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RevistaArtigoTópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil
a história entre o direito e a economia
Elaborado em 07/2006.
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Leandro Novais e Silva
Nota do artigo: sem nota 25 votos
12345ok a A Versão para impressão Recomende esse texto Nota do artigo: Vote Tendo como pano de fundo a nova história econômica, o artigo explorará em alguns tópicos o mercado de aviação comercial no Brasil e as idas e vindas do seu processo de regulação econômica.
Sumário:1. Introdução – A História, o Direito e a Economia; 2. A origem da aviação comercial no Brasil: para além de fatos e datas; 3. A regra da regulação (intervenção estatal) nos anos de 1950 e 1960; 4. Breve relato sobre o caso Panair; 5. A mudança da regulação nos anos de 1970 e 1980 – A regulação estatal total; 6. Nova transformação da regulação aérea a partir dos anos 1990: Qual desregulação? 7. Fases da desregulação: história final?; 8. Referências bibliográficas.
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1.Introdução – A História, o Direito e a Economia
O presente artigo pretende discutir alguns tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil. A pesquisa terá um enfoque transdisciplinar, abordando a interação entre direito e economia, utilizando-se da metodologia da nova história econômica, no referencial específico conduzido por Eric Hobsbawn no seu Sobre História. [01]
Nesse sentido, de forma a esclarecer os pressupostos e objetivos do artigo, é importante ressaltar a utilidade do enfoque transdisciplinar, bem como o uso da metodologia da nova história econômica, e como todo esse ingrediente teórico pode interagir com o tema da aviação comercial no Brasil.
A matriz transdisciplinar é o modelo atual de pesquisa no âmbito do Direito Econômico. Não se concebe hoje uma pesquisa de Direito Econômico que trate a lógica jurídica e suas regras em compartimento estanque à lógica econômica e seus princípios. É bem verdade que o raciocínio jurídico é diverso do raciocínio econômico. O pensar das duas disciplinas tem origem histórica completamente divergente e a resolução dos problemas tem enfoques diferenciados, na inteligente compreensão de José Reinaldo de Lima Lopes:
O objetivo deste texto é discutir a possível compatibilidade do raciocínio jurídico com a economia ou raciocínio econômico. Pressuponho que o direito e que a economia são duas disciplinas diferentes, e assim vêm sendo tratadas na tradição romano-canônica há muito tempo. A economia desenvolveu-se nos últimos dois séculos com um campo autônomo, embora tenha nascido da ética ou da política (ciência da política, ou da polícia) e neste sentido ganhou autonomia dentro do largo campo da filosofia prática. Dentro do mesmo campo, o da filosofia prática, encontra-se o direito, que tem uma carreira acadêmica muito mais longa, datada do século XII em Bolonha (para o caso do direito ocidental moderno). Ao contrário, porém, do que sucedeu com a economia, o direito nunca teve sucesso na formalização e construção de modelos, a despeito dos esforços historicamente famosos, principalmente o de Leibniz, no século XVIII. [02]
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José Reinaldo, partindo da compreensão transcrita acima, sustenta que quatro categorias evidenciam as distinções entre o raciocínio jurídico e o raciocínio econômico, a eficiência, a autoridade, a temporalidade e o resultado. Nessas categorias se encontram as diferenças de raciocínio e, em virtude dessa compreensão, as possibilidades de integração transdisciplinar.
De forma sucinta, o raciocínio jurídico é avaliado e criticado basicamente pelo critério da legalidade, enquanto o pensamento econômico é avaliado essencialmente pela eficiência ou custo da medida tomada. Daí que há regras legais que respeitam o ordenamento jurídico, mas são ineficientes por critérios econômicos. E, inversamente, há disposições de custo-benefício ótimo, mas fora dos parâmetros legais. O caminho a trilhar é aproximar os dois raciocínios, maior flexibilidade legal para inclusão possível dos critérios de eficiência. [03]
Na esfera da autoridade, o raciocínio jurídico pressupõe a existência de alguém que possa impor a sanção ou determinar a validade de determinada regra. Ainda que existam regras internas para a validade do sistema, à moda de Kelsen, o direito impõe a força de uma autoridade para a coerção e implementação do seu raciocínio. Diversamente, a economia não se vale da autoridade constituída para justificar determinada medida. Um bom professor de economia invoca sempre uma "boa razão econômica" para determinada ação. [04] A autoridade revela-se mais na ação, na "eficiência econômica da ação", do que na posição do interlocutor. Tal raciocínio econômico pode trazer benefícios ao pensamento jurídico, e devemos aprender com isso, embora os meandros do discurso econômico possam também se revelar uma autoridade nefasta.
