quarta-feira, 2 de novembro de 2011

11578- ETHELBALD I DA INGLATERRA

ESTUDOS
DA LITERATURA
ANGLÓFONA
1ª Edição - 2007
Sociedade Mantenedora de Educação Superior da Bahia S/C Ltda.
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Equipe
Angélica de Fatima Silva Jorge, Alexandre Ribeiro, Cefas Gomes, Cláuder Frederico, Delmara Brito,
Diego Aragão, Fábio Gonçalves, Francisco França Júnior, Israel Dantas, Lucas do Vale,
Marcio Serafim, Mariucha Silveira Ponte, Tatiana Coutinho e Ruberval Fonseca
Imagens
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Produção Técnica
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Editoração
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SOMESB
FTC - EaD
MATERIAL DIDÁTICO
SUMÁRIO
O CONTO E O ROMANCE ________________________________________ 7
O CONTO __________________________________________________________ 7
A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA ANGLO-SAXÔNICA ____________________________ 7
PERÍODO MEDIEVAL E CONTOS ARTURIANOS ____________________________________ 12
CHAUCER E O DESENVOLVIMENTO DOS CONTOS _________________________________ 15
O CONTO MODERNO _______________________________________________________18
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________30
O ROMANCE _______________________________________________________31
O NASCIMENTO DO ROMANCE _______________________________________________31
A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE NORTHROP FRYE _________________________________ 36
DESENVOLVIMENTO DO ROMANCE INGLÊS _____________________________________38
O ROMANCE NORTE AMERICANO _____________________________________________45
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________51
A POESIA E O TEATRO __________________________________________53
A POESIA __________________________________________________________53
A POESIA INGLESA: DE SHAKESPEARE AO ROMANTISMO __________________________ 53
A POESIA NORTE AMERICANA ________________________________________________67
A POESIA BEAT ____________________________________________________________74
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS _____________________________________________76
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________77
SUMÁRIO
O TEATRO _________________________________________________________79
SHAKESPEARE _____________________________________________________________ 79
OSCAR WILDE & BERNARD SHAW _____________________________________________86
O TEATRO NORTE AMERICANO _______________________________________________92
O TEATRO DO ABSURDO ____________________________________________________94
ATIVIDADE COMPLEMENTAR _________________________________________________99
GLOSSÁRIO ____________________________________________________________ 101
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _________________________________________ 102
REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ____________________________________________ 105
REFERÊNCIAS FILMOGRÁFICAS _________________________________________ 106
Prezados alunos,
Bem vindos à nossa nova etapa, desta feita, o estudo das literaturas de
expressão inglesa!
A nossa disciplina, Literatura em Língua Inglesa, irá tratar de um assunto
novo para muitos de vocês, que é produção literária dos países anglófonos.
A língua inglesa é, atualmente, a língua materna ou oficial em aproximadamente
sessenta países, distribuídos por todos os continentes do nosso
planeta. Entretanto, nossos estudos estarão focalizados principalmente em
textos de autores provenientes do Reino Unido da Grã Bretanha e Estados
Unidos da América, pelo fato de se tratarem de bibliografia mais facilmente
encontrada em nosso país.
Iniciaremos o módulo abordando o conto como forma literária, desde os
seus primórdios até as tendências da contemporaneidade. Em seguida, ainda
no mesmo bloco temático, trataremos do romance como forma literária
moderna, suas características, e seu desenvolvimento.
No segundo bloco temático estudaremos a poesia inglesa e norte americana,
bem como as vertentes literárias que influenciaram as diversas gerações
de poetas anglófonos. E, last but not least, o teatro será o nosso último
tema, cuja abordagem tratará das características do teatro de Shakespeare
até o Teatro do Absurdo.
Parafraseando Drummond que dizia que amar se aprende amando, chamo
atenção para o fato que literatura se aprende lendo. Portanto, apesar de
reconhecermos as dificuldades existentes na obtenção do material de leitura,
é imprescindível que o aluno, na medida do possível, procure seguir as
nossas recomendações de bibliografia e filmografia ao final de cada tema.
Agora, mãos à obra!
Profa. Mestre Sonia Maria Davico Simon
Apresentação da Disciplina
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 7
Podemos imaginar, desde os tempos
mais remotos, seres humanos reunidos ao fi m
do dia para uma refeição comunal ao redor do
fogo, compartilhando as experiências vivenciadas
nas atividades diárias em expedições
de caça, coleta de alimentos, encontros fortuitos
com outros grupos de humanos e animais
selvagens. Essas experiências, narradas
ao redor da fogueira e ouvidas pelos demais
membros do grupo, deram origem às primeiras
narrativas.
