo dos idio-inas celbios ao sanscrito,
a filiaçâo dos velhos nsos jnridieos irlandczes as instituiçôcs da
India brahmanica. Por elle, e polos outros livros da collecçào das
Ancient Laws of Ireland (1) verifica-sc que os celtas, como os
outros povos indo-ouropeus «conlieceram e pratiearam a viugança
privada, o preço do san-gue, a tarifa d:vs offensas physicas, a
compra das mulheres, a
(1) Keferimos-nos ao Livro de Ai itt, intéressante 1 ratado de regms de direito
entremeiadas de pro verbios, representando as sentenças doufcri-naes dos dois
célèbres jurisconsultes Cornac e Cennfaeladh, e ao Crith Ga-\ blaeh, outro
pequeno livro das Ire'uml's laws, em que se eslabelecem as classes e prerogativas
dos membres da tribn iilundez», isto c, o rei, os nobles e os simples homens livres.
GERAL DO DIREITO 143
vida de tribu, a propriedadc collectiva do solo, as ordalias, a provA por
juramento o os cojuradores.»
Vf'-se daqui que o direito celtico 6 digne de toda attcuçao por parte
dos que arroteiani a gleba jnridica.
As relhas leis irlandczas nao constituer», conio bem observa
Smnmer Maine, nui verdadeiro edificio legislativo; ellas silo antes uni
Digesto de regras e sentençns fbrmnladas por uma classe de legistas
officines, ou titulados, que tinhani o nome de prenons. Dabi o chainar-se
tainbem o direito celtico — direUol brehon. (I) «Esta vasta litteratura
jnridica recenteinente exhn-mada (diz o sabio autor da Eatîy Mstory of
Institution») dû testent unbo da autoridnde dos Brebons cm todas as
materias legaes e faz presumir fortemente que elles cram os arbitres
exclusives de todos os processos. Entre os sens escriptos encontram-se
tra-jtados isolados sobre os direitos successorios e us demarcaçôes, o
quasi a cada pagina das traducçôes faz-se allnsao ao eric, ou composiçâo
peenniaria por homicidio.» (2)
Parece que a classe dos b relions da Irlanda correspond ia ao que
era, entre os celtas da Gai lia, a classe dos druidas. Suin-ner Maine,
comparando as narraçôcs de Cezar, relativas aos drui-\da8, coin os textes
do Senchus Mor e do Livro de Aicill e os escriptos referentes aos
brehons, déclara que existera entre as dnas classes analogias sérias e
mêsmo frisantes.
(1) A palavra brrhon vem de uni verbo que sig-nifica arbitra r. Os brehnnx
(In-UemJ tinhani (lias raarcados, nos quaes, sobre uma colina fllerada, diaiam
ou déclaravara o direito entre os demandistas ou partes litigantes.
politique) nada de poder législative nem de peder judiciario ; sentençns
arbitrais que podera nao ser acoeitas, mns que sâo acolhidas e respeitadas,
tal 6 a siluaçâo, Aos olhos dos brehon» legislar séria uiu exeesso de poder
o jnlgar parecia nm injustifioavel ntaque â liberdade do individuo.
(2) Convem notar entretanto que o emineiite Dr. Sullivan emittiu a
opiniiîo de que se pode dar a certas partes do systema légal irlandez o nome
de Direito statutario, porquanto havia em certas partes da Irlanda rerdadeiras
legislaluras. Suinner Maine procura conoiliar essa opiniiîo com a
sua. explicando que nos tempos primitivos nâo se conlieeia a distincçiïo
entre fnncçôes legislativas e judioiarias, sendo o legialador e o juiz, nâo
innovadores, mns siin meros declaradores do direito.
144 COMPENDIO DE HISTORIA
H
Achamos pcrfeitamento acceitavel a opiniao do mestre,
porqnanto é naturulissimo que duas familias do mcsmo grupo
cthnico —gaulezes e irlaudezes - tivesscm insfcituiçôes sen&o!
similaves ao menos équivalentes.
E façamos ponto aqui sobre o direito ecltico, do qoal jâ
dissemos bastante para que se faça mua idéa do que elle foi.
Do direito dos primitivos si a vos uao nos é preciso dizer
senâo que suas instituiçôes apresentam os mesinos caractères
fundamentaes c génies que teinos constauteniente encontrado na
base de todas as sociedades de sangue indo-curopen.
Fallaudo dos tchèques, diz E. Dareste: »0 antigo direito da
Bohemia, como o dos outros paizes sl&vos, te m sua base na com-\
munidade de familia ; os mais antigos inonutnentos do direito
tchèque mostram-nos uni estado de cousas rauito primitivo : as
guerras privadas, a vingança do sangue ja temperada pelo nso das
composiçôes, as ordalias pelo ooiubate jndiciario, o ferro cm braza
e a agua fervente. »
O estudo das populaçôes russas, polonezas, balkanieas, e em
gérai de todas as familias slavas, confirma os assert os que alii
ficam. Ch. Letonrneau passon em vevista os velhos costumes dos
servios, dos montenegrinos, dos dalmatas, dos bohe-mios, dos
russos, dos polonezes e dos lithuanianos, e em todos elles verificou
a existencia dos institntos juridicos penaes que tCm a sua raiz lias
concepçôes e creaçôes sociaes dos aryas priniitivos : a vingança, a
responsabilidade collectiva da familia ou da tribu, as ordalias, os
cojnradores, etc.
For outro lado constat on se que a propriedade collectiva da
aldeia (do clan ou da tribu) tâo conhecida no Oriente, mante-vc-se
entre os si a vos atè uma epocha relativamente récente, e isso vcio
reforçnr o pensamento da continuidade ctlmica e jn-dica entre
os.povos da Asia e da Enropa. Nao ha necessidade pois, de recorrer
ao Estatnto de Conrado Otton (jura zuppano-nim) ao raanuscripto
do Elbing, aos t rat ad os de Oleg, Igor e Sviatoslav, aos estatutos
de Mathieu e do cantâo de Vinodol, (1)
(1) O Estatnto de Conrado, tamljem ohamado jus Coweadi, oondensou
em 32 artigos a primitira legislaçâo da Bohemia e da Moravia, isto ô, o
GÉRÂT. DO DIREITO 145
para apanhar a pbysionomia do autigo diroito slavo. Ella ahi fica
photographada, uas siiiis linhas gerces c sali en tes, evidcn-ciando, alias,
o parcntesoo qnc une os slavos aos celtas c uns e outros aos gregos,
romanos e germauos.
I
Qiiando bruxoleava ji1, batida polos ventos da fatal uladc historica,
a dosluinbrante lu/, do iniperio romono do occidente, o centro da Europa
cstava occupado por uni povo independente e bravo, cnjos représentantes
imprcssionavam os romanos polo seu aspecto de ferocidadc e de força.
De cstatnra clcrada, de cabcllos ruivos e do olhos ao niesnio tempo azues
e ferozcs, eomo os dcscrevo Tacifeo (traces et cerulei occuli, rutilai
coma; magna corjyom) os Gerumnos (bornons de guerra, lieermeti) dominavam
a l'ogiiio limitada ao norte pclo mar, ao nord este polos
sarmatas, a leste polo Oder e o Wistnla, a oeste polos celtas e ao snl
pelos Alpes.
Desde quando esses barbaros, nomades c caca dores, indcpendentes
e valoroscs, que entilo acampavam ils portas do iniperio
roinano, viriam ali, coin a sua castidade e a sua bravura,| coin as suas
crenyas e as suas lois i seu tas de qnalquer inllueu-cia extranba f l'ara
rosponder a isso séria précise tcrlhcs acompanbado a aventnrosa viagem
foi ta da Asia Central aie o Caucaso e dabi ils paragens cm que se
localisaram afinal ; séria necessario fasse r a bistoria do estupendo
movimcnto emigratorio que atirou ils terras da Europa as varias familias
da stirpe aryana, apôs o desmembramento da nxçn-matei:
dirait» tchèque ; o manuscripto de Elbing, redigido no seculo XIII c cajo
original existe na bibliotheca da cidade do Elbing, 6 o mais antigo inonumento
do direito polonez ; os tratados de Oleg, Igor e Sviatoslar, em numéro
de quatre, aâo os mais vellios docnmentos do direito russo ; os estatutos de
Mathieu o Viuodol sâo as fontes mais remotas da legislnçSo dos slavos do sul. O
nome do primeiro vein do seu redactor e o do segundo dorira do oan-tfto em que
foi promulgado.
19
146 COMPENDIO DE HISTORU
Nem uin clatlo scienfcifieo possuimos para pisar com segn-iranea esse
terreno ; coiitentcnio nos pois com o facto vorificado o j estudemos os
gennanos no sou habitat do coiucço de nossa era.
Segundo o dizer dos bistoriadores esfcavain elles divididos, no
momento da invasâo do imperio romano (secnlo V) cm très ramos : o dos
ïstavons, que hahitavam as margens do Illieno até o mar, o dos Tngavons,
que ficava a leste do dos ïstavons, e o dos Henni nous. Algumas outras
popnlaçôos destacadas coin-plefcavam o ni un do germanico.
Segundo a narraçâo de T.icito (Do situ, ritu, moribunque Oermanioe)
que, no dizer de Esinein, passon durante mnito tempo por uma especie de
roman ce- philosophieo, masque a critica moderna rehabilitou dando-lho o
vâlôï de uma obra de obser- j vaçâo e do precisao, os ge.nn.ino3 era m uni
povo puro, extrême de liga com qualquer outro, que vivia da caça cm
perpetno no-madismo, tendo uni gonerodè vida simples e uni caracte r
aberto, franco, cheio de uni forte inst inoto de iudepindeneia e liberdade,
e de respeito c amor pelos antepassados e pela familia, o que nâo impedia
que fosse m amantes do ocio, das bebidas c do jogo nos interstieios das
occ.upayées venatorias e gnerreiras.
Do todas essas notaçôes do caraeter germanico a mais im-J portante e
que niais intéressa ao nosso estudo 6 a do senti mento de liberdade e de
indepondeneia pessoal, que animava os bar-barosdo norte.
Nio é esta a primeira oecasiâo que te m os de saliontar tal car acte
ristica do teiuperaincnto germanico. Desde Alirens, Laurent e Guisot até
G. Carie e Savorio de Oillis, todos os an tores afiirmam que os gennanos
trouxeram aô inundo moderno a nota vibrante do senti meuto energico de
independencia o de an ton o-inia pessoal, da conseiencia da força c do
valor do individuo. E essa feieâo psychologica reftectiu-se no respective
Direito, diffe-venciando-o profundaraente, sobretndo na parte processual,
da intniçao jnridico-romaua. (I) Nocapitnlo seguinto faremos detidanientc
a demoustraçiio destc nosso asserto.
(1) Vid. : Fragmentas .hu-idico~philosophicos o Bùtoria do Dirait t National,
do antor.
GEHAL DO DIKEITO 147
Naepocha do Tacite a roça gcrinanica, sem cohes&o o uuida-de,
estava divididn ein iiiiinemsos grnpos imlependentcs tendo a mcsmn
lingua, os mes in os nsoso a niesina rcligiâo, nuis sem laço politioo que
os lïgasso, que os intégrasse cm mn corpo nacional organisado, ou cm
uni Estado. Sua religiao era uni polytheismo grosse iro, sahiilo a peu as
da iiltimn phase fetichista, em quo os denses cram reprcsentnçôes das
forças da nnîureza o enjos tem-plus erani os bosques sagrados. COIIIO
entre todos os povos na in-fauria os nsns e p rations religiosas
misturavam-so nos costumes le regras juridicas, as qnaés, cou forme
observa Von Schulte, tinliam sempre o son fundaincnto uas necessidades
dos individu os.
Cad a uni dos varies gnipos ou popnlaçôes independentes jcm que
se dividiani os germanos constituiu mu pequeno Estado a que Tacito da o
nome (locit-itas. Tu do leva a crerque as civitutes genuanieas era m,
como as primitivas cidades gregas c italiens, agloineraçôes de familins,
que eousorvanrto embora suaindivi-dualidade projiriu, viviani sol) mn
governo communal, de forma deuiocrnticn. Àpenas lia a notar, nesto assit
in pto, que o elemento jurbano-faltnva inteirainento d eivitas dos
germanos. Tacito diss exprossamente : titillas gernutiioram populis urbes
habitari satin \notitm eut.
A forma polit ica ùiiseivituteaeva cm gérai republicaua. Cad a
\civitct8 sesnbdividia em circuinseripcôes inferiores Ghamudaspagi pelo
historiador romano, as quaes t i nl i am suas antoridades sin-gularos c
loeaos. (1) Mas a soberania, o poder supremo, residia em nina assemblés!
composta de todos os homens livres em edade de tra/.er armas. îfenliuni
germano (escrêve Tacito) usa armas de guerra sem que a eivitas o tenba
iuvestido dessa eapacidade. Na fpocha dévida nui dosebefes, ou o pae do
maucebo, ou uni de sens parentes, n arma em pi en a assemblés!, com a
lança e com o escudo. É essa a toga viril dos germanos ; sao essas as suas
primeiras lionras : auteriornicnte elle era membro da familia;
(1) Spgtindo lodus as probubilidudeg o jiagus foi no comrça um agrupamento
de 100 chef es de familia.
148 O'OMPENDIO DE HISTOKIA
sô entilo passa a soi" menibvo do Estado.» O nome geriuanico
Idessa. investidura 6 stcertleite, e de tal importancia cra ella que
alguns autores attribuemlbc a naturcza e os effeitos de um acto de
emancipaçao.
A assembléa do povo (concilium ua liuguagcm de Tacito, e
wwttum. thing e allting ua dos autores germanicos) deliberava sobre
todos os grandes uegocios da coinmunbào c especini-mente sobre a
guerra e a paz ; os casos de menor importancia | evam decididos
pelos cbefes dos pugi (principe») eleitos pelo concilium. Este
reuuia-so ordiuariamente em dias marcados, nas conjuncyôes da lua.
Bis como Tacito descrevo as forma-lidades das sessôcs das
assembléas germanicas : I «Q.uando a reuniao se apresentava
bastante numerosa, (o- . mavam todos assento, completaineute
armados. Os sacerdotes ou cbefes religiosos ordenavam silencio.
Em seguidao rei (l) ou chofo mais distincto pela edade, pela nobreza,
pelos feitos j ou pela eloqueucia, tomava a palavra e fazia-se escutar
pelo ascendente da persuasâo mais do que pela autoridade do commando*
Si o al vitre desagradava era repellido put murmurios, no
caso contrario era approvado pela agitaçao das lanças. Este j
suffragio das armas era o signal mais bonroso do asseutimento a
medida proposta.»
Disscinos que a assembléa dos boiuens livres occupava-se dos
altos uegocios da commuubao, deixando os menores ao cui-dado
dos cbefes locaes. Précisâmes accresecuta;- que élla nao
H (1) Nao pareça extranho odito de Tacito om confronte corn a nossa affirmaeâo.
feita algnmas liuhas aciraa, de que a forma politioa das soc.ie-dades gormauicas
era, em gérai, a republicana. Primitivamonta esta forma de governo era, oom toda
probabilidude, a universalmente estabulccida. No tempo de Tacito, porcin, uma
modifioaçâo so havia operado. entre grande îiumcro de bordas, no sentido
monarchico. Além de um chefo militai' ou dux, que era eleito em tempo do guerra,
os germanos liariara iustifcuido a realeza, sera destrnir nem modificar
profundamente a antiga constitniçao republicana. Os rei» desse periodo, eleitos
vitaliciamente e tirades da classe dos nobres, tiuham, ao que pavece, poderes
mnito restrictos e privilpgios muito insignilicautes, nâo possuiudo nem a
soberania do concilium nem a autoridade do dux em tempo de guerra.
GERAT. DO DIltEITO 149
cm sô nnia corpnruçao politica c legislativa, sim tainbeiu uni tribunal
judiciario que dccidia os casos crimiunes mais importantes ou de
àcaùsâçôes cap i tacs, e pelante o <|iial se effectua-vain eertos actos
soleinnes, tacs eonio a manumissao, o casa-mento, a Iruusmissiio dos
bons, etc.
Oschefes IOC.KIS a que temos alludido—chofes dos eantôcs
du dos pttgi — erain os principe*, elcitos vitaliciamcntc d'entre
os noînes, coinn os rein. As nlfribuicGcs délies consistant cm
commandai- o contingente, militai' do payas c cm adniinistrar
jnsliea nas causas ordinarias. Principe» rcgionnm (tique pngorut»
\int
por ceni companheiro* ou liomens livres, que constituiam
oui tempo de guerra seu corpo de exercito e em tempo de paz
flua guarda de honra. Essas centurion, que sao uma dits mais
euriosas institniyôes gerinanicas (sein serent alias piivativas dos
gerinanos) o que reeeberani de Tacifco a deuoiuiuucao de comiia-
\tus, erani tin ni especie de clieutela militai', que licou ua l i t t cr utura
juridica «la Franya eom o uonie «le compnyuontuiyc o na du
Alleiuanha coin o tic t/efolysehafl.
Falilinos ha ponco cm houiens livres, o que da a eiitcudar quo entre os
gerinanos existi icscravutur.i. Assim era effeeti va meute. A eioitus
compunlm-so de i-nflividiios livres e de eseravos, sub-dividindo-se os
livres em simplesmenlt Itères ou ingenuos e nobres.\ Era boineiu livre
todo aqnelle eujos paes erani livres por occa-siao do seu nascimonto.
O.signal caracteristico da liberdiule para o germano estava, dix. Von
Sehulte, no facto do nao ter elle outro senlior alem da cioiUts, sendo, nos
limites da Ici, inde-pendente de qualquer outro poder c tendo o pleuo
dereito de| niundar na sua f'aïuilia e na sua terra. Os liomens l ivres faziain-
se distiuguir exterionnciite dos uao livres pelo uso de vestes
espeeiacs e de uma longa enbellcira ; sô elles tinliam ca-paeidade paraser
proprietarios? para carregar armas, para fazer parte das assembléas
pnpiiktrcs c para usar do fcalïâo contra os oHensores dos sens parentes.
Os nobres oram liomens livres ans quaes osgermaiios attribu iam
qualidades mais elevadas que as do commuai, por sua
1;>0 OOMPENDIO DE HISTORIA
ascendcneia on por sua situaçào pessoal. Os autorcs uilo cbo-garant
ainda a accordo sobra a érigent provavel
cioitas os sous rois, os sens principes, e talvcz os | respecti vos
comités.
Os escravos erani os iudividuos submcttidos sein restriceio
ao poder (mundhtm, mnndeburdium, band, que cquiv-.iliaui a ]»>•
tentas romana) de uni liomein livre. O-s lactorcs «la eseràvidao
erain a descendencia de pues escravos, a Captura feita ua gaerra
c a passageni voluntaria ao ëslado de eseravo. A esta ulliina ]
espeeie du eseravidsio referiu-se Taeitoquando disse : rictus vo--
litnlurùnii sevvilutem adit. '
Os escravos eram incapazos de possuir, probibidos de. eoit-traltir
casumenlo e niio gozavain de protocyao publica. Pareco ] que elles
eram classiticados cm dois grupos : o dos escravos objecta de
commercio, entre os qnaes c provavel que estivesseiu os devedores
insolvnvcis, o o dos escravos at/ricolas, que eram tinta espeeie de
colonos, eultivadores das terras do sctilior.
( 'onu) meio termo entre hoincns livres e escravos coulicciain
os germanos duas outras classes do iudividuos : a dos li
bertés e a dos (Mes (lazzen, liti ou leti c mais tarde uldicn, aldionen).
Os libertés ou munumiltidos licavam soi) o inuiidiam du
senbor ou passavaiu ao do rci ; nao gozavain do pleno direito
de propriedade ncm podiam exercer direito aigu m politico. Os
lazzen ou liti eram provavel mente prisioneiros de guerra reduzidos
a uni» espeeie de servid&o ejn proveito da ci citas conquistadora.
Conto os libertés, os liti uâo gozavain de direitos politicos
e cultivavam certes campes sob o gravante de numerosos
tributos. H
A' seinelbança do que vîntes dar-sc entre os déniais povos na
iufancii du civilisacao, cncoutrauios o direito privado dos velbos
gerinanos inlimamcnte ligado ao se.u direito publico e politico. O
laço que estreitava esses dois aspeetus da vida eut communi era a
familia, eu jus direitos eram hiseparaveis dos da contiuuuliâo. A
familia, alias, c unia das instituiçôcs earaete-risticas da
constituic&o gerniaitiea, no dizer de Giitoulhiac. A base da
sociedade fantiliar cra o casamento uiouogauiico, para o
I jjM
GEEAL_SQ DIBETTO 151
I
quai o horaom, do raesnio modo que si mullicr, dévia entrai-puro o silo.
O casamento effectua vase pela eompra da mullicr a seu muntporo, ist.o
é, a pcssô.i que a t i n l i i sol) seu poder ou mundiuin, o prceedia'm-n'o
espousaes, on convciiçôes sobre o prc<;o da eompra e sobre o dote, os
quacs craiu auiiuneiados ua assembloa da tribu, ou mallum.
Si beiu que pelo casamento por eompra a mullier eahiase ^ob o
muiidiiiiii do marido, iieni por isso a sua cnudicao na familia era a de
orna escrava ou de um ser inferior ; os germa-nos tinham o eulto da
mullicr e se m usurpai' a autoridade do home m olla occnpava, na
familia, como esposa, mua posieao elevada e cheia de prestigio. Por isso
mesmo era que ao homcni e nâo â mu l l i c r cabia a constituicao do dote,
por oceasiiio do casamento : Dot cm non uxor marito, sed uxori marilus
offert.
Em todo easo ua soeiedade conjugal o marido era o ehefe,' como o
era na soeiedade familial' : si a esposa l'ai ta va aos sens dovercs elle
tinlia o direito de punil-a. Egnal autoridade excréta o chefe de familia
sobre todos os membros délia, a partir dos iilhos e a terminai' nos
eseravos. O mundium do germa no ehefe de familia exercia-se sobre sua
casa, sua terra c respect i vos moradorcs on habitantes ; uina offensa feita
a qnalquer (las pessoas submettidas ao seu poder era coiisiderada como
feita ao proprio chefu de familia. A elle é que competia tomar a
neeessaria vingança ou perseguir cm justiça o olfensor. Uma i n t ima
solidariedade entre todos os sous membros, ligados por dircitos c dévores
reciprocos, era, de resto, o caractcristico da lfa.mil ia germaniea.
lira ]>or familias que os gcrinanos se organisavam o mar-pavani
para a guerra ; era a familia que decidia sobre todos is aetos
niodificadorcs da capacidade do uni de seus membros, como a
einancipaçâo e o casamento ; era cm familia que o ac-ensado apparecia
cm juizo para se defender ; era cm nome da familia inteira que se
proinovia a pnniçao do offensor de um dos membros dessa familia ; era
ainda esta, no seu conjuncto, que recebia a roparaçîlo do ultrage ou
offensa. Dessa organisa-çao do assisteneia e garantia mutua derivavam
certes institutos (le caracter cspecial, como fossem : o direito c o dever
do vin152
COMPE.VDIO DE HI8T0RIA
gança para cada membro dit familia respcetiyani.cnte aos out-ros e coino
consequencia o direito e o (lever do roccbcr on pagar a j
composiçaopecuniaria (wergeid) polo offuudido on offensor ; ohrigaeâo
imposta a todos os ntcmbros da familia de p resta rein- j se entre si ao
ofticio de cojuradorcs; o direito de.successao para todos os parentes mesmo
contra a vontade do decnjun. Ilefedes j tmecennoresque mi cuique liberi,
et nullum tenlamentum, deixon dito Taeito. O parentesco era compntado
por linhas masculina | [(sawlint'it/r, f/rriniit/c) e féminin» (spill mage,
knnkel) e por gr&os que se contnvam do pc> •> nt(> as nuhas da mîio,
podendo-se j assim cnninerar 5, 6 on 7 gernç&es.
A propriedade immovcl individual nilo existia entre os germnnos, polo
menos coni relaçao uo solo cultivavel on de Ipastagem ; o direito «omnium
era a propviedndo eolleetivn, re- » pnrtida periodicamente para uso pi-ivado.
(Marcha ou Marke). Kis coino A. Esmein expôe o regimon entûo oui vigor :
« A <:icila.t ou talvez cadu iecntnria tomava posse de uni terrent)
proprio paru a cnltura, de (pic olla se fazia proprieta* ; ria, e
periodicamonte, por intermedio do principes cram deniar-oados os loi es o
destribuidos us fainilias que délies gosavain e _. roColhiani os fructos nié
mua nova partilhà } os pastos e nvattas j fleavnm sendo do uso e goso
eoininura. As partillias reuova-vam-sc toiloà os nu nos e faziaiu-se segnndo
regras que nos nilo eonlicccmos.»
Assove'ra o auto? citado que tal era o ceginien agrario no ' tem'po de
César e no de Taeito ; aecreseenta,, porcin, c eom ra* l'sùo, que elle nfio
exeluiaein ahsolnto' a propriedade individual ^ do sûlo, porquanto nao se
pode negar que o terreno em que assentava a casa do chefe de familia coin as
respectivas depenJ dencias, era t.ido coino propriedade deste, formando
assim um™ espeeie de ilha do propriedade individual no mar do eollcetivisiuo
gérai e dominante. (1)
(1) A respeito drste assumpto 6 util conserrar na memoria o sfigninto
treoho do Michelet (Oriij. du Droit Franc):
« O traço mais origiual do direito romano primitiro é o ager, ou campo
limitado, orientado ; o do direito allemâo é a Marcha (marie) on terra
GERAI. DO DIREITO 153
Kcforindo-se a este assumpto, que alias tom sorvido de base,
modernamente, a notaveis theorias collectivisfcas sobre a origem e
natureza da pvopviedade. esereve Ginonlhiac : «Cada an no os
magisbrados assignavam a cada familia uma porçâo de tcrrn mais ou me
nos considcravel sogniulo o numéro c a dignidadc dos sens membros, c
no an no scgninte uma nova partillia cra ici ta, passando se de uni sitio
para outro. E.vplica-se isto pelo facto de nâo serein os germa nos agri
cul tores, no tempo de César c Tacito pelo nienos, e de viverem
priucipalniente de leite c de carne dos sens robauhos, nos varios sitios
onde os levava o sen nomadismo.»
Limitant-se ao que alii fica as noticias que tumos sobre o direito
das pessôas c das cotisas entre os primitivos germanos. Como se vô sâo
apenas os traços geraes das instituiçôcs, sendo impossivel, por falta de
documentas, entrai* nos detalhes da an-tiga organisaçao juridica do
innndo barbare As narraçôes de César e de Tacito nao vâo al oui do que
aqui deixamos consi-gnado.
Digamos, porcm, alguina cousa do direito pénal germanico. Na
epoca cm que inradiram c desmembraram o iniperio roinano do
occidente, os barbaros do nortc estavam na phase de passa-gem da
viugança privada para a composicao pecuniaria. «Todos os delictos
contra parla cul ares davam ensejo a vingança privada, a guerra de
familia a familia ; mas a paz se fazia de ordina-rio inediante uma
indemnisa çsio paga pelo cnlpado c consistente em cabeças de gado—a
nioeda primitiva.» Nada de penas cor-poracs a nao scr para os grandes
crimes que intéressavam a segurança do Bstado ; os trahi dores o os
transfugas cram enfor-cados e os covardes afogados na lama ; poréni
para o homicidio,
indivisa, que perteneia A cemmuna. Nas vastas florestas da Allemnnh* a
Marcha era a elareira. A florcsta m ni tas vozes era coutada na Marcha, assim
como os ri os, régates, pastos, prados incnltos, os animaes sel valons, OB
passaros, as abelhas. A Marcha, propriedade coinmum, indivisa, 6 uma
dependencia da propriedado dividida, individnal. Nâo se tem direito il primeira
emquauto nâo se participa da segunda. Todavia sâo duas inimigas que lntam
para levar vant&gem nraa n outra. »
20
154 COMPENDIO DE HISTOKIA
os ferimentos, as injurias, o roubo e o furto, as pcnns eram pe-j
coniarias o tari fadas segnndo a gravidadc do dclieto o a digni-dade
da pessôa offendida. A composiçîio cm dinliciro ou an tes o preço
do crime chamavaso wergéld, coino ja fizemos notai-, eera exigido
ou page solidariamento pela familia do oftendido on offensor, como
tainbcin ja tivomos occasiâo de d'user. Qnando o regimen
monareliico substituai as primitivas instituicôcs de-j inoeralicas, o
wergeld dividiu-sc oiii/dià, composiçâo dévida il parte lesada, c oui
J'redum limita ou penii pecuninria pngsi 110 soberauo.