Talvez seja na categoria da temporalidade em que o divórcio entre os raciocínios jurídico e econômico mais se evidencie. O pensamento jurídico se volta para o passado para julgá-lo. Há uma relação de imputação. Determinada conduta é correta ou errada, é proibida, é permitida. Julga-se o passado, além de se buscar, no futuro, os "resultados da ação". A economia pensa no passado, não para julgá-lo, mas para aprender dele. Aprender se determinada política econômica foi boa ou equivocada e quais elementos podem ser usados no futuro, de forma a garantir resultados futuros. O direito, sem se descurar do critério da imputação, basilar do seu raciocínio, pode e deve incorporar a idéia de aprendizado. Certamente as regras de convivência social poderiam evoluir de acordo com essa perspectiva. Uma pergunta a ser incorporada pelo raciocínio jurídico é: qual a eficiência, ou custo, que determinada regra jurídica impõe no tempo?
Por fim, o elemento resultado. Essa categoria relaciona-se com os sujeitos do raciocínio. No pensamento jurídico, o que está em jogo é o outro sujeito. Ainda que haja uma coisa, como no direito de propriedade, o que se tem em vista é a relação de todos os outros sujeitos do ordenamento com o sujeito-proprietário. Na economia nem sempre é assim. O sujeito que delibera no raciocínio econômico pode ser um sujeito isolado e os demais sujeitos da medida econômica serem entendidos tão-só como um limite empírico para suas decisões. Na moderna economia, de estatísticas, muita matemática e econometria, os modelos tendem a tal abstração, que os sujeitos chegam a ser problema! Aqui, quem deve aprender é o raciocínio econômico. Os modelos são importantes, mas as realidades individual e social são limites intransponíveis.
Esse é modelo difícil da transdiciplinariedade entre o raciocínio jurídico e a economia. Agora, onde a história? Onde a nova história econômica e seus caracteres? A nova história econômica envolve-se e se desarticula com todas essas categorias pensadas acima. Para começar, é significativo, quanto à necessidade do passado para a economia, esse singular trecho de Eric Hobsbawn:
Mas os economistas precisam da reintegração da história à economia? Em primeiro lugar, alguns economistas recorrem à história, "na esperança de que o passado forneça respostas que o presente por si só parece relutante em conseguir". [05]
Ou seja, o caráter de temporalidade é essencial. Com o passado, a economia, e também o direito, pode aprender. Mas a nova história econômica não se pauta essencialmente pela cronologia, pelo simples encadear de datas e fatos, mas pela descontinuidade temporal. Por isso, o contar a história da evolução da aviação comercial no Brasil, que é em grande parte a regulação jurídico-econômica sobre esse mercado (interseção entre o direito e a economia), não se deve fazer pelo simples descrever de datas, mas pela descontinuidade de acontecimentos, pela não-lineariedade, até pela evolução no retrocesso.
Em outro aspecto metodológico da nova história econômica, pode-se afirmar inexistir uma prevalência do elemento estrutural ou conjuntural sobre determinados eventos. Como defende Hobsbawn, a história pode ser contada no âmbito estrutural ou conjuntural, entendida como macro-história, com longos intervalos de duração (no sentido da longa história), e com nítida influência econômica sobre a superestrutura, sem ser determinista, como pode ser contada também como evento, por meio do uso da lupa e/ou do microscópio, elaborando uma micro-história. [06]
O artigo trilha ambos os caminhos. Pensa na estrutura, ou mais efetivamente na conjuntura, para descrever a regulação econômica no mercado de aviação comercial, processo cíclico de maior ou menor intervenção do Estado, a evidenciar uma longa história que, no nosso caso, está longe do final. Mas pensa também no particular, no evento, como o caso da falência do grupo Panair, iniciado em 1965 durante o regime militar, que é de certa forma revista presentemente no caso da recuperação judicial da Varig, por meio das descontinuidades históricas. Há, de certo, alguma tentativa de uma história total.
