sexta-feira, 9 de novembro de 2012

GLORIOSOS INVENTORES DOS SINOS DE MERGULHO




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Quarta-feira, Agosto 29, 2012Os Gloriosos Inventores dos Sinos de Mergulho









Mergulhos na História





Esfinge nas ruínas de Alexandria submersa.

Franck Goddio / Hilti Foundation

Adormecidos sob os mares, naufrágios, tesouros e antiguidades sempre despertaram vivo e persistente interesse. Desde cedo os navios naufragados passaram a ser alvo de ensaios tecnológicos para alcançá-los e resgatá-los. Um desafio assumido num meio físico diferente, desde as primeiras tentativas de navegação ao trabalho regular e permanência prolongada debaixo de água. Mas, como sempre acontece com a inteligência humana, tudo começou com a curiosidade.





Dos objectos que a transitoriedade do mundo e o tempo que passa tornam inexoravelmente obsoletos, avultam nos armazéns da memória marítima os sinos de mergulho. Dada a novidade - e a futura universalidade -, nada mais apropriado do que o prestigiad suao apadrinhamento por Alexandre da Macedónia, o "Grande" para apresentação deste primeiro engenho subaquático.







Jans Enikel Jansen, "Weltchronik", c. 1420. Biblioteca da Universidade de Heidelberg







O primeiro mergulho técnico na História encontra o seu lugar destacado em episódios de particular curiosidade na fabulosa vida do rei Alexandre. Ilustre discípulo de Aristóteles, foi este mestre quem, na sua obra "Problemata" (séc. IV a.C.), relatou a primeira utilização daquilo que viria a ser conhecido como sino de mergulho: um contentor invertido cuja base aberta providencia um meio de respiração restrito, mas operacional.



Reza o Romance de Alexandre o Grande que, tendo-sedeparado um dia com um caranguejo de consideráveis proporções em cuja carapaça se revelaram sete pérolas que jamais homem algum admirara, o monarca grego concluiu que esta rara criatura deveria ser originária das inacessíveis profundezas marítimas. Fascinado, decidiu ultrapassar esse obstáculo dos comuns mortais e concebeu uma jaula metálica, dentro da qual colocou uma enorme jarra de vidro com cerca de 2 metros de diâmetro, com um orifício na base da dimensão de uma mão para poder explorar o leito marinho.





Romance de Alexandre, versão francesa, iluminara de Jehan de Grise, 1338-1344. Bodleian Library, Oxford





Shrewsbury Talbot Book of Romances, versão francesa do Romance de Alexandre, Rouen, c.1445.

The British Library.





O episódio subaquático de Alexandre, o Grande, num contentor estanque equipado com uma superfície de vidro para observação dos fundos e fauna marinhos, conquistou a imaginação do mundo medieval, alimentando o desejo de explorar o mundo submerso.



Muitos relatos da Idade Média popularizaram o acontecimento em diversas versões da vida de Alexandre. Encerrado na sua cápsula rudimentar, contemplou muitas espécies de peixes, incluindo alguns muito semelhantes a homens e mulheres, incluindo um enorme monstro aquático que ousou arremessar a engenhoca do soberano grego até arrojá-la na costa, deixando o magno conquistador caído na areia. De utilidade comprovada, apesar de algumas nódoas negras e do grande susto, um sino, ou esfera de mergulho, foi de novo utilizado por Alexandre no cerco da cidade fenícia de Tiro, em 332 a.C., que envolveu amplas operações anfíbias bem sucedidas.

A importância da lenda prende-se também com o precoce ponto de partida para uma longa e rica genealogia de invenção e tecnologia subaquática. Embora o princípio físico da hidroestática que explica esta acção só tenha sido descoberto por Arquimedes no século seguinte, em 250 a.C., a curiosidade em torno desta experiência formou a base para futuras experiências. Mas ainda demorariam mais de mil anos até serem dados os passos seguintes.