Esses relatos, modifi cados através dos
tempos nas sucessivas repetições e transmissões orais, passaram a incorporar explicações sobre
elementos e fenômenos da natureza até então desconhecidos pelos homens tais como a origem
do mundo, dos astros, fenômenos da natureza, animais, plantas, a morte, etc. Através da observação
a humanidade imaginou histórias para explicar não somente a origem das coisas como
também a sua utilização, o que pode ser apreciado nos relatos que sobreviveram às sociedades
primitivas, agrárias.
Essas narrativas se confi guraram como míticas ou mitológicas e podem ser identifi cadas
nos relatos bíblicos do Velho Testamento, como, por exemplo, o Livro do Gênesis. Outras
histórias, como a Odisséia, também se confi guram como relatos míticos e narram a história de
um povo, ou civilização. Tais relatos constituem-se de longos poemas que contam, geralmente,
as aventuras de um personagem principal, um herói, representante das aspirações de uma nação
ou etnia, que, em superando obstáculos, consegue galgar uma posição de líder na comunidade
representando assim os valores de uma nação.
Pensadas deste modo, estas narrativas trazem contribuições profícuas para o entendimento
da identidade nacional (leia-se cultural) de um povo. Ressalvamos que há áreas da ciência, mais
positivistas, que divergem sobre a viabilidade de recorrer à literatura como fonte para entender
a história. Entretanto, podemos questionar até que ponto o olhar pretensamente distanciado do
historiador atinge a objetividade desejada, escapando à subjetividade inerente a qualquer ponto de
vista. Devemos pensar, ainda, que tipo de registro poderia ser mais elucidativo sobre a Guerra de
Tróia do que a Ilíada, ou, ainda, quem poderia trazer maiores revelações sobre a visão de mundo
da Alta Idade Média da Inglaterra, além de Chaucer em The Canterbury Tales, ou poderíamos
O CONTO E O ROMANCE
O CONTO
A TRADIÇÃO ORAL E A LITERATURA ANGLOSAXÔNICA
8 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
do mesmo modo imaginar melhor quadro de Dublin do que aquele pintado nos traços marcantes
de James Joyce, em seus contos reunidos em Dubliners.
Todos os fatores supracitados, no entanto, não subtraem dos textos que serão aqui apresentados
o seu caráter representativo de uma cultura tão presente em nossa própria cultura brasileira,
traduzida como foi por tantos autores e intelectuais no Brasil. Que esta “tradução”, em seu sentido
mais amplo, seja uma justifi cativa convidativa para esta jornada no mundo anglófono.
Beowulf
Não devemos esquecer que apesar de todos os textos que serão aqui
estudados nos levarem a conhecer um pouco sobre a literatura anglófona e
sua cultura (pois literatura é cultura), há diversos textos outros que se perderam
entre as conquistas territoriais e culturais e ainda muitos deles foram
alterados pela cultura colonizadora. Não podemos desconsiderar, ainda, que,
enquanto detentora do direito de preservar os textos antigos, a Igreja muitas
vezes domesticou suas traduções e ou adaptações.
PARA LEMBRAR
Denominados de épicos, os primeiros relatos anglófonos guardaram
narrativas de seus antepassados históricos: os Celtas, Anglo-Saxões, e demais
povos estabelecidos na região que hoje chamamos de Grã Bretanha
nos primeiros séculos, e suas respectivas culturas, antes mesmo que a língua
inglesa se constituísse como tal. Estes épicos foram escritos sob a forma
de poemas que, embora longos, continham elementos que facilitavam a sua memorização, a fi m
de que pudessem ser repetidos e lembrados através dos tempos. Dos poemas épicos em língua
anglo-saxônica, ou Old English (Inglês Arcaico), destacamos Beowulf, manuscrito datado possivelmente
do século XII e que se encontra no Museu Britânico.
Existente em diversas versões em inglês contemporâneo, os acontecimentos e os personagens
de Beowulf são comuns às sagas dos países escandinavos, como, por exemplo, a Dinamarca,
o que aponta para a infl uência cultural e lingüística daquele povo na constituição do país que hoje
chamamos de Grã Bretanha.