É ainda uma história econômica que não prescinde da estatística, da econometria, ou na expressão de Hobsbawn, cliometria, na investigação do passado. No entanto, segundo o próprio Hobsbawn, deve ser uma história social, com a tentativa de discussão das inúmeras causas e fatores que influenciam as estruturas e os eventos relatados. Além disso, a história deve ser dinâmica, no sentido da economia de Schumpeter, [07] e não estática, como muitas vezes são os relatos de econometria, retratos numéricos estanques de uma realidade, como o mercado de aviação comercial, em constante mutação. [08]
Descortinadas, assim, as interações, nem sempre amistosas, entre o direito, a economia e a história, tendo como pano de fundo a nova história econômica, o artigo explorará em alguns tópicos o mercado de aviação comercial no Brasil e as idas e vindas do seu processo de regulação econômica.
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2.A origem da aviação comercial no Brasil: para além de fatos e datas
A década do início da aviação comercial no Brasil é a 1920. Mas o impulso só veio na década de 1940, em função das aeronaves americanas excedentes de guerra, [09] adquiridas a baixo custo e em boas condições de financiamento, o que permitiu o surgimento de inúmeras empresas aéreas, quase todas funcionando, no entanto, com estrutura econômica precária.
O detalhe interessante é que o surgimento não-programado da aviação comercial, e ainda que de forma precária, sinalizado na baixa segurança das aeronaves e na incipiente regulação estatal, desenvolveu um modal importante e que se revelou essencial no transporte comercial no Brasil.
O transporte aéreo ganhou importância, em um efeito de integração e de desenvolvimento, [10] em função do amplo território do país (o que promove uma continuidade e similitude com o processo americano), [11] da precariedade do transporte rodoviário e da dificuldade de acesso a pontos longínquos do território, em especial a região norte do país.
Em função da oferta inicial exagerada e de desequilíbrios financeiros, logo nos anos 1950 houve uma onda de fusões entre as empresas e de falências. De toda a forma, o número de cidades atendidas nunca foi tão grande quanto nesse período dos anos de 1950, permanecendo na ordem de 300 cidades. Exatamente em 1950, o número de cidades atendidas era de 358, número jamais alcançado nem antes nem depois desse ano.
O elemento que fez decrescer o número de cidades atendidas, de forma gradativa a partir dos anos 1960, foi a ampliação e estruturação da malha rodoviária. A competição ainda acirrada entre as empresas aéreas e a fragilidade econômica da estrutura inicial levou o transporte aéreo a uma crise profunda. As rotas mais afetadas eram exatamente as de curta distância, em especial na região sudeste, a região mais disputada. A descontinuidade histórica a destacar é que, surgindo (o transporte aéreo) em um período como forma de integração regional (nas aeronaves DC-3), foram justamente as rotas regionais centrais as comprometidas pela estrutura do mercado e pelo modal rival do transporte rodoviário.
A crise dos anos 1960 deu origem ao processo de regulação com ênfase mais interventiva, fruto das CONAC’s – Conferências Nacionais da Aviação Comercial, a primeira realizada em 1961, e as demais, em 1963 e 1968. Essas conferências tiveram a participação das empresas aéreas e do governo brasileiro, evidenciando a participação ativa do Estado na tentativa de estruturação do setor.
Nesse âmbito inaugural, portanto, destacou-se o surgimento da aviação comercial dissociado de orientação centralizadora do Estado brasileiro. O modal de transporte surgiu em função da integração regional e da disponibilidade de aeronaves para o desenvolvimento do setor. Sob o ponto de vista conjuntural, houve semelhanças com o início do processo de transporte aéreo nos Estados Unidos, ligando um espaço territorial amplo, mas com liberdade para constituição e permanência de empresas. Essa conjuntura inicial de 30 anos serviu como um teste para o mercado, de forma a se descobrir seu melhor funcionamento, com nítido critério de eficiência.