Ao tratarmos da assembléa popular dos geriuanos, na
quai vesidia o supremo poder, disseuios que perante ella eram
levados os casos jndiciarios de uatureza grave. Tauto basta
para significar que o maUwiii, ou assembléa do clan on tribu,
era o tribnnal por cxcellenria dos barbaros. A prineipio a as
sembléa. in te ira tomava conhccimcnlo das accnsaç5cs e jnlgava ;
depuis essa attribuieào passnu nos raohiinbourff*, delegados da
assembléa, que asscntavain-se cm quatro b.uicos de pedra dispostos
cm quadrado, c que sonticcavam pela maioria de 7 votos,
quando meuos. A prova ordinaria, dix Letourneau, era a testeinunhal
: maso juiz podia pedir o dopoimeato dos çojuradoresou
uraa jirova que ordinariamente era a da agita fervente.
O combate ou dnelo judiciario era tumbem lVcqnenteinente cinpregado.
.'•.'
A existencia das institniyôes que acabamos de desenhar
pallidaraente, quer as de ordem politica qner propriameute as de
ordem jnridica, nâo é attestada apenas pelos escriptos de Cezar e
Tacîto, as mais antigas foules, que possuimos, dos pri-initivos usos
e costumes da Ger mania. Os institntos barbaros que foram
descriptos pelos dois grandes historiadores podem ser
reconbecidos c examinados mis pritneiras leis redigidas entre os
varios povos germanicos aigu m tempo depois do scu
estabeleciniento mis terras romnnas do ocçidentc.
Postos em contacte immediato coin a popnlayao romana, os
GERAT, DO DIREITO 155
barbares veocedores sentiraui cm brève a necessidado de définir e fixar
pela eseripta o son antigo direito eosfcnineiro, E assim se fez pouco a
ponco, sendo compilados para cada povo on tribn pequenos codigos
locaes que receberam o nome de Leges, e que forain redigidos em uni
latim barharo, inçado de voeabulos allemaes apenas latin isados por
certas desineucias, como ve-inos, por exemplo, na palavra mmidium.
Dessas leis havemos de oeenpar-nos posteriormento qnando
tivermos de descrever o Corpun Juris Germanlci. Digamos por ont
apenas que de todas as compilaedes foi tas pelos germanos do seculo V
cm deante na Buropa continental, as unicas que podem scr consideradas
îuonumentos de pura legislaeao barbara sâo : a lex frlsonum, a lex
saxonnm e a lex thuringorum. Todas as outras soffrerain mais ou me nos
a inlluencia da legislaçao romann, iuclusive a loi salica, que é alias
fundameutalmeute ger-mnuica. (1)
Para terminai' este capitulo resta-nos sômeute fazer uma
observaçao :
De accord o corn a môr parte dos esc ript ores ([lie se fcem occnpado
do uosso assumpto nâo jnlgamos preeiso nein util o estu-do das
velhas instituiçôes do ramo scandinavo da raça germa nica. Apezar da
opiniâo de Pardessus, que para explicar certos institntos do direito
fiancez julgava nocessario remontar ao Jons-Bok e aos Gragas,
collccçdes das mais antigas leis dinain a rquezas, pensamos que non
huma influeucia exerce ram os primitives costumes scandinavos sobre a
formaçîto do direito moderno, podendo-se, quando muito, dizer que
alguns délies apresciitam pontos de contacto, natnralissimos alias, coin
os do
(1) "Bis a lista (las leges barbarorwn, que compendiaram e tixaram o direito
costumeiro das varias tribus germanicas :—Lex salica, Lex ripva-ria, Lex
franco»'uni, e^amavornm, Lex Imrgmviïonmn, ou gundobalda, Lex
alamannorum, Lex icisigolhi ntm, Lex I ujuvariorum, Leges longoburdic;e\ ou
longobar lof uni, lex frisonnm. Lex saxonuin. Lex migliorum, werino-rum it
thuringoruni. Todas estas leis podum ser consnltadas na grande collecçâo
denomiuada Monumenta Germonioe a organisnda por Stein, Porta e Waitz.
l.Vi UOMPKNDIO DE HIHTORIA
r.uuo propriaiuenta genuauieo. Déniais as varias compilaçôes
ou oollecçôes das velhas leis SUCCJIS, noruegnezas, dinainarguezas
c islandczus sâo rolativaiueutc récentes, porquc datai» dos
seculos XII c XIII, e as juterpolsiçôesque nollas tizeraiu os seus
rcdactorcs dâo-lhes uiu aspecto moderuo, para o quai muito
contribue o elemento christâo uellas introduzido. ;
É isso o que se pôde faeilinente verinear, coiupulsandu os
niagnilicos cstudos de B. Dareste sobre as alludidas legislayôcs.
X
0 Direito germanico da epocha franca. 0 «Corpus Juris
Germanici.»~"Intuiçào do Direito peculiar aos ger«
manos, revelada nos seus institutos processives. (*)
§
Nas vespéras do dcsmoronuinento do Imperio roinano do
oocideuto nui posante ranio da l'ami lia germanica es bava esbabclecido
sobre a mai'gcin esquerda do Klicno, prompto coino os
déniais heenncn a ealiir sobre a presa que se Ihe ofterecia pavidu
c palpitante. Bra o grupo ùos/i'ancos, mais tarde divididos oui
nation e ripuarios, u quai comprebeudia numerosas tribus, como
fosse m as dos chattun, sieambrox, chumâvos, etc.
Ao povo dos francos estavam reservados o destino o a glo-
(*) FONTES :—F. Von Sehulta : Hist. du Droit et des instit de l'Allemagne ;
G-inoulhiac : H'st. gêner, du I)ro t français ; Ksmcin : (Jours elevi. d'hist. du
Droit français; R. Sohni : La p>ocudmc de la lex sa-Uea s trad. de Tevenin ;
Guizot : Histoire de lu. civilisation en Europe ; Thierry : Récits des temps
mérovingiens ; Miohclet : t riyines du Droit français; Dà trav. la civil'â européa; Carie: La tita del Diritlo ; E. Littré : Les barbares et le
moyen âge : Ahrens : Enc. Juridique; Eselibach : Inlrod. gêner, à l'élude du
Dioit; Letonrneau : L'tvol. Juridique.
158 COMPENDIO DE HISTORIA
ria de dur o nome a nuia cpocha da historia, cxeroendo uma poderosa
acçae hcgcmonica entre ns popnlaçôes européas, pela constifcuiçâo de nin
grande estado gcrmaidco, absorvcnte o do-minador da quasi totalidade dos
clemnntos barbaricos. Epochm frmica, periodo franco, ssio
cxprcssôessigni (icadoras de nuia phase da evoluçfio humana em que a
cspccie ethnica dos germanos fraucos impoz-se a Enropa e a civil isnyao,
resumindo e centra-) lisando ns encrgias dos vcncedores da Borna
occidental. A (•allia ccltica jâ romanisada foi o theatro do notavel
aconteci-incnto liistorico, e a iniciativa destc facto cminentc pcrtcnceu ans
francos sulios, os quacs, cm meindos do scculo V, invadi-rcm, su bj
égarant e occnpanun a vclha terra dos vonerandos brehonn gaulexes e dos
sagvados niysterios druidicos.
Duos dynastius de reis sali os, a dos nierovingios e a dos
carlovingios, presidiram, como se sabo, à fundayao o ao desen-volvimente
do grande imperin franco. Çlovis, da priineira, o Carlos Magno, da
segunda, tsnbmettcraiu a sens sceptres a îuôr parte dos povos germauicos,
e submettidos, por seu turuo, a influencîa do Christianisme trouxeram a
antiga constatai eâo social dos barbares inodiAcaçôes politicas e joridicas
das mais no-taveis. A' historia nniversal eabe dizer como Carlos Magno,
atravez das suas "»g PAnip^nh,!!!*, ponde reunir e mauter sob son pulso
de ferre as populaces germanicas e romanas de quasij toda a Enropa, até o
punto de lu udur um novo Imperio do Oc-cidente, coin a ex pressa c
solemne sagraçfio da Egreja. A nos o que compote é dcixar consignado o
facto da hegemonia franca sobre a Enropa, do soculo V ao IX, c indagar
qnal foi a feiçâo juridica do grande imperio germanico, successor do
roraauo.
Dissemos no capitule antcri«r que logo depois da*; invasôcs, qnando
estabeleoidos em novos penses e postos em contacte coin as populaçûes
romanas ou romunisadas, os germanos sentirai» I necessidade de reduzir a
oscripto seu direito pnpnlar c enstu-meiro, até entao cotnpendiado apenas
na moumria eolleetiva de oada uma das tribus. Mostra-nios entao que
dessa necessidade nasceram as leai's barbarorum. redigidas em baixo
latiin (liiigua rndica) c destinadas a regular as relayées du direito entre
os membres das varias i>opulayôes germanicas.
___________GERAL PO DIREITO 159
Montesquieu, o imperecivel autoi* do Espirito das Leis — prolem
sine maire crealam — referindo-se as citadas leges disse que as dos
salios, ripuarios, alainanuos, b.ivaros, thuringios o frisées eram de uma
simplicidadu adiniravcl ; que as dos bor-guinhôes Ihc pareciam
jtidicios:is e que as dos lombardos inda niais.
Vf"-se que a legislaçâo b.ub.ira de que se trata merece aiguilla
cotisa mais «loque uma simples mençâo ; como, porém, as legen iiïlo
flzeram mais do que systématisai' o reduzir a regras os nsos e costumes
juridicos anteriores, que Tacito e Cczar nos revelaram e que
antcriornionte expnzemos, julgamos-nos dis-pensados de fazer um
resumo dos dispositivos de cada uma.
O que devemos assigna lar, por ser cotisa capital neste as-su nipto, 6 o
caracter de persomialûlade das leis a que nos estamos referiudo. O direito nellas
condensado uao cra um estatuto territorial iucidindo egu al mente sobre todos os
indiv id nos existantes cm uma circumscripcîio dada ; era, ao cuvez, uni estatuto
pessoal, pectiliar c adhérente a nacionalidade de cada tribu, exhihindo-sc e
actuando oiidc ciuer que fosse invocado. Si, por exemplo, um borguiuhao era
accionado perante um tribu- ^**-*»-v* nal saxào ou franco, a demanda ou
processo era ordenada e jul-gada segundo a Ici dos borguinliôcs. Si eram muitos e
de di-; versas nacionalidades os demaudistas, o tribunal julgador t i n h a que
applicar tsintas lcgislaçôes différentes qnautos os litigantes. E o que se dava coin
os barbares entre si dava-se entre estes c us populaçôes romanas ; os germanos
regiam-so em toda parte pelas leis germanicas c os romanos pela
legislaçâo romami.
Eis como Esmein explica essa situaçâo :
«Deixar ao vencido suas leis é uma necessidado que se iiupôe ao
vencedor, sempre que a conquista jnstapôe duas raças différentes pelo
gr&o e forma de civilisacâo. Era essa uma ne-cessidade tsinto mais
imperiosa para os barbaros quanto é certo que a lei romana cra muito
snperior aos costumes germanicos. Déniais os homcus do raça
gerraanioa nao conheciatn por sua tradiçao propria a Ici propriamento
dita, que sendo a ordem da autoridade suprenia concebe-sc como
podendo ser imposta ; todo o direito para elles se resumia no costume :
ora, este résulta
il
100 COMPENDIO DE HISTORIA
necessai'iamentc, para cada homem, do passado da raça a quai elle
pertence ; cada homem te m naturalmer ncstc systema, o direito de
vi ver segundo o costume dos seus autepassados. Mas pela mesma
rasao nao podiam os barbaros abaudonnr seus cos-tûmes nacionaes.
Nestas condiçoes a soluçâo que se impuuha era que os homens de
raças diversas vivessem sob sua loi on costume de origein, na
medida da compatibilidade desse regimen com a unidade dos novos
reinos. Isso era possivel quer para o direito privado, quer para o
c.riminal. O systema ao quai assim se ehegou fatal mente reeeben o
nome de m/stevia (7a personnali-ilade dus leis, que era simples na
apparencia mas que na rcalidade era complicadissimo e fort il em
difflcnldades.»
Estas difficuldades forain rcdnzidas na pratica tanto quanto
possivel por convençôes e no correr dos tempos pela formaçao dos
costumes locaes ; mas mesmo assim o principio da personna-lidado
arraigou-se tanto, que ainda no seculo IX Agobardo, bispo do
Lyîlo, declarava que «cinco homens reunidos viviam, na mor parte
dos casos, sob einco leis différentes.»
Algnns au tores prétendent que os inconveuientes da personnalidado
dus leis poderam ser quasi eliminados pelo jijgfçx&io
riMxiSjjm declaraçâo feita pelos individnos de que queriam viver
sob tal on quai direito. Isso, porem, nâo parece exacto ; a loi
applicavel a cada homem era neerssariamente, como opina Esmein,
deterniinada por seu naseimento : o filho legitimo toma-va a
nacioualidade e a lei de seu pai c o filho illegitimo as de sua mao. A
primeira pcrgnnta feita a uni réo em jnizo era a segninte, que é bem
significativa : siû> qua lege viois? E esse estado de cousas
perdnrou até o advento do regimen fondai.
Dcssa permanencia o prédominancia do principio da personalidadc
atravez de mais de cinco seculos (pois qne o fcudalismo
sô no seculo XI apparece complctamente organisado, e a monarchia
fundada polos francos salios data do meiados do seculo Y)
conclue-se facilmente que o direito da chainada epocha franca teve
como elcmento fnndamental, como baso gérai, as prescri-pçôes das
legea barbarorum, na parte relativa aos povos germa-nicos
submettidos a dominaçâo das dynastias merovingia e car-lovingia.
GERALJX) DIREITO 161 [
M:is o direifco franco propriamento dite, aquellc que foi nma
résultante fatal do moviraento politioo encabeçado polos sali os e da
constitniçâo do imperio franco cm terras da Galba, foi ojitro (pic nào o
das leget.
A proporçao que o poder renl on-impérial foi augiitentaudo de
prostigio e de força e «pie, sob a uce&o desso poder, a mn-nnrehia
franca se foi crystalisando cm nma miidade poli tien on
Estado capaz de arremedar o lypo de absolntismo
administrative do Imperio romano ; au lado, ou niclhor, acinia do direito
popular das legen surgi n poneo a ponco uni direito de imperio,
earacterisador da nova phase social.
«Era preciso (diz Von Schulte) régulai- o que dizia respeito ao
exercite. ao commercio e il segurança publica, nos négocies roligiosos, â
instriicçao, as finanças, â policin, â fiscal isaçâo [administrât! va, eiiifim.
â organisaçào da justica. Era preciso tombent régulai- as rclnçdes
publicas e privadas, eousos que podeni ser consideradas eumo fazendn
parte do direito tribal, mas que entretanto deviam estai* cm harmonia
com os priu-cipios do direito impérial.»
E évidente que todas estas i ran s fo r m aeôos, filbas das nu vas
condiçôes de vida da grande maioria dos povos germanicos, uâo podiaui
ter a sua expressao ou tradneçao légal nas com-pilaefies c redacçôes do
antigo direito eostnmeiro, consubstaii-ciado nas Leges. O direito de
imperio, a que acinia lizemos refe-rencia, vcio portante fazer a equaçao
dos velhos uses com as novas necessidades sociaes.
Esse direito impérial manifesteu-se, sob os merovingios, por
ordenauças, edictos ou décrètes, em fini por prescripçôes renés, couliecidas
entao por qualqner destes nomes : woeceplio. \prwceptum, deeretio,
décretum, constitutio, ediciam. paclum, pactio, etc. 'Tacs denomiiuiçôes
duraram até que Carlos Maguo. em 742, publicou nma ordenança, que foi
chamada Capitulai: A partir dahi todas. as leis iinporiaes tourna ni o nome
de Capitularen, I quer se destinasse m a interprétai' o complétai* o direito
popular, / quer visassem junovacôes, quer consistissem apenas em instrne-,
çoes dadas as antoridades adiuinistrativas e judiciarias. Conforme esses
différentes eseopos nasecram as capitula legibus ad-
21
08267514
162 POMPENDIO DÏ3 HIRTORIA
dita, addenda, pro legc. tenenda, as capitula pet se scribewlu, c 5
capitula inisHorum.
Fallaremos mais largamente tlentro eni pouco dus Capitula- I
ria. Digamos, porcin, desde. jsi que clins nâo constitue m si unira
fonte do dircito vigorante na monarchia lYanca. Ao lado dclins
appareccm mais tarde os chamados documcntox (la pratica, que I
sendo nma espeuic de direito nâo ewipto, muitos snbsidios for- j
necem ao csfcudo desta phase da historia juridiea.
A très grupos rednzein-sc os referidos documentes : o dus
formula? ou inslrumenla, o das charta' on diplomata o o dos polg- \
ptycha.
As formulât ernm modelos de actes jnridicos orgauisados de
antemao para servirent nos julgameutos e ein gérai nas cere-monias
judieiarins, — alguiua cousa de scmelliaiite aos formu-larios dos
nossos oscrivaes e tabcl liftes. Varias collecçôes délias ehegaram
até nos, porém a mais conhecida e importante d'entre lodas 6 a do
monge MarcnlfoJlMarculfi tnonachi formula?), pro-vavelmente
redigida entre o setimo e o~"oTtïrvo socnlo.
A donominaçao de charlas, diplomate privilégiât, etc, ô dada a
vclhos documentes ou escriptnras, cm que se encontranr reali-sados
todos os actos juridicos de que se occupavam nu formula: Aquillo
que as formulas l'a/.iain in génère as châtia* fasriam in xpecic. De
tacs documentes ha publicada uma colleeçao que se intitula :
Diplomata, charla- cpislola; aliaque documenta ad re» francican,
spectanlia.
Os polyptyca (1) cram livres de tombo ou cadastras : — registres
de propriedades e de impostes, deserevondo a condiçao
(1) Segundo sua otyinologia a palavra polyptyca signifioa nma fôlha de papel
dobrada varias vexes sobre si mestua, formando um livro on regis-j tro qnadvado.
«Ch ama v aui - se polyptycos, livros polyptycos, os registres mautidos nos
mosteiroa e conventos e qne nelles serviam de livros territoriaes on de cadastres
dos fendos e possessôes. Os polyptycos forneoem preoiosas infor-raaçôes nâo sô
sobre a divisâo e administra çâo das immensas possessôes] monacbaes daqnella
epocha, como tambem sobre o estado civil das pessoas le composiçâo da familial
(Eschbacli).
GKUAL DO DIREITO 163
das terras e de sens possuidores, coin si indicaçao dos serviços ou
trilmtos a que erain obrigados os mesmos possuidores. Sâo muito
conkoeidos na historia do Direito o Polijptyco do abbade Irmiuon, do
convento do Saint (lermain-des-Prés, e o do abbade Edelin, do convento
do Wissemburg, (l)
Apreeiando esses documentas du pratiee diz Es ni ci n : «Elles
fassent conhecer o direito realmente applicado, n'ntna epocha oui que a
lei escripta, posto que imperafciva, era mal observada ; sâo elles egual
mente que nos fazem conhecer como, apezar da Personalidade das leis, o
direito romano o os costumes germa-nicos fusionavam-se pouco a
pouco.»
Existe uni Corpus Juris Germanici como ha uni Corpus Juris
Romani T Jii pur varias vezes, em outros trabalhos nossos, res-pondcnios
convictamente pela affirmativa. Convém entretanto fazer mua
distiucçao.
I Si para a existeneia de uni Corpus Juris se quizer exigir, como no caso
da codifiençâo justinianen, a condiçâo rigorosa de unia origem officiai e
de uniii promnlgaçâo da inesma uatureza, nâo poderemos fallar em uni
Corpus Juris Germanici. Mas si, menus exigeâtes e mais seusatos,
abstrahirmos da condiçâo apontada para sô vermos em uni Corpus Juris
a floraçâo legis-lativa de mua raça ou de uni povo n'uni deterininado
periodo de sua evolnçâo, o Corpus Juris Germanici, entâo, existinl innegavel
c necessariameutc. E isso ahida mesmo que se considère como
presupposto de uni Corpo de Direito a idéa de col 1 cecio-nauiento on
compilaçao de fontes legaes ; porquauto ahi estâo, além de muitos
outros, os trabalhos de Georgisch (Corpus Juris ''Germanici antiqui,
1738) e de Wolter (Corpus Juris Germanici
(l) Sobre o polyptyco do Abbade Irmiuon lia, na obra de E. Littré, het
barbare» et le moyen âge, wn enriosissimo esludo, rheio de erudiçâo e
pliilosophia que devo ser lido por quem quizer aprofundar a materia.
1<»4 OOMPKNDIO DE HlSTORIA
untiqni, 1824) para attesta rem que o velho direilo barbarico fui
objecte de caidados de tal ordcm. (I)
Podemos, pois, seni ineorrer cm erro, fallut' de mit Corpus j
Juris Germanici, couio aliâs se falla de um Corpui Juris Gftjiô-nici,
vis-à-vis do Corpus Juris liomani.
Resta, poréni, sabei- quaes as fontes legaes que dcvein sèi1
eousideradas conio fazcudo parte desse corpo«dedireito. Alguus
autores estendem-o'as até a epocha do direito fondai, o que nào
achanios rasoavel pclos motivos que daremos depojs. Por outro
lado é précise uâo eoufundir coni as germauicas as leis romaiwbarbants,
que vigoraram por muito tempo ao lado dus lois barbants
propriameute ditas, servi udo, em virtude do priucipio de
pcrsoualidade das leis, ils necossidades juridieas das popu-laçôes
romauas domiuadas pela raça iuvasora. (2)
Quanto a nos o cireulo do direito propriaioente gerinanieo -. nâo
transpôe a fronteira historiea do seculo IX ; o sen diamctro parte
deste pouto da circuntfereueia : o direito popklar primitivo le acaba
mis Gajntularesj passando pelas li-sum. Dissemôs aiuda ha pouco
que uâo concordavamos corn os colleccionacïores que juntam foutes
da epocha feudal ao Corpus Juris Germanici- Do -. facto, as
eollecçôcs que taes autores auncxam ao systema do direito germai»ico
silo o S.tchsempiegél e o ffchwahempiegél, obras ou livres de direito
porteuceutes ao seculo XIÏl e tendo por objecto a cxposiy&if dos
principios de direito provincial e fcudal dos paizes de Saxe e ftuubiu.
Or a, qiier pela data do s'en' apparecimcnto, quer pelo espirito das
regras e doutriuas nelles exaradas, esses livros pouco te m de
commuai com auutiga Icgis-liçâo germa no-barbara.
(1) Prefririvel aos trabalhos de Georgisi-h e Walter c a eolleci/iïo dos
Monumenfa Germanise, dévida aos esforços de Stein, Pei-tz e Waita. Gosa
tambem da grande reputaçiio. apezar de anliga, a collecçào de Canciani. i*-|
itnlada Biirbororum legex autiq»m
(2) As principaos leis roronno-barbaras fora ni : o Edicto de Thcodo-\
rico (lei romana dos Osti'ogodos, promnlgada provavelmente no começo do|
seculo VI.' o Liber responearum on reeponaum rapiani : (lei romana dos
borguinhôes baseada nos endigos Gvegoriano, Hcraiogeniano. Theodosiitno,
eto e o Breviario de A ai nui (loi romana dos Wisigodos) maïubido redigir
por Alarioo II.
GEKAL DO DIKEITO 165
O Sachsenspiegel (Espelho de Saxe) foi eseripto ein latim pelo
magistrado Eike, de Bepgov, entre os an nos 1224 e 1235, e coinpôc-se
de duas partes, que na traducç&o alleinS tem os nomes de
Landrechtbueh e Lcharcehlbnch. Suas fontes prineipaes forain odireito
costuiueiro feudal ein gérai, as lcis imporiacs e os julgamentos dos
tribunaes tainbem imperiaes.
O Schwabeimpiegel (Eupelho de Saxe), de autor dcsconhccido, e da
inesma natureza juridica do primeiro, parece ter tido por uni oxpor os
principios de uni direito coinmiim, fora da inflnen-cia
partes, trataudo do direito provincial e do direilo feudal, e teve coino
fontes, aléui do Nachttempiegel, os direitos roinnno e canon ico, as leis
imperiaes a té Rodolplio I, o direito municipal, a Biblia e os livros de
prcgay&o.
Basta isso para que se nos de razâo nao contemplando esses
dois coHluvielvoH (lieclitabucher) no quadro do direito germanico
propriauieute dito.
|
Isto posto, affirma m os convictos que o Corpus Jurin liertnanici,
existente apezur da aiisencia de uma codineayao e pro—
mulgucao officines, comprelicnde exclusivameute as Legen bar-\
barontm e o direito impérial da mouarcliia franca resumido uns |
('npiliihiri.il regain fraiworum.
I Fasseinos agora a dar uma rapida notiuia sobre cada uni dos eleuiciitos
componentes desse corpo do direito barbarico.
Ora os principios do direito impérial nao erain ne m podium ser os
mesmos dus legen barbaroi'iim. A' forma democratica on republicana
do tempo de Tacito tondo suceedido o regimen da realeza pela
trnusformaçâ-o dos autigos duces ou chefes militares cm soberanos
bereditarios, os direitos publico e privado da nova monarebia tiveram de
soffrer largas e profil ndas modi-ficaçôes.
Vcjamos c coiistatcnios, em trayos largos, aigu mas dessas
modiiicaçôcs.
H A assembléa dos homens livres, que era, entre os germanos, 110
direito popular primitivo, a autoridade soberana, foi na epoclia franca
sabordinada, senâo iutei rameute substituidu, pelos moiiarclias, quer
quanto as fuucyôes législatives que*
%
160 OOMPENPIO DE HISTOBIA
quanto As jndiciarias. O ant-igo concilium nao apparece mais, de
Clovis por deantc, scnao conio reuniôes ou rcvistas do cara-cter
militai' ou como assembléas consultivas, couvocadas durante a
primavern, para o fini do opinai- sobre a coordenaçao admi-j
nistrativa do Estado. Estas ultimas chàmaram-se placita, e ool
tempo de Cirlos Magno chcgaram aser couvocadas regiilarmento,
duas vezes por au no ; sempre, porém, em caracter consultivo. |
Tutîo o que t in h a natureza e forma de regra ou disposiçâo logislativa
era acto individnal e oxclusivo do mouai-eha, que aie ni do
imperinm militai' possuia o direito do bannit*, isto é, o diroi toi de
expedir onleus permanentes c obrigatorias, sob a saiicçâ-oJ pénal de
uma multa do GO solùlos.
