sábado, 5 de novembro de 2011

1616 - O TERREMOTO DE LISBOA

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O Terramoto de Lisboa, os judeus e a Inquisição
Published by Nuno Guerreiro Josuéat 11/1/2005 in Judeus Portugueses and História. "English" Translation


Às 9h20 da manhã de 1 de Novembro de 1755, há exactamente 250 anos, Lisboa era varrida pelo primeiro de uma série de três violentos abalos sísmicos. Em breves minutos, uma das mais belas capitais europeias ficaria irreconhecível, irremediavelmente destruída por um dos mais devastadores terramotos da História – que, segundo os geólogos modernos, terá atingido uma magnitude de 9 na escala de Richter. Entre 60 a 100 mil pessoas perderam a vida nos escombros (cerca de metade da população da capital portuguesa na época).
Escassos quatro meses após o terramoto de Lisboa, a 11 de Março de 1756, uma quinta-feira (9 de Adar II de 5516, segundo o calendário hebraico, cinco dias antes do festival judaico de Purim), os governadores da congregação sefardita portuguesa e espanhola de Hamburgo – onde na época residiam cerca de 350 judeus portugueses – decretam um dia “jejum geral”, para “orar e suplicar à Divina majestade”. Um panfleto escrito em espanhol circulou pela cidade, anunciando um sermão a cargo do rabino Jacob Bassan (1704-1769), no qual se lia:
“Horden de Rogativa y Peticion, para orar y rogar, al Senhor, para tiempo de teramoto, o temblor de tierra, y segun se há oydo, la indignacion de Ds. se experimentó, em Varios lugares, y en diferentes partes, tembló la tierra, por lo que se ajuntaran los Senhores Parnassim, y con la aprovacion del Sr. HH, decretaran um ayuno general, para jueves, siendo 9 del mez de Adar segundo deste anho, para orar e suplicar ala Divina magestad, por nós y por todo Israel nuestros Hermanos los proximos y los remotos, El todo poderozo apiade sobre nós, y sobre todos os lugares de nuestras moradas, y ampare por nos, Amen.
Composto em Lengua Ebrea, y tradizido em Lengua Espanhola por el H.H.R. Jehacob de Abraham Bassan, rav del K.K. Beth Israel en Hamburgo. Estampado por orden de los Senhores Parnassim de dicho Kahal anno 5516. Estampado em Hamburgo, em casa de la Viuda de I.H. [ilegível] Anno 1756.”


Esquerda: o panfleto da sinagoga portuguesa e espanhola de Hamburgo anunciando um dia de jejum e oração em memória as vítimas do terramoto de Lisboa (clique para ver uma imagem maior do panfleto). Direita: xilogravura checa sobre o terramoto de Lisboa datada de finais de 1755 (Original do Museu da Biblioteca Nacional da República Checa).

Rezando pela memória das vítimas do terramoto de Lisboa, e pedindo a protecção divina, alguns dos líderes religiosos dos judeus portugueses emigrados em Hamburgo – e também em Amsterdão – viam na catástrofe um “castigo divino” que punia Portugal pelos crimes da Inquisição, em retribuição pelas suas inúmeras vítimas1 (António José da Silva, dramaturgo conhecido como O Judeu, por exemplo, fora executado na fogueira 18 anos antes do terremoto). A mesma leitura seria feita na época um pouco por toda a Europa, onde teólogos protestantes imputavam o Grande Terramoto de Lisboa a uma omnipresente “mão de Deus” que castigava os portugueses pela sede sanguinária e fanática da Inquisição (ver gravura em baixo). Cerca de dois séculos antes, como testemunhou um atónito Gil Vicente, um grupo de frades de Santarém pregava que o terramoto de 26 de Janeiro de 1531 fora “um castigo divino” pela presença dos judeus em Portugal (que por sinal estavam no país há mais de 2500 anos…).
Mas no século XVIII, mesmo aqueles menos dados às coisas da religião não hesitavam em juntar terramoto e Inquisição nas mesmas páginas. Numa carta dirigida a M. Tronchin de Lyons, datada de 24 de Novembro de 1755, redigida pouco tempo depois de receber a notícia da catástrofe de Lisboa, o filósofo iluminista francês Voltaire escrevia: “(…) Que dirão os pregadores – especialmente se o Palácio da Inquisição ainda ficar de pé! Agrada-me a ideia de que esses reverendos padres, os da Inquisição, terão sido esmagados tal como as outras pessoas. Servirá isso para ensinar que homens não devem perseguir outros homens: porque, enquanto beatos hipócritas queimam uns quantos na fogueira, a terra abre-se e engole a todos sem distinção.”
Quatro anos mais tarde, Voltaire tornava a escrever sobre o terramoto de Lisboa, e sobre a Inquisição, no romance burlesco Candide. No capítulo VI de Candide, o filósofo francês coloca os padres da Universidade de Coimbra a proclamarem que “o espectáculo de queimar vivas umas quantas pessoas em fogo lento, e numa grande cerimónia, é um segredo infalível para prevenir que a terra trema”, pelo que se organiza um “grandioso auto-de-fé” no qual serão queimados, entre outros, “dois portugueses que se recusam comer toucinho”. “No mesmo dia”, escreve Voltaire no final do capítulo, “a terra tremeria de novo com um furor implacável.”

1Até aos finais do século XIX, as congregações de judeus portugueses na Diáspora (em Nova Iorque, Filadélfia, Savannah, Newport, Amsterdão, Caraíbas etc.) tinham nos seus livros de oração uma benção, pronunciada diariamente pelos congregantes, onde se lia em português: “Tende na vossa guarda a todos os nossos Irmãos prezos pella Inquisição e a todos os nossos irmãos que andão por caminhos tanto por mar como por terra.”


(clique para ampliar)
Gravura britânica, publicada em Londres em 1756. O rei português, D. José I, frente a uma Lisboa em ruínas, pergunta a um padre anglicano quais as causas do terramoto; o sacerdote protestante mostra-lhe um “auto-da-fé”, dizendo que “queimar pessoas provoca a ira divina”. (Jan Kozak Collection, Universidade de Berkeley, Califórnia)

::A LER:: Candide (texto integral em francês) / Candide (texto integral em inglês) / Cândido (texto integral em português) / Voltaire - Poème sur le désastre de Lisbonne / Dialogus - Voltaire - Le tremblement de Lisbonne / Dicionário Histórico de Portugal: Padre Gabriel Malagrida / Pequeno Blogue do Grande Terramoto (um blog de Rui Tavares, historiador, tradutor de Voltaire para português e autor do Pequeno Livro do Grande Terramoto) / Historical Depictions of the 1755 Lisbon Earthquake / Earthquakes Around the World / DivulgandoBD: Terramoto de 1755 na Banda Desenhada

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