Nos anos seguintes, a partir dos anos 1950, em especial dos anos 1960, a intervenção estatal se tornou a regra. Essa nova conjuntura será demonstrada a seguir, pontuando regras regulatórias específicas que deram nova configuração para o transporte aéreo.
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3.A regra da regulação (intervenção estatal) nos anos de 1950 e 1960
A fase seguinte da aviação civil doméstica no Brasil passou a contar com intensa intervenção estatal, resultado das CONAC’s descritas acima. O modelo de liberdade para constituição e permanência das empresas aéreas chegava ao fim. Sob o condicionamento do interesse público, o governo brasileiro estimulou fusões e estabeleceu um regime de competição controlada. Além disso, a regulação estatal passou a regular fortemente a escolha das linhas aéreas – os trajetos de vôos – e também a fixação de valor dos bilhetes.
Nos anos 1960, em uma tentativa de sustentação da aviação regional, tal como definido acima, desenvolve-se de forma clara a concessão de subsídios para as empresas aéreas, em especial as que operavam as antigas aeronaves DC-3, Catalina ou C-46 [12] nas rotas de médio e baixo potencial de tráfego, com pequena viabilidade econômica. O programa de subsídios, suplementação financeira do governo que seria a marca da estruturação do setor aéreo até a década de 1990, ficou conhecido, nessa época, como RIN – Rede de Integração Nacional.
Sob o ponto de vista econômico, para concessão do subsídio, as linhas de baixo potencial econômico transportavam até 5.000 passageiros/ano e as de médio potencial, até 20.000 passageiros/ano. Buscava-se incentivar as rotas regionais, com a permanência do modal de transporte aéreo para pequenas e médias localidades, ainda com o espírito integratório e em razão da deficiência da malha de transporte rodoviário.
Tal estrutura de incentivos, subsídios e suplementações, como se disse acima, moldaria a organização do setor aéreo até os anos de 1990. Esse elemento marcante, que será discutido em outros momentos deste artigo, ora tinha justificação técnica e econômica, ora tinha componente exclusivamente político e ideológico, em sentido negativo, de forma a evidenciar a relação promíscua entre Estado e empresas aéreas, revelando favorecimentos escusos.
A RIN funcionou com consistência no início dos anos de 1960, perdendo força em 1968, sendo praticamente abandonado pelo governo, por cortes abruptos de orçamento. O governo, a partir do final dos anos 1960, pretendia estabelecer outros parâmetros para o desenvolvimento do setor aéreo, sistema que será descrito no tópico 5.
Nos anos de 1960, o setor aéreo moldou-se, depois da falência de algumas empresas, fusões de outras e intervenção estatal, em torno de seis empresas, que dividiam rotas domésticas e internacionais, configuração que permaneceria durante muitos anos, mesmo diante do novo desenvolvimento da aviação regional nos anos 1970. As seis empresas eram: Varig, operando domesticamente e rotas para América do Norte; Vasp, operando domesticamente de forma exclusiva; Cruzeiro do Sul (adquirida pela Fundação Ruben Berta em 1975 e absorvida pela Varig em 1992), operando domesticamente e rotas para América do Sul e Central; Panair (que encerrou forçosamente suas atividades em 1965), operando domesticamente e rotas para Europa e Oriente Médio; Sadia (em 1972 tornou-se Transbrasil), operando domesticamente de forma exclusiva; e Paraense (faliu em 1970), também operando domesticamente.
A etapa de regulação estrita e de competição controlada, iniciada nos anos 1950, teve continuação durante os anos 1970 e 1980, como se verá, potencializando uma política de regulação com política industrial e também com política de estabilização ativa, em função dos inúmeros planos econômicos do final dos anos 1980. Os cortes metodológicos para definição desses períodos da regulação podem se revelar artificiais, mas nos permite uma estruturação cronológica e o detalhamento de circunstâncias estruturais e conjunturais que são específicas de cada período e possibilitam a melhor compreensão do leitor.
Todavia, o destaque de um evento histórico específico, como foi o caso Panair, permite-nos explorar com um nível maior de profundidade a relação Estado/empresas aéreas nesse segundo estágio da aviação comercial, início da regulação estatal. Além de possibilitar comparações, sem qualquer tipo de presentismo, mas de reflexão histórica, com o processo de recuperação judicial da Varig, atualmente em curso, período que revela uma transformação no setor aéreo só comparável a vivida nos anos 1960.