Beowulf é um poema épico, pré-cristão, provavelmente datado do período das invasões Anglo-
Saxônicas, embora o manuscrito seja de um período posterior. É uma história anônima, possivelmente
composta por um único autor entre os séculos VII e VIII, e, não obstante o narrador
se reportar a uma cultura pagã e com valores pagãos, a noção de heroísmo aponta para um ponto
de vista cristão, na qual os valores morais e religiosos parecem estar embutidos. Os críticos literários
chamam atenção para o fato de que as lutas realizadas por Beowulf prefi guram o antagonismo
cristão entre o bem e o mal, e simbolizam a cultura situada ainda na fronteira entre a estabilidade
de uma sociedade agrária e a instabilidade e o nomadismo do herói guerreiro.
Beowulf e Grendel
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 9
O documento com a transcrição do poema Beowulf existente no Museu Britânico data
do século XII, embora haja suspeitas que a sua composição remonte a trezentos ou até mesmo
quatrocentos anos antes.
A história acontece durante o reino de Hrothgar da Dinamarca, cenário constantemente
ameaçado por monstros de diversas origens e que são mortos em batalhas heroicamente vencidas
por Beowulf. Entretanto, ao fi nal do relato, o herói é atacado por um dragão que lhe fere mortalmente;
Beowulf, então, recebe exéquias1 pagãs e o épico tem o seu fi nal. A saga é escrita em Old
English (inglês arcaico, contendo infl uências decorrentes das inumeráveis invasões dos povos
anglo-saxões).
Trecho de Beowulf:
We have learned of Eormanric’s
wolfish disposition; he held a wide dominion
in the realm of the Goths. That was a cruel king.
Many a man sat bound in sorrows,
anticipating woe, often wishing
that his kingdom were overcome.
Beowulf e os demais poemas épicos datados do período Anglo-Saxão eram recitados por um
scop: bardo itinerante que se deslocava pelos reinos – às vezes a serviço de um único monarca
– relatando fatos, acontecimentos e histórias.
Widsith e Outros Textos
O poema Widsith, por exemplo, um dos mais antigos manuscritos do período, narra as
viagens de um scop chamada Widsith (que signifi ca “far journey”) por diversos reinos do mundo
germânico. O épico, possivelmente autobiográfi co, encontra-se no Book of Exeter, coleção que
abriga outros textos, doado à Catedral de Exeter. Outros textos do período chamado Old English
Literature são The Battle of Maldon (escrito cerca do ano 1000), poema que trata da luta entre um
nobre senhor de Essex e uma invasão viking, e inúmeras transcrições de histórias bíblicas como
1 Exéquias são cerimônias fúnebres.
Os indícios de interferências textuais de origem cristã no poema Beowulf podem
ser explicados devido ao fato de a literalidade ter sido privilégio dos monges, responsáveis
pela maior parte da transcrição de documentos e textos literários na época. Um dado que
corrobora com esta interferência é o fato de ao monstro Grendel ser atribuída a descendência
da raça de Caim, personagem bíblico cuja história é marcada pela vilania e traição.
CURIOSIDADE
10 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Judith, Gênesis, Exodus, Daniel, reunidos em quatro manuscritos: MS Cotton Vitellius, que faz
parte do acervo do Museu Britânico; The Junius Manuscript que se encontra na biblioteca Bodleian
em Oxford; The Book of Exeter que está na Catedral de Exeter; e o Vercelli Book que se encontra
na biblioteca da Catedral de Vercelli, sul da Itália.
SAIBA MAIS
Salientamos que embora os textos mencionados tenham sido escritos em versos, estes
se inserem na categoria contos por serem narrativas épicas. Tal inserção justifi ca-se por
consistir a epopéia em uma narrativa de feitos grandiosos, o que a aproxima da prosa.
Não devemos esquecer que o gênero romance é um desdobramento da epopéia. Em A
teoria do romance, Georg Lukács2 , situa a epopéia em um período anterior à modernidade, mais
especifi camente, na cultura helênica, período propício para o desenvolvimento deste tipo de narrativa,
por ser marcado pelo sentimento de familiaridade entre o sujeito e o mundo, sendo este
caracterizado pela homogeneidade, a unidade. Com a modernidade, ou seja, com o começo do
Novo Mundo, no entanto, há uma quebra desta unidade e, assim, o homem se sente desenraizado
e ao sentimento de pertença diante do mundo sobrepõe-se uma sensação de desamparo,
uma forte desorientação. Assim, enquanto o Helenismo é “um mundo homogêneo, e tampouco
a separação entre homem e mundo, entre eu e tu é capaz de perturbar sua homogeneidade.” (p.
