segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

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Franz Schubert
Depressão afeta autor de Ave Maria
Colaboração para a Folha Online

Em 1797, nasceu em Liechtental, subúrbio de Viena, o austríaco Franz Peter Schubert. O pai queria que, um dia, o menino seguisse seus passos, na profissão de professor primário. Por isso, na idade certa, insistiu que o jovem se matriculasse na escola normal.

Schubert, o décimo segundo filho de uma família humilde, sem outra opção para buscar a sobrevivência e para fugir do serviço militar, obedeceu. Tirou o diploma e, a muito custo, durante dois anos, tentou seguir carreira no magistério. Mas, sempre que pedia o caderno de um aluno para conferir a lição do dia, devolvia-o com as páginas em branco completamente rabiscadas de notas musicais. Havia composto mais uma melodia.

Enquanto dividia seu tempo entre a sala de aula e sua paixão pela música, Schubert chegou a compor, naqueles dois anos, quase duzentas obras. Viena, sua cidade natal foi um celeiro da cultura e dos grandes mestres da música na virada do século 18 para o século 19. Naquele cenário, não demorou muito para que o talento de Schubert logo florescesse. Antes, rompeu com o pai e entregou-se a uma vida boêmia, sobrevivendo com a ajuda de amigos, que lhe forneciam abrigo e comida, além de calhamaços de papel pautado, no qual continuava a compor freneticamente.

Desde cedo, Schubert estava disposto a viver apenas de sua música. Mas esta não se mostrou uma tarefa fácil. Escreveu uma dúzia de óperas, todas retumbantes fracassos. Nenhum editor se dispunha a publicá-las. Até que se revelou um exímio compositor de um gênero que aperfeiçoaria e no qual seria imbatível: o "lied", canção lírica, cantada. Em um ano, compôs cerca de 150 "lieder", baseados em textos de Shakespeare, Heine e Goethe, entre outros autores. Essas canções fariam enorme sucesso de público e de crítica, a ponto de seu autor ter sido considerado, posteriormente, o maior poeta lírico da música universal. Ao todo, Schubert escreveria nada menos de 600 "lieder" durante toda a vida.

Contudo, Schubert também ficaria famoso pelo extremo desleixo com que tratava seus originais, chegando mesmo a perder vários deles, abandonados em bancos de jardim ou esquecidos na casa de conhecidos. Conta-se que, certa vez, numa noite de bebedeira com os amigos, compôs sua famosa Serenata no verso do cardápio de uma taverna de terceira categoria. Ao final da noite, já na rua, lembrou-se da composição deixada sobre a mesa e voltou à taverna para recuperá-la. Algumas de suas principais obras, como a Sinfonia em dó maior e a célebre Sinfonia "Inacabada", só foram reencontradas após sua morte.

Em 1818, o boêmio Schubert contraiu sífilis, provavelmente após uma aventura sexual com alguma criada do conde Esterházy --de cujas filhas, Maria e Caroline, era professor de música. Internado por longos períodos, tratado à base de mercúrio, conforme recomendava a medicina da época, acabou perdendo os cabelos e foi obrigado a usar peruca. A doença, que a esse tempo era considerada incurável, o arrastou para uma fase de depressão, em que sua prodigiosa capacidade de compor declinou.

"Sinto-me o homem mais infeliz e desventurado deste mundo", escreveu a um amigo, em 1824. "Creio que nunca voltarei a estar bem, e tudo o que faço para tentar melhorar minha situação, na realidade, a torna pior", lamentava-se. Quando enfim melhorou, voltou a dar aulas para as filhas do conde Esterházy, chegando a se apaixonar por uma delas, Caroline, de apenas 17 anos. Mas não teve nenhuma chance para confessar seu amor à moça. Com o pouco dinheiro que ganhou no emprego, decidiu começar vida nova.

Voltou a compor, mas o dinheiro acabou rápido. Schubert continuava com dificuldades de ver sua obra publicada e, por conseqüência, executada. O temperamento arredio não conseguia mantê-lo por muito tempo no mesmo emprego. Com o orgulho ferido, submeteu-se a trabalhar por algum tempos como professor na escola primária mantida pelo pai. Mais uma vez, sofreu problemas de saúde, que dessa vez foram identificados pelos médicos como tifo.

Boa parte dos biógrafos de Schubert o retrata como um homem eternamente mergulhado na depressão e na doença física. Entretanto, a despeito de ter passado, de fato, muitos anos de sua vida enfermo, a existência de Schubert não foi feita apenas de martírios. Os amigos costumavam lembrar-se dele como um homem alegre, consciente do valor de sua obra. Uma obra que, em alguns momentos, foi censurada exatamente por ser leve, ligeira e "divertida" demais. É o caso do Quinteto em lá maior, op. 114, também conhecido como "A Truta" ("The Trout").

Os últimos anos da vida de Schubert foram passados em solidão. Com medo de serem contagiados por tifo, os amigos pouco a pouco se afastaram dele. Conta-se que, perto de morrer, manifestou seu último desejo: queria ouvir, na cama, o Quarteto nº 14, de Beethoven. O pedido foi atendido. Morreu cinco dias depois, em 19 de novembro de 1828, com apenas 31 anos.

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