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4.Breve relato sobre o caso Panair
Esse tópico baseia-se quase exclusivamente no livro de investigação histórica de Daniel Leb Sasaki, Pouso Forçado, [13] e também em reportagens recentes da Folha de S. Paulo sobre a crise financeira da Varig.
Não se pretende aqui explorar o caso em todos os seus detalhes, o que já convida ao leitor interessado a leitura do livro, mas realçar alguns pontos relevantes e que tocam os elementos estruturais já descritos.
A Panair, subsidiária americana no início (1930), de capital predominantemente nacional ainda nos anos 1940, foi uma das iniciantes na integração doméstica com rotas regionais e autêntica pioneira na exploração de rotas internacionais, especialmente na Europa, ainda em 1946. Com mais de 30 anos de funcionamento, desenvolveu a mais consolidada estrutura de uma empresa aérea na América do Sul, com hangares no Brasil e exterior, balcões de serviço espalhados em inúmeras cidades, uma frota de aeronaves consistente, rotas européias economicamente importantes, slots [14] de vôos nos principais aeroportos, além de possuir a Celma, empresa de manutenção das aeronaves (tida até hoje como a maior oficina de revisão de motores da América Latina), e a Tasa - Departamento de Comunicações de Vôos da Panair do Brasil, centro de referência para as demais empresas.
A origem da empresa está relacionada com a origem da aviação civil doméstica no Brasil, época de quase total liberalidade e de competição aguda, o que leva a crer em sua competência para permanecer no mercado, razão pela qual não se investigou se a sua consolidação se deu também patrocinada, em determinado momento, por favores estatais.
O que se afirma, com maior consistência histórica, em função da pesquisa mencionada, é que a Panair do Brasil foi praticamente destruída por uma mescla de interesses, políticos e privados, uma vez que a surpreendente cassação das rotas aéreas em 1965 foi realizada de forma arbitrária pelo governo militar, repassando todas as rotas internacionais operados pela Panair até então à Varig, levando a empresa à falência, em um tortuoso e escuso processo judicial, que teve como ingrediente, inclusive, a mudança casuística da legislação.
Em reportagem da Folha de S. Paulo, o autor Daniel Sasaki resume as razões não-democráticas para o fim da Panair, estabelecendo um comparativo com o processo atual da Varig:
Precisei de um livro inteiro para expressar minha visão. Mas, basicamente, acho que foi uma confluência de diversos interesses, que se articularam. Havia o interesse dos militares em eliminar as lideranças civis. Os maiores acionistas da Panair, que estavam entre os mais influentes empresários do país, pretendiam apoiar a campanha de Juscelino Kubitschek para 1965. Havia também o interesse privado. A Varig, durante os três governos anteriores, tentara obter as concessões para a Europa, sem sucesso. Sem dúvida, foi a maior beneficiária do fechamento da Panair. Ficou com as linhas internacionais, aviões, instalações, as lojas da Europa e o título de empresa-bandeira, iniciando um monopólio no setor.
Em alguns aspectos, o que houve com a Panair ajuda a entender a situação da Varig. Por exemplo, o porquê das mudanças na legislação ontem e hoje. Mas o caso não diz absolutamente nada sobre como se deve dirigir a crise da companhia.