29), na era moderna predomina o que Lukács chama de “desabrigo transcendental”.
Crônica anglo-saxã
Esta obra é considerada a primeira produção escrita dos germânicos e, por ser composta
por relatos, é defi nida por alguns autores como um jornal. A Crônica anglo-saxã é constituída por
anotações em inglês arcaico e inglês médio sobre importantes acontecimentos do período do
2 LUKÁCS, Georg. “Culturas Fechadas”. In: id. A Teoria do Romance. São Paulo: Duas Cidades, 2000, p. 25-36.
Epopéia
PARA LEMBRAR
Trouxemos à baila as considerações feitas sobre a epopéia e o romance
não só para justifi car a inserção de textos como Beowulf neste módulo
sobre contos, mas, sobretudo, para mostrar que a literatura expressa questões
de cunho histórico e de identidade não apenas através do conteúdo
das histórias narradas, mas até mesmo em sua forma. Afi nal, como postula
Lukács, a forma da epopéia seria apenas possível em uma era fechada, em
que predominava a unidade tão marcadamente representada nas longas estrofes
de histórias de bravos heróis.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 11
século IX a 1154, listados conforme a data em que ocorreram, como o trecho destacado ilustra:
A.D. 752. This year, the twelfth of his reign, Cuthred, king of
the West-Saxons, fought at Burford (27) with Ethelbald, king of
the Mercians, and put him to fl ight.
A.D. 753. This year Cuthred, king of the West-Saxons, fought
against the Welsh.
Notamos que a defi nição de crônica supracitada não se aplica à Crônica anglo saxã, já que
esta consiste em relatos breves de acontecimentos do período em que foi escrita. Esta obra se insere,
na verdade, nos textos qualifi cados por Massaud Moisés como “cronicões”, termo que, em
português e espanhol é utilizado para se referir a “simples e impessoais notações de efemérides”3,
em contraste às crônicas, propriamente ditas, que são “obras que narravam os acontecimentos
com abundância de pormenores e algo de exegese, ou situavam-se numa perspectiva individual
da história”4 . Em inglês, entretanto, não há diferença de termos entre crônica e cronicões,
reunidas sob uma única palavra, chronicle. Ainda no tocante ao termo utilizado para se referir às
crônicas, salientamos que, na acepção moderna, em inglês, estas podem ser chamadas commentary,
literary column, sketch, light essay, human interest story, town gossip, entre outros.
Livro do Juízo Final
Na linhagem de textos documentais, é válido mencionarmos uma outra obra, o Livro do Juízo
Final, cuja história está atrelada à conquista de território inglês e consolidação do Feudalismo
pelo normando, William I (ou Guilherme), o Conquistador. Este livro foi escrito para inventariar
as terras que seriam doadas em lotes a senhores que ajudariam William a manter o controle e
consolidar a conquista do território.
3 MOISÉS, Massaud. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999, p. 132.
4 Op. cit., p. 132.
Crônica e cronicões
SAIBA MAIS
Na acepção moderna, o termo “crônica” se refere a um texto que relata um
acontecimento prosaico que é narrado com um olhar subjetivo – o que já lhe tiraria
a objetividade que é pretensamente buscada pela reportagem – ora revelando o seu
autor como um contador de histórias, ora estimulando nele algo de poético pelo tratamento
incomum que atribui às histórias. Em virtude de uma defi nição imprecisa
do que seja a crônica, este tipo de texto, geralmente escrito para jornais ou revistas,
é considerado “híbrido”, conforme Massaud Moisés, podendo ser tanto narrado em
forma de alegoria, quanto de resenha, confi ssão, monólogo, entre outras.
12 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
O que é literatura?
Conforme Antoine Compagnon, o termo literatura começou a ser utilizado, tal como o
utilizamos na contemporaneidade, a partir do século XIX. Antes deste período, esta palavra
designava “as inscrições, a escritura, a erudição, ou o conhecimento das letras”5, designação que
contempla os textos supracitados, Livro do Juízo Final e Crônica anglo-saxã, justifi cando a sua
inserção, naquela época, entre textos literários.
PERÍODO MEDIEVAL E CONTOS ARTURIANOS
Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda
No que pese os primeiros registros da literatura inglesa se encontrarem sob a forma de
poemas épicos, a prosa estava presente notadamente nas transcrições das histórias bíblicas e hagiografi
as, que consistem em biografi as e histórias de feitos de um indivíduo que seja considerado
santo, abade, mártir, pregador, rei, bispo, virgem, entre outros. O conto como forma literária vai
se estabelecer defi nitivamente no período chamado de Middle English (Inglês Médio), após a
conquista Normanda, em 1066.