Génios, Visionários e Inventores







Proposta fantasiosas de escafandro rudimentar para afundar navios inimigos e construção de estruturas em meio subaquático. À esquerda, desenho anónimo, séc. XVI [daqui] e à direita um "pappafico", ou escafandro de cabedal, do tratadista militar Giovanni Battista della Valle, Vallo: Libro continente appertinente à Capitanii, retenere & fortificare una Città con bastioni, con novi artificii de fuoco aggionti (1521) [edição de 1529 online da ETH-Bibliothek, Eidgenössische Technische Hochschule (Swiss Federal Institute of Technology), Zürich]).



No Renascimento, a curiosidade pelos vestígios históricos da Antiguidade Clássica e o fascínio técnico da experimentação aliaram-se num ensaio precoce e particularmente inspirador. O interesse suscitado pelas descobertas de fragmentos de madeira e artefactos de bronze por pescadores num pequeno lago vulcânico a Sul de Roma sugeria existirem embarcações antigas afundadas e levou em 1446 o reputado arquitecto e filósofo Leon Battista Alberti, patrocinado pelo Cardeal Colonna, a pesquisar os misteriosos achados submersos.



Porém, a tentativa apenas resultou parcialmente, apesar da jangada especialmente concebida para o efeito. Os mergulhadores em apneia genoveses não conseguiram ultrapassar a falta de visibilidade e a falta de equipamento ditou o insucesso prematuro e dispendioso.



Mas o mergulho no lago Nemi motivou um passo determinante na exploração subaquática.



Entre 1531 e 1535, Guglielmo de Lorena projectou e construiu um "sino" individual transportado fisicamente pelo mergulhador. Este foi considerado o primeiro sino de mergulho moderno (reconstuído aqui). Em 1535, o destemido capitão e engenheiro bolonhês Francesco de Marchi, experiente militar, de sólida cultura clássica e científica, autor de Della Architettura Militare Libri Quattro. Nelli quali tre primi si descrivono li veri modi del fortificare, che si usa à tempi moderni (Brescia, 1599-1600), recuperou a ideia e decidiu mergulhar ele próprio.







Lago Nemi, onde, em 1446 decorreu o primeiro mergulho "arqueológico" - é visível a jangada especialmente concebida pelo arquitecto Alberti - e em 1535 foi utilizado o primeiro sino de mergulho moderno. Athanasius Kircher, Latium, id est, nova & Paralella Latii tum Veteris tum Novi Descriptio (1671). Herzog August Bibliothek, Wolfenbüttel.





Eis o que as águas escuras do lago italiano escondiam havia mais de mil anos:











Duas galés imperiais gigantes de recreio, únicas na sua tipologia, medindo cerca de 70 metros de comprimento, provavelmente concebidas para entretenimento do célebre imperador Calígula.



Nesta experiência, Marchi serviu-se de um modelo reduzido de sino de mergulho construído em madeira e reforçado por aros de metal concebido 4 anos antes por Guglielmo di Lorena, abarcando apenas a cabeça e o tronco (deixando livres as mãos e parte dos braços) equipado com um “cristal” transparente para observação e, provavelmente, um tubo de respiração.





Reconstituição de uma das duas galés imperiais afundada no lago Nemi,

alvo dos mergulhos pioneiros dos séculso XV e XVI. Imago Romae



O sino permitiu retirar uma secção do tabuado, posteriormente descrito quanto ao método de montagem, procedendo-se ainda à medição do perímetro do casco, apesar de Marchi ter aparentemente sofrido um inesperado traumatismo fisiológico - embora a descrição das lesões sofridas corresponda aos efeitos do aumento de pressão nos tímpanos ao longo da descida subaquática, a verdade é que a experiência a que Marchi esteve submetido não deveria ter provocado tal ocorrência, pois isso implicaria que tivesse mergulhado a partir da superfície.