Quanto a funcçôes judieiarias tambeiu o concilium viu-se
muito cedo despojado délias. O rei ou imperador franco administra
va por si ou por sens delcgados a jiutiça, tendo o seu tri -bunal in
palatio ou em qualqner ponto onde so lichasse. B sua judicatura nâo
era sô de nltima instaneia ou de appellaçâo ; sua competencia era
illimitada o indeterminada, segundo seu pro-prio arbîtrio. Os
delegados da justiça real urani os courtes-1 (comités), autoridades
ao niosmo tempo administrât!vas e judieiarias, que governavam
as'provincias ou payait. Directaniente ou por intormedio dos sens
centenarios (magistrados inferiores encarregados do substituil-os)
os coudes presidiara uni simulacre do velho malluni (que jA enfêto
era composto de individuos denominados rachimbuvgii, honni
hominea, etc.) e seuteuciavam de accordo com elles. Mais tarde,
sob o gnverno do Carlos Magno, os rachimbtirgii) rep rese n tau tes
dii-ectos do povo, forain substituidos pelos scabini, de nomeaçào do
imperador, c os coudes mais directaniente infini ra m na decisâo das
causas ou processus.
Para nao limitarmos ao que acabamos de di/,cr as modificaçôes
de di reito pnblioo surgidas no periodo franco, diremos
quaes as differenças capitaes entre o velho e o novo di reito
cri minai. I
Vimos que no primitive direito costuineiro a vïngauça pri-\
ada e, como succedaueo, acomposicao pceiiuiaria, era o regi-men
adoptado em materia pénal. Vimos tambem que cm virSERAI,
DO DIRËÎTO 167
tude da solidariedade absoluta, activa c passiva, entre os mem-bi'08 de
uma mes m a f.uuilia, esta pagava a composiçâo pelo criminoso ou
percebia a indcmnisacâo em logar délie. Na legis-laçâ-o da moiiarchia
l'ranea jâ nao é assi m : a lei o.briga a vieti-11 la do delicto e sens
parentes a nbritvm mao do direito do vingança pessoal e adstringe-os a
acceibaçâo da pena pocuniaria ou wergeld ; por outro lado limita o de ver
juridico do paga-meuto da indcmnisacâo ou composiçâo ao proprio
criminoso, abolindo a respousabilidade collectiva da familia. Além disso
o novo direito differftitciou-se tanibsm do antigo no ponto de vista
processual, tomando a intuiçâo romaua a pratica do procedi-mento
judieial ex o/ficio, para certos c.isos em que as penas poenniarias cediam
o passa as alïlictivas, Conscqueutemente a legislaçâo criminal niodifieouse
no fundo e na forma, e m boni cm solcmnidades seenndarias. conr> a
theoria dus provas, snb-subsistissem as praticas an te ri ores dos
eojuradores, das orda-lias, etc. (I)
Si depois disso, abstraitind o inesin > dos direitos pessoaes, que '
passaram por modi ftoagôes potico nota vois, oncaramos o
(\) Militas vezas, no correr clesta trabalho, temos f.illaclo em provas por
juramento, em jvizos de Dent, em crdalias, eto—praticas processuaes que
se encontram no aurorear da vida juridioa de qua« todos os povos indocuropeus.
Taes praticas vigoraram Iargamente ainda na Edade média e
talvez seja nma emanaçSo délias o juramento d'nlma, do velho direito portuguez,
passado para o nosso pvocesso civil. Aproveitamos agora n opportunidade
para dizer que o juramento purgalorio, seonndado pelo depoimento
des cojwador-e era o meio de prova mais gérai na processualistica primitivit.
Esse juramento cabia alias ao réo e nSo ao autor. Como substitutives
do juramento intervint;!m, no direito antigo, os juizos de Deus, que
se dividiam em ordilias (de ordeal, urtheil—julgamento) e dutllos judiciariof.
As crdalias eram provas unilateraes, produzidas pelo réo, e podiam
ser realisadas pelo ferro candente, pela agna fervente e pela agoa fria ; o
dnello cra uma prova bilatéral (pug/ta duoruw.) em que tomavam parte autor
9 réo. Na primeira hypothèse a prova ou innocencia do réo estava em saint-
incolume do supplicio ; na seganda a justiça que assistia ao autor ou
ao réo era um resultado do combate. O vencedor era o innocente ; com elle
estava o direito.
168 OOlfPENDtO DE HI8TOKIA
direito privado da epoolia franca ; verificamos que o respe-ctivo
régi mon de propriodade soôren uma alterayao fnndnraen-tal, que
nâo pôde dcixar de ser assignalada.
O typo gci-nïanieo da propriedade territorial em principio era o
do collectivisme, conio tivemos occasiîio de inostrar, N<> periodo
franco, poréin, foi o typo contrario, o typo individualisa do direito
roinauo, que prevaleccu, deixando de ser exec-pçào para tomar-se
regra. Apezar das reminiscencias on revi-vescencias do primitivo
regiraen, de que se encontram amostras | em algnmas das leis vigontes
sob a monarchia franca, a propriedade iininovcl individaal
predominou por toda a partecomo I um direito privative e absoluto,
acompanhado dos sens corol-larios natoraes.
Lex salica. — Esta Ici é considerada o mais antigo e uni dos
mais pnros mouamontos do direito germanico popnlar. 80-gnndo os
proprios dizeres dos sens primitives prologos ella foi feitaper très
mallos (em très reuniôes da Asscnibléa popular) por qnatro pessôas
para isso escolhidas, provavelmente sob o rcina-do de Clodion. Era
a lei gérai dos francos c especialinente dos francos salios. Sua
prime ira redaeçao recebcu o titulo de Foetus legis salue, tendo sob
o rein ado de Clovis, soffrido uma revisâo, dépois da qnal to'mon o
nome de Capitula pacto legis salica, ad-âita, extravagantUi. Sob a
dynastia carlovingia, reinando Carlos Magno, foi a lex salica
novamente revista, surgindo entâo como Lex salica emendata ou à
Carlos Magno emendata, e contendo G5 titulos.
A lei salica é quasi cxclnsivamente conhecida hoje pela intorpretaçâo
a qne deu logar uo seculo XIV, qnando se qniz em
Franca exclnir as mulheres da successâo ao throuo. Os-jnristas e
exegétas recorreram entâo ao seu tit. LIX, refereutc as suc-cessôes
{de alodis), no quai esta inscripta a célèbre regra qne exclue as
mulheres da herança territorial, dada a existencia de , herdeiros
varôcs. Essa circumstancia, porém, 6 de mero valor historico. O
méreeimento e a importancia da lex salica estâo em que ella é, como
jâ observâmos, profundamente germanica, tendo ficado estranha a
qualqner influencia do direito romano. O objecte principal délia foi
estabelecer a tarifa das compo-
__________ OERAL DO DtHEITO _________________ 169
siçôes pecuniarias pelas offensas feifcas, seguudo o costume
primitive ;—tanto assim qne dos seus 65 tifculos somente 6 on 7
se réfère m ao direito privado, As relaçfies de failli lia, de propriedado,
etc. (l) I
Lex Hpuaria seu Ripuariorum. — Foi a lei pnrticnl.ir on
an tes, o di rei to nacional, dos francos ripnarios. Di'z um anfcor
que ella é a irma mais moça da Ici salica. Eealmente snâs relaçôes
e sciiielhançns coin aquclla sao extraordinarias ; ha somente
a notar, como pontos de differenciaçao, qne ella foi innito mais
influenciaila d<> que a primeira pelo Direito romano, qne suas
disposiçôes accusant o desenvolviincnto do poder real, qne seu
eslylo (>, cm gérai, mais puro, c que ha nella mnito nienos symbolismo.
I
A lei ripiiiiria compôe-sc de S9 titnlos, segnndo algumns odieôcs, c
de 91, segnndo outras. Ha todas as probabilidades de que fosse redigida
o promulgada, em seu conjnncto, pela antoridade de mu rci franco, que, a
acreditar-se no seu prologo, nada authentico, séria Theodorico I. Carlos
Maguo fez a
(1) Ha, intercaladas no ter tu da lei salica, palavras nâo latinas precedidas
do vocabulo mal ou milb. A essas ititercalaçôes e notaçôes dâo os escriptores
o nome de glosas malbergica». Uni professor tedesco sustentou que feies
palavras tèm origem celtica ; depois de Jacob Grimai, porem, licou veri-ficado
que as referidas palavras sâo termes germanicos e propriameute francos, que
remontant talvez ao seeulo Y. G-inoulliiac explioa deste modo, e perfeitamente
pareca-nos. o origem e a naturoza das glosas malbergieas :
<&Si se admit te nma redacçâo oral primitiva da lei salica, a unica pos-sivel
em lingua franca na epocha îndicada pelos prologos, tudo explioa-se e ooDcill'ase
nas indicaçoas que possuimos relativamente â redacçâo da lei. A esta
redacçâo primitiva pertenceriam como restos as glosas malbergieas, que por
occasiâo da redacçâo latina deveram ser oonservadas como termos sacramentaes
intraduziveis, e o qne o prova é que essas glosas, as palavras que us
comprehendem, revelam um estado de cousas anterior ao que é indi-cado pelo
texto latino ; o termo Malb que as précède explica-se perfeitamente porque ellas
pertencem â autiga redacçâo feita per très mallos, como dizem os prologos, on in
mallobergis ; emfira assim se explicam as palavras hoc est, indicadoras de que a
disposiçâo latina é a tradnocâo da disposiçâo franca.^
1T0 ______ COMPEtfDIO DE filSÏORIA
essa Ici addieçoes que tomaram o nome de Capitula quoe in lege
ripuamorum miltenda sunt.
Lexfraaeorum chamaoonim. — A. tribu franca que habitnva
0 districto dos ehamàvos, a leste do Rheuo, teve a sua lei escri- |
pta na compilaçâo assim iutitnlada, a quai remonta aos começos
do seculo IX Apezar de ter a sua base ua lei salica, a lexfrancornm
chanta vortun separa-sc dclla cm muitos poutos, consiguando
os usos ospeciaes, ja modificados, da populaçâo gormanica
do districto dos ehamàvos. Eutretanto nada de snperior
ou notavel offerece essa compilaçâo.
1 Li'X alamannorum tint sueooruui ; lex alamaiiniea.—.
redacçâo da lex alamnnnica parcce ter tido logar no seculo VI
sob o nome de Paetus Atamaniwnini, seguindo-selhe diversas
redacçôes e revisôcs nos seculos VII e VIII, sob Olothario II,
Dagoberto I e Carlos Magno. Seguudo uni preambulo da Ici
salica teria sido o rei Theodorico quem ordenou a fixaçâo pela
escri pta dos costumes alamannos ; mas o proprio prologo da lex
alamannorum da a entonder que foi Olothario II quem mandou
effectuai1 a sua redacçâo. A pnrticularidade des! a lei consiste
cm ura pronunciado caracter religioso, senau theocratioo, e
n'uma tarifa de composiçôes poi offensas physieas, que se torua
notavel pelas minndencias anatoinicas cm que se baseia.
Lex burgundionum. — A lei germanica dos burguinhôes 6
attribuida ao rei Gondcbaldo (474—516) da quai tirou o nome de
lex Oundobada e mais tarde l1r> *fif ^,tin,"lf,f^j''ln quai é mais
conhecida. E aqui recordamos que é preciso nâo confuudil-a coin a
lei romana dos burguinhôes (Iiesponsa Papiani) que tam-bera foi
redigida no tempo de Gondebaldo para servir aos ro-manos que
viviam na Burgonha. A lex burgundionum é uma compilaçâo de
constituiçôes ou edictos rcacs c nâo uma redacçâo de costumes.
Ella ressente-sc de uma forte inflnencia do direito romauo, sem
deixar de ter uma physionomia vlsivel mente germanica. Scu
escopo snperior foi a fixaçâo das lesCes de direito privado,
passiveis de penas. Os direitos de familia, de pro-priedade e os
successorios, forain tambem objecto de uumerosas e importantes
regras suas.
Lex Wisiffothorum. — Esta lei, sobre cuju data nâo estâo de
GERAI", DO DIREITO 171
aeoordo os eseriptores. é posai vel que tenlia si do mandada re-digir pelo
rci Enrico e revista polo roi Leovigildo. Eut retanto a opiniâo niais
corrente.è que foi Recarred, o primeiro roi ea-tliolico dos wisigodos,
quem a ma»don esorever o quein a pro-îmilgou. Do mesmo modo que
a Lex burguiidionum ella é umaj
- collecçao de constitiiiçôes reaes e diffère da lei romann dos wisi-godos
(Breviarium Alariei ou Aniani) eomo a loi gombetta da RcHpowmm
Pupiani. A redaeçao de Reearred nao ficon defini-tiv«i, de modo que o
texto que lioje pos.su ii nos da lei dos wisi-go dos é uni resultado dus
revisôes e modificaçôes que ella soffreu sob os reinados du Cliindaswind
o RcccsAvind, sendo mesino pro-vavel que os successores deste ultimo
inonarcha tivessem-n'a retocado. ïal quai a te ni os lioje, a lex
wixigolhorum é um codigo de typo egual ao dos roui a nos. dividido em
12 livres, subdivi-didos em titulos e ca pi (ni os. Esta circumstaiicia
prova que ella foi mais iuflueneiada pelo espirito c direito ronianos do
que qualquer das outras lois hachuras; entretanto um autor modem o
ehamou iiltimamonte a altenyao dos erudifcos sobre a semelhanea
existente entre certas passagens délia e outras das leges salioa c
burgnudionum, attrihuiudo tal semelhança a mua filiacao das du as (dos
burgundios e wisi go dos) a dos francos salios.
Lex bajuvarioritin. — Os costumes dos bavaros foraui, se-gundo
todas as probabilidades, maudados redigir por Theodo-rico, no'mesmo
tempo que foi ordenada a ïixaçâo da lex alu-manniea. Sô mais tarde,
porém, exactanic-nte como se deu com esta lei, love logar a compilnçao
do que agora nos occnpamos, por iutermedio de mua commissao
nomeada pelo rei Dagoberto. Tbeodorico II, Tassilon II e Carlos Magno
fizeram successiva-mente alterayôes nessa lei, que é um mixto de direito
gernia-nico, romano c canonico.
Lex longobardorum. —Foi em meiados do seculo VII que
*""». rei Itotbaris fez esorever o direito oostumeiro dos lombardes, soh o
t i tulo de L'dictum Rolharit.' A este primeiro trabalbo vieram juntar-se
depois as Capitula in brève Slalula dos reis poste i-iores como
Grimoaid, Luitprand, Ratchis e outros, e por fini os Décréta Spuria de
Didier. O Edicto dos lombardos, acceu172
COMPEKDIO DE H1KTOKU
tuadaniente germauico, révéla uni certo parcnteseo coin os dirai tos saxâo e
thuringio, uao deixando transparecer senao uns j fracos laivoa de
roujauismo. Isto serve para disl-ingnil-o da chnmatla lex lomhanla,
compilaçâo systematica feita para a Loin-bardia no sec.ulo XII pot* uni
juristu descouhecidn, a quai tem uni earacter eiiiiucnteineute romane.
Lm /Wfc*o»ttJH. — Odiruito da Frisa paroeo ter sido eom- | pilado
durante o aeculo VIII, aob os reinados de Carlos Martel ou de seu filho
Pepino e de Carlos Magno, c contfiu 22 titulns divididos cm capitules.
Ao Lexto foi depois uunnxada a Addiclio «apieutinm, colleeyâo tle
regras dadas aos juiies frisoes e provavelmeute votada pelo reiachsttig do
Aix-la-Chapelle, eu» I 802. Xa primcii-a parte da loi, que se réfère a Frisa
média, a face sali en te é o turifamenlo das composiyoes, on o «onjuncto do
rcgnis para estipulae&o do teergetd ; na sua seguiida parte a j Itx friitonum
contem principaliucuto disposiyoes rclativas ao 6a H uns real.
Lex MixoHHui. —» £ mua lei franeaiuente germanion, feita segundo
os costumes de Saxe o 0 direito do Imperio. Foi pro-veluiente publicada,
aob Carlos Magno, em 802 e conté m 19 ti-tulos nos quaes sa c.statue
sobre dii-eito crimiual, sobre snecessâo e sobre o régi mon de beus no
ensamento. (1)
Lex (tiii/lioinm et werinoruiii) hoc eut Thurinffonim.— Esta lei, que
todos os antores déclarant obsenra o diflteil, formou se de elemeutos
diverses durante os scculos V e VII e esteve cm vigor no Holstein, na
Dinnmarca e na Inglaterra. Coinpoe—se da 17 pequeuos titulos, que
provavcliuentc sô forain coordena-uados oui 1812.
' Gapilularia. — As capitulâtes (legnm appendices et suppedi-
(I) Nâo se dove ooufundir a /
a partir de 561 e a terminai- em 1087. Suas disposiyoes siofnn-dauiofitulmente
germanicas e o respeclàvo texto foi escripto em lingua do paix e nSo em latim
comou outras lege» barbarorum. Por este niotivo tal-vez os autoves em géra! nfio
as iuoluem na enumeniçâo dus fontes do Corpus Juris Gcrnutnici.
GERAI. DO DIREITO 173
lamenta, caque in Sjnodis saitcita, no dizor do Dncange) cram, como jâ
dissemos, ordcnanoas, edictos ou décrètes, expedidos polos monarclins
francos para servir as necessidades da justiea real, serviudo fcainbem as
conveiiieiiotas da uni fi cacao do ïmpe-rio. Dahi o e iraoteristieo que as
différencia fuudainente das leacs : ao passo que estas cram particu lares
ou locaes, nquellns éc.i'in lois geraos, applicaveis a tôdos os subditos da
monarchia. Eiitretauto como portnneia ao arbitrio dos nronarchas logislar
qiier para o piiz inteiru qncr para mua localidade cm espocial, !jA
confirumndo, ,ja inodiucando o respective direito costumeiro, dcii-sii
militas vczes o facto do serein expedidas capitulares espe-ciaes,
applicaveis a uni detorniiiiado povo ou a uma regiâo dada. Por este mot
ivo aigu us escriptores dividem as capitulares eiu a pur rut ta o
spécial'in.
Deixâinos IV il a, ainda ha pouci), a dislïuerîio entre capitu-Uiria
ter/ibus addenda, capitulai'in per se scribenda a capitula mis-soi uni.
Digamos agora que n'uni ontro ponto de vista podem as capitulares ser
dix ididas cm ecclesiasticas e seculares. As capitulai ia ecclesiustica
cram as que os nionarelias francos, om sua qunlidade de eh e l'es da
Egreja das f «al lias, expediam sobre disciplina ecelesiasttiea. quasi
sempre repelindo as decisôes dos coiicilios.
Einbora proviesseui e dependessem ollas exclusivamentc do
monarelia, custiimavam os autores das capitulares publical-as e
promulgal-as peraute as placita,— assemblons geraes do povo franco,
que se rcuniain diras vczes i>or an no, pela priniavera e pelo outomuo.
Isso depois de serein cl las redigidas pela chan-cellaria rc-al ou impérial
cm varios exemplairs, uni dos quaes era guardado nos arehivos roaes o os
outros enviados aos prin-( cipaes fuiicciouarios.
As capitularia imiica foram officiai mente colleccionadas.| Mas
como isso acarretava diffieuldades grandes para o fuuccio-nal isino c
vexâmes para os governados, as proprias necessidades da situacâo
determinnram o appnrecimento de eonipilaçôos ou codiiicaçôes de
origem partiedar, as quaes tiverara a maior voga c transmittiram a té nos,
quasi intcgralmente. o conjunebo da legislaçâo impérial. A. priineira
de taes colleceôes foi orga174
COMPBNDIO DE HISTORIA
nisada cm 827 por Attsegise, abbado do Foutenello. que a divi- | din
em quatro livros contendo : capUnlaria ad ordiiem pertinen- | tia
ecclesiasticum, eupitularia eoclesiustica, aapttuUrria ad manda- \ nain
peHinenlia legem e capitxdaria ad au-gmentum mundanoe legi».
Em meiados do seculo IX appareçoit nova collecçao accre- \
scentando très livros aos do Attsegise o tendo cotno autor Beuc- \
\dlclus Levita, pcrtencpnte il Egreja do Mayença. Este t raballm | 6
tido cotno suspoibo aos olhos dos juristas-historiograpltos. Arespeito
dello dix A. Esmein : « Elle content ponças poças&inceras,
poueas capitnlares roaes e autltcnticas ; a môr parte 6 de peças
forjadas, conhccidas por faim» cupitularcs ; a critica clie-gou a
ntosfcrar em detalbe os elemeutos constitutives dessus peças o o sen
processo de composiçslo.» E assim parece, rcal mente, po-dendose
dizcr que do mesmo modo que hotivc uni Ixidorus Mercalor para a
contposiçao dits faim» Vecrelaex, liouve uni lie-nedictus Levita para
a coufecçao das _/a/«a* capitulai'?».
Pica, pois, reduzido si collecçao nnica do abbado de Fontcuelle
o subsidio que tcmos para conheoer em globo, atû-uma
certa epocha, a legislaçao do Iutperio franco. De 827 por deante as
capitnlares ehcgiun-nos mua a uiiia, peça por pcça. Feliz-inente as
necessidades impostas pelos estudos histurieos e juri-dicos dorant
logar nos tempos muderuos, an vestabelecimonto do tcxto original
e da orilent chronologica dus capitulares, para o que foi preeiso
colligil-as e publical-as rennidas. Foi assim que em 1623 o padre
Sirmond fez conhecidas as de Carlos o Calvo, que cm 1677 Bal use
pttblicou a sua collecçâo intitulada Capitxdaria, regum. francoriim
o que ainda eut nosso seculo os an-tores da Monument a Gcrmania;
deram uuta ediçâo compléta das célèbres ordenanças.
Somos cltcgados no fini da onunievaçao, que nos propttzemos
fazer, das fontes do Corpus Juris Qcrmanici. Eilo alti, agora, na
sua inipcrfeiçâo itnponente de produeto nattnnl a que o buril le o
einzel da artc nao qitebramm as attestas item modelarani os
contornos ; eil-o na sua vigorosa magestado de erenç&o expontanea
e secular, engendrada u'niu berço de costumes niillena-rios,
transiuittidos de geraçao etu geraçao atraves do tempo e
GERAT. DO DÎKElXO 175
do espaço, e abrolhados vigorosa e vicfcoriosamenfce n'a ma civili.
s.iyâo nova,— rival da glorississimi e formidavel civilisacao
roinana.
§
I Fizeinos notai" oui mna passagem do nosso capitulo ante-rior
que a idiosyucrasia moral dos gerinanos tinha uni panel ton
mllem, uma caracteristica dominante, que exerceu a mais decidida
infiuencia na creaçâo dos sens institntoH polilicos o juri-|
dicos. Essa caracteristica era o sentimento de antononia e de
indcpendencia pessoal ou do val or do iudividio, unido ao cultoj
da coragem e da força.
Dessc facto, que é attestudo pela gêneraiidade dos escriptores,
e da aeçâo on effeito que elle produziu na vida juridioa dos
gerinanos, tcmos tido occasiâo de oecupar-nos em trabalhos
nossos, como os Fragmentes jnridivo-philosophicoH e a Historia do
Direlto National, especialmcnte no primeiro. I Os actos de uni
individuo sâo a traducçâo pratica de suas idéas, e estas sâo,
incoutroversamente, nma cmanaçào de sua organisaçâo pliysiopsyeliologica,
posta cm contacto coin o meio ambiente. Esta
proposiçâo, que se pôde considérai' axiomatica, basta para provar
que os gerinanos, de tim teinpcramento différente do dos romanos,
nâo podiam ter a mesma intuiç&o e coinpreliensâo do Direito, que
foi apauagio destes nltimos.
«O helono herdou dastirpe arya primitiva uma parte inaior no
poder da intélligencia ; o romano apparece dispoudo sobre-tudo
de uma vontade pertinaz e constante ; o germano, por fini, ao
comparecer na historia, distingue-se tuais pela /orra e vigor
physico do que pela aptidâo para o racioeinio. O primeiro é de
prefereneia uma mente que aspira cm todas as cousus o idéal ; o
segundo é sobretudo uma vontade que depois de se baver discipliuado
procura con qui star o niundo c submettel-o as suas leis ;
emquanto que o germano personnifica o homem primitive, e é
uma força ou aetividade aiuda inintegra e irrequicta no pro-prio
surto, porquo nâo tem conscieucia do lira a que se deve propor.»
Sâo palavras do eminente antor da Vita del Diritto,
176 COMPENDIO DE HISTORIA
que desenham nitidamente as différentes physionomias dos très grandes
grupos iudo-enropeus, porfcadoves das mais eminentes qualidades da
especie hninana. E a concl.tsâo a tirai* délias, evidentemeute, é a de que a
civilisaçâo germanica inicial dévia ser em todos os seus departamentos
dissemclUante cm alto grao da civilisaçâo greco-rcmana. Nâo se trata aqni
de saber —por-que é outra a uossa tarefa—si a iuvas&o germanica vcio
ro-jn-veneseer a raça latiuae foi uni beneficio ou uni désastre para a
cnltura roinana c para a cvolnçâo gérai. Quacsquer que sejam as opiniôes
de Guerard e do illustre Littré sobre esse ponto, a Ivordade 6 que as duas
popnlaçôes rivaes encoutrarain-se, uiua em frente da outra, armadas de
aptidôes c de teudencias di-versas. E que tacs aptidôes e tendeneias
reilectiramso 110 seu direito é ao mesmo tempo uma questâo do logica e
uni facto comprovado.
Perlustraudo este assumpto, o profundo Carie mostron que] entre os
romanos predominou o conceito juridico da familia e do respectivo
patrimonio, de modo qne a rea publiai veio a ser uma derivacao das res
privata dos patres,— de onde'a idéa do patria como uni desdobramento da
idéa de familia ; ao passo que, entre os germanos, si bem que
profundamente radieada a institniçao da familia, o direito foi concebido
como KHI poiler inhérente â personnalidade individual, fundado ha força
e liber-dade pcssoaes.
E coin efteito : o Direito em Homa foi uma consagraçao da força e
do poder do Estado,— uma institniçâo eminentemente social onde a
consideraçao da re» publiait subrepujava todas as outras ; entre os povos
germanos elle foi uma emanaçao da sel-hsthulphe, uni simples
reconliecimento légal das prerogativas do individuo.
Isto qncr dizer que o direito roinano foi estatnnomico ou
socîonomico, emqnanto o direito germanico fui autonomico ou
demonomico. Bethmanu Holweg confirma tal modo de ver quan-do diz
que «a intniçao juridica romana accentua preponderan-temente o direito,
e a germanica accentua a offensa.»
Onde essa dualidade de intuiçôes juridicas apparece patente e
irrecusavel é no processo germanico, quando comparado
GERA t. t)û DÎREÎTO .\ J 177
coin o romano. E sabido que, assi m cotno as formas servent para
assignalar a idéa, o direito adjectivo on processual, serve para pôr cm
acçâo o dircito substantîvo primario ou generico-Alias esta lin je
reeonhecido que este direito, em vea de ser an* terior, é posterior a
nquelle. Histnricamcntc a nctio precedeu an jus, como n prnvou
cxnberantcmcnte Pietro Cogliolo em sua notavel thèse : l'origine del
dirilfo slâ nella procedura.
Assi m. uas uormtis prneessuacs do vellio direito germanico nés
vaiuos achar a deinonstraçâo pratica de que ns barbaros tiveram do
Direitn uma cnmprchcnsan cspecial, fil ha do sou tempernmeutn ethnicu
c dus côndiçôes mesologieas em que snj ncharam desde que tiveram de
se paraisse dos sens collateracs] grogos o roinanos.