A partir da conquista da Inglaterra em 1066 por William I, O Conquistador, a língua falada
pelas camadas privilegiadas da sociedade e da corte inglesa era o normando, francês padrão da
época. Os nobres normandos que faziam parte da corte na Inglaterra, não raro, possuíam vastas
extensões de terra do outro lado do canal da Mancha, o que propiciava uma infl uência francesa
bastante acentuada pelo constante trânsito entre ambas as localidades. No século XII, durante o
reinado de Henrique II, têm-se notícias da chegada de trovadores vindos do continente, provavelmente
trazidos por sua esposa, Eleanor de Aquitânia.
5 COMPAGNON, Antoine. A literatura. In: _____. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte:
UFMG, 1999, p. 30.
PARA REFLETIR
A qualifi cação de textos como o Livro do Juízo Final e Crônica anglosaxã
como literatura leva-nos a ponderar sobre o que pode ser considerado
texto literário e não literário, uma vez que o conceito de literatura,
no senso comum, sempre esteve atrelado à noção de fi cção.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 13
CURIOSIDADE
A temática explorada pelos trovadores abrangia histórias do imaginário celta, pagão,
tais como as lendas do Rei Artur e as aventuras dos seus fi éis escudeiros, também
conhecidos como cavaleiros da Távola Redonda. Muitas das lendas e personagens são
oriundos da tradição oral celta como Mordred, Merlin, Guinevere, Tristão, Gawain, e
Lear (posteriormente caracterizado como protagonista na tragédia de Shakespeare, Rei
Lear). Esses personagens já haviam sido mencionados no relato do escritor inglês George
de Monmouth, numa tentativa de escrever a história da Inglaterra.
Tornadas populares, essas histórias inauguraram um novo modelo de narrativa, cuja ênfase
foi deslocada dos feitos heróicos até então abordados, para novos ideais de sentimento e comportamento,
denominado de amor cortês.
O Amor Cortês
O “amor cortês” ou fi n amors marcou um período na idade
média que destacou a mulher numa civilização predominantemente
masculina. A época medieval se caracterizou pela instabilidade política
causada pelas constantes lutas e guerras travadas entre os senhores de
pequenos reinos semi-independentes e que deviam obediência a um
rei que lhes era superior. Por outro lado, as Cruzadas exigiam a adesão
desses pequenos senhores de terra que, como prova de fé, abandonavam
suas propriedades e famílias para lutar a serviço do cristianismo
em terras longínquas. Com o afastamento dos senhores, os pequenos
feudos passaram a ser governados por suas esposas, alçando a mulher
a um novo status, a de governante, senhora de terras. Ao mesmo tempo,
a propagação do culto à Virgem Maria, promovida pela Igreja Católica,
elevou a mulher a uma posição privilegiada, associada à imagem
da Virgem Mãe. Anteriormente situada numa situação de submissão,
a dama medieval adquiriu poderes de governante, liderando a corte que privilegiou uma nova
forma artística.
O período do fi n amors se distinguiu pelo surgimento de uma nova forma literária, o trovadorismo;
entretenimento palaciano que consistia na diversão da corte por trovadores, ou bardos,
que, acompanhados por um instrumento musical, relatavam as aventuras de cavaleiros que
compunham o acervo de histórias da tradição oral celta. Essas histórias se encontravam sob a
forma de versos e entretinham as damas e suas cortes nos longos períodos em que os senhores
estavam guerreando. Os trovadores enalteciam a fi gura feminina representada pela protagonista
da história e cantavam o amor entre os sexos como um sentimento elevado.
O Amor Cortês
14 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Trovadores
PARA LEMBRAR
Na idade média, o casamento se resumia a uma associação
por interesses políticos e/ou pecuniários, em que os sentimentos
afetivos não eram levados em consideração. O adultério, se
não fora prática comum, também não era de todo extraordinário.
É nesse contexto que fl orescem o amor cortês e os romances
de cavalaria.
Os “romances” de cavalaria tinham como tema aventuras de cavaleiros que se dispunham a
enfrentar toda a sorte de obstáculos a fi m de conquistar o coração de uma dama, sem, contudo,
se abster da preservação de valores éticos e morais e lealdade ao seu rei ou senhor.