Não obstante o resultado pioneiro na recolha e análise de vestígios antigos em meio subaquático, uma vez saciada a curiosidade e sem qualquer proveito financeiro à vista, também esta iniciativa não teve seguimento. Mas o interesse pelos “engenhos” utilizados transformou-se em fonte de inspiração para novas propostas de equipamento de mergulho, pois ficara provado ser possível explorar o mundo subaquático.

Após muitos séculos de olvido, drenagens intensivas entre 1929-30 colocaram a descoberto pela primeira vez desde o seu afundamento ambas as galés imperiais. Do seu interior recuperaram-se ricos elementos decorativos como mármores coloridos, bronzes e fragmentos de pavimentos de mosaico. Infelizmente, ambas as embarcações foram destruídas em 1944 durante a II Guerra Mundial.



Poucos anos decorreram e a novidade chegou à Península Ibérica. Foi em 1538, segundo a descrição do religioso e matemático francês Jean Taisnier, que compara a forma do sino a um “cacobus aquaticus”, isto é, um "caldeirão aquático" apresentado com pompa em Toledo. Devidamente lastrado com pesos de chumbo, mergulho lentamente nas águas do Tejo na presença do imperador Carlos V e de muitos milhares de curiosos. No seu interior, dois mergulhadores gregos sobreviveram à experiência, demonstrando as virtudes do invento, alegadamente sem se molharem nem ter sido apagada uma vela acesa que os acompanhou ao longo da imersão. Permanece por explicar a falta de notícias portuguesas e espanholas sobre este importante evento tecnológico.



A eficiência demonstrada deu início a um lento, mas generalizado, interesse nestes engenhos da curiosidade humana. Estava aberta a porta à exploração do imenso mundo submerso.





O Resgate de Navios





O tratado militar do capitão de artilharia espanhol Diego Ufano, exemplo influente da importância que o resgate subaquática assumiu na época moderna. Note-se, porém, que o "capuz" de mergullho é totalmente impraticável.

Tratado dela artilleria y uso della (1613) [Biblioteca da Universidade Complutense, Madrid]





Resgate de carga submersa.

A tecnologia do Renascimento ao serviço das recuperações submersas na obra do "Mestre dos Engenhos do Rei" Carlos IX de França, Jacques Besson, Theatrum Instrumentorum et Machinarum (1582).

Biblioteca da Universidade de Basileia.

Em baixo, recuperação de navio afundado por meio de pontões (edição original de 1578).

Dibner Library of the History of Science and Technology (Smithsonian)













Um nome que ganhou vulto incontornável e contribuiu para o notável pelos seus conhecimentos de Matemática e de Física foi o italiano Niccolò Tartaglia, referência obrigatória na materia. Não houve praticamente tratado militar ou técnico da segunda metade de Quinhentos até ao início de Seiscentos que não referisse os seus estudos, sobretudo devido ao seu estudo pioneiro da balística, mas também o capítulo específico da ciência na recuperação de navios afundados.





Tartaglia baseou as suas propostas em princípios físicos e matemáticos (foi um dos primeiros tradutores de Euclides e de Arquimedes) ainda sem aplicação prática. A importância das suas ideias, acompanhando um generalizado movimento de retoma do passado potenciado pelo período não só das navegações das Descobertas, como ainda pela redescoberta do passado arqueológico, explica o lugar destacado que ocupou em tratados e manuais, apresentando inovações teóricas e práticas imprescindíveis aos inventores e engenheiros militares que cuidavam em explorar esse novo mundo submerso.



















O interesse dedicado por Tartaglia aos resgates subaquáticos ficou vertido na obra fundamental Regola generale da sulevare con ragione e misura non solamente ogniaffondata naue: ma una torre solida di metallo trouata da Nicolo Tartaglia,delle discipline mathematice amatore intitolata la Trauagliata inuentione. Insieme con un artificioso modo di poter andare, & stare per longo temposotto acqua, a ricercare le materie affondate, & in loco profundo (1551).