Eis os principaes caractcristicos differeneiues entre os pro-cesses
romano c germanico :
1." O processo germauico apresenta uma modalidade extra-judicial
; o romano nâo conhece tal modalidade ;
2." No processo romano a prova compete ao autor, como omis; no
germanico ella ]>erteuco ao réo como direito ;
3." O processo germanico 6 syiiehrctieo, isto é, permitte a
aocnmnlaeâo de acçôes ; o romano c profundameute analytiro, e nâo
concebe tal aceninnlaçâo ;
4.° No processo barbarico effectundo perante os landgeiiahle e
stadtgerichte a causa avança va c marchava por julgamentos successives
; nâo assi m no direito romano, enjas cesnras processuaes nâo
eorrespondem a taes julgamentos ;
5.» O processo civil romano baseia-se sobre a separacao das|
funcçôes judiciarias nas ordens do jus e do judicinm : o processo
germanico nada tem de somelhante ;
6." No processo germanico havia casos em que o processo da prova
tinha logar dépôts do julgamento ; no processo romano nâo ha exempta
disso ;
7." Entre os primitivos germanos, e mesino na epocha
francn, o prneesso se dcsenrnlava perante uma assemblca popular
que votava sobre o litigio ; tal pratica democratica nunea
foi conhecida nas causas civeis dos romanos.
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178______________ OOMPÉNDJO Î)Ë riiSTOBiA.
Todas essas asserçôes forain largamente exptanadàs e documeutarias
cm nosso cstudo sobre as infcniçôes romana e germanica
do processo, inserto nos Fragmentm juridico-philoxophico».
Para este trabalho remettemos aqnelles que qniwrem por si
esmerilhar o assnmpto e extrahir délie as fecundas illaçOes de qnc
é snsceptivel.
Correntes juridicas medievaes : 0 Feudalismc ; 0 Direito
Feudal. «~ A Egreja ; o Direito Canonico, O «Corpus
Juris Canonici». (*)
«A Ëdadc Media e ;i successora do impcrio barbaro, conio este o
fora do impcrio romaiio, conio o impcrio romano o fora tla era
republicana na Itaiia e na Grecia. Desdc que no occi-dente, 'coin a vinda
dos barbaros, ronipeu-se o laço que ligava Bonia as provincias, estas
parodias do grande todo procura ram organisai' se e viver, vindo a
complétai' sua orgauisacâo ao tempo da queda dos carlovingios, pela
constibnieâo do reginien cnthnlico-fcudal.»
Assiin se expressou Emile Littré, o grande erudito e con-sciencioso
philosoplio, que tanto mais cresec uo couceito dos
(*) FOMTKS : — E. Littré.- Les barbares et le moyen âge ; G. Carie : La
trila del diritlo ; Saverio de Cillis : II Dir. rom. à trav. la eiviltâ européa ;
Giooulhiae : Hist. gêner, du Dr it /m». ; A. Esraeiii : Hist. du Droit français :
Esclibncli : Iatrod. gt ner. a l'étude du Droit ; Alirens : Encyclopédie juridinuo ;
Guiwit : Hùtoin de lu civilisation en JSun-pe ; Michelvt : Origine» du Droit
français ; Giovauni Liuviu : Diseguo d'una storia del Diritlo in ltaliu.
180 COMPENDIO DE IlISToKIA
posteras quanto maior é a distancia que se vac fa/.eudo entre uôs e
o termo de sua vida objectiva.
Siguilicnm as citadas pal a viras do philosophe que, ao atravessiirinos
as frontciras historieas da monarchia frnuca, pono-tiaiitos
em plena situayào leudul, uo sitio mesiuo da evolnç&o
liumuua em que o ngitado cbraçaû da odadc
Houve mu tempo eut que era veso eoimuuni condemnar ou
mulsinar a edade-media, aponlando-a çonio uni poriodo sombrio île
i"etrogradne&o, do supurstiyao, de aniquilamento psychieo e de
iiTciuu.liavel decadencia màterial —mu pareuthesis de tire va]
aberto na lauda luininosa da civilisayao occidental. (traças a
Augusto ( 'ointe e a sens discipulos esse tempo passou. A, desuobertn
da Ici fundnmeutil da historia, e, coiuo corollario, o coneoito
de uma evolnç&o gérai das sociedudes ; o recmtheciuieuto do
inetliodo de liliayâo como o grande instrument" das pesqui-zas
sociologiuas, trouxerain a todos os bons espiritos a eonvieçâo de
que a edade-media foi o que tinba de sec, o que nao podia deixar de
ser, por bem mcsnio da eivilisayâo huuiaua. Uni estudo mais
demorado e imparcial dos antécédentes e das con-diyôes historiens
da epocha mostrou que o periodo médiéval, lierdoiro dos destroyos
do imperiu roman o, foi o operario que reuniu e um.ilgamou esses
destroyos para coin elles coustrnir as ultras île li-ansiyùo
necessarias â edilicayâo do fatum. É isto mesmo o que dix Littré
nas sciguiutes Huilas : «Cmtiniïo a sustenlar a opiniao de que si
edade-media compete uni logur liouroso no cursn do
desenvolvimento hiimano. e que, tomando as cotisas no pouto em
que as deixou Ruina, incnpaz de réalisai' pur mais tempo a tarefa
social, ella nao deixou perceur iiem rétrogradai' os acoutecimontos
que o mnudo antigo lhe dera em heranya uns mais graves e criticas
circuinstaucias que possam ser imnginadas».
l'ara nos, jâ uma vez o dissemos, a Edade-Media é como quo
uni cadiuho immense» omle se apura m e dépurant as grandes
barras de métal preeioso cm «pie se veio a lundir a civilisa y ao
liodieriia.
A priucipal obra provisoria, de trausiyao. que a Edade—
GEKAL DO DIBEITO 181
Media rcalisou, foi o esbabclecimeuto do regimen feudal on, mais
propriamente catholico-feudal, instituido gradati va mente do
seculo X até o XI c sobcrananiente dominante dahi até o seculo
XIV.
«No começo do seculo X (diz Ouizot) nâo se tratava mais do
imperio de Carlos Magno nem dos gloriosos coneilios de Tolcdo ;
nias a barbaria nao tocava meiios a seu termo.» Foi, coin effeito,
por essa epocha que cessou o movimeiito das inva-sôcs ao uorte e
snl da Europa e que a sociedado nnscente se ponde fixai" e
desenvol ver. Eis como o citado Guizot expôo a situaçao ine se
accentuon nesse tempo e que era nada nicnos que o coujuncto das
mauifestaçôes prodromicas do feudalismo :
oVêseentao, no iutcriordo territnrio cui-opcu, cessai* a vida
errante ; as populaçôes estabcleccin-se, as propriedades fixain-8e,
as relaçôes dos homciis nâo variam mais dia a dia ao ca-priclio
da força e do accaso. O proprio estado moral do Iiouiem começa a
mudar ; suas idéas, seus sentimentos adquirem algunia fixidez,
como sua vida; elle apéga-se aos logares que habita, as relaçôes
que contralto, a esses domiuios que elle começa a pensai* em
transmit!ir a sous fillios, a essa babitaçâo que elle diamant mu dia
seu castcllo, a esse miseravel agrupamento de col on os e de osera
vos que tornar-se-ha um dia uma povnaçao. Por toda parte
foiinain se pequenas sociedades, pequenos Esta-dos talhados, por
assim dizer, pela medida das idéas e da sabe-doria dos homens.
Entre taes sociedades, pouco a pouco, iiitroduz-se o laço de que os
costumes barbaros conté ni o prin-cipio—o laço de uma
eonfederaçao que nao destrée a indepen-dencia iudividual. De um
lado, cada homem notavel estabc-lecc-se em seus doniinios, se
com sua familia e seus servos ; do ouiro, firma-se niiîa certa
liierarchia de serviços e de dircitos entre todos esses proprietarios
guerreiros esparsos sobre o territorio.»
O quadro é profundaineute suggestivo ; estao nulle traça-das
linias as grandes liuhas do systeuia feudal, coin o seu cara-| cter
aristocratico, com a sua preoecupaçao da propriedade imimmovel,
com o seu fédéralisme particularista, com a sua bie1S2
COMPBNDIO DE HI8T0BIA
rai'chia de suxzeranos e vassallos, coiu suas senliorius, sens vil] I3ea, sens
sa-vos da,glebu, etc.
Os brotos iiiiciaes do feudaliBino vinhani du longe. A>|t epoeha
bai'baricii kaviasido u ma phase cahotioa de dosaggroga-yâo c de
negativismo politico a que sô o genio de Carlos Maguo podera pôr nui
certo tVeio de eobesào social e de direccilo go-| veniamental, ainda assim
corecado Rompre polo principio da personualidado das lois. Mas a propria
mouarehia francn, quer sob os nieroviiigios quer sob os oarlovingios, tiuliu
deixado quel surgissent c floreseessem inslituiçôes que haviam de
solapar lbel
0 edilicio. Qiiamlo su dou o dosnienibraineuto do imporio de
Carlos Maguo as seiitinellas avançadas da fend alidade eslavam
seuhoras da praça : o seniorato, a vassal idade, a apropriaeib»
dus funcçôos pu'biicas, a transformaçiio da propriedade territo
rial, as cartas de iuuiuiuidndos o a foriutiy&o das jurisdicyôes
privadas eraivi instituiyôes reeonlieeidas o prahicadas ; os ««-
truslioncs o convives régi* do période» incrov.iugio baviaui desapparucido,
mas tiuham si do substituidos peleis rusai ou PUHHUIH
do rei, «pic represeutavam uni papel somelhante ao dos liomcns
Ugion, ligados ao ninuarclia pot* uni jurauioiito ospecial de fido-
1 idade. (1)
Aei'iTsceii que os sureessores do grande inonarcha earlo-vingio nâo
t iver .im pnlso b.istaute forte para nianter na niesuia posiyâo as redeas
da goveriiamciitay&o do iniperio. Longe du chaniarein ao podur do
listado as propriedades du que se lia* viani iuduvidameiite apossndo os
nobres, deixaram que estes fossein pouco a poneo usurpaudo as do
domiuio impérial, e ao passo que "isso fa/àam abaudonavam o scu direito,
autes de ver, de pvoteceâo a os frac-os c afronxavaiu os laços de central
isayâ-o administrât! va, consentiiulo que. fosse dcsrospeitada gérai u
uontinuaniente a autoridade dos mixsi.
(1) 0 antruaiionuto parère ter sido nmu roiuinisconcia il» ouiHotu* pei
nianioo, O untvustiâo (a palavra vem (lu trustis on trost, IMH> signifie»]
fi,tlcl'dade) prastava juruini-nlu desarmadu e onllorando sua înâo onli-o MH 4U|
rtii tal quai oomo uo inraïueuto feinlal d<'S Louions liyio».
GERAL DO DIREITO 183
As conscqueneins dessa fraqneza sâo assim dcscviptas pelo illustre
professor «la Faenldade de Direito de Toulouse, o pre— claro autor do
Couru Elémentaire tVhistnrc générale, du Droit français :
«Entâo viu-sc cada uni, nâo eontando mais senao comsigo,
organisai* meios de defoza : elevaram-se de todos os lad os os castellos,
os muros, as fortalezas, para protéger os grandes, as cidades, as abbadias
on mosteiros. Mas precisamente porque cada u m flcou, para se defunder,
entregue as proprias forças, dense o isolamento, a independencia para
coin o poder central, o quai nâo existât mais senâo nominal mente. A
França, divi-dida nâo mais em reinos mas cm tantos territorios quantos
eram os grandes vassalos e proprietarios, separon-se em uni a multi-dâo
de pequenas sociedades que se J'ormarain da grande soeie-dade naeional.
Quanto â realeza fi cou iuteiramente â mercC* dos grandes, que davain
ou tiravam aos rcis as corôas. O unico laço que ficon ligando o soberano
aos sens subditos foi o jnramento ou prestaçâo de homenagem dos
grandes vassalos.
A partir dahi é o sysfcema feudal, triumphante, organisado c
omnipotente, o dominador da Europa. E é atravez délie, desde sua phase
do apogeu at« a de declinio, que nos vaincs ver serpearem, opulenfcas e
marulhosas, as varias correnfces jnridi-eas que sulcaram o occano da
vida médiéval, ora correndo cm leitos différentes, ora confluindo em um
so alveo gigantesco.
0 Feuilalismo : Direito feudal.— Tendo de encarar o fenda-lismo
apeuas no sou aspecto juridico, nâo nos é necessario nein util penetrar
larga e profundameute no exame da trama i n t ima desse complexo
phenomeno social, que de modo tâo notavel alteron as condiçSes
politicas e cconomicas da Europa medie-vica. (1) Em todo caso daremos
perfnnetoriamente uma pequena
(1 ) Acerca da origem dos fendos tem havido grande divergencin entre
jnvistas e philosophos. A escola historica e a pfailosophioa divergem no
184 COMPEXDIO DE IIISTOltïA
noticia dos principios cardeaes do System», a fin» de que possam
sor niclhor comprohendidas as respect»vas instituiçoes coneernentes
s'i condiçao du» pcssôus » das terras e & adtninistrae&o da
jnstiçn. Para isso pediromos a Esmeiii, o cmcrito professor da
Faculdadc de Dircito de l'a ris, os principaes subsidius. H
O systema fondai assentava cm dois elemcntos basions : o
agrnpamento feudal e o tenhoriato ou tenhoria, os quaes titiliam conio
ponto de partida o/rudo. Este en» nma terra ou um dirait» iiuinovol
coiHH'dido por algueiu que t inba o nome do senhorl do fend» a uni honicm
que tomava o nome de rastallo o que se obrigava para coin o senbor a
lima eertn pregtaçao de servi-ços. (I) Tal contracte, de nina natnreza toda
especial, célébra-va-se por meio île nimi snlemnidade rbamada
homenagem, na quai o vassalo jura va no senbor an tes de tudo nina
fidelidnde absolut a promettendo p restar-1 h e uni certo numéro de
services' e cm nlguns casos excopeionaes certos auxilios pecuniarios. A.
esssis ohrigaçôes correspondia o direito, para o vassallo, do exi-gir do
senbor protcoc&o e justu/a.
l'ni 'nesino senbor podia fazer, e ordinariamente fazia, concessôes de
l'endos a varias pessôas,— do que resultava ogru-pareinse ao redor do
senbor e sob o poder délie vnssalos em numéro mnior ou nienor. Os
diverses vnssalos de uni inesino senbor, tinidos a este por identicos
deveres, lbrmavam o agru-jtumento feudal, que ha potico dissemos ser o
priraeiro elemento ponto de vista e os représentantes de cada nma délias
divergeai entre si nas eonolusôes a que ohegani. Assim ulguus
historicistas encontram a origem dos feudos no Imperio romano,
discordando sobre a epoclia do seu apparecimento
; outres d&o-lhes nma origem germanie», discatindo si elles appn
roceram primeiro entre os longounrdos on entre os franoos. Os adepte da
escola philosophica ou explieam o appnreciraento dos feudos pela theoria
dos r'icwêi de Vioo on os consideram como um resultndo i nma
cotisequeneia fatal do germanisme.
(1) E. Secretan défi ne feudo deste modo :—
certa terra sâo assegurados a alguem, mediunte o coinpromisso que loma o
possuidor de prestar ao proprietario directo da terra certos serviços)
comprelieudidos em gérai no derer de fidelïdade.»
95
GERAI. DO DIREITO 185
constitutive (la feudal idade. E comn cada senhor e cada vas-s;ilo tinhani
soi) seu poder e jnrisdicçâo varias classes de indi-viduos 1 igados as snas
pcssôase as suas terras ,jâ por eoncessôes sujcitas a prestaçôes
pecuniarias, jâ pela condiçao servit, con-siderava-se como constituindo o
agrupamento fendal nâo sô o senhor e sens vassales como os vilôes e
servos, dettes dopen-dcuîes.
Gonvem além disso sabot- que um grande senhor, chefe de nin
grupo fondai, nâo esfcava inhibido de outrai- em ontro grnpo, na
qualidade de vassal o do uni senhor mais poderoso, e era| isso o que se
dava na mai or parte dos casos. De modo que veio a constituir-se na
Europa occidental uma hierarchia de grandes seuliores, em enjo cimo
estava quasi sempre o principe on rei, na qualidade de soberano feudal
do reino. Esta oircnmstancia,) uliâs, teve o increcimento de permittir que
a ficoîio de uma uni-dade nacional podesse subsistir no mcio do
profundo retalha-l mento dos povos c ostados da Edade-Media. E foi
esse, segimdo Littré, um dos grandes scrviços do regimen fondai, ao lado
dos dois outros seguiiitcs : o roconhccimcnto de mua autoridade
espiritual, independciite da temporal, e a trunsformaçao da eseravidâo
antiga cm servidâo.
O senhoriato. ou mais propriatueutc, a senhoria, que an dava as
mais das vezes, ligada a cada grnpo feudal, entretanto nâo enincidia coin
este em todos os pontos. A senhoria cru o dircito do soberania, ou an tes
uni desmembramento da soberania on poder publieo, p.iss.ido para o
doininio particular ou proprie-d-ule privada, c ora oxercia-se sobro uma
certa rogiâo, sendo entào considerada como appendice de tacs ou quaes
proprie-; dades territoriacs possuidas e transmittidus coin a mesina regiâo
; ora constitnia uma propriedade distincta ton do uma existencia propria.
Em suini ua : na senhoria* eram complexos de certos direitos de
soberania, destacados do poder ou autoridade real e attribuidos o certos
grandes titulares fendues, como os ditqties, os coudes, os barons, os
viscondes e os casieïlôes. Coinprehende-se perfeitamente a origem c
nutureza da institut-i çâo qnnndo se nota que forain as grandes divisûes
administra-tivas da mooarchia carloviugia que deram nascimento aos
duea-
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186 OOSÎPÉNDÎO DE HISToRIA
dos e émula don pela apropriaçao lias fnnci'Oes pulilicas em pro-veito
dos duques e dos coudes.
Nao C fncil di/,cr coin precisîlo quacs os direitos coinpo-ncntcs da
mutilada snberania senliorial. Pode-se porém affirmai' que a senhoria
mani l'es ta va-se. principal mente polos direitos de sentenccar cm juizo c
de 1 an car impostos : a justiça e o fiseo eram sens clcmentos essenciacs ;
assim o senhor de tilta jusliçw era a mais elevada autoridade de uni dado
grupo feudal.
Traçadas assi m as grandes linhas da orgauisaçâo feudal, occupomoiios
da situaçâo jnridica das pcssôas c dos bons nesse curioso regimen.
Tivemos occasiao de ver que os agrnpamentos feudaes compunliamse
do senhor e seus vassal os e mais dos individuos a elles sujeitos, como
os vilôes e os servos. Nobres, servos e rilôefif eram. coin effeito as classes
do pessôas existcutes na socie-dade feudal. (1)
A nobreza fondai constituira-se pouco a ponco sobre os [destroços
das nobrezas roman» c gerinanica, durante a existen-oia da monarcliia
franca ; a fortnna c a coragem, o val or militai' e a posse de terras, haviam
si do os sens titulos originavios, e esses traços accentuarani-seeoin o
advento do feudal isino. Eram nobres em primeira linha os grandes
propriétaires dados ao nfficio das armas ; eram ou forain nobres, no correr
dos tempos, todos qnautos fizeram aequisiçao de fendos on forain
admittidos na eavaltaria, Daqui se vê que apezar de ser, em Ivcgra,
hereditaria, a nobreza feudal nâo era uuia posic&o inné-eessivel inesmo
aos simples villôes. É verdade que estes encou-trarain difficuldades, e cm
certa cpoclia tiveram verdadeira impossibilidade, de adqucrir a qualidade
de nobre por qualquerl dos nieios indicados; mas ncui por isso é menos
exacta nossa asserçâo* A propria Ordenançu de 1275, que foi expedida
para
(1) Sabemoa que os eeclesiasticos e os burguezes reproseutarara no
correr da Edade-Media eraiiiente papel ; mas os primeiros podeni ser ooioprehendidos
entre os uobres, tal foi o SPII aseendeuta moral e matériel
como ministres da religino e oomo senhore» feudaes, e os segntidos fiû uo
occaso do i'eudalismo fiaeram sua entrnda un seenn bistovica.
GERAL DO DIREITO 187
pôr cmbaraeos A acquisiçâo de feudos polos vilôes, demoustra que elles
os possuiam e mais aiudaque o rei Felippe reconhc-ccu-llies direitos c
privilegios de //eiitinliomeim. L'or isso escreve Ginoulhiue. : «Que
importa agora que os nossos antigos Costu-uieiros declarein que a posso
dos feudos uao confère nobreza f O que délies se conclue é que de facto
os villôes podiaut pos-suif feudos, e que cmquanto os possuiam tinham
os privilegios uias estavam submettidos aos doveres dos gentishomens ;
e| como résultasse disso, depois de um tempo mais ou meuosj longo,
acquisiçâo cla nobreza por prescripç&o, teve-se de obri-gar o vassalo
villâo, ou a rpgularisar sua posiçilo obteudo car-tas do principe, mediante
o pagameuto do direito de franc-fief (propriedade livre) ou passar sens
bens as màos de um gentil-lionieni. »
Os privilégies dos nobres, abstracçâo feifca -das vantagens
provenientes da posse dos feudos e do seu direito de fazer parte das
ordens de cavallaria, reduziam-se ao seguinte : serein jul-| gados pelos
sens pares, segundo regras différentes das applica-das ao julgameuto dos
villôes, e es ta rem isentos de impostes ou taxas em gérai e do pagameuto
dos direitos fiseaes.
Os villôes (homme.H de jtoente, hommen coutuvûers) eram os]
homens uâo nobres e uâo propriefcarios de feudos, que obtinham dos son
h ores ou vassal os cou cessées de terras a explorai' mediante prestaçôes
cm dinheiro ou em fructos, e que para isso uâo precisavam de prestar fé e
homeuagem ao senhor. Essa classe deindividiios n&o podia invocar os
privilegios dos nobres, pelo que uâo tiubam elles o direito de ser julgados
pelos seus pares c estavam sujeitos as corveias e, em gérai, a todos os im-
1 postos e taxas senhoriacs. Eram tratados comutumeute como os serves,
embora destes se distinguissem juridieainente por nâo ostarem
submettidos as incapacidades da mâomorta e do forma-riage, de que
fallaremos dentro em pouco.
Os ser vos eram a classe intima do mundo feudal: alguma cotisa
superiores aos oscravos, um tanto inferiores aos villôes. A antiga
escravidâo—é sabido—foi trausformada no correr dos seculos X c XI
em simples servidâo, o que coustituiu um dos uiaiores progressos
sociaes realisados ua Edade-Media. Os ser188
COMPENDIO DE IIIHTOKIA
vos, ao contrario do que se (lava coin os osera vos, tinham mua
personnalidade jnridica e podiam, por conseguinte, pnssuir mua
familia e mu patriiuouio ; uâo podiam porcin eotitràhir casamento
coin pessôa de outra coudicao ncin de outra se.nhoria sejKl
consentinicnto do senhor, traduzido n'uma imposiçao pocuuiaria,
o nao tinham tainbem o dircito de testar, nem sens descetïdeutes
ou ascendeutes o de successao «6 intestato. A primeira
dessas iucapacidades chi\m:\v;v&a fonnariage (furla inuritagium)]
e a segnuda mâomortn. A Egreja cerceou mais tarde o for ma
riage validando o casamento desegual sein cousent i mento do.
senhor ; mas em tal hypothèse o sorvo iucorria quasi sempre ua
peu a de oonfiscaçao de todos os sens bens. Do sceulo XIII por
deaute tainbem a incnpacidadc il a maomorta fui ecrecadu, cm
algiimas local idades admittindo se que o servo podia transmitlir
bens ab intestato a seus filhos e a sens outres parentes de condiçfto
servit ; nras a grande maioria dos costumes conservou o
primitive rigor. '
Os servos nasciam ou faziaiu-ss : nasoiam servos os filhos de servos,
sahidos de casamento légitime) ; faziain-se serves os; que se submettiain
por contracte e os que deixavani prescrever sua liberdado, acceitando
durante uni largo periodo os encargos e as cousequencias da condicâo
servit. A servidao cessa va : ou pela libortacào expressa coucedida cm
carta senhorial. ou pela prescripyao (quaudo decorria um certo lapso de
tempo vi-veudo o servo sein os en cargos do estado servi l ) ou pda
eiitraria do servo no clero on ordeus religiosaa. Resta diz.ii- sômente : os
servos destribuiam-se em très classes : — sorvos de corpo (da gleba)
servos de servidao pessoal, e servos de seroidâo real (de-tentorcs do uma
propriedade servil) ; seus encargos coin mu us eram o ohevagium (somma
fixa paga ao senhor animal mente) uni ii iipusto direeto sobre a renda e
eeonomias (taille.) e as cor-veias (dias de trabalho devidos gratuitaïuente
ao senhor).
O regimen dos bens, ou autos dos immoveis territoriaes, durante o
feudalisnio, correspondeu exactameuto ao estado dus pessôas que nelle
figuravam conio elementos do grupe fondai : os terrenos e respectives
direitos possessorios eram uobres, vil-lôes ou servis. A propriedade nobre
era o feudo, a terra dada.
GERAT, DO DIltEITO! 189
no Viissalo polo grande scnhor. O fendu surgin conio uni direito iiuinovcl
vitalieio, hrlransinissivel o inalienavel. Pouco tardoti, poréiu, para que
elle sa tornasse hereditario o alienavel : —he-reditario a principio apcoàs
ua liuha descendante o obedecondo ao direito de priniogenitiira, e
posterionnente ua liuha collatéral, sabord in ado ao principio da
inaseulinidude. A inulicna-bilidade do feu do docorrin do facto da sua
vitaliciedade e (la pcrsonnulidade do contracto outré o senlior e o vassal
lo, por isso| quaudo o principio da patrimonialidado provaleceu, as
ccsaôcs ou vendas forain (citas, cm oo:ucço, coin o consentiluento do
scnhor, u por fiai suit deppiiduucia d fisse consenti niento, nias coin a
coiidieîio do pagamento do quiulo (indemuisiçlo p'cunia-ria elevada) ou
dos direito» de resg.it» e de rcivindicuçao (re-\ tïuit) fend al. T.uubein no
caso de transiuissào liercditaria do fendu o st'uhor percebia uni i
indeninisi<;âo que tiulia o nome de relccinm.
As possps.sôcs villas eraui eoustitiiidas por conecssôes ou cessées
de terras ici tas polos senhorcs aos uao nobres (rolurierx).] Fallando
dacondicila ppssoal desles ja ussignalainos a n i t u r c z a e earaetor de
suas obrigaeflaa p ira eoui o seuhor ou vassale] feildal. A rensiua, o
c'uimp.iii e a vendu feutlnl sHo os types do tacs conecssôes, tendo sido
soiupro mais usado o prirauiro. A vrnsioa cra mua terra cone.cdida
mediante o pagamento animal de uma certa somma de. diuhciro, cens us.
Coino o l'eu do cl la apparoecu a principio coin os caractères de
vitaliciedade o ina-lienabilidadc. Mais l'acilmeute porcin do que aquelle
tornou-sc patrimonial, c por cousequeucia hereditaria c alienavel, cmbora,
coino sua congénère, sujeita liesses casos de transuiissâo ao
pagamento de indcmnisaçdcs pccuuiarias ao senlior.
As terras servis, isto c, concedidus por um scnhor a sons sei'ros,
supportavain régi mou se me I ha nie ao dus terras villas ; eiitretaulo
difl'erençavam se profundanientc destas no scgiiiutc : nao eram obtidas
por contracto ne,ni forain iiunca hereditarias e iilieuaveis.