CURIOSIDADE
Por se tratarem de histórias oriundas da tradição pagã, era costumeiro que o amor
carnal fizesse parte dos antigos enredos, entretanto, devido à infl uência do cristianismo,
no período medieval o resquício de paganismo foi atenuado e deu lugar ao que convencionamos
chamar de amor platônico, ou o amor que não se realiza fi sicamente.
O fato de as damas dos feudos serem cortejadas pelos trovadores também infl uiu para o
apagamento do traço pagão do erotismo, uma vez que o amor cortês se tratava de um sentimento
envolvendo pessoas de classes sociais distintas. As senhoras dos feudos eram casadas e encontravam-
se em uma posição socialmente superior à dos amados, os poetas, que, colocando-se
na condição de vassalos, contentavam-se como servos de sua dama, a serviço do amor, o amor
impossível.
Essas histórias, ainda transmitidas sob a forma de versos pelos trovadores ou ministreis
foram, posteriormente, transcritas e se tornaram populares sob a forma de uma coletânea que
se convencionou chamar de “Histórias do Ciclo Arturiano” por terem como protagonistas os
cavaleiros do rei Arthur. Histórias como “Excalibur” ou “A Busca do Santo Graal” fazem parte
desta coleção que conta ainda com personagens conhecidos como Lancelot, Sir Gawain, a Rainha
Guenevere, o Rei Arthur e os Cavaleiros da Távola Redonda, entre outros. Esses relatos transformaram
a noção de amor na literatura ocidental e tornaram-se matrizes para outras tantas lendas
de amor impossível, como, por exemplo, Tristão e Isolda, fonte de inspiração para a ópera do
mesmo nome composta por Richard Wagner à época do romantismo.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 15
CHAUCER E O DESENVOLVIMENTO DOS CONTOS
Chaucer
É no período chamado de Middle English que vai despontar um dos maiores escritores da
língua inglesa, Geoffrey Chaucer. Neste período, a Inglaterra encontrava-se ainda sob a infl uencia
da língua francesa, ou melhor, o normando, francês padrão que predominou na Inglaterra durante
aproximadamente os dois séculos de ocupação normanda. De fato, o francês tornou-se o
idioma da corte e das classes abastadas da Inglaterra, enquanto que o latim se estabeleceu como a
língua ofi cial para escritos documentais e religiosos, promovendo grandes mudanças lingüísticas
no inglês moderno.
Chaucer se destacou como um artesão da palavra, e aproveitou seus conhecimentos lingüísticos,
especialmente o francês, além do italiano e do latim para enriquecer o léxico inglês através
do acréscimo de novos vocábulos oriundos dos idiomas que tinha domínio. Sua contribuição
estende-se ainda à inserção de uma perspectiva individual, a do contador de histórias, a partir da
qual é possível depreender uma fi losofi a de vida, embutida nas narrativas.
The Canterbury Tales
PARA LEMBRAR
Em virtude da presença da perspectiva individual, dos contos reunidos
em The Canterbury Tales depreendem-se não só imagens que representam
a Alta Idade Média, mas, sobretudo, uma visão de mundo. As
personagens, através das histórias que contam, revelam o modo de pensar
e a cultura da época. A perspectiva individual, o forte traço histórico
e a linguagem coloquial confi guram The Canterbury Tales como uma
literatura que se aproxima muito da literatura moderna.
“Contos de Cantuária”, ou The Canterbury Tales (1386), é, possivelmente, a mais conhecida
obra de Geoffrey Chaucer. Reunidos sob a forma de contos (não obstante a sua estrutura em
versos, com cerca de 1 700 linhas), esses relatos elaborados artisticamente preservam o tom da
tradição oral. As narrativas revolvem em torno de um grupo de peregrinos que, agrupados em
16 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
uma estalagem chamada de Tabard Inn, se dirige à cidade de Cantuária, próxima ao santuário de
S. Thomas Beckett.
Os relatos apresentados pelas diversas categorias profi ssionais da época, tais como marinheiro,
comerciante, abadessa, frade, entre outros, se constituem em uma crônica social cuja
tônica é a ironia. Os Contos de Cantuária conservam o recurso das estórias de moldura, ou seja,
todas as histórias encontram-se unidas pelo fato de serem contadas por um narrador para uma
platéia, simulando uma situação semelhante à da tradição oral. Por este motivo, estas histórias em
versos primorosos foram qualifi cadas como contos.