No capítulo "Travagliata Inventione", são descritas versões particularmente avançadas do sino de mergulho, com manobrabilidade superior (molinete accionado pelo tripulante pelo mergulhador e visibilidade total, embora num habitáculo notoriamente reduzido, concebido em cristal de Murano. Outra versão de grande originalidade mostra um modelo ampliado da esfera protegida por uma armação simples de madeira, disponibilizando uma cadeira para o "tripulante" e equilibrada por lastro de chumbo.









Duas versões de sino de mergulho inovador, segundo Tartaglia, Regola Generale (1551).

Max Planck Institute for the History of Science, Berlim



“Instrumentos nos quais podem estar homens sob a água”. Buonaiuto Lorini, Le Fortificationi

di Buonaiuto Lorini nobile Fiorentino nuovamente ristampate, corrette & ampliate di tutto quello che mancava per la lor compita perfettione, con l‘aggiunta del sesto libro (Veneza, 1609)



Ainda no século XVI, outro técnico italiano apresentou nova versão do sino de mergulho sob a forma de uma grande caixa metálica lastrada que dispunha de uma vigia para observação. O seu autor, o arquitecto militar florentino Buonaiuto Lorini, considerou-a útil tanto para obras submersas, como para o resgate de artilharia afundada e recolha de coral. A ilustração não surgiu na edição original do seu grande tratado de arquitectura militar em 1596, mas na edição seguinte de 1609, data em que adicionou o Livro Sexto - dedicado ao esclarecido Cosimo de Medici, Grão-Duque da Toscana -, ilustrado com meia centena de gravuras descritivas de máquinas e mecanismos para as mais diversas utilizações. Lorini serviu os reis de França e Espanha e os Doges de Veneza, com largos anos de serviço na Flandres e nas guerras turcas.



Deste modo, o sino ganhou definiivamente a atenção, e a projecção, da elite técnica europeia no final do Renascimento.







Em Busca dos Naufrágios: a caça aos tesouros



A expansão global das navegações e as partidas de frotas europeias de muitos milhares de navios operando em rotas cada vez mais longas implicou o aumento das perdas de navios por naufrágio e encalhe. Ao mesmo tempo que os acidentes marítimos se sucediam, era necessário encontrar encontrar soluções para os resgates subaquáticos.





Face à escala do problema, esta actividade não demorou a transformar-se em negócio lucrativo, aliando as necessidades das potências marítimas ao empreendedorismo activo no "moderno" mundo do Renascimento.





Evidentemente, muitas décadas se passaram até as técnicas e as capacidades construtivas se aperfeiçoarem. Ainda assim, as limitações materiais próprias da época condicionaram essa evolução prática e muitas propostas não passaram do papel, enquanto outras falharam redondamente. A mais espectacular de todas, tanto na escala do evento como no fracasso, ocorreu na lagoa de Veneza.





A "mãe" de todas as experiências de resgate subaquática: o levantamento falhado do galeão da lagoa de Veneza, descrito em pormenor na obra rara e anónima, Descrittione dell’artifitiosa machina fatta per cavar’il galeone (1560). Collection of Printing and Graphic Arts, Houghton Library (Universidade de Harvard)





Baseando-se nas ideias de Tartaglia, o engenheiro militar Bartolomeo Campi dirigiu cerca de 300 homens em 1560, na construção de uma uma gigantesca estrutura anfíbia, provavelmente o primeiro pontão em madeira com várias dezenas de metros de comprimento e de altura. O objectivo: recuperar um galeão naufragado. O problema: a estanqueidade dos flutuadores que suportavam toda a estrutura. Resultado: uma vez cheios de água os flutuadores na aproximação ao galeão afundado, não mais conseguiu ascender à superfície. Conformado com o insucesso, o autor reconheceu que a sua tentativa se assemelhara a “tentar secar o mar”.



A questão perdurava: como recuperar navios e objectos afundados de modo prático... e eficaz?