Os typos de propriedade que ahi ficam apontados cra m os
vigorantes cm quasi toda a exteusâo da Europa médiéval : mas uao se
deduza dalii que a plena propriedade iudividual e livre
190 COMPENDIO DE H1STOKIA
estivesse banida em absoluto da sociedade occidental : nqui e ali|
apparccia, cmno exeepçâo, o frunc-nlleu on francum allodium,] que se
distinguia do regimen territorial do fondai ismo por estes traços al ta
mente expressives : pcrteneia intégral meute ao| sen proprietario, o este,
nâo devendo serviço nem prest-aç&o a pessôa alguuia, podia transmittil-o
livreinente a sens herdeiros ou alienal-o.
Foito este resnnio dos direitos das pessôas e das cotisas no regimen
fondai, urge dizer algo sobre a organisa çâo da ju.stica respectiva c
compétente processo.
O poder judiciario, como o poder propriameute govcrna-'i mental,
pertencia, no période a qnc nos reportamos, a os senho-res feudaes, que o
exerciam conciirrentcmente coin a renleza, o clcro e as cidades
privilcgiadas, nias guardando ciosamente intra muros os principioa de
sua jnstiça senliorial. Esta justiça era administrada em regra gérai, quer
no civel quer no crime, pelo proprio senhor, mas era, cm grande numéro
de casos, dofe-1 rida a certos fuuccionarios chamades prebostes e bnillios,
que presidiain tribnnaes eompostos diversamente segnndo acondiçâo Idas
pessôas a julgar. Distinguia-se entre aita e bâtira justiya, I coinpetindo a
aqnella o conhcciinento das aecusaçôes diminues que arra&tavam peu as
afflictivas, duelos judiciario», etc.
O processo em uso nos tribnnaes serdioriaes e feudaes era «oral e
essencialmente formai ista, subtil e grosseiro ao inesmo tempo» ; elle
conservava nui fuudo pronnuciado de idéas e instituiçÔes germanicas,
mas entretanto apresentava jâ niodin-caçôes notaveis. Assim, a tlieoria
das provas continua va a cou-sagrar as ordalias, o jurauiento purgatorio e
os cojuradores, o duelo judiciario, etc : porém a obrigaçao da prova era jâ
attri-buida ao antor, como no dircito romano, e por ontro lado, em materia
criminal, as penns attlietivas tinhaiu substituido em grande parte as
pccuuiarias, sendo estas pagas nâo a parte ven-cedora, mas ao senhor.
Xao precisamos ir mais longe na analyse das institniçôes peculiares
ao systenia feudal. Passemos agora a indicar as foutes do diroito
correspondentes a esse systenia.
É évidente que a legisluyao do tempo do feudalismo nâo
OERAL DO DIREITO 191
poilia ser gérai, uniforme e e.ip.i/<
numéros fendos, dos duculos, dos c»:idados. das baronias, ctc, dado o
podcr absolnto dos senhoren sobre sens vassal os calonos e ssrvos, assiin
nas relayées polifcieas como nas jur i di - cas, o direito objeetivo sô podia
apresenfcar-se como uni conjun-cto de rogrus territoriacs variaveis,
sub.H'dinudas nos costumes mas modificadas pelo arbitrio dos inaguutas
dominantes.
Foi o que acoiiteceu de facto, produzindo como coiiscqiien-cia
capital a substituiçâ-o do principio da pemonnalidade, vigo-| rante ua
monarchia franea, pelo da terril-orialidade dan leis. 1 h-iitro dos limites
de nm fuudo, pertencessein on nâo os sens habitantes il mpsma
uacionalidade, sô nma Ici cra reeonbecida le applicada : a lei local
constituida pelos usos c costumes prédominantes e pelas uecessidndcs da
nova ordem de cotisas. No soculo X jà as Capitulares tiuham cahido ein
desiiso e coin cl las as disposiçôes das leges barbarorum, pouco a ponco
enxertadas do regras dos direitos c.monico c romano. E vnrdado que fora
do (lireito particular a cada pequena circninscripç&o fondai, mante ve-sc
um direito continu m para cada mu dos paizes sub-mettidos ao autigo
iniperio,— direito que se baso.iva sobre as velhas leis e cap i tu lares, jâ
cntîlo passadas ao estado de costumes. Mas a situaçao gérai era a
segninte, conforme a cxpôc Von Schulte :
«O particularismo subsbibuira gradualmcute o antigo sysbe-ina das
leis de tribu, e quanto mais as divisôes territoriaes se constituiain
fixumeute, mais influencia adqueria no direito o principio da
territorialidade. Eram os iuteressados por si încsmos que for m a va m o
direito privado e cm parte o direito publico ; bastava que a ntilidade de
nma medida fosse recouhe-cida para que esta fosse admittida e se
propagasse pot* todo um territorio. O conhecimento do direito cra
facilitado pelas formas symbolicas, as palavras solcmncs, as decisôes
proferidas pelos tribunaes.»
As foutes juridieas eutao foram principalmente as carias ou
diplomas, de que lallâinos no capitulo précédente, e os esta-tutos, ou
coutume* redigidos, de certes inosteiros on fendos eccle192
COMPEKDIO DE HIKTORIA
siasticos. Dentés nltimos sfto citados como mais importantes os intitnlados
: Constietiidines et jura monnaiera regnloe (do mostoirn de Reôle),
Jiurchardi Epinropi Wornuttieiui* legea et gtatuta familier S. Pétri (do
bispado de Worms), e Privilégia de justifia minwterialium ccclesitc
Jiabebergenait.
Onde, porcin, o conjnncto do direito fondai nos apparece inenos
fragment ado c mais digno de ser estudado é nos Lihri feudorum ( Feudirt,
eonsuetadinen Feudorum)—compilnçâo. longo-barda attribnida a dois
consnles milanezes de nomes Gcrhardns Niger e Obertns ab Orto, que parecc
te rem vivido sob o reina-do de Frederico I. (I) Ape/.ar dasduvidas que
pairam sobre a j antoria desse traballio, «spécialmonte no 'nie se réfère
aGerhar-dus Niger, o donto Giovanni Bovio oscrcve o segnintu a res-peito :
«Qticm resnmin cm nin corpo de lois o fondai isino foi Frederico I, que
atravez de nao poncos obstacnlos consegnin I ver Gherardo il Nero c Oberto
delf Orto lovarem a termo mini eompilaçaô das lois fendues, a qnal teve val
or publiée, como o Decreto de Graciano.»
Coin cffeito 6 opiniao do algnns esc.riptores que os Libri Feudorum,
depois do snbmettidos a uni i raballio de rcvisao, forain offerecidos a
Frederico I, que presereven o ensino délies ein todas as Universidades
snbmettidas a sen iinperio.
Os Libri Feudorum conteem a exposiçao dos nsos c costumes fendaes
da Lombardia. Datant, provavclmcnte, de meiados do secnlo XII e forain a
prineipio divididos em 2 livres, eom j 56 on 5S titnlos. O priinciro livro
contem nai tratado sobre a differença entre os direitos romano e fondai,
oxtractos de lois imper'mes. glosas, jnlgamentos, ete ; o segnndo
coniprehende uni estudo do consul Obertns ab Orto, em forma de cartas diri-
(1) <5.0 Direito feuilal (diz Ahrens) formon-se géra Intente da tradiçâo, pov
nui lado, e par outra dna leis imperiaes, que p iHicuUrniente na Lnm- I bardia forain
promnlg.idas com o cononrso clos 13 stades no campo de Ron-caglia, e ao raesmo
tempo das sentenças das côrtes fendaes, notadameate da oôrte do I'nperio. Elle nonb^
n na Lombardia nma primeira redncçâo seientifina, e este direito fend-il
langobardo, adoptado ao mesmo tempo que o Direito romano, teve na Alleminba a
raesma força de lei obrigatoria.»
193
giflas a sfiu filho Ansclmus, ostndante cm Bolonh», sobre :i concopçao o
organisnçao do fonde, um tratado sobre, sis rolaçôes dos scnbores o
vassales, lois de Lothario II o Predorico I, do-eisôes dos tribnnacs
fendues, etc. Os FMri Fmirtonun foram pos-teriormente revistos,
refundidos, angmcntados eom as lois de Frederico I e Hoiirique VI, e
annal esfcudados na Eieola de Bolonha, conio appendice do Corpus Juris
Gimlis.
Vô-se pela doser ipeâo foi ta que a principal sonân unica
coinpilaçâo das leis feudaes esta nuiibo longe de ser um traballio
eoinpleLo e de resninir todas as niodalidadns legaes do fouda-lismo.
B.ista notai* que ella nâo foi além do dircito vigente ua Lombardia. o
quai difforia, cm ninitos pintes, do dircito fondai fraiieoz, ao inenos do
dircito francez das provincias de oeste. Todos os eseriptores francezos
assigna}ain ossa circniustaneia. Como quel" que seja o Lioro don
Fondo* oxeroeu uma importante aeeao na Edado-Media, e 11331111 se
explica o facto de ter elle passade das Universidados para as mSos de
legistas 0 do roma-nistas célèbres do secnlo XVI, como Cnjas 0 D.uicau,
os quacs lhe davain autori
qno dissemos podem ser tiradas, de aceordo coin G. Carie, as seguintes
concInsôe.s coniparativas :
Ao passo que no période das invasôjs dominarani a força e a
violencia, 110 periodo fondai prevaloeoram as idéas do consens» e do
contracto ; emquanto uaqucllc periodo o sentimenfo de ihdividualisi.no
manifestado pela força matcrial snbropiijou a todos, durante o fondai
ismo o principio individualista cedeu terreno ao conecito de familia
mettida cm moldes quasi patriar-cliaes ; no contrario do que se. don na
phase germano-franea, mu que o objectivo das lois cra a segnranc; 1 o
defo.ii poS3»al, a phase fondai encaminhou o dircito para
roconhocimonto e de-feza da propriedade.
§
A Ei/reja : Dircito Gaiion'wo. — O eminente G. Bovio déclara —|
résolu tain ente, oui scu notavel Disegno d'unu historin del Diritto
25
194 COMPENDIO DE HlSTOBtA.
in Italia qne a Egreja «lève ser consideradâ o conlro da Edade-Modia o o
Direito Canonico a nota jnridica nclla prédominante. E escreve : «Atravez
dos casos infinités, rapides, inopinados o confusos da Edado Media,
atravez das emigraçôes, coiifusôes o lhsôcs do raças e de povos, das
origans dos feu dos, da institui-ç&o da cavallaria, do monarchisme, do
dnpto poder législative», dos multiples codigos e jurisdicçôcx, das
discussOcs pessoaes o\ d-.is lu tas oecasionadas pela herosia ; atravez das
gnerrns pelas investi du ras, d» formaeïio das monarehias, dos nrbitrios,
dos orros e crimes dos ponti lices ; om su m m a, atravez dessa epocha cm
que se inicia 8 t'nnda. mua civilisaçâo nova, os périodes da historia
médiéval devem ser proeurados prinoipalmente uns phases da Egreja.»
Sein attribuirmos tfu> deeidida e superibr inlluencia, no ponto de vista da
creaçîlo jnridica, no Christianisino o A 'Egreja catholica, (1) roconheceinos
de boni grado a al ta missîio politicô-social do catholicismo durante a Edade
Media, e somos ps pri-nieiros a ndmirar o lonvar o oxtraordinario talento do
organisa-tjîio e systcniatisayào de que deram provas os sens représentantes.
E cireninscrovendo nos an eampo do nosso estndo, nâo tnmos du vida cm
ailirmar que fol a Egreja, par intermedio do .Direito Canonico, o elemento
fusionador ' e seleccionador qne 'durante a phase médiéval combinou c
depnron os direitos ro-fiuano e germanico, preparandoos para a grande obra
futura J da nnilicaçâ.0 e universalisaçîlo do Direito. S"estes termes esta-i
mos de accordo coin O. Bovio, o lias linhas que vâo seguir tri-l lharenios o
caminho por elle indieado para uma viagem hisfco-
(l) Dizemos assini porque saberaos IJUH na Edado Media, durante a
representaçào du grande drama qne dominou—a lnta do Saoerdociu e do
Iraperio—osliverain soinpre em jogo e em oontradioçilo os elementos espiritual
e temporal, e qun. apezar do asoeudente do primeiro (o qnal fez do
l'oderalisrao fondai uni uuilarismo clvristâo, soparaado os povos da o pocha
em créâtes e infiois) ao passo que a Egreja apoiava-se nus doutrinns dos
philosophos gregos, o Impnrio buscava os sens elementos do acçfto nas regras
da jurispriuleiicia romana, n quai veio finalmente a prevalecer.
GERAI. DO DIREITO 195
rica atruvcz das crcaçôVs n fundavôes da Egreja, o qiio valo di/.cr, sio
lougo de sua marcha cvolucioual.
O indicidualismo absolut», as prelaiitras c 08 concilias marcaiu as
phases priihitivàs da evoluç&o da Egreja. A primoira délias assignala a
ansencia do domina no meio da primitiva domocra-ici» cspiritunl,
ausencia justificada pelas palavras de Christo : Onde calao reunidasem
mau nome dans ou très passons ahi eslou eu.\ Ncssc pcriodo a discussâô
6 de todos ; a sol dçîio é de cada uni. Mas nomo essa dontrina de livre
exaine nâo fosse compativel| coin a ebiistilsuiçîlo de uni dogma, de uni
enlto c de mu régi mou rigorosainento roligiosos. surgîu a idéa de cerceal
a e de eliini-nal-a por fini. Para isso forain inslifiiidas as prchdnrus, «as
qiiacs lia historia do cspirito christïlo représenta m a prinicira
aristocraeia. da i i i lel l igencia, viiidaeui substitnicîlo da primitiva
deiiiocracia. » Elias i'iinecionarain juiito ao vulgo como gui as cspiriiuaes
snperiorcs, eapazes de transfuudir a verdade christà) no espirifco da gentc
iguara. Entrctanto as divergencias natu-raes entre os représentantes dessa
aristocraeia indicarain deutro ein potico a necessidade de reuiii l-os para
a lixac&o du eertus pontes de dontrina. Nasetfcâiu dessa neeessidade os
concilias, que forain ehaniados a esta bel eeer doginas e a cniidcmnar
licrc-sias, scndo os priineiros os de Nic6n. de Constautinonlar de Epheso
e de Calcedonia todos orientaes e todos nieraineiite espiritnaes e
doginaticos. Aberto, poréui, o camiuho liuham de vir mais tarde, como
vicrani. os concilies occidentaes de Lait râo, dcJLyao e de Trente, nos
quaes a fixaç&o «la dontrina o do dogma-tuai encobria as pretcnsôes
politieas da Egreja, entao jâ organisada como Esta-do inonarcliico. De
resto esta orgauisaçâo politica da Egreja era uma conscqueucia fatal de
sen proprio destine historien : o Dogma tinha de transformai'-se cm Poder
c o Poder de constitnir-so cm. Estado.
As très primeiras phases espiritnaes do Christianisnio appa-rcccm,
sec ni os depois, Irndnzidas nos très grandes périodes temporaes do
catholicisme : !• o da aritunoinia ccclcsiastiea cm face do Estado ; 2' o
da aristocraeia cloaj>rela(lo8j_3,'o da Egreja râouarçjiica.
A aiitoiiomia da Egreja coincçou como protecçâo do Estado,
196 COMPENJUO DE HISTOEIA
continuel! como costume ecclcsiastico e açaboti por eonstituir-so
couio direito proprio. Consistisi ella cm ser considersidsi si Egrcjsi
como mn poder «ut generis, iscnto dos tributos laucados polo
Estado e oom jurisdiceào propria sobre os clerigos, subtrahidos
:i jurisdicy&o leiga. (1) H
Coin os privilcgios ooneedidos si Egrcja, a prolsitura untiga dcixou
do sor aristocracia uiorsil para torusir-so jurisdiccionsil : o modo de
eleiç&o variou e os prclados couiccsiram a copiai1 os J'unccionarios do
Impcrio cncarregados dos officia jmlulhut, i'a-zondoso nomcar para cargos
de roprosontacà-o temporal e officiai j auto ao Papa. Fi'ito isso estavam
lauçadas sis bases da 1 mounrchia da Egreja.
Esta veio uiuito natursil mente, como cousequcncisi forysida dos
dogmsis procliiuiados nos concilies de Nicea, Eplieso e subséquentes. O
papa de simples prelado passou si scr, si prin-eipio, bispo de Rom a,
depuis episcopm >°pincoporum, vicarius christi, etc. O concilie de
Psivia que deeretou para o cliefc da] Egreja o titulo de bispo don binpos
fechou o anuo 1000 deixando Ifuudsidsi si monarchia da Egrcja. Durante
os mil au nos décor-1 ridos a Egrcjsi tinhsi passade por très phases : uwa
que se este tilde de 8. Pedro a Sil oestre I, outra que vae de Coustantino a
Carlos MsigiiOy e uma terceira que começamlo cm Leîlo III ter-^ mina cm
Gregurio VU. Na primeira a Egrcja organisa rsi-se como poder
espiritusil, depositario de doginsi, e impuzera o| cliristismismo como
religiâo do Estsido ; nsi segunda oomoçara por obter a sua uutoiiomia e
tci-minarsi por fuuilar a Egrcju-Estsido ; na ultiina coiiseguira transformai'
o Esta do da Egrcja cm mouai'chiii uni versai ou tlicocratiea. A partir
desta ilcrra-
(1) A tul rospeilo sâo significatives os segnintos t< xtoa do eodigo
Tlicodosiano : «Quoliens de religion o agititr. episcopos couwuifc agit arc (L. 1'
de religîone) ; Clericos uuu îiisi npucl episcopos convenit accuisaro ClericoH
etiani, qura indiscrelim ad soeculares judîces dol eiv deduci iufans-lus
preosumptor edixerat, ppiscopali andientioe reservamus (L. 41, Ut. 43, de
JBpisciijiis). Nessas disposicôes esta expresse o privilegîo de fôro dos] clerigos.
Mas nâo era sô isso. A Egreja desde Constant ino adqueriru o direito de eatonder
sua jurisdiceno aos proprios leigos, conforme se vcrilica da Constituicâo 331, e
mais tarde .Tustiuiano saiiceionou essa protica.
GEKAL DO DIREITO 197
deira phase couieya a decadencia rlo papado c da Egroja, coin o graude
scliisina e coin a lteforma.
A Egrojsi, porcin, nâo se deixaria dcclinar e submettor sein
0 proteste do uma organisaeâo Icgislativa eorrespoiidente ao se»
dcsenvolviniento organico e historien, .soin a construcçâo de uni
inonuiuento que attestasse aos posteros a grandoza c a proemiueiicia
de sua fuiicyâo social. O Corpus Juris Canonici foi o
prolcsto e. foi o iiiouuuiento coiu que cl la afl'ronton a llenasceiiya
e o inuiido nioderiio.
No correr da sua desenvoluçâo o clnïstianisino tinha con-st.ruido
nâo sô uma doiitrina, nuia philosophia e uma artc suas, como tanibcni
uma legislayâo propria : o Dircito Canonico— expressao, cm sou periodo
culminante, da Egrcja-Estado o do l'apa-Itoi. () Gitliolieismo,
protendcndo supplantai' a morte, | eoiuo na llicocracia egypeia, traton do
inumiiiear-.se cm uni corpo de dircito revclador de sua pujnnyu scculnr.
E o Corpus] Juris Canonici voio a ser uma realidade. Vcjaiuos a ordem
eut que appareceram sens oleuientos coustitutivos e eouio elles forain
depois codilicados.
No periodo inieial da Egroja, sob os priniciros 31 papas" chamades
servi scroorunt I>ci, cuiqiiauto clla se organisa como dogina e scus
chefos sâo martyres e santos, o dircito canonico positive nâo existe.
Durante «ssa epoeha «a Egroja esta mais nas catacunibas do que sobre a
terra», na formosa expressao] de Bovio.
1 No scglindo periodo (de Coiistantiiio a Carlos Slagno) jà o
dircito canoiiino apparecc e constitue-se largameiite. Coineça a
(aina dos concilies e a auloridade papal expaude-sc cm çiuisLL:
tniçôcs e doi'.ri'taos. Por essa epooha vô-sc apparecor a juris-!
dieyâo episeopal, prinieiro coi fi p voluntaria, depuis como necessaria—
jnrisdiooào que se excreia nâo sô sobre os bens e pessôas
«la Egroja- como sobre os négocies dos leigos que recorriam voluntariaiiHMite
ao tribunal eeclesiasfcico.
No terceiro periodo (de Leâo III a Gregorio VII) a obra politica c
Icgislativa chega ao seu apogeu com a Egroja feita Monurchia Dnioersal ;
o niovimeuto começa pelas immuiiùlotlest e acaba nos diotatus papoe —
suprcuia expressao da theocracia,
198 CGMPENDIO DE HI8TOKIA
ainda no diaer de B.>vio. Ao lado do Papa — imperador c elei-1
toi* do iiuperadoros, a Egreja ostenta o Papa-lcgislador e jniz.
É claro que neste période dévia o Direito C.iuouïco ebegar a
eonst ituieilo dennibiva o no maximum de sua intluoncia. " Aos
surfcos da logislaç&o civil iuipregnada do Direito Koutano, a
Egreja oppuuha uma croseonte o podoros i legislaçao, a
a prevalecer sobre aquolla. E foi entîio que, fazendo se sontir a
uecessidade de um.i codifinaçâo— sobrebudo pela conveni a de
onsinur o Direitt> Canonico, ao lado do liomano, nas XJuiversidades—
surgi u o Qncretiun Qratiani, ;i pcdi-a augular do edific-io |
do Corp m .Tarin Cunonici.
Entreinos lia analyse pirticul.ir de cada uina das partes dosée
corpo de direito.
Anteriormeiite a Graciano o Direito Canonico bavia tldo mua
priiiieira eompilayan rogular no trabalbo de Dionysio o Pequono,
elalv.mido no seculo VI (l). Esse trabalbo, iiibitulado Codex canon
tua ecdeniasticornm, nîio podia mais, scculos depuis, servir ils
neeessidades e conveiiieiieias da Egreja. T&o poticu podia servir a
allas a colleeeîi) do bispo sevilbano Isidoro, o Codex Canonum
confeocionado un seculo VII e mystificado aigu ni tempo depuis
pela compilaca-n das fij.-l.sas decrebacs apparecidas sob o nome du
Isidoro murcitor ou pnecator.
Nestas eoiuliçôes Graciauo, iiionge bénédictine do B>>lonba,
uietteu niâos â obra de uma nova codificaçao, visaudo o mesmo
escopo de Dionysio o Pequeno : oppor ao Direito romano a barreira
da legislaeaociiuonica.
JXMç'crvtum Gratiani, que teve o siib-titulo de Discordantium
Canonum Concurdantiu e cuja data é gérai mente collocada entre os
au nos 1141 e 1155 (fixando-a milites uni 1151), foi buscar os scus
îuateriaes nas colleeeôes anteriores, nos escriptos do abba-de
Hegiuoii e dos bispos lia reliant e Yves, nos décrétas dos cou- '
cilios, nos canoues dos apostolos, mis deeretaes antbentieas ou
suppostas dos papas, nas opiniôes dos p idres da Egreja. nas Ca-
(1) A boni da verdudu historioa do vu mus consignai" a qui que a mais ans
tig;i colleoeâo de luis canonious é a dos Ganutie* ayostolorum, organisada por un
descooheoido, auteriormeute ao ooncilio de Nicéa.
GERAI. DO DIKEITO 19!)
pitulnres e atô mosino no direito roman o. A oollccoao foi divi. iliflsi PI»
très partes intituladas : l.* dûtineciones, 2.» Canxcrr 3." Tractatus de
consecralionc. Àcolhiiïi pclv E.rreja co in o inaior f.ivor, o papa Eagonio
III npros3oa-30 a ordenar que clla servisse de texte as liçôïïs de direito
can.iaieo nas Universida-des catholioas. Ahi o Décrétant Gralîani foi, no
correr dos te ni. post, objocto do glosas dos deerclist/ts, ad instar do qno
faziatn os legistas coin o Direito romano.
No seculo XITIjâ- o trâbalho de Grnciano esta va mnilo | abaixo do ni
vol eanonico da epocha. Um nmnero prodigioso de deerctaes e grande
qiiantidado de ooinpilacôes, como as do Ansolino de Manfcna, Boruurdo
de Pavia, Joao de Val la, Ber-nardo do Oampostclla, tinhatn-so
ariioivtoacto, oinbaraçaiido o ostndo do direito da Egrcja, o nrgia procéder
ao trâbalho de eodifieayao das novas fontes. Esse trâbalho foi conftado por
Grngnrîo IX no doiniiiicano catalan Don Rayinnndo de Peiina-fortc. que o
apresenton acabado cm 1543. coin o t i tnlo de Décrétâtes Grcgorii IX. As
Deerctaes forain divididas cm oineo livros, de accorde coin a classificacao
qno o Brcoiario de Burnardn do Pavia tornara conhecida e qno fora
rcsniiiida ncs'tc hexamètre : jade.r, judicium, clcruiii, eonaubùL crinten.
Esta coinpilaçào 6 tambeiii conhecida pela dononiinnçào de
Extra,—isso pelo facto do ter sido foi ta extra Décrétant Gralîani e para
complcmcnto .destc. Goino sua antecessora, clla foi innndada ndoptar
lias Univcrsidadcs c serviu do base As glosas dos tbcologos.
Soin que decorressc uni seculo sobre o trâbalho de Don Rayinnndo
Pcnafortc, mua outra coinpilaçào de di r ei to eanonico fez-se necessaria e
veio a Inme. Foi ella o Liber sexius Décréta-Hum, on Deerctaes de
Bonifaeio VIII. Este papa enearregon nma commissan do très hispos do
offeetnar o trâbalho, c no on-cftrporal-o ao Corpus Juris Canonici dcnlhe
o nome de Liber Sextus para signifient' que elle de via ser
considerado coin pie -mentar dos 5 livros das Deerctaes do Gregorio IX.
Goino estas I o Liber Sert as foi alias dividido tain lie m cm 5 livros, que
forain mais tarde glosados por Johanucs Andréa.
-*_
200 COMPENDÏO DE H18TOKIA
Pouoo dcpois do Liber Sextus, cm prineipios do scenlo XIVvoio
a Inz umà nova collecçilo do lois ccelcsiasbïcas, a nltima feita
cm virtudo do ordcm pontifical. Foi a dus CoastitiUiones \
Glemcntinoe on Libri.. _ Clément inaruin., imindada organisai' polo j
papa Clémente V o qno s6 apparcccn depois da morte dente, sob
o papado do Joîlo XXII. As Qlenicytims continham, aléin j das
décrétais de Clemcnbe V, os cannncâ do Concilie do Vieilli», qno o
mesmo papa prosidira. Esta eompilaçîlo foi, por sua i vcz, dividida
em 5 livros, sendo foita a dcstrilmiç&n das ma-terias segundo o
méthode adoptado no Extra e no Sexto»'
Em rigor o Corpus Juris Canoniei compfle-so npenas das
fontes que ahi ficam apontadas : o Decretmn, o Extra, o Liber
Sextus o os Libri Clément inarum. Mas na o pocha cm que o papa |
/ Gregorio XIII deercton a constitiiiçîlo definitiva do Corp un Juris
/ Canoniei, claitsnm, (15S0) entraram a fazer parte deste as colléeçôes
das Extravagantes (quia vugantur extra colleetiones tune, confeettui)
on compilayfles das decrctaos do Joîlo XXII o do sons
snecessorcs atô Sixte IV—compilâmes foitas por canonistas nîlo
autorisados a isso polo chefo da Egreja. De modo qno, a partir
de 1580, o Corpo do Direito Caaonico ficon oflieial mente
organisado pela juxtaposiyao das segnintos fontes : 1." Décré
tant GraHani, 2.' Décrétâtes Gregorii IX, 3." Liber Sextus Deere- ]
Italium, 4." Libri Clementinarum, 5." Extravagantes, divididaS cm
extravagantes de Joîlo XXII c extravagantes communs.