O fim da Varig não faria justiça a ninguém. Infelizmente, muita gente perde a mensagem mais importante do livro: o alerta para que a injustiça nunca mais se repita. Vivemos em um regime democrático e acho que as pessoas devem cobrar transparência e questionar contradições, assegurando que nenhum interesse escuso decida, nos bastidores, o futuro da Varig. Seria do interesse público o estabelecimento de novo monopólio, ou duopólio, na aviação comercial brasileira? [15]
O que se destaca no caso Panair é que, embora a empresa estivesse com problemas financeiros, o que era a regra nos anos 1960, período depois de acirrada competição, ela tinha condições financeiras compatíveis com as demais empresas à época, em alguns casos até melhor. Em comparação com a crise financeira da Varig atual, o quadro da Panair, em seu devido contexto (a mudança no setor aéreo foi brutal), era muito mais saudável, plenamente recuperável, em um regime vigente de suplementação tarifária. [16]
No entanto, a cassação das rotas se efetivou em fevereiro de 1965, com o favorecimento da Varig, dando início a um tortuoso processo falimentar, manipulado pelo governo, com evidente parcialidade dos juízes atuantes na falência, processo amplamente documentado no capítulo VI Página sombria nos anais jurídicos do Brasil e Anexos do livro Pouso Forçado. [17]
Na reconstituição do evento destruição da Panair do Brasil, a manipulação legislativa merece ilustração, uma vez que a alteração realizada nos anos 1960, trouxe reflexos regulatórios para o setor aéreo, de impactos até hoje, por meio das descontinuidades históricas, ameaçando comprometer o processo de recuperação da Varig.
Duas legislações foram imaginadas e concebidas de forma a agilizar o processo de falência da Panair, prejudicando a empresa, econômica e juridicamente.
O Decreto-lei n. 496, de 11 de março de 1969, expediente legislativo corrente do regime militar, acresceu privilégios para a União unicamente nos processos de liquidação, falência ou concordata de empresas de transporte aéreo. O Decreto-lei permitiu quase imediatamente a expropriação dos bens da Panair em favor da União, impedindo a empresa de se reabilitar (quando isso parecia possível), tornando a sua dívida impagável, além de estabelecer obstáculos ao retorno da empresa para operar o transporte aéreo. O Decreto-lei, ainda que pudesse ser justificado por alguma boa razão econômica, em razão da especialidade do setor aéreo, foi, nesse caso, endereçado diretamente a Panair do Brasil. [18]
Já o Decreto-lei n. 669, de 2 de julho de 1969, impediu as empresas aéreas [leia-se Panair do Brasil] de impetrar concordata, quando a Panair estava na iminência de fazê-lo, em uma tentativa árdua de restabelecimento de suas operações. [19] Segundo a exposição de motivos do governo, a concordata sendo um favor legal, que se dá à empresa estritamente comercial para continuar seu negócio, "não é de molde a ser admitida para a empresa de transporte aéreo, quando se tem em vista, acima do interesse comercial da empresa, a regularidade e a segurança de vôo". [20]
De novo: ainda que fosse possível pudesse discutir as razões econômicas da legislação, o Decreto-lei foi dirigido exclusivamente a Panair, impedindo-a de se restabelecer. Somente agora, em 2005, e de última hora, de novo a demonstrar evidente casuísmo, ainda que por acessórias razões econômicas, a nova Lei de Falências (Lei n. 11.101, de 9 de fevereiro de 2005) traz dispositivo excluindo as empresas aéreas da proibição de requerer concordata, no ilustrativo artigo 199. [21]
O que permanece do caso Panair é o ápice do envolvimento estatal com a estruturação de um setor econômico. Mas não de forma legítima e democrática, ainda que a intervenção estatal pudesse ser criticada por argumentos econômicos, tal como se faz agora, mas de maneira escusa, manipuladora e ditatorial. [22] O caso Varig, como bem alertou Daniel Sasaki, não deve ter o mesmo fim. [23] A lição não é de passividade estatal no caso Varig, em função do favorecimento do passado, mas de atuação transparente, de obediência aos marcos legais e regulatórios e calcada em razões econômicas, de possível permanência da empresa por razões fiscais, trabalhistas, de competitividade no setor (benefícios ao consumidor) e de manutenção das linhas internacionais.
A história regulatória continua no próximo tópico.
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Informações sobre Leandro Novais e Silva
Leandro Novais e Silvaprocurador do Banco Central do Brasil em Belo Horizonte (MG), mestre e doutorando em Direito Econômico pela UFMG, professor da PUC/MG, professor de pós-graduação em direito econômico da regulação financeira na Universidade do Banco Central (UniBacen) em convênio com a Universidade de Brasília (UnB)
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Como citar este texto: NBR 6023:2002 ABNT
SILVA, Leandro Novais e. Tópicos sobre a evolução da aviação comercial no Brasil: a história entre o direito e a economia. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1224, 7 nov. 2006. Disponível em:
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