Em Espanha, o secretário do Conselho Real das Índias, Pedro de Ledesma, descreveu e ilustrou no seu “Pesca de perlas y busca de galeones” (1623) - provavelmente o primeiro tratado dedicado integralmente ao resgate de navios afundados - a técnica para que “pessoas baixem ao fundo do mar em local onde haja dezasseir até vinte e cinco braças de agua e que esteja[m] três e quatro horas”. Seguem-se diversas representações iconográficas de técnicas de busca e resgate de navios afundados nas Caraíbas. Algumas considerações são apresentadas para modernização das "pescarias" de pérolas nessa rica região produtora.







Cristóbal Maldonado,"ingenio para pescar perlas" para dois mergulhadores (1577).

Archivo General de Simancas (Valladolid)





Alguns navios tornaram-se quase míticos devido à riqueza das suas cargas. Sem dúvida, os mais conhecidos de entre estes são os galeões espanhóis carregados com ouro e prata das Américas, popularizados na literatura e na cinematografia no séc. XX. Foi nas rotas centenárias da Carreira das Índias espanholas que o naufrágio de frotas inteiras com grandes carregamentos de ouro e prata ocorridos nos séculos XVII e XVIII nas Bahamas, nas Caraíbas e até na baía de Vigo (1702), deixou marcas duradouras na imaginação e na curiosidade de muitos empreendedores privados, que ainda hoje subsistem.















Eventualmente, uma ou outra expedição acabava por encontrar aquilo que todos procuravam.



A longa lista de ricos naufrágios espanhóis atraíu as atenções de muitos aventureiros. Entre 1622 e 1626, mergulhadores de pérolas da ilha Margarita, servidos por um sino de mergulho em cobre, formaram a força de trabalho no salvamento empreendido nos recifes das Bahamas, onde se desfez o galeão espanhol Nuestra Señora de Atocha com uma riquíssima carga em ouro e prata (recuperada parcialmente no séc. XX por caçadores de tesouros envoltos em polémica e um processo legal de grande repercussão).









Medalha de comemoração em prata do primeiro "pescador de naufrágios" bem sucedido, William Phips, cunhada em 1687. a legenda procede de Ovídio (Metamorfoses) e lê: "deixai sempre teu gancho pendurado". Em primeiro plano, o batel de apoio aos mergulhadores ocupa-se a içar destroços do galeão Nuestra Señora de la Concepcion.







Em 1687, após anos de buscas, o capitão William Phips conseguiu localizar nos baixos das Bahamas (posteriormente baptizados de Banco da Prata) o naufrágio do galeão Nuestra Señora de la Concepción, afundado em 1641 por um violento temporal quarenta e seis anos antes com uma carga preciosa, recolhida praticamente na sua totalidade. Nascido em 1650 no Maine (América do Norte), esse oficial filho de um emigrante inglês, iniciou a sua carreira como carpinteiro naval na cidade de Boston. Além de parte da enorme fortuna recolhida (cerca de 200.000 libras), Phips foi armado cavaleiro pelo rei de Inglaterra e nomeado governador da colónia de Massachussets, concluindo com distinção uma das mais famosas campanhas de recuperação da época Moderna cujo desfecho bem sucedido perpetuou o mito da “caça ao tesouro” dos galeões espanhóis afundados.



Mais a Norte, a "febre" dos sinos propagou-se vigorosamente na primeira metade do século XVII. À medida que as potências marítimas Protestantes desenvolveram em força o seu poder naval, muitos técnicos aproveitaram este novo campo de oportunidades.







Sinos individuais semelhantes do alemão Kessler (1617) e do holandês Leeghwater (c. 1620)



Em 1605 foi patenteado nas Províncias Unidas um sino portátil individual, apoiado no próprio mergulhador, que dispunha de pequenas janelas, pelo engenheiro hidráulico holandês Jan Adriaanszoon Leeghwater, construtor do primeiro sino de mergulho holandês, para utilização na reparação de pontes e diques e eclusas, resgate de navios afundados, recolha de cargas e objectos valiosos submersos, mas também para transportar cartas e mensagens secretas, após experiências bem sucedidas num canal perto de Haia - a que assistiu o Príncipe Maurício de Nassau - e em Amesterdão. Durante a submersão de 45 minutos, terá inclusivamente tocado instrumentos de música, cantado e escrito para demonstrar a total operacionalidade do ambiente restrito. No entanto, desconhece-se qualquer actividade prática envolvendo a sua utilização posterior.