. Entrotauto as ertiçôes modernas do Corpus Juris Canoniei
I jnntam ils fontes oflleiaos estas outras, qno no correr dos tempos lho
forain addiccionadas como appendices : uni 7.° livro de De-or etaes,
contendo as dos snecessorcs do Sixto IV até Sixto V. as [ Decrctaos
do Alexandre III no concilie do Latrîlo, as de Inno- j cencio IV no
concilio do Lyîlo e as lnstitntas do Lvncclot. itodas estas fontes extra-officines nîlo tOm | val or canon ico
reconhecido.
Desenhado assim, om suas grandes linhas a r ch i tecton i cas, o
gigantesco editicio do Direito da Egroja, é licite perguntar : | Em
qno foi qno essa portentosa constr.ucçilo embellcson o me-lhorou a
Cidado humana o ospecialmente a Cidado Juridica, tîlo custosamente
edificada por grogos,* romanos c germanicos,
rtKRAL DO JHRËCÏO 201
atravcz de In tas as mais ornais o no carrer de secnlos os mais agitados ?
Coin que e de que modo contriluiiu o Dircito Cano-nico para o
aceleramcnto da evolnçîio social no dcpai'tamonto juridico ?
Responderëmos n'uina rapida synthèse, porque a isso nos obriga a
estreitoza do tempo o do esp-iço.
O Dircito da Egroja, com scr papal e intolérante, coin sor muitns
vezes cruel e usnrp;idor, nom por isso dcixou de inflnir boncficaincnte na
desenvolnçâo jnridica da linmnnidadc. O pri-III it i vo espirito christâo
(pie o nnimara mis cataeutnbas de Borna infiltron-llie no organismo
tendencias de gencrosidade c de dcli-cadeza moral que todos os horrores
da Inqnisiçâo njo podorain climinar. Dcssas tendencias naseen a acyao
que a logislaeiio e] jurisprudeneia canonicas exerceram sobre o dircito
romano e o germanico para expurgal-os de uni cerfco numéro de
instituiçôVs c p rat icas, in compati vois com os principios de
linmanidadc e com a dignidade indi\ idual.
Abstraliindo dus largas modiïicaçôcs q'ie o Dircito canonico
iiitrodiiziii no dircito snbstantivo romano-gcriuaiiieo, especial-| monte no
que toca ao di r c i t o (las pessôas ; assignalarcmos, no campo do dircito
adjectivo, as conquistas capitacs por elle obti-das. Foi elle quem primeiro
se bateu contra os primitivos e barbares processos de prova dos germanos,
pela voz de S. Ago-| bardo e pelo voto do segnndo Concilio lateraueuso ;
foi elle qncin, pelo orgao de Iunocencio III, proclamon a necessidade do
processa escripto, cnm os trainitcs do citaçao, da prodnccâo de
docuinenfcos, da prova testeinuiihal, etc ; foi clic quem intro-dnziu na
pratica judiciaria o reinedio das appel laçons ; foi elle, finalmentc, quem,
por intermedio de sens jnristas, creou a pa-lavra dcsignadora da lu ta
judiciaria, substitnindo pelas exprès-sues processus, processus juris ou
processus judiciariiis, o jiuli-cium c a ordo judicinrum prieatoruni dos
roinanos. 15 basta isto para que vejamos ncile uma das poderosas
alavancas da média-nica jnridica — uma alavanea do ferro c on.ro que
tendo como ponto do apoio a fé imponderavel pou de dcslocar o cixo do
mniido pagâo.
20
XII
Outras ccrrentes jurïdicas medievaes : — As Universidades
; o Dïreïto Romano. «- A obra dos legistas ; os
Costumeiros. (*)
Uni dos fil et os culminantes dit. Edade Media é a inllnencia que as
ITniversitalex jurhliiru-m oxerceram na Knropa sobre a sciencia e a
pratica do Direito. especial mente do soculo XII cm dénote. Si niio
bastasscm o l'endalismo, a cavalluria, as ernza-das, a
cotistituicao do direito canonico e o movimciito (las coin-miinas, para
caractérisai" o largo e caliotico periodo de transiyao entre o miiiido
antigo e o moderne, ahi estariam as Univer-sidades para dur-lue mua
feicao particular, original e inerecc-dora de estiulo. A quel les que veem
no periodo inedievico niua phase de retrogradvicao social e
cntorpecinicnto intellectual csqnccein este facto eloque.ntissiuio, cnpnz
por si sô de réhabilitai1 o periodo historico de que se trata.
A dominayao barbarica e o consequeutc estabelecimento
(#) FONTES : As mesniiis tlo capilulo nnterinr e mai» : Biagio Brugi : I fasti
aurci d>l Dititlo Homwo; C. Cuntû : JJist. Vniv, réf. e arap). por A. Ennes. vol.
9 ; IheriDg : O espiriio do Direito Romano, trad. franc.
3
204 COMPENDIO DE HISToKIA
do rogimcn feudal tiïio tiveram a força de ci rcuinsère ver cm absoluto as
celhis dus conventos o aiiioir (las lettras u «las sei ci as ; o ostmlu do
Dircito polo mcnos, scgundo a Iradieîio c orieutaçao roman as, mantcvcso
pcrciiuc c publico, eonstituindo lia Europa occidental mu prolonganieiito
das csoolas bysautiu.is de Constaiitiiiopla, do Beryto, do Alexandria, do
Ccsarea e do Atlicnas. Sfio prova disto as escolus de Borna e Pavia, ua
ultî-ma das qnucs 6 sabido que durante o sec.ulo X serviu de base-para o
ensiuo o Bruckyloffiis, uni tratado de autor deseonliccido, calcado nos
moldcs das Iiistitulas de Justiniauo.
Esta perinaneuoia da lettra o do espirito do Dircito Borna-no atravez d
i invusào gorai initia o respect i vos estabeloeimeutos 6 alias mu facto que
nîlo précisa do larga demonstrae&o. Ja lu ma vez tivciuos occasiâo de dizer
: que m figurai' meiilalmcuto uni mappa ethnograpliico -juridico da Euro
pu depuis da queda de Borna, principal mente no periodo que vue du scc.ilo
VI ao seeulo XII, veiû que a parte su 1 u eentrooeste do continente
apresenta a esse tempo uma pliysiononiia eomplicado onde os dircitos
romauo e gernianico se acostam c se crusam. Déniais basta rccordarino-nos
do priucipio da persoualidade vigoranto no periodo das legen c uo da
monarchia frauca, para verificar-m os que o dircito germanico nfto
climinou o dircito romauo dos paizes cm que penctrou. Na Italia, uns
Gallias, na Hespanha, cm fi m mis nutigas provincias do Imperio decahido,
a lcgisluçao latina lutou bravamente coin a dos iuvasores e nîlo siiccumbiu
na luta, eomo o provani as colleeçôes de lois romauo b.irb.iras a que ja
tivemos ensejo dereferir-nos.
Vivo ussiui o direito romauo em plena situacâo b.irbarica e feudal,
uada mais uatural do que o son estudo e ensiuo entre as populaçôVs
latinisadas, quer cm escolus propri iinenti' juri-dicas, coin» as citadas de
Borna o Pavia. quer nos cursos onde e.ra doutrinada no sen coujuucto a
sciencia médiéval.
A sciencia du Edade Media, on antes, a sciencia ensinada mis
escolas medievicas, cra apoucada e pobre,—o que cxpliea, digamos de
passage m, a possibilidade do apparecimento dos Picos de Miraudola
dizondo de omni re scibile et quibusdam alivt. Sete artes, divididas em
menores e maiores e constituiudo dois
GERAL DO PIREITO 205
grnpos denoin inados trivium o quadrivium, abrangiam fcodos os
conliccimentos (la cpocha* As artes menoros do trivium cram a
grammatica, a rhetorica o a dinlectica ; as majores do quadrivium erain a
arithmeticu, a geonictria, a nuisica e a astronoiuia.
A simples nouionolatiira das materias indica que o Direito nao
entrava como disciplina cspecial e autonomica no piano de estndos das
escolas medievaes. Dalii nao se concilia, porém, que elle nâo ont
onsinado. Era-o, como fazendo parte da dia-lecticit e portante v i n l i a
i nc l ui d o 110 trivium. « O mestre de dia-leetica (diz Biagio Brugi)
dopois de ter dado as regras sobre o raciociuio, arguinsntnçao, divisôes,
dofiniçôes, conclusôes, efce ; exeniplificnva todas as regras theoricas
coin ev^niplos tirades do di rci to civil e assim exorcia o dnplo officio de
mestre de dialcetica e de. direito civil. » Nas obras dos dialecticos
mcdio-va es, cspecial inente na de Severino Boec.io (Dialectica) oncontram-
se numerosos exemples desse enrioso methodo de eusiuo. Eis, duas
passagens de Boccio bastante signifient! vas :
« Sed ad id totum de quo disseritur, eu in dcfiuitio adhibe-tnr, quasi
invotntuni evolvir id de quo quoeritur. Ejus argument! talis est forma : jus
civile est conuitas constituta his qui ejusdein civitntis sunt ad res suas
obtincudas, Ejus au te m oequi-tatis u t i l i s cognitio : utili s ergo est juris
civilis scicutia. »... «Sit e i i im diibi tal. iile an in aliquo agro milii
atquc vicino simul |pascere liceat pecus : id est au jus sit coiiip.iseere.
Sithjrctum igitur, est agor, compasecre vero prédicat uni. Faiaeinus
itaqne argunientum boc modo. Hic do quo quoeritur ager coinpascus est,
iu compascuo autem licet compascerc, in hoc i gi t u r agro licefc
conipascere. »
Nada disse parceerâ oxtranbo si attendermos a que a Grammatica
mit, na Edade Media a arte par excellai CM e entrava m uo circule de
suas iudugaeôes as antigiiidades ci vis, juridicas e religiosas. Foi a
grammatica, por interniedio de Isncrio, que do trivium fez passai' o
dircito para a Universidado de Bolonba, e ninda oui pleua floresceiicia
das Universidades militas vezes mu sô professor dava licôVs de poesia,
de rhetorica o de iustituiyôes civis.
A trausieâo das escolas medievaes para as Universidades
206 COMPENDIO DE HISÏOJRIA
( UniveraUatcs : île ni unum, vertere universiton) cra unia l'atali-dadc
bistorica determinada pela necessidade que son lia a elite\ intellect uni, o
clemcnto culto da Edade Media, de réagir contra a estreitoza do regimen
fondai, por mcio do principio da associa-j c&o- A mesiua necessidade, no
ponto do vista ntaterial, impu-i |zcra-sc ao olemento popular e democratico
o fixera surgir as associaçôes on corporaçôos de officies—as nniversitates
mitorum, i sartorum, etc.
Soja, porem, esta ou outra a causa do phenotueuo, a verda-1 de é que
a partir dcsecnlo XII nos vaines encoutrar nà Ënropa, n&o ja como simples
ostabclecimcntos de instracyâo particuln-rcs ou officines mas como
verdadeiras coin nui ans espirituaes de lextensas regalias c privilégies,
associaçôes ou corporaçôes eom-postas do professores e estudautes, nos
quaes eram leccionados larga- e brilbanlemonte os dircitos cauonieo o.
romauo, a tlioo-logia, n mediciiia, a pbilosophla, etc. Essns associaçôes ou
corporaçôes eram as Universidades, das quaes as mais importantes e que
mais rouome obtiveram fora m as de Boloulia e Paris, aliâs diversificadas
nos respectivos typos de orgauisaçao.
Digamos alguma eousa sobre o modo de formaçao e sobre a
nature/.;» de. cada nma.
A uuiversidaile de Bolouba, mais antiga do que a du Paris, | surgira
pxpontaticaméntc da assoei.içao de mestres c diseipulos, dexejosos uns de
propagar e ontros de aprender a sc.ione.ia do Direito. Os estudautes
escolliiam livremente os sens professores I e remunernvaiu-n'os. A
earencia de livres impualia naquelle a necessidade das preleeçôes ornes, e
qnante mais profond» on brilliante era a palavra do professor mais
coneorrido e afamado se tornava o centra universitario onde elle professa
va. O de| Bolonhnja tinba nma gloriosa reputuçâo qnando Prederico Barbaroxa,
expontaneamente ou a pedido de estudautes e professores,
concedeu a uns e ontros uni certa numéro de inununi-dades e privilégias,
entre os quaes sobresnbia o de nîio poderem os estudautes ser poiseguidos
pelas nutoridades ordi Hurlas por motivo de dividas e deliclcs quacsquer,
tendu o direito de optar pela jurisdieçao parlic.ular dos professores ou do
reitor da TJniversidade. A partir dabi Bolouha apparece como cidade
208 COMPBXDIO DE HISTOIirA
depois do scia an nos. Apôs esses prasos O candidato sujoifciivase a du as
provas : mua parti c.nlar, peranto » arcediago e os dontores, e outra
publica, que era a de fessa du iiin.i thèse, feita na cafcbcdral, oom grande
solemnjdado. O c.urso completo o coroado sommité pela prova pirbicular
d.iva direito no tituln de licencitido. Passade» o 5." anuo de csfcndos o
escolar era con-l siderado baeharél c obbinha o direito de cxpliear mn
tifculo dos textes on inesnio uni t rat-ado.
A nuiversidade de Paris foi constituida cm 121)0 por Fi-Iip-pe
Auguste pela ciicorporaçâo ou fnsâo das escolas de Foiiare e de
Montagne Sainte Geneviève. Sua organisante divergia da| de sua rival de
B donlia no facto de nâo ser, enmo esta dirigida por uni senado cleito
pelos estudantes. Na uni vers idades do Paris somente existiain
professorcs e estudantes snbordinados a estes, e nâo cliefes cl ci tes dos
quacs depondessein os professorcs. Très faculdados constitniani a
principio a nuiversidade : a de thcologia, a de direito civil o a de
încdicina ; mais tarde teve ella unia cadeira do direito canonieo
propriamente dito, e tal foi o cl aster io que tiveram os seus en rsos, que
no coineço do seculo XIII ponde ella orgnlhar-se de abranger todos os
conhccinientos lui ma nos o de uiececcr ôs apellidos do. foule do imber,
arvore da vida, candelabro da casa do 8cnhorf etc.
Tao numerosos e tîlo importantes como os da universidade do
Bolonba eram os privilegios da de Paris. Os estudantes nâo esta va m
snjeitos a jnrisdieçâo ordiuaria, mas si m a da TJuiver-sidado nos
assnmptos propriamente cscolares e a dasautoridados ecclesiasticas nas
outras materias ; gozavam além disso de todos os direitos da communa,
embora nclla nâo estivessem domicilia-dos; nâo podiam ser
cxcomraungados—privilegio de que eout-partilliavam os inestres ; nâo
eram obrigados a dar penbor aos burguezes para garantia do paga mente
de alngucis ; nâo podiam ser coagidos, em caso aigu m, a intidar-se ou a
p restar sprviços ao Estado, e tinham sens livros isentos de penbora. O
cbefe da universidade ou reitor esta va por seu turuo isento da jurisdieâo
real, assini como a universidade e os sens mensageiros esta vain isentos
do pagameuto do portagens. O prebosto de Paris o o ca-j pitâo das
guardas p restavam jurameuto perante os professorcs
OKHAI. DO iHKKÎTO 207
ou coin mu na «le facto govcrnada pclos estndantes o mestres do Dircito
encabeçados polo compétente reitor. A jurïsdiceao dos magistrados
ordinarios c da Côrto Kpiseopal exercia-se talves sobre menor numéro do
individuos do que a dos proféssorcs e do reitor da TJniversidade, — tal
cra o numéro dos estndantes existeutes em Bolonha.
A administraçào snporior da Univorsidade cra cl ci ta pe os estndantes
c conferida a mn Se»ado coinposto de très membros : o reitor e dois
conselheiros, delcgados on deputados dos dois ) grupos do naçôen cm que
se dividiain os estndantes. Estes gru- \| pos erain o dos ulIramonîtinoH, que
eomprohendia dczuito naçoes, | c o dos citramontanoB, que conta va
dezesetc. A Universidade l'cpresentava-sc em juizo por nm syndico clcito
animal mente o | tinha uni pessoal administrativo coinposto de nui notario,
uni maceiro, dois bedois o dois taxadorcs, —estes nltimos encarre-gados do
fixai' o preço dos alojamentos dos estndantes. As cleiçôes, inclusive a do
reitor, faziam se todas animal mente.
Os proféssorcs, por occasi&o da noineaçâo e depois délia «ma ve/. por
an no deviam jurar obediencia an reitor e aos estai -tutos e estavani sujcitos
a snspeusoos e peints pecuni arias. Os estndantes jura vam tambem todos os
an nos obediencia ao reitor. Os do nationalidade ostrangeira (wleena:
foreuses) gozavam de todos os direitos dos cidadaos bolonUesos e a mesina
régalia cra coucedida aos meatres. Uni outro privilegio de que gozavam i
mestres c estudantes cra o de serein indemnisados, pela cidade, ' dos roubos
de que fosscm victimas, dado o c.iso de qne o crimî-noso nâo podessc por si
effectuar a indomnisaçào.
A principio leccionon-se cm Bdonna apenas a seiencia juridica 5
mais tarde, porcin, cstabeleceram-se cadeiras de grammatica, de medieina,
de theologiae de artes liberacs. Os enrsos do dircito dividiam-se em
ordinarios c extraordinarios, conforme a materia sobre qne versavam : nos
ordinarios leccio-nava-se o dircito romans 5 nos extraordinarios 0
canonico. Para os primèiros serviam de textos o Digesto e 0 Oodigo ; para
os segundos 0 Deorelum e as Decrelaes. A obtençâo do grao de doutor
em dircito civil on romano sô podia ter logar depois de 8 annos de
estndos, e a do grao de doutor em dircito canonico
GËtlAL DO DIREtfO
209
da TJnivcrsidadc, por occasiâo de tomarem posse dos sens cargos—o que
é altiimente significativo da autoridade nâo sô espi-ritnal como temporal
de que cra deposifcaria a célèbre institui-. çâo. E o intéressante 6 que tal
aufcoridade nâo reponsava sobre elementos de fortnna ou reenrsos
pecuniarios, porqnanto a uni-versinade era pobro : rciinia-se a mûr parte
das vezes n'a m claustro por nao possnir uma casa propria onde
fnnecionasse. I As anias abriam-se pela manlia coin as prelccçôes dos
pro-fessores ; ao mcio dia começavam as controversias e discussôes, que
crain seguidas de no vas liyOcs on dissertaçôas e por fini de repefcigôes.
Podcriainos enclier grande numéro de paginas entrando em outros
detalhcs e sobretudo narrando factos c anedoctas da vida cscolar nos dois
grandes centros nniversitarios de Bolonha e Paris ; mas iicnhnina
importancia real teria isso para o resul-tado a que queremos chegar e que
se résume na determinaçâo do papel das Universidades na propagncao c
desenvolvimento do direifco, especialmonte do romauo, no ultimo
période da Eda-dc Media. Basta accrcscentar que o retombante successo
das iiniversidadcs de Bolonha e Paris provoeou, polos tempos adean-te, a
creaçao de cscolas congénères cm todos os principacs paizes da Europa.
A Ilalia, além d i de Bjlonha, teve as de Sicnna, Perusa, Padua, Parma,
Pisa, Ferrara, c Borna ; a França, a fora a de Paris, possuiu as de
Montpellier, Orléans, Toulouse, Valence e Bourges ; a Allemanha as de
Praga, Yicnna, Heidel-berg, Rostock, Greifswald, Tubingen, Wittenborg
e Francfort; a Hespanba as de Salamanca e Alcalâ ; Portugal a de Lisboa,
depois transferida para Coimbr.i. E todos esses iustitutos de instrueçao
supei'ior, filiaram-se, com pequenas niodificaçôes, aos typos
fundamentaes das cscolas do Bolonha e Paris, obedecendo aos mesuios
intuitos e talvez aos mesmos méthodes.
Na epoeba em que se den a fcransiçâo das Eseolas das nete artes
para as Uuivcrsidades o regimen catholico-fcudal tocava ao seuapogeu c
entretanto jâ numerosos elementos de dissolnçao ameaçavam-lhe o
coinplicado organismo : os monarebas procu-ravam injectai' sangne
uovo na institniyao da realeza de modo
n dar-lhe força bastante para lutar com a Egreja, na rocompo—
27
210 CONtPEtfDIO DE itlttTORIA
siçao dos sens reinos o na unijicaçao de snos nacionulidadcs|
sob a âcçâo do braço secular ou civil : as cidade» agiam ao mesino tempo
ora contra a Egreja ora contra o Estado na conqnista de suas libard.ulcs c
fraurjnias ; par outro lado o clemento culto da média cdade voltava-se para
a cul tara classica on greco-romana, préparai!do o adveuto da Rcn-
.iscençn, cm meio ils agitaçôes religiosas que prclndiavam as luta.» da Reforma.
No lundo do tndo isso, cm meio a es s» concerto de ins-| trnmcntos
diverses, a nota prédominante cra a da volta ao pnssado, a do reatameato
dofiilatino, eorbado pela invaslo gerraanica c pela situaçao social délia
decorrente. Ao passe-que os homens de letbras dosentetravam os
palimpsestos para estudar c commciitir a antiguidado classica,
cspecialinento a civilisacâo rom.uia ; os homens de estado viam com ollios
syni-pathicos, atravcz dos vclUos documentes c da compétente exc-j gése,
nma ordem de côusas que lhcs convinha, restabelecer, a| quai ncm mais
nom menos cra a organisiçâo politico-social da Borna impérial c
centralista. (1) Dada tal situaçao o tal estado dos espiritos, o resurgimento
dr> Direito Romano ora lima cotisa fatal. Foi dpsse vultnoso e fecundo
aconbecimento que as Universidades se lizeram véhicule, por inieiativa da
do Bolo-nha, qno se fascinara an tes de todas pelo saber c pela palavra de
Irnorins.
Irnorius, Warnerius ou Gnarnérius, grammatico notavel do Bolonhn,
foi, com effeito o iniciador do estnpcndo movimento
(1) Cal» aqni ura expvassivo treebo de Esmeiu :—«.Na compilaçào de
Jnstiniano os logistas acharam a imigeni do ami monarohi-t absohtta e
admiuistvativa, da quil a libardale esta va an'oute, mas do ondo estarnm
egualmente banidas as vîoleucias e a grosses ria da sociedado feudal ; ondo
reiuavam a ordem e a jnstiça e onlo a noyâo de "Estado estava plenamente
desenvolvida com todas as suas c raorjuenuias. Elles aejavarn nnlla a pleua
soberania na pessôa do Imperador, que eva o nnioo a fazer a Ici pola quai
commaudava todos, lançando exclnsivatnente os impostns sobre todns opj
snbditos do imperio, exercendo sô o direito de des tribun- a jnstiça par si
niesmo ou por inagistrados. domiuando emfira até a Egroja, apezar dos grandes
privilégies que esta tinha iâ obtido.t»
| ____ OERAL DO DIHEITO 211
(le rcvivesccncia c reliabilitaefio tlo direito justiuianco. On
fosse pclo dcsejo de a char 110 texto das Pandectas (eujo manuseripto,
segundo a logenda, foi descoberto em Anialfi, o offcrceido
a Pisa polo roi Lothario II) a significuyao da palavra as, (1)
on fusse coin o intuito de scr agradavel à bella condensa Malliildc
(Titl Fiorentiiii : Memorie délia gran confessa Matilde); o
ecrto é que, o bellctrista bolonlicz eiitrcgouae coin ardor ao
estudo e iuterpretaçâo do di rei to roniano o terniinon por instit
i t n i r na uiiivcrsidade de sua terra o ensino daquelle Direito
coni o exito mais compléta e scnsacional que se possa imaginai'.
Cercado de ccnlenares de discipulos que de todas as partes da
Europa corriaiu a ouvil-o, Irnerius fez fort un a e fez escola na/
Italia, ao tempo cm que Abailard, na universidade de Paris, J
dcrrainava as torrentes de sua crudieâo e de son prodigiosoM
lalento sobre as questôes philosopbicas e theologicas que uo(
moniento assediavam as intelligeucias.
A partir dahi o Direito roniano, rejnvenescido como scien-( ci a, ia
sol idifiear-sena consciencia gérai comolei, como Iegislacâo substitutiva
do Direito cominmn c como rival do Direito Ca-nonico.
Disscmos lia pouco que Irnerius fez escola. É couliecidis-sima coin
effeito a escola dos glossadorcs, que durante 350 au nos, a partir do
fundador até o epigono Odofredus, varejou de alto a baixo o edificio do
Direito roniano, servindo se dus glosait, das suinnui, dos upparalus, dos
casus, dos brocarda, das quoestiones o das ordiiws' jiulieiorum, para
expor, interprétai*, commeutar, divulgar e adaptai- as necessidades da
epocha a legislaçao do povorci (2)
(1) Nâo ignoramos que a data em que se aoredita ter Irnerius ini—
ciaélo suas liçôes de Direito roniano é aoterior â do saque de Anialfi ;
iras sendo causa gernlmente posta em duvida a legenda relativa ao achado
das Pantleetas e ao offereoinieuto do manusor'pto, feïto a Pisa por Lotha
rio , julgnmo-nrs antorisados a.snppor que o professor bolonliez nâo pré
cisai i de espérar pelo saque de Anialfi para oonhecer a obra capital do
Corpus Juris Civdis.
(2) A palavra glotsu ou glosa ou gh satura tem varios significados
mas em regra quer djzer interpretafSo. Glossa eram as annotaçôes feitas
213 COMPBSDIO DE HISTORIA
Qaatro foram os discipulos immédiates de Trnerius : Btil-garns,
Martlnn), Hugo e Jacobns, a. vcspeito dos .quaes diz a tradiçao qno o
proprio meslro espiûmia-se deste modo : Bul-garas, os aureun, Marti uns,
copia ler/um, Hugo, meus leguiu, Jacobus, id quod ego. D'entre os muitos
disoipulos posteriores uni, porora, foi o que fi cou como symbolisando os
prbeessos e os intuitos dos glossadores :—foi A.ceiu\sio, o antor da Glpssii, Orili-,
maria, coinpilaçâo ou codificaçîio dos traballios de seus anteecs-sores, que foi
considerada om.v espp.eio de commeuturio perpe-tuo do Corpus Juris Cioilis e
que durante os scculos XIII e XIV obtove a nuior voga. Todayia da seguuda
metade do Secutpj XIV em deante aGlossi entrou cm umi phase de
dccliuio ;n Bartolo o sons discipulos, que introduziram no estndo do dircito os
metliodos e vicios da dialecbica médiéval, veduzindo todas las qnestôes a
merojogo do palavras e a excroicios de logica nrgueiosa e subtil, de aeoordo
com a seguiutc legouda :
Prcemltto, scinda, summo, casamqae
figuro Perlegp, do causas, coimoto et
objicio.
Esta decadeucia, porem, nâo podia mais affectar o Direito romauo, que
jâ cutâo se alastrava, pujnnte e dominador, pela quasi totalidade da Earopa.
De Bolouka passou elle successi-vainentc c conçurrentemeute com o Dircito
canonico, para as cathedras de todas as outras escolas e univcrsidades
daltnlia, peuetraivdo cm soguida na Frauça cujas universidades de Montpellier,
de Paris, de Orléans, de Toulouse, aléui do outras, o acolhcram e
propagaram. Restas escolas da França foi tal o iiieroinento tomado pdlo
romanismo que os doutores c autorida-des da Bgreja sobresaltaram se coin o
sou ascendento, o que determiuou o papa llonorio III a expedir nma Décrétai
famosal
a uma palavra ou a nma phrase & margein do inaunsoripto ou mesmo ei-tre
as linhas délie,- dîvidiam-se, por isso mesmo, em mirginaei e tiit rli' ntares.