Mother Goose
Também portador da característica da oralidade, embora datado de um período posterior
(XVII-XVIII), é o “Livro da Mamãe Ganso”, ou Mother Goose. Trata-se de um clássico da literatura
infantil em países de língua inglesa, notadamente Inglaterra e Estados Unidos. O livro constitui-
se em uma coletânea de histórias transcritas da oralidade, muitas das quais fazem parte do
livro Histoire ou Contes du Temps Passé escritas na França por Charles Perrault no século XVII e que
se tornaram populares até a época atual. O Livro da Mamãe Ganso inclui cantigas e quadrinhas
infantis conhecidas como nursery rhymes.
O Narrador
Até então, os contos se atinham a narrativas de determinados fatos do cotidiano e a transmissão
de valores ou de experiências vividas, ou ainda, das fábulas contidas nos denominados
contos maravilhosos, de forma a se aproximar das narrativas da oralidade. Walter Benjamin, em
“O Narrador: Considerações sobre a obra de Nicolai Leskov”6 , enfatiza a importância da troca
de experiências nas narrativas de tradição oral, nas quais a palavra do narrador aglutinava e transmitia
valores sociais e morais aos ouvintes. No tocante à transmissão de conhecimento, Benjamin
identifi ca duas categorias de narradores, a saber, o “marinheiro comerciante”, confi guração do
narrador “como alguém que vem de longe”7 , detendo, portanto, um saber especial, e o “camponês
sedentário”, que possui um saber adquirido ao longo do tempo, tendo, desse modo, um
vasto conhecimento das histórias de seu povo. Ao narrar a experiência – sua ou alheia – a fi gura
do narrador se confundia com o próprio discurso. A riqueza em sabedoria manifestada nessas
narrativas foi se esboroando ao longo do tempo, em especial a partir da guerra mundial, quando
o indivíduo passou a se distanciar de valores coletivos, e começou a buscar respostas particulares,
isoladas.
De um plano de saber coletivo, transmitido pelo contador de histórias tradicional, surgiu,
então, a fi gura do narrador moderno, que perdeu a capacidade de transmitir um saber coletivo,
redimensionando esse plano para uma perspectiva cada vez mais individual, a ponto de submergir
em um psicologismo, característico em autores como Edgar Poe, considerado como inaugurador
do conto moderno. Na pós-modernidade, conforme Silviano Santiago, em “O narrador
pós-moderno”, surge uma outra categoria de narrador, que dá título ao seu texto. Na categoria
6 BENJAMIN, Walter. O Narrador:Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov. In Arte Política. Ensaios sobre literatura e história da cultura. São
Paulo: Ed. Brasiliense, 1987.
7 Op. cit., p. 198.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 17
de narrador pós-moderno, o narrador é “aquele que quer extrair a si da ação narrada, em atitude
semelhante à de um repórter ou de um espectador”8. Esquivando-se da história narrada e configurando-
se como um “fi ccionista puro”, uma vez que trabalha no sentido de tornar verossímil
uma história que não é sua, mas de outrem. Silviano Santiago ressalva, no entanto, que nenhuma
escrita é inocente e, assim, na tentativa de distanciar-se da história narrada, não raro o narrador,
ao fazer falar o outro, fala sobre si indiretamente.
Como forma narrativa, o conto tem como característica a condensação de tempo, espaço e
confl ito, bem como o número reduzido de personagens, e pode ser, segundo Cortázar, o relato
de um acontecimento verdadeiro ou falso, ou ainda uma fábula que se conta às crianças. De fato,
o conto é uma forma de narrativa que envolve um acontecimento de interesse humano: sobre
nós, para nós, em relação a nós (GOTLIEB, p.11). Podemos afi rmar que a construção dessas
narrativas acontece de diversas maneiras, e que a sempre presente “voz” do contador de histórias
não se perdeu quando da sua transposição da oralidade para a escrita, cuja “voz” passou a
se apresentar no modo de contar a história e/ou nos detalhes da história, ou ainda, em ambos.
Entretanto, não queremos dizer com isto que todo contador de histórias seja necessariamente um
contista, mas que as elaborações de gestual e de voz, anteriormente utilizados pelo contador de
histórias da tradição oral, foram substituídas, com o advento da escrita, para o objeto estético, o
próprio texto. Os recursos criativos utilizados pelo autor resultam em um estilo próprio de narrar,
de enunciar detalhes, bem como criam a fi gura do narrador que é, também, um artifício poderoso
nos contos.