Esta versão fez escola. Na década seguinte, em 1617, o pintor e inventor alemão Franz Kessler, apresentou o mesmo modelo baptizado de "arnês subaquático", com garantias de não representarem qualquer risco "de vida ou membros", garantindo uma imersão perfeita sem recurso a "feitiçaria e magia negra", mas apenas para entreter os amantes dos segredos do mundo natural.



Ambos serviram de óbvia inspiração à “armadura aquática” de Gaspar Schott, ilustrada na Technica curiosa, sive Mirabilia Artis (1664) [p. 395]. Só nenhum deles explicou como evitar tropeções e quedas do sino no leito dos rios ou no mar...



Na mesma época, outros levaram os sinos ao limite das capacidades, mergulhando em águas ainda mais frias. Foi com recurso a pequenos sinos individuais que, entre 1664 e 1665, o oficial sueco Hans Albrecht von Treileben e o alemão Andreas Peckell lideraram com notável sucesso as recuperações de meia centena de peças de artilharia do navio de guerra da coroa sueca Vasa (cujo casco foi resgatado em 1961 para um museu bem conhecido), no porto de Estocolmo a 30 metros de profundidade. Quarenta anos depois, outros 60 canhões foram recuperados nos destroços do Kronan no Mar Báltico pelo comandante Paul Rumpf e o almirante Hans Wachtmeister. O sino conheceu aqui o seu período de ouro em usos comerciais, por serviços contratados.







Réplica do sino de mergulho utilizado no séc. XVII para resgate da artilharia do navio de guerra Vasa, afundado no porto de Estocolmo. Mais abaixo, um dos canhões recuperados entre 1663 e 1664 e vistas da popa e proa do navio resgatado em 1961.

Vasa Museet (Estocolmo)























Reconstituição de sino de mergulho utilizado no resgate da artilharia do navio Kronan na década de 1680.

Kalmar Läns Museum (Suécia)





De facto, os sinos foram os “engenhos” de mergulho mais comuns e eficazes da época moderna. Uma simples estrutura em forma de campânula invertida, fabricada em cobre, em madeira ou bronze. Muitos destes sinos dispunham de bancos montados no seu interior, de maneira a acomodar os mergulhadores.



As manobras de posicionamento eram conduzidas a partir da superfície: suspenso por um cabo a partir do navio de apoio e deslocado com ajuda de um cabrestante e um braço em jeito de grua, ao submergir-se o sino na água ficava retida uma determinada quantidade de ar - que também impedia a água de entrar,. À medida que a profundidade aumentava, o ar retido no interior do sino era comprimido pela pressão da água pelo que, quanto mais fundo se encontrasse, menos ar estaria disponível. O ar disponível não proporcionava mais que uns escassos vinte minutos aos mergulhadores até que as trocas gasosas o tornassem o irrespirável. Outro factor limitativo era a sua estabilidade debaixo de água. Os sinos apenas podiam operar em águas relativamente calmas, com correntes fracas, pois de outro modo poderiam balançar demasiado ou ser arrastados, impedindo o trabalho dos mergulhadores.



















Um dos mais importante sdesenvolvimentos do sino ocorreu no final do séc. XVII. O astrónomo e físico inglês Edmund Halley (mais conhecido pelo cometa que identificou e baptizou) desenvolveu um sistema rudimentar de renovação de ar através de tubos em cabedal impermeabilizado ligados a barris descidos da superfície. Outro "extra" importante consistiu na adaptação de um pequeno sino individual, ou elmo ("cap of maintenance") que permitia a deslocação de um mergulhador nas imediações do sino-mãe.