Summi eram apanhndns geraes sobre o couteûdo de titulos inteiros do Corpus
Juris ; apparatus erara glossas tralialhadns em forma de com-raentarios ;
castit eram collecçôes de especies simuladas âa quaes erara np-plioadan as
leisromanas; brocarda, broettdi ou brocardica erom collectons de adagios de
direito ; orclines judiciomm eram tratados sobre pvooesso,
GERAL DO DIREITO 213
(dcnominada Saper spécula G publicadaem 1219) prohibindo nos
clorigos o cstudo da legislaçâo de Justiiiiano e banindo o seu ensino da
TJnivcrsidade de Paris. Apezar disso ou por isso mcsmo o Dircito
roinano introduzia-.se iras universidades da peninsnla ibcrica, c afinal
pcnetrou lia Allcmauha, conquis-tando a principio as universidades,
conseguindo do-pois para os roman istas as prerogativas da îiobroza c
obtcndo por ultimo, cm 1495, ser officiaimonte recel)ido na patria do
germanisme por acto cxprcsso c solcuine da Diéta de Worins.
Este estupendo muvimonto de renascimento, de expansao e de
rccepçao adopçâo final do Dircito Ttoniauo é considerado) polo grande
Von Iliering como «um dos phonoinenos mais mara-| vilhosos da
historin, uni dos triiuuplios mais raros da força ititcl-lecfcual entregue a si
proprio.» Eo profnndo juristn tndesco cxpli-ea-o pela prcdoniinancia do
inodcrno espiriio de nnioermUdude sobre o caracter de iiaelonalulatlc do
dircito antigo. Sâ-o ainda do Icmincntc professor de Goettiiigcn as
soguintes palavras : «Très vcaes Roma dicton lois ao mundo ; très vezes
serviu de traço du imiâo entre os povos : pela uuidade do Estado n
principio, rjuaudo o povo roinano estava ainda ua plénitude de seu poder ;
pela uuidade da Ejrejn cm s 'guida, depois da queda do Imperio| rom ino,
c a. terceira vez, euifini, pela uuidade do Dircito, cm seguida il rccepçao
do dircito roinano na cdado-inodia.»
Pode-so por ahi av.iliar a iniporfcaneia do papel que repro-sentaram
as Universidades e o diroito roinano no complicado cuncous politicojuridico
do periodo médiéval.
§
A obra dos. legistas : Os coslunieiros. — As correntes juridicas
que rogaram o solo moral da edade-media nao emanaram sô das
fontes germanica, cauonica e roinana, consideradas separadahicnte,
na sua pureza originaria. Uni outro vcio, de signas meiios li
m pi das, especio do braço derivado de u nia das grandes correntes
c destinado a coiuinunical-as entre si, espraiou-se pela Europa
trazeudo sua coutribniçâo de l'crtilidade â terra do Di-|
214 COMPENDIO DE HI8TOKIA
rcïito. Qucrcmos rcferirnos ao tlircito costumciro e As suas prima pacs
maiiifestiiçôes.
O advcnto do feudnlismoj jA o disse m os, ncarretara a sub-, stituîçîio
do régi mon da pcrsomilidade, vigontc sob a îuonar-chia frauca, pclo da
territorialidnde da.s leis. Quer isso diater que as leges priniitivas e o
proprio direitn da.s capitulares forain-sc ponco a pouco trausformando cm
costumes tcrritoHaes. (1) Esse plicnomcMU accentuou-sc principal meute
do seculo XI por deante. sciido que jA no fini desse sccnlo podia sor elle
nbser-vado ou conslatado do îiortê ao snl da Europa occidental. Os
priuieiros costumes, mais on menés nicsclados de diroito cnno-l nico c de
diroito romano apreseutaram-se, sognndo Esmcin, com dois caractères
priucipaes : craui strictamento locacs, nâo se lapplieando se nâo a uni logar
estroitamente limitado, c mant-i-verain-se por muito tempo fluctuantes,
sem fornecer regra fixa para a destribuiyîlo da justiça. N&o tardon muito,
porém, o diroito costumciro a fixarsc nitidamente na pratica juridica,
toniaudo logar notavel ao lado das legislaçôes oauonica e ronia-na. eomo
succédanco do diroito germanico. Uni facto que, ai primoira vista, pareoc
que doveria produzir effeito contrario vcio dar mu alto relcvo historico ao
dircito costumciro. Alln-dimos ao renaseimonto do Dircito romano, a
propagayAo deste no sul da França c A conbceida divisâo dosta eui paizes
de direito escripto e paizes de costumes.
A Frauça méridional, onde os costumes tinliam uni a base
toda romana, estava por isso mcsiuo apta para a eonstituiçâo
dos dos paizes de direito escripto ; assim quando o direito justinianco
rejuvenescido transpoz-lbe as fronteiras, ella nâo sentiu
difficuldade cm dar-lhe força de Ici viva. Foi, diz uni autor,
------------------—-»
(1) Uns aufcores attribuera acs costumes mua oi'igem cellica (nn Frauça
pelo menos) ; outros encontram-lh.es o berço nos primord'os do feud.v I
lisrao. ornfim ontros fazem-n'os docorrer do antigro direito germanico.
Esta ultima opiniâo é a mais commuinmente seguida. Os clementos constitutives
do direito costumciro foram as luges barlarorum caliidas em
desuso como direito escripto e rcduzidas a uni dircito nâo escripto que no
vos nsos vieram modiijcar e complétai-,
219
como nm paiz qno tendo perdido os sens codigos o havendo vivido
tliir.intc alguns soculos sô eora a rccordaçïio délies, os tivcsso uni bello
dia cncontrado. No sul da Fiança, portanto, o direito costumeiro recuou
deanto do roinano, on melhor dci-xou se muito ccdo iib3orv*cr par clhs.
Outrobanto nîlo se don na Fronça septentrional c centrai : ahi o direito
roinano nîlo foi recel)ido na qnalidade de loi escripta o positiva, c os
costumes territoriaes muntiveram-se firmemento, infiltrai! os, npenas,
aqui on ali, polos priucipios c regras da legislaçâo romana. A essa| regiâo
pertoneem os puizes de costumes.
Estabelecida de facto a divis&o a que ncnbainos de referir-nos—
divisilo que foi officiaiinento rccouhc-cida cm França desde| o seeulo
XIII, a situayilo jnridica das duas regiôes ficon sendo esta : O direito coin
nui m o ger.il nos puizes de direito eseriplo \ sera o contido no Corpus
Juris Chnlis,— o qno ciitri-tauto nîlo | qner dizer que as lois roinanas nîlo
ecriessem aigu nias vezes a nui costume territorial reguludor de unia
especio dada ; nos puizes de costumes, ao contrario, o direito commum c
gérai era o costumeiro, o que nîlo impedia tanibem que o direito roinano
fosse applicado uns duas hypothèses seguintes : 1." como direito
subsidiario no caso de silcncio ou lacuna do costume; 2." como direito
precipuo, derogador do costumeiro, cm inateria de contractes c
obrigacôes.
A historia do Direito costumeiro fraucez te m duas phases capitaes ;
na priincira délias os costumes apparecein dcsiiudos de qualquer s.iuccîlo
officiai, sera outro modo do fixaeîlo além i do iiso ; na seguuda
apresentam-so fixados por esoripto, cm rccacçôes parciaes, mandadas
fazer pela autoridado publica e por clla approvadas o promulgadas. Este
trabalho de roilace&o officiai dos costumes começou regulanneuto no
seculo XV, soi) Carlos VII, que para conscgiiil-o baixon a Ordenança do
Mon-. Lils-les-Tours, e estendeu-so pclos scculos seguintes, havendo
[casos de rodaecâo atô no seculo XVIII.
Fallando dessa fixaeîlo dos costumes pela escripta, Esmciu observa
o seguiuto : «Si os costumes se tornarnin loi escripta nom por isso se
deve crer que elles passaram a ser vordadeiros codigos, comprehensivos
e complètes. Elles contiuham muilo
210 OÔMPEXDIO DE niSTOKèi
pouciis rogras sobre dircito criminal c sobre processo, e quauto no direito
privndo c fondai nâo cneerravain senao nm cérto nunicro
de institniçôes fiança mente regulumcntttdas. »
De resto o largo periodo cm que se realison a rcdacç&o dos costumes
torritoriacs nâo foi o mais brilliautc du epoclia jnridïca o iracterisada polo
di rci to costumeiro; 6 no periodo auterior, dos SGCUIOS XITI a XV, que
nos vamos encontrar os numerosos e importantes documentes que nos
podem servir de fontes para o estudo e apreciaçao regnlares do dircito cm
qncstîio. Tues document os sao os coatumeiros e os lioros de pralicn —
obras de legistas, in a i t os délies notaveis como Fontaines, Beau manoir e
Bonteillor, dostinadas a facilitai- o conliecîmento dos nsos locnes e
mcsnio do direito gérai on commnm dos paizes de costumes.
Kcconlicccndo a necessidade de registrar e compendiar os institutos
jaridicos npenas consagrados pelo uso, legistas e
jurisconsultes, advogados c jnizes, alguns fcxercendo altos cargos
da administraçâo publica, encetarani e levaram a termo mua série
notavel do trabalhos, desde costumeiros propria meute tacs atO colIccçSen
de jnb/.vn'uifos e srnlniças e compilaçôen de pro-verbio* « muxlmas
jiiritUca*, Oeiaiparmos-hemos npenas dos contnmeiro», porque sao elles
que caractérisant o periodo a que nos reportantes. Direntns primeiramento
algo de sua natnrcza e espirito c darciuos depois ligeira notieia de alguns
dos prin-cipucs.
« Kiitende-.se por Coatunieiro, diz Esmein, mua obra privnda (isto é,
sent caracter officiai) na qu il nm particnlar rcuuin as disposiçôes de nm
on de varios costumes.» Ginonlhiac define nssim os costumeiroa : « Sâo
obras compostas pot* pntticos uns qnaes forain rccolliidos os nsos' de
cada provincia relativos ao direito civil e criminal e algumus regras de
direito publiée, de modo a abraear, cm uma ordem mais ou mcuos
metltodica, o direito cm vigor no seu conjnncto.»
Jâ daqui se vê a superioridade dessus obras ou dessus redaccôcs
particularcs de costumes sobre as redacçôes officines inieiadasno seculo
XV : estas limitaram-se a fisar pelaescripta os costumes de tal ou quai
localidade; sqnellas forain mais longe, copiando as instituicôes croadas e
mantidas pelo uso cm
GiîftAt DO DÎRËÎfO 2l?
*—------ - - - • —-—--------------- *—---------------
certas circumscripçôes do paiz, no intnito do expor e divnlgar o direito
costnmeiro coin mu m. A nccessidade de pôr o direito
em relaçâo eom o dcsenvolvimento social, e mais a de oppor um
direito nacional, detenninado, matôrialisado lia escripta, e por
isso mesino mais capaz dé resistir as invasôes do Direito roinano,
para que nâo honvesse absorpç&o compléta neste uitimo ;
tacs forain, affirma o donto professor de Toulouse, as causas
geraes que fizeram nascer pouco a ponco, por toda a parte, na
Enropa civilisada, obras jnridicas do mcsmo car acte r, seme-
1 h an tes fondamental mente ao direito gormanico entâo reduzido
a condiyâo de costumé, mas tendo conservado a feiçâo uacional
de origem.
Acabamos de dizer (pie o movimcnto de rcdaeçâo on coin— posiçâo
dos costumeiros foi gérai e nâo resfricto a lira sô paiz. E' esta
offoctivamcnte a verdade ; si neste assiuupto a França pode servir de base
mais larga a caractérisa çâo do direito cos-tuineiro ex vi da constituicâo
dos paizes de costumes em face dos d(! direito escripto ou romano, nâo
qner isso dizer que se nâo constate a existeneia dos costumes territoriaes e
de cosln-\meiros om quasi toda a Enropa occidental. Na Iiiglatcrra,
|»)l> a dominaeâo normamla, surgirain, do soculo XI ao XIII, livros de
costumes tacs eomo o das Loi» e costumes do rei Qui-Ikcrme, o Trutnttix
de legibus et commetadinibux regni Anglioe, do Glauvilla, o De legibus et
eousnetudinibus regni Anglioe, do Bra-cton, o de Britton, redigido em
francez sob o reinado de Eduar-do I, etc. A Allt'inanha, por sua vez,
teve, ao mcsmo tempo que a França, sens costumeiros (Rerhtsbiicher) c
livros dé pra-tica. A este respeito, depois de ter notado as
inodificaçôes trazidas pelo fondaiisiiio ao velho direito allemâo, escreve
E. Olasson, o notavel jurista francez que prefaciou a obra de Von Sclnvlte
: «...Dabi uina multidâo coufusa do estatutos e de costumes que
ussemelham-sc mais a contractos passados entre associados do que a
verdadeiras lois escriptas on nâo escriptas. Rcsultou disso mua confusâo
tal que os csforços oommniis dos homens da lei e dos que governavam as
cidades tenderam a dur uma certa liarroonia o uma unidade relativa a essa
Variedade do costumes, — do onde os costumeiros e os livros de pra tica
218 corâPEstoio ï>fi ritsfoittl
estes quasi todos consagrados ao processo.» A niesma cotisa acontocon
por toda parte onde penetron o rcginien fondai, 6 que val o dizer ; por
quasi toda a Enropa. Voltemos, porcin, nos costnmeiros f rancezes. Ja
deix&mos indicados o son caraeter o o son espirito ; nias ha nolics ainda
uma feîç&o a salientar, importante mais do que toda s, no nosso ver.
Os coulwniers soo os rocipicnt.es, on depositos jnridieos dos varios
elemontos que formaram a trama do direito durante a Edadc-Modia. Ncllcs
se fez o trabalho do fusîio e de élabora-ç&o do onde dévia saliir o direito
nacinnal francez e desto, por intermedio do Onde Civil, o direito civil
mnderno. Ginoulhiao assignalou o facto nestes dois periodos : «Nilo sfto
so os usos ou o couimnin costume do paiz que formam o fnndo dos
costnmei-1 ros ; elles se coinpôoui tambem de direito canonien c
sohretndo do direito romano, cm maior ou mennr parte».... «Nâo sào s6 o
direito germanico e o direito romano, o direito fondai c o cano-nico, que se
encontrnni nellcs ; c o direito fraucez no son des-abrocliar.»
Este facto basta para dar nma idéa do valor dos trabalho» a que se
entregaram Fontaines, Beau manoir e ontros. Passent os cm revista alguns
dos refondes trabalhos, visando sompre os mais notaveis.
IjC Conseil de de Fontaines (Conseil a un ami, de Pierre do
Fontaines).— E' o mais antigo costumeiro francez transmittido
intogralmeute ate nôa. Como o titnln da obra parece indicar, acroditii-sc
^nralmeutc que olla foi rodigida por solicitasses do mu grande senhor, —
S. Luiz talvcz, pnrquc seu autor peitcncou a um Conselho dessc roi. De
Fontaines propoz se a descrever os costumes do Verniaudois c a pratica
dos tribiinacs sce.nlares ; nias na realidade o qnc clic fez foi uma
paraphrase, se nâo tra-j dncçào littoral do texto do codex de Justiniano. A
data prova-vel do Conseil a un ami devo ser collocada entre 1254 e 125S.
j
Les Etablissements de Saint Louis.—Por muito tempo igno-rôu-se n
origem e disentiu-se sobre a natureza desto Costnmeirn. Montesquieu, cm
faco délie, exclamavu : «O que 6 este codigo obscuro, confuse c ambiguë,
onde se misturam iucessautemente |
GliRAL PO DIREITO 2X9
ft Jnrisprudonoia franooza o a lei romana, onde go fui la conio mu
legislador o sonto-se ma jurisconsulte, onde HO noha mu oorpo iuteiro du
jurisprudoueia sobre todos os casos o poutos do diroito civil f»
Realmento o titulo do livro e o facto do conter ollo uma ordenança
uutboiitica de 3. Lui», na quai se pnwrovia o duclo, listera m crer durante
unt largo periodo quoi OH Kiltibelecimenlos cru ni uma obra legislativa
do rcl Luiz, o Santo, mu codigu do lois confeccionado por este principe.
O ettudo MoiiU"N-.|uieu dtividnvu disse, o boje, depois dos traba. Ibos
do Paul Viollet, n du vida do aiitor do Espirito dus Leis esta coufli'iiuidii,
puis paroce averiguado que o un for du obra foi uni (officiai do rei, que a
escreveu pouco antes de 1272, cm caracter purticular. Les Etablissements
sïlo, por eouseqiieiicia, mu ver'-dadeiro custninoiro. Sun redactor
nbeberou se nus (unies dus di roi tus ruinuiiu o oniionico e
priucipalineuto dos uses do Paris] 0 Orléans. Eis a respeito uni texte
expressivo da obra : «Cy commencent l'Estublissement, le roy de France,
selono l'usage do Paris et d'Orlicus, et do Touraine et d'Anjou, et de
l'office do ebevalerie et de court de baron...» D'outre os custuineiros esto
6 aliits o que encerra maior uiuuoro de délai lies sobre o régi mon fondai
o o direito dos seuliores uo seculo XIII e sobre o direito civil e o
processo.
Li livres de justice et de plet- — Este trabalbo, de autor des-1
coiibocido tambeiu, é attribuido a uni ustudauto da Uuivcr-j sidade de
Orléans, e, conforme a opiuiûo du sou priinitivo edi-tbr, iiIJLo passa de
uma especio de apustillas do eseolar orleauez a que so confère a autoria
do livro. Esta opiniao ô por milites coinbntida e a gcueralidadu dos
escriptores considéra Liliorea\ de justice it de plet como uni costumeiro,
enibora infurior nos oui rus sob o pu n tu do vista doutrinal o prâtico.
Quanto ao scu cotitoddo dia Ginoulbiac : «On reconnaît aisément, qu'il se
compose de droit romain ot de droit canonique traduits, on\ [pourvoit
presque dire travestis, de droit coutumier, d'établisse!-mciits ou
d'ordonnances du roi, do jugements de la cour.* A isto necrescenta
Ksinuin : «O direito costumeiro que elle cxpôc é origiualissituo o
oprescuta uni caracter arebaico muito pro-nunciado». Do inesmo modo
que o autor é dcsconhccida a data
220 ..OOMPENDIO DE HISTOKU
i
do costumeiro om questao, sèndo porêm niuito provnvel qne| O^le tivesse
appareeido na segunda metade do seculo XIII. I
Coutumes de Beauooisis.— O trntado de direito costumeiro,
esci'ipto etu 1283 e assim intitulndo tevo como autor Felippo
de Beaumanoir, distincto pocta e jurisconsulte. E' uni dus,
mais uotavois trabalhos do seculo XIII, no seu genero, porquu
sou autor uîlo se lituitou, couio a oiôr parte dos outvos, a amal
gamai' as fontes çosfcunioiras, roinanas e canouioas : no coutrario,
cniupoz mn livro «absolntamente pessoal c original» un
upiniâo doEsmeiu. Déniais os Costumes de Beauvoisis forain uni
dos oostunioiros, e talvez o primeiro, que esteuderam o campo
do aeçao desses livros ao direito gérai e commuai dos paizes de
costumes, abandouaiido as estreitexas de uni costume local. E'|
p que confirma ( î i u o u l h i a c quando assevera oseguinte : «A obra
de Boaumanoir nio è someute, como seu titulo indien, uma
calleccao dos uses de Beauvoisis ; 6 uni costumeiro, na quai
estîlo réuni dos a uni tempo os tisos dessa provincia e o direito
coinmum ou o costume dos paizes costumeiros do norto da
Frauea.» I
Grand Coutamier de Normandie.— Este costumeiro n&u tem
autor sabido mas pode-se fixar-lhe o apparecimento do 1270 a
1275. Seu autor dove ter sido mu hoinem de espirito snperior
e culto, pois sâo notabilissiiuos à clareza e o methodo de sua
exposiç&o. O Grandi- Cuutuinicr foi provavelmente eseiipto ein
latim, mas ha délie uma versâo franeeza ici ta na epoelm ein quel
é colloeado o seu apparecimoiito, o que tem dado logar a duvidas
sobre o idioma ein que elle foi primitivainonte rodigido.
Como quer que seja, o Grand Costumeiro da Xormaudia eontein
os costumes que a té fins do seculo XIII vigoravain nas il bas
anglo-noriuandas, e obteve, logo depois de sua pnblicaoao, uma
voga extraordinaria. Diz uni autor a preposito disso que os
tribunaes referiraui-se a elle por mnito tempo como a uni texto
officiai. I
Somme Rural. — O autor desta obra fui Jean Bouteiller ou Bontillier,
quo viveu ua segunda metade do seculo XIV o fal- \ lecoii ein 1305, tcudo
occupado cargos importantes como o de buillio c de conselbeiro do rei.
Joâo Bouteiller era uni rega
GBRAL DO DIREITO 221
lista ardente, uni fervoroso advogado da roaleza disposto a for-talecerlhe
o edifieio coin o cimente du direito roniano. Pur este niofcivo o que
elle proourou coin a sua Summa Rural foi «cxpor em liiigua franceza, eiu
tennos in tel ligivoia para todos, fts regras do direito roinano na niedida
eut que ellas orain reco-hidas pela, jurisprudencia dos briouiiaes secii
lares, e iudicar, no lucsnio tempo, as prineipaes, divergeneias dos nos tu
nies». Em todo caso, e apczar do sou roinanisnio, a obra de Bouteillcr o
uni costume! ro aprociave), pois ul6m do direito roinano, nîlo sô c-itado
mas tradnzido, o dus decisGcs profi- ridas pclos tri bu naos dos logares
onde o autor exercera jurisdioçîio, ella contem os costumes (le militas
localidades do norte da França.
Grande Couluviier de France (Cvutumier de Charles VI).—O costa
nieiro doste nome é an tes de tudo uni tratado de direito pratieo que se
suppfle escripto sol» o rein ado de Carlos VI (1380 —1122). Nilo 80
llie eonlieee o autor e é miiito provavel que elle fosse o resultado do uni
trahallio collective; passa porcin, coino produeçao de Jacques
d'Ableiges, persoiinagem notavul que viveu no ultimo terço do seeulo
Xrv. Du quatre livres compile-se o costumeiro de Carlos VI : o
primeiro contem uinaj parte referente & organisaçâo judiciaria- e em
segnida mua série de ordonanças do rei de França ; o seguudo é
consagrado aoj direito civil o trnta da justiya, do direito, do costume, dos
usos, do estylo, etc. ; o terceiro e o quarto reforem-se ao proeesso.
l'odiamos levur inuito longe esta euumeraçào dos costu-meiros,
fallando ainda do Livre de Guido, do Liere de la reyno lilnnche, dos
Ancien* iïsHffes d'Artoin, dos Oontiihiôs du Châteht, dos Ancienu
muiffeu d'Anjou, da Très ancienne coutume de Bretagne, etc. E mais
longe iriamos si quizessamos jui i t a r a essa lista os livres de pratica
(colleeyoes de julgados e de maxiinas jnridic.is) que se succéderai!! aos
costu m si rus. M is nâo lia ne-éôssidâdé disso para que teuhaïuos
conseguido o nosso fini : — di'uionstrar a iniportancia do direito
eosbumiiro e de suas nia-îiifestaeôes no niomeuto em que o Direito
romtno reuaseia e rocoiiquistava a Europa, ora ajudado ora eouib.itido
pelo direito canouico. Foi uesse momuuto que a aima do direito
germauico, transfundida nos costumes territoriacs, oppoz se tenazinente
aos
222 ^JXMPËNblOJ>E_HI8!Çg»IA
dois udvorearios, nfco eupitulaodo afinal, sonâo com a condiyao
du ter l'ôi'os de cidadît nu capital juridica dos a&saltaiitcs.
Gonsoquentoiuootc fuzeinos ponto aqui, accreaccntaiido entra tanto
mua dnphi obscrvaçao que se fa/, ni-cessaria :
l"—Nâo fizomns retercueia «-spécial aos cosbumciros aile-miles,
porquo délies (o Suchxavipiai/el e o Schwabenapicgel : cspis-Uni do
8.1x0, ospolho do Suabia) jâ d issu mus o bustaute quando cstutlamos o
diroito da epoeha PrancoKa ;
I 2. —Nada disscmos uesto cipitulo o no antorior sobre o diruilo
luunicipU, ostatuurio ou foruleiro, das ciilaih-.se villas da Europa
médiéval, porquo si 6 ver.lade que o moviiuento du liberbayîio das
ooiiuuuuas tem uma al ta signiliuaeâo social u po-| litica ; nâo 6 inenos
verdade que juridicuinciitu o seu alcance foi quasi uullo. As car tas, os
ostatntos, os fonics, modificaram quasi sempro o diruito publioo das
cidade-s ou villas, nias nutica HIRS alteraram o diivito privado auberior,
mais ou inenos eauu-nioo o toniauo, feudal o coslumeiro.
XIII
Individuaçâo univsrsalista do Dircito apôs a dissoluçâo
do Feudalismo,
§
O trabalho de fnsao clos dircitos romano, germanico, começado no
seonlo XTI coin o resurgi mcnto do priineiro c S)b o ascendento des te,
nao fieou intciramentc roalisado don-tro do periodo médiéval c nom as
condiçfias soéiaës o politicas |da epoolia pormittiam efïectnal-o eabal o
defiiiitivamcntc.
Dissolvido o rogimen cathnlico-fondnl, a iinmixln<;ào d:is| très
grandes correntos jnridicas foi se fazondo progressiva mas lentaincnta
atravez do todos 03 grand os nnontecimcntos quo| propararam o mnndo
mndcrno : a reconstituiçao das grandes nacionalidadcs, snbmcttidas ao
pod.tr mal, a Ronasocnça, a Reforma, o movimento philosophico do
secnlo XVIII, e o co-rollario natnral dosto : a revoluçâo franceza.
A rceonstrneçao on rcnomposiçao dos grandes osfados, on an tes a
reconstituiçao do podor real effoctivo e soberano sobro os dcsfcroços da
rcaleza fondât simplosmcnto honoraria, tronxo nm dircito novo
reprosentado pelas conslitulionits prliwipum, di-vididas cm ordenanç.is,
edictos, roscriptos, cartas patentes, ele c polos arentoH regulamcntarea
dos parlamentos. A tondencia de tal legislnçao, toda iusufllada polo
espirito do romanismo era a
'i24
da nnificaçao juridica, ao mesmo tempo eomo causa e effuifco da
nnificaçao politica. E ossa tendencia de nnificaçao era ja uni symptoma
dos trabalhos de codificaçâo qne iam ser eflectuados na Europa
continental e especial mente na França. Da luta travada na edade média
entre os varios elementos sociaes e poli ticos qne disputa va m a
proemiuencia espiritnal c temporal, navra sahido nm estado de consas que
fatal meute daria a França a precodencia nessa faina de codificaçâo.
A este proposito couvem rocordar as segnintes pal a v ras de Ernest
Glasson : «No pnnto de vista (la politica interior de eula paiz, a edade
média resume-se cm um.i luta entre a naçâo, a egreja, a monarchia e a
feudalidade. Estas qnatro forças) estiveram cm uni permanente estado de
conllieto com o fi m do obter a supremacia, combatendo jâ isoladamentc
ja- nllindas muas as outras. A luta terminou-se : na Inglaterra pelo estabclecimcnto
de uma monarchia limitada que dcixou nas mâos da naçâo a
porçâo maior de governo ; em França pela conso-lidaçâo de mua
monarchia absolut» a té 1781) ; na Allemanha foi a feudalidade que
triumphou e pouco a pouco rediuiu o im-perador a uni verdadeiro estado
de impotencia.»