Após as experiências bem sucedidas em que participou desde 1691, conseguindo imersões superiores a uma hora, Halley publicou em 1716 os resultados sobre novas maneiras de trabalhar confortavelmente debaixo de água, com o título sugestivo “The art of living under water”.





The London Encyclopaedia, or Universal dictionary of Science, Art, Literature and practical Mechanics, vol . VII (1839)



O sucesso do sino de Halley levou a que lhe atribuíssem, erroneamente, a invenção do próprio sino.

Não obstante, foi sobre este modelo sofisticado que os engenheiros e inventores seguintes se atarefaram a introduzir melhoramentos pontuais, como o sueco Marten Triewald (1741) e o franco-inglês Jean Théophile Desaguliers (1744), cuja obra reflecte a sistematização crescente introduzida com a criação das primeiras academias e sociedades científicas. Ambos desenvolveram modelos ligeiramente melhorados do sino de Halley.





Modelo do sino de Marten Triewald, c. 1720. Zeeuws Maritiem Muzeeum, Vlissingen



Só com a Revolução Industrial se introduziu o derradeiro e decisivo desenvolvimento: em 1788, o engenheiro inglês John Smeaton testou o primeiro sino de mergulho alimentado a ar comprimido.



Na sua simplicidade e robustez, os sinos de mergulho continuaram ao serviço até à época contemporânea, com diversas modificações mas mantendo o mesmo princípio de utilização.









William & Robert Chambers, Encyclopaedia: A Dictionary of Universal Knowledge for the People (1881).

Florida Center for Instructional Technology, College of Education (Universidade da Florida do Sul)







Sino do início do século XX. Encyclopædia Britannica, 1911. (Project Gutenberg Encyclopaedia)



Uma "máquina" de sucesso com séculos de história, que acompanhou discreta mas laboriosamente as nevagções e naufrágios, contra correntes, marés e monstros marinhos, hoje na penumbra do esquecimento.







Ilustração satírica de James Gillray, "Going down in a Diving Machine", 1801. The British Museum





Para ler mais:





João Pedro VAZ Pesca de Naufrágios: as recuperações marítimas e subaquáticas na época da Expansão (2006)





- Para a descrição dos episódios subaquáticos protagonizados por Alberti e Marchi, veja-se um bom resumo em L. Th. LEHMANN, “Underwater archaeology in 15th- and 16th-century Italy”, in International Journal of Nautical Archaeology, Vol. 20, n.º 1 (1991), pp. 9-11 e Ennio CONCINA, Navis: l’Umanesimo sul’Mare (1470-1740) (1990), pp. 3-5. [e ainda outra página acerca da história, fotos e reconstituições das galés gigantes afundadas no lago Nemi]



- Sobre a ciência e tecnologia aplicadas na maior tentativa de salvamento subaquático realizada na lagoa de Veneza: Alex KELLER, "Archimedean Hydrostatic Theorems and Salvage Operations in 16th-Century Venice", in Technology & Culture, Vol. 12, n. 4 (1971), pp. 602-617





J. BEVAN, “Diving Bells through the Centuries”, in South Pacific Underwater Medicine Society Journal, 29, 1 (1999)





John E. RATCLIFFE, “Bells, Barrels and Bullion: Diving and Salvage in the Atlantic World, 1500 to 1800”, in Nautical Research Journal, Vol. 51, No. 1 (Spring 2011)







Vale a pena clicar:



Thijs MAARLVELD, History of Diving (2008) [rigoroso e imprescindível]



James DELBOURGO, "Divers Things: Collecting the World Under Water", in History of Science, 49 (2011) [perspectiva original acerca do coleccionismo e da História Natural, com muitos detalhes complementares acerca da utilizãção dos sinos de mergulho no séc. XVII]



History of Diving Museum (Florida Keyes) [útil e bem apresentado]





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