Abstraliindo da Inglatorra. eu j a si t naçâo especial, politica e
juridica, subtrahiu-a as inlluencïas gérai mente dominantes no continente
(l) a tendencia codifieadora eedo surgiu nâo sô na França fortomente
centralisada eomo na AUcmanha retalhadal em grande numéro de estados
independentes.
(1) Sobre o pretonso indiganismo abôolnto do dirailo ing]oi c oonreni-
BiitiO onvir a «piniâo du Sumner Maine*, emittida m« spjruintes terraos : <&A
opinido vnlg.ir d>* qne o costume inpfli-z serin inteiramonte iudiffena tem
rido aempre tâo faoilmente ref utadn pela oomparaoiïo a mais snpnrfioinl dus
taxlos do Bracton e do Fleta ,'The Fleel) com o Corp a* Juni que em favor
da bôa fc dos historiadores qne a snstentam estâ-se hoje redntido a allefrar
a violencia dos sons prajnizos. P resentemante sebretndo qno a noonmulaçAo
dos fragmentes das collecçoes anle-justinianeas e a dosoobertn do mannsoriptb)
de Gains augmentaram nosso c-nhaciinonto do Diraitn romane, sob a forma
qne elle ponde ter no momento em qne ponetron na Bretanha, a hypothèse
de uma filiaçâo paroiid, ao nien.es na origem, muda-so quasi em oerteza.p
GËÎIAÎ, 1)0 DlREttO 225
Em França, comcçon o movimento de unificaçao, base do de,
eodifieaeâo, com a redacçsio dos e.osfcnmes e coin a adopçilo do Dircito
romano coino subsidiario do costnnioïro, — movimento do que nos
occnpa-inos no capitnlo anlcrior. As ordenanças reaes vierain oui segnida
collaborai* na grande tarefa. Sabo-se que as de. Lniz XIV sào
verdadeiros codigos sobre o procosso civil o criminal, c sobre o direito
commercial terrestre e mariti-mo. Na Allemanli.i, a partir do secnlo XIII
a tondencia gérai da jiirisprr.dene.ia allemïl (diz o citado Glasson) foi
110 sentido de estabolccor a harmonia e a nnidado na mult-idfto confusa
dos osfcatntos c dos costumes. O direito romano continua a obra de
unifioaçào a uni tempo eonio loi e como sciencia ; como loi dando aos
différentes costumes regras communs, como sciencia satnrando os
jnriscousultos do mesmo espirito. Dontro em pouco a reforma dos
costumes dâ a cada cidade son codigo ; depois vccni os de certos paizes
soi) a dcnnminaçâo de Land-redit: o codigo de Wurtemberg (1555) o da
liavicra (l(il'i) a ctmstilitiçâo do eleitor de Saxe (1592) c o Landrecht
prus-siuno(17fU).
Este movimento coriosissiino, especic de rcacçâo neeessaria, |
consciente ou inconsciente, contra a dispersa*) feudal; irradioti-se pelas
outras regiôes do continente europen, mesmo as mais afnstadas do fôco
romanista. Assim 6 que a Rnssia teve o Codigo de Catliarina II cm 1770,
c a Suecia, a Nornega o a Dina-marca confeccionaram quasi «o mesmo
tempo as suas priinoinis compilaçôcs de leis. Na pcninsula iberica o
Codigo dus Set a | Partidas c as Ordenanças portuguezas de I). Affonso,
D. Mannel o D. Fclippc II obedeceram a tendeneia da epochn. Qnanto a
Italia, si soincnle mais tarde, cm principios do nosso secnlo, tomou clla
parte no movimento, 6 que, impregnada do direito roiuauo, tinha no
proprio espirito destc o elomento de unificaçao que os outros paizes
procuravam nos compilaçôcs e codifi-caçôcs. Embora cmarankada em
uma formidavel rode de fontes jnridicas como fosse m as lois
longobardas e rômanns. as constituiçôos o os capitulos do rcino, as
pragmaticas, os privi-legios, oa costumes geraes e locacs, o direito
eanonico, etc., a
Italia nfto precisou do mover-se durante a edade média no son
29
226 OOMPENDIO DE HISTORIA.
tido indicado, porqne, coino se vcrifica do uni trccho do Save-rio do OU
lis, «a tcndcnoia manifestada na soicnoia c no fdro fut de cooiàenar senipre
mais cuda couiplexo de leis aos prln/ùpios do\ sah'-r diitlffo.»
K a vordadc desta nossa aprcciaçao sobre asitnaçfco jnridica da Italia
evideneia-se flagrnntc.mcnte. qnundo se attenta n'nnia I circnnistancia
capital nesto assnmpto, que 6 esta :—a tenden-ria para a nuincaçilo c
eodifieaçâ-o jnridicas foi dotcrininada| polo ascendento do Direito roinano
sobre os outras dircitos vigontes no deenrso do periodo médiéval. A
dissohiçâo do regi-men fondai foi foi ta, cm grande parte pelo Direito
roinano, oiu favor da rccoiistitniçfto do podor roal edas grandes
monarobias ; estas, cm compensaçâo e tambem por intéresse proprio, forain
1 évadas a fazer a nnilicaçâo c a eodificaçîio das legislaçôos cm proveito
do direito romauo, que eonsegnira primai* senâ-o absorver todos os
dircitos rivacs.
Mas a plona e definitiva réalisa çâo da tendencia oodifica-dora, isto
é, condensadora de todas as forças on. elcmcntos jnri-dicos mais on
menos fusion ados do secnlo XII cm diante, sô vcio a dar-se no conicço
do cadente seculo coin a confecçâo do Code Ci cil on Codigo Napoîcûo.
No meio da grande crise politica e social que rebenton na França cm
fins do secnlo passado e qnc derrocon o regimen da monnrcliia absolntn,
lançando os fundamentos do direito pn-blico moderno e da civilisa çâo
actnal, a Asscmblca Constituinte nîio se esqneceu de prometter aos
francezes a confceçJlo d« nia Codigo Civil cominum a todo o paiz. Conbc
a Oonvonçâo en cotai" os trabalhos nossc sentido, sobre a poderosa
iniciativa de Oninbaeérès ; mas foi o consnlado que teve afin al a gloria de
transformai' cm re.didade a brilhante promassa da Constituinte. Por uni
Décret o de 21 Thermidor, aiino VIII, foi nonieada aina commissâo
incunibida de «comparai1 a ordom segnida na redae-Çâo dos projectos de
codigo civil pnblicados a té entâo, deter-minar o piano qnc lhe parecesso
mais convcnicntc e disentir cm segnida as principaes bases da legislaçâo
cm materia civil.» Os jurisconsultes designados para essa commissâo
forain : Tron-chet, présidente da Côrte de Cassaçâo, Portai is, Bigot de
Preamontai
e Mnloville. Em pluviôse do an no IX cstava prompto o trabalho
da couunissao, que depuis de submcttido a discussîlo Q approvaçîlo da
Côrte de Cassaçîlo, (las côrtes de appellaeîio e du Conselbo tle Estado,
fui por fini prnninlgadu pela Ici de 30 ventôse do anuu XII sub u titulu
de Code Civil des Français.
Aprcciando u contoûdo desto notavel curpo de leis, escre-veu
Ginuiilliiuc :
« Soi) a iiiûueucia das idéas nienos absolu tas, mciios cxclu-sivns,
que tiubam eurso entâo na sociedade e que tciidiam eada dia mais a ligar
o présente au passade, a reatur n cadoia inter-l'ompidu por uni nionieiitu
das gornçôcs e das tradiçôes juridi-cas, os redactorcs du Codigo Civil,
difierentomonte de sens antecessores cm materia de logislacao uâ-o
tiveram a iutençao du répudiai' a rica lieranea de sens paes, como elles
proprios a ebauiaraiu ; quizeram, se ni sacrifieal-os uni ao oulro, associai'
o elomento juridico novo, a fini do que eoininunicaudo-se respoefcivanuiiito
sua propria força, dessein elles ao curpo iuteiro uni a onergia
e unia vida novas. Foi assiui que depuis do ter feito unia Iransacçâo entre
us dois grandes ramos do dircito antigu, entre o dircito escripto e os
costumes, e de ter conciliado suas disposiçôus uu du tel-as uiudiûcado u
mas pelas outras, sein roiu-per a unidade de systema, elles cuiiservarain
das ulthnas ordu— un n cas tu du o que se referia & ordem esseucial da
sociedade, a. I manuteiieao da doeencia publica, a seguranea dos
patriinonius o â i>ruspcridade gérai ».
Mais espressivo, porcin, do que Ginoulbiac 6 Saverio do i Cillis
quaudu diz :
H Uma triplice urdem de idéas enferma u Codigo de Nupo-leao: (I)
— o clemcnto germanico consngrado no dircito cousue-
-
(1) O titnlo de Codigo NapvhSo, substituido ao do Cudv Cnil dus Français
foi decretado em 1807 pelo primeiro Bonaparte, que, alins, tomara parte, como
primeiro consul, uns discussôcs do Conseille do Estado por occusino de elaborarse
o Codigo. Sob a restauruçâo foi supprimido o titnlo do Codigo Napoleâo e
manda do comervar o primeiro. Ainda porom em 1852, sob o segundo imporio,
foi reslubi'lecido o titulo que coiisignuvu o nome do grande conquistador.
228 OOMPENPIO DE HISTORU
tudiuario do militas provincias daFrança, o elemento phtlosophioo\
modcrno, desenvol vido au influxo das idéas rovoliioiouarias, ng-grossivas
do todos os priuoipios do autoridade o de familia, o o elemento romano.
Ao primeiro dostes elemontos correspondent nsseguintes iustituiçôes : o
couselbo do familia, a communliao do bons entre os coujuges, o conçu rso
do herdeiro testameutario coin o nocessario, a saisine, isto é a transforencia
ipso jure da posse da herança aos licrdoiros, indepeudentemente dii posso
luatorial dos bons, a posso animal, base da ueeîto possessoriu, e o prinoipio
tpio attribue o valor do titulo à posse, nas cousus inoveis. Ao segundo
elemento perteneem : a restrice3.o do patrie poder, a aboliçâo das
substitniçôes fidoicoininissarias c das desherdaçôcs, o sasamento civil o o
divorcio. Ao tereeiro elemento ligam-sc iinalmeute : as regras relativas &
propriodade, ils servidôos, exceptnadas as dus cdiQcios, oslogados, os coutraotos
c as obrigaeôes.»
I Destc quadro, tilo singcla e eloqnentemente traç.ulo polo douto professer
italiano, infero-S3 a rigorosa exactidao do que te m os vi i ido affirinando
sobre a synthèse germano-canon ico-romana, que ao iinpulso intell ectuil
dos humanistas da Remis-cença o dos pbilosophosdo seculoXVIII,
andaram inconsciente-mento operando, por largo tempo, as sociodades
ciiropoas. Infere-se tambem, e principal mente, que fui no Code Gioil que
80 roalisou a fusâu deiiuitiva das alludidas corrontes juridicas medievaes,
de volume e de curso ja niodificados pelas uovas iiecessidadcs e aspiraçfles
luunanas. Fui, al i ils, a adapta va» daquelles elementus a tacs uecessidudes
0 as aq>iraçô..'s que J trouxe au CWe Civil a voga iininunsa e a
prepouderaueia extra-ordinaria que lbe furaiu apauagiu e que aiuda boje
fazem délie o puutu de partida e 0 fôeo de attraeeâo de todas as legislaçôcs
0 legisladores.
Com elle i tu, nao furam sô as couquistas de Napole^o I que li'varaiu
por toda a parte e iizeram acceirar a grande codilicacilo i'ranceza ; fui
tambem, e talvez mais do que tudo, a inl ini a currelacau duquel la ubra
legislativa com as teudencias eus ideacs du luuudu moderne 0 das nuvas
nacionalidades. O grande imper ado r îiâo ostoudeu suas couquistas até a
America
GEKAL DO DIREITO 229
o ontrotauto nesfca parte do ni un do tauibim ponctrou o sou Co-digo,
que tem servido du modelo a quasi todos es da America do Sul, que
entro nos 6 considerado direito subsidiario, e que na propria America do
Norto iulluoneion fuudauiento o Codigo da Luizinuia o os projectos do
cousolid.ioao on codificaçao das lois do New York.
Sâo insuspeitos a este respeitoos assortes do Sninncr Maine, no son
adiniravel estudo sobre O Direito romano e a educaçûo juridica. Diz o
emincuto jurista-pkilosoplio :
«A eonqnista iiiiplantoii esta collccçao do lois (o Code Cioil) por
toda extensao do Imperio franeez e dos roi nos que dollc dépend iam
iinniediatiiincntc; e é incoutestavel que tacs lois ahi orcaram riiizës coin
uma rapidez e umi tenacidade extraordi-narias. A mais bella liomcnagom
que se poss.i prestar nos oodigos fraucozes é sua grande e dura vol
populuridudo junte do povo, do publioo profane, dos paisses cm que elles
forain intro-duzidos. Por ocoasiîlo da queda do imperio dos Bouapartos
cm 1815, a niaior parte dos governos restau rades experimontarain o mais
vivo desejo de expulsai' aquella jurisprudoiicia iutrusa que se tinha
substituido nos antigos costumes do paiz. Aeon-teceu porcin que o povo a
estima va conio o mais precioso dos sens bans. Baramcnte ousou-se
persévérai' uas tentativas foitasj para derrubul-n, c na môr parte dos casos
os codigos franeczes forain restubclecidos depois de uni curto exilio. E
nie sô o rcs-peito do suas lois se confirmou em quasi todos os paizes cm
que tiubam vigorado algum tempo, eoino aleui disse ellas iizeram
cnuiiulio cm limitas outras"sociedades, por vezeS mesmo a des-peito dos
obstaculos politieos os mais formidaveis. Tâo continua e tâo irresistivel
foi a diffusao dessa jurisprudencia romunisada, qner sob sua forma
original quer sob mua forma ligeirameute altcrada, que o Direito Civil de
todo o continente esta destinado claramentc a vir absorver-se o perder-so
nolla.»
Tudo isto 6 perfcitaniento exacte e claro ; mas lia alii um poiito
obscure que ô preciso i l luminai '. Dissemos que o Direito romano
contribuira, cornu uni dos princip.U'S factorcs, para a reconstituicao do
poderreal e das uovas uacionalidades, grandes e un»8, em que se
traosforiaaraiu os pequcuos estados fendues ;
230 COMPEXDIO DJ3 BIBTORIA
nccresccntâmos a issoquc as naeion,alidados reeonstituidas, como
que pagaram uma divida do gratid&o ;\i> direito l'onisino peloâ
services délies recebidos, procurando eonsagrar a sua supra-,
macin sobre os outres direitos pela canfeecao do compilâmes ou
Codigos obedientes no espirito gérai da jurisprudeueia romana.
Pela expos'içâo feita sabeiuos que o Code CioU foi n expressâo
niais elevada dessc designio, e tâo éloquente c suggestiva que
Se finpôz a uiaioi' parte da Europa c da America. .'
Resta agora indagar quai a cousu efficiente desse phénomène do
irradiaçao ou generalisaçâo, pois evideutemente nâo uns basta affirmai*
que ella residiu nu iutinm eorrellaçâo entre as disposiçôes do Codigo o as
aspira çôes e uccessidades sociaes do moine nto. Porque rasâo o Coda
CioU e o espirito que o animai gozuram (laquelle estupendn poder de
expnnsîlo, que uào teve cgual cm neidium outre corpo do leis ?
I llespondeinos, sein medo de errai* : — porque a aima do direito romano
vivifica-lhc o organisme) e inspira llie desde o eomcço o sentimento de
nnioertuiluladc juridica que Renia despn-volveu a par do sentimento de
universajidade politieu
Procurando ex pli car o facto da recepçao do direito romano pela
Allemaiiha médiéval, o glorioso Ihcring fui nchnr ossa ex-plicaçao no
caracter de unicersalidade do direito modefno, con-traposto ao caracter
de nacionalidade do direito autigo. Nao reproduzirenios as bullissimas
paginas do iinmortal autor do Espirilo do Direito Romano a respeito da Ici
de recepçao e assi-milaçâo que préside tanto pliysica como
intellcctualmente no desenvolviinento dos organismos vives ; nao
exporemos tâo pouce suas fecundas opiniôi'S sobre o falso supposto da
escola historien quando vê aiuda hoje no principio dus nacionalidadcs a
base uoica do desenvolyimento do direito; accentuaromos apenas a thèse
capital de grande jurista.
Sustenta Ihering que 6 a ici eu de unicersalidade que caractérisa o
période historico-jnridico que vom dpsde a idade média a os nossos «lias ;
que essa idëa é que constitue o mole de rcligayao da era aetual do direito.
E no meio da larga copia de argumentes coin que jnstifica sen modo de
ver, iaz notai* que o direito philosophico ou nutural, proelamaudo a sua
tlicoiia
GERAI DO DIBEtTO 231
du generulidade do (liroito, indopendentemcnte do tempo e do logar,
nada mais fez do que confirmai* se coin a di rccçâo espe-cial dii
hisfcoi'ia moderna c fôrïiiùlar scicntincamcntc il coinniu-nidade e nui
versai idade rcaes do moderne direito.
Si nos fosse permifctida a andacia de additnr algnrna cotisa a mu
nssumpto tratado polo sabio professer de Goettingcn, dii'ianios que si 6
exacte, que a idôa ou principio de Uni versai idade explica o facto da
recep<;âo do Direito romane cm uni paiz de populaçîio e tradiçôes nào
latinas como a Allemanlia, n'ii) 6 incuos certo que o facto da introduoçâo
e propagaçâo do Direito romano eni toda a Europa explica-se pela propria
trn-dencia de uniocrmUdadc immanente na jurisprndencia romnna o
franeameiitc deiiunciada nos sous institutos' do jus genlium e c do jus
iialiintle.. Foi de certo ex vi dessà tendeucia que o direito romano «
tornou-so para o miindo moderne, como o christianisme, como a l i t tor a l
n i a e arte gregas e roui an as, uni | elemento de civilisaçâo, de m "lo a
toruar romana toda a nossa| edneaçâo jnridica : o nosso inethodo, nossa
forma do intitniyâo, etc. » Oi'a como o Code Civil cra e 6 mua Icgislaçâo
ronuinisada, na expressao de Sitmnor Maine, nada mais natural do que|
aquclla sua poderosa força de expausâ') c de nniversalis.içâo.
§
De tndo que aeaba de set* dito conclue-se coin fac il idade que uma
feiçîlo gérai caractérisa o direito das sociedades modérons, depois do
esboroamonto das institniçôos fendues : a iiidividuaçûo unioersulinta. A.'
prinicira vista poder.'i parecer que ha alii uma contiwMclo in adjecto
pois a idôa de individua-çsio ou individnalisiiçao contrasta coin a do uni
versai isaçao. O contraste existe mas nâo inquina de inanidade ou
falsidade a formula exposta. Uni todo organico pode individualisar-se e
uni versai isar-se ; aindividuaçao 6 de ordem physica, a uni versai isaçao
6 do ordem moral. Tambom uma das formulas géra es do progresso
jnridico 6 a pissagem do homogenco para o èfchc-rogeneo, do simples
para o composte, e nom por isso a evoluçao
232 COMPENDÎO DE HI8TORIA
rcspcctiva deixa «le fazcr-so no sentido da simplificaçaO ercs-conto o
aboliçâo final das formas consagrartns, on sucra incntaos.
Rctoniamos pois o nosso assorte e rcpctinios qno o direito moclerno
nprescnta uni dnplo caracter de individnaeao c uni-versalisaçao. O
primciro constata-se na. tende ucia gérai para as eodifieaçôes, (pior dizer,
para a pcrxtmitlisaçna das naçôes on Estadns ua espbera j'iridica ; o
segnndo e fncil mente verifieavol no csp.rito philosophiez o cada voz mais
cosmnpolita dos sys-tomas jnridieos sobre quo repousam os codions. A
rasâo poli-tica da uasciincnto no primciro canicter, a rasâo liuninua o
sociologica détermina o sogundo.
O inovimcnto moderno vai todo no sentido do alargar, de généralisai',
do universalisai1 o direito; concorreram para isso, | a prineipio, o espirito
dos direitos romano, e canonico (esl'o prorundamente univcrsalista por
sens intuitos) e as aspiraçiVs dos philosophes o juristas dos seculos XVII e
XVIII ; coneor-rem agora as no va s ncccssidadcs sociaes, os ideacs de
frater ni-j saçîlo internacionnl e humaua, o espirito gêneraiisador o social
da Scicncia, a oxpansilo commercial e indnstrial, etc. Mus a par disse o
referido moviiuento vai tanibem no sentido de espe-| oialisar o direito de
cada povo, de fixai-o, do demarcar-lbc as IVouteiras, do coudensal-o
emfim, de modo a podor tornar-do possivel o scu conbociuicnto, por mcio
da eseripta e da ira-prensa, entre todos os povos civilisados do plancta. E'
esse o papol dos codigos.
Presentcnionto a siituaçâo jnridica 6 a qno abi fica dose-nbada ; a do
futuro son'i natural mente a contiiiuaçilo des ta, si a Ici da filiaçîio
historien 6 nma verdade. Qnanto â do passade todo este livre encarrega-se
de dizer o que cl la foi. Ilcsuuiil a, de accorde coin os capitiilos que
deixanios traçados, é qncslâo de niera paciencia.
Post-scri ptum
« Nus n'entreprit onques (lovant moi Ccste chose, dont faie\
exemplaire » disse, no seu froncez du secul-o XIII, Pierre de Fontaines,
referindo-se an costninei.ro de sua lama CONSEIL A UN AMI.
Outra tanin posso eu dizcr do présente trabalho. E digo-o, ndo
para exaltar o mcrecimenta délie, mas para exeusar-Vie as fol-tas e.
defeitos, que devem ser cm grande numéro.
Nào coiiheça obra alguma sobre a historia gérai do DireÀU), nem\
me eonsta que se tenha publicado, nestc ou naquelle idioma, quai-quer
compendio ou resumo desta materia, que a ser devidamente tratada
dcmandaria uma dezena de nntridos volumes.
O programma e o methodo deste livra nâo livcram, pariantn,
modela algiim. Os mol des cm que elle esta feilo, bans ou mâos,
pertenccm- me. Sirva isto de atténuante para as falias e erros que
eu tenha commet! ido na exploraçâo da materia, e que sâa, aeredito,
cm grande numéro. #
Em compcnsaçâo aeredito lambem que, apezar damiperfciçâo
da obra, prestei com ella um grande serviço aos estudantes de
direito.
E foi sô para elles, especUdniente para os men» discipulos, que J x 30
a cscreoi. Obrigndo a Icccionar a mater ia nu Faculdude- dt Direilo
eu tiiilia nccessidade de alguma cotisa que me servisse de texto As
explicaçôes ou liçiios c hrm cedo verifiquei as dif/ieuhhides énormes
coin que Inlaoam os alumnos para estudur uni assnmplo, que cm
Iparte alguma eneontraoam compciidiudo. l'or hem délies e meu
htneci-me entâo ao trahalho de que salua este livro.
Entre os defeitos que Ihe possam ser apontados lalooz csiïja o
de ter sido elle escrlpto cm nm estylo, que provavelmeute sera reputado
coma desprnvldo dit clareza e da sobriedade didacticas. O
gongorismo que algnns critieos censuraram na minhtt HISTQUIA
DO DIREITO NAOION'AT, deu ainda entrada no présente compendio,
ao que me parées. Perdoem-me os erilicos a reincidenclo ; 6 que
nâo se. muda de estylo como se mndu de ronpa. Déniais eu nâo
estou convencido de que sô pode haoer seieucia onde ha se cura c
aridez. JPcnso viesmo que os mens discipulos me agradecerâo o
amenisar a insipides e a n'attirai secouru de certos assurtiptos com
uma lingnagem uni tanto imaginosa e suggestiva. O attractivo da
forma détermina quasi sempre um certo interesse favoravel ao/undo
ou essencia mesma da cotisa ensinadu.
Dito isto furet apenas duus obseroaçôes :
Qaando tratai do Direilo Iiomano tive de abandonar o methodo
seguido nos capitulas anteriores, e a partir do IX, rclativo nos ger-vu m
os, tioe de continuai' sensivohnente afastado do rrferido methodo. Non
primeiros capitulos a eomeçar do segundo, tive de fazer t'-itnjunctamente
a historia interna e externa do Direilo, ou antes dos varias direitoH est u
dadas. Coni o Direilo llomano nâo me erapos-sieel ne ni necessario fazer
a m ennui conta, Nâo era possivel, em virludc du largueza da materin ;
nâo era necessario, porque a\ legislaçâo romana tem cadeira especiul no
curso de esludos da Fa-cuidade. Limitei-me, pois, a fazer a philosophai
da historia juri-\dUso-ronwim. Quant o à desciaçào de methodo dada ou
coniinuada nos capitulas posteriores ao VIII, o que me cwnpre dizer ê
que \ella natitralmente se intpunha. Km tues capitulos ative-tne de pre-\
fereneia 11 historia externa do Dircito, procurando sempre no em-\tanto
salimtar o caracter das varias inslituiijôes juridicas.
A segunda observaçâo a fazer é a seguinte :
As toutes o que recorri para a confecç&o deste trabalho .sâo\ de
ordem secundaria « forain proposilalmente indicadas para facihtar
aos estudantes um esludo mais largo dos varios assumptos. As
fontes primarias, os velhos doeumentos, as grandes collecçôes e as
obrus dos erudilos que sobre ellas trabalharam, sào inaeeessioeis
entre nos aos estudiosos. Limitei-me a indi,c(d-as no texto, ao\
passe que me iu occupando de tal ou quai situaçâo juridica. Uma\
outra rasHo, a du probidada litteraria, levoume a fuser a iiuliA
caçào dos fontes em que procurei subsidios. l'or elles podem ser
constatados os emprestimos de idéas e de palavras fvitos aos varios
autores que consulte!, dos quaes militas cezes reproduzi phrases e
trechos que eu nào poderia substitnir sem desvantagem para a
expjsiçào da materia.
Dadas estas explicaçôes ao leitor ponho ponto a qui a este pcst-|
scripliuii.
Eecife, Abril de 18.90.
Indice
PAGS.
Evolucao do Direito e lois que a domina m.............................. 7
Osprimordios do direito objectivo lias rayas iuferiorcs. 10
As grandes iiionnrcliins antigas (la ni ça amarclla. Insfcitutos
juridicos da China, Perde Mexico.............................. 31
O direito no antigo Egypto ............................ ..',... .................... 40
Aryauos e iraniauos. O vélin» Direito da India e Porsia. 4l
O direito feutre os se mitas. Hébreu» e Arabes ......................... 80
A vida juridica na Greciil antiga...................................... ' ........ 97 -
liomu. Phases principaes de sua cvoluc&ujuridica.................... 110
Celtas e slaves; sua antiga pliysioiioinia jur i dica. Os
gerinanos e suas institniçôos primitivas.............................. 130
O Direito gcrinaniçpda epocba frauca. O «Corpus Juris
Gormanici». Intuicâo do Direito peculiar aos germanos,
revelada nos sens institutos processuaes ..................... 1Ô7
Correntes juridicas medievaes ; O Feudalisiuo ; O Direito
Fondai. — A Egreja ; o Direito Giuouieo. O
_«Corpns J u ris Canon ici»................................................. 170
Outras corrcïites juridicas medievaes :—As Univcrsi-dades ; o
Direito Iiomano.—A obra dos legista ; os
Costiiinciros........................................................................ 203
Iixlividuaciio nui versai ista do Direito apôs a dissolueâo
do Feudalismo.............................................................. 223
CVOPYRIGHT AUTOR DO TEXTO
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