Dentre os autores modernos que se destacaram pela utilização de recursos que simulam
uma situação de oralidade, citamos o inglês, Rudyard Kipling, em The Elephant’s Child. A tradição
oral encontra-se manifesta no conto (vide site recomendado) através da escolha do tema - neste
conto de Kipling, a temática diz respeito ao folclore da Índia - transmite uma moral, e a narrati-
8 SANTIAGO, Silviano. O narrador pós-moderno. In: ______. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p. 45.
Após estas breves considerações sobre o narrador tradicional, moderno
e pós-moderno, é válido fazer algumas observações sobre o sentido da palavra
“conto” e o sentido que este gênero textual assume. O conto, vocábulo advindo
do verbo contar, tem suas raízes no latim, computare; entretanto, o seu signifi cado
não implica, para nós, em apenas relatar ou contar outra vez algo que já aconteceu.
O conto é, sobretudo, um ato de criação, invenção; não tem compromisso com a
veracidade já que é uma representação.
Saiba mais!
CURIOSIDADE
A mudança do conto ao longo dos séculos deveu-se principalmente à técnica
com relação à maneira de narrar, embora a sua estrutura tenha sido mantida. No
modelo tradicional, o confl ito se desenvolve numa seqüência até o desfecho, enquanto
que na narrativa moderna o modelo é fragmentado (GOTLIB,2004, p.29).
18 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
va segue o modelo tradicional em que os acontecimentos ocorrem numa seqüência, com início
(apresentação), meio (confl ito) e fi m (desfecho). Apesar da presente apreciação por autores e
leitores de contos que seguem o modelo tradicional de narrativa, é notória a transformação desta
forma literária, ao longo do tempo, de um relato fundamentalmente moralizante para uma narrativa
elaborada, cujo enredo contempla o psicológico ou o fantástico.
O CONTO MODERNO
A Teoria do Conto
A idade contemporânea problematiza o conto como gênero literário e divide os críticos
entre aqueles que admitem e os que não admitem uma teoria do conto. Vários estudiosos têm se
dedicado a defi nir, estabelecer regras, e esclarecer as múltiplas tendências dos contos. Citamos, a
título de ilustração, algumas afi rmativas de alguns autores a esse respeito9 :
- o escritor brasileiro Mário de Andrade dizia que sempre será conto aquilo que seu autor
batizou com o nome de conto;
- Machado de Assis expressou a difi culdade em se estabelecer a defi nição do conto quando,
em 1873, disse: É gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade... e creio que essa mesma aparência
lhe faz mal, afastando-se dele os escritores e não lhe dando, penso eu, o público toda a atenção de que ele é muitas
vezes credor;
- Julio Cortazar afi rma que se não tivermos uma idéia viva do que é o conto, teremos perdido tempo,
porque um conto, em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida
travam uma batalha fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese
viva ao mesmo tempo que uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um cristal, uma
fugacidade numa permanência. Só com imagens se pode transmitir essa alquimia secreta que explica a profunda
ressonância que um grande conto tem em nós, e que explica também por que há tão poucos contos verdadeiramente
grandes.
O Decálogo do Perfeito Contista
Em 1927, o autor uruguaio Horácio Quiroga escreveu o Decálogo do perfeito contista,
numa tentativa de estabelecer normas, ou “mandamentos”, para a escrita do conto. São eles:
I. Crê num mestre _ Poe, Maupassant, Kipling, Tchekov _ como na própria divindade.
II. Crê que tua arte é um cume inacessível. Não sonhes dominá-la. Quando puderes fazê-lo, conseguirás
sem que tu mesmo o saibas.
III. Resiste quanto possível à imitação, mas imita se o impulso for muito forte. Mais do que qualquer
9 Apud GOTLIEB, Nádia B. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2004. p. 9 e 10.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 19
coisa, o desenvolvimento da personalidade é uma longa paciência.
IV. Nutre uma fé cega não na tua capacidade para o triunfo, mas no ardor com que o desejas. Ama tua
arte como amas tua amada, dando-lhe todo o coração.
V. Não começa a escrever sem saber, desde a primeira palavra, aonde vais. Num conto bem-feito, as três
primeiras linhas têm quase a mesma importância das três últimas.
VI. Se queres expressar com exatidão essa circunstância _ “Desde o rio soprava um vento frio”_ não há na
língua dos homens mais palavras do que estas para expressa-la. Uma vez senhor de tuas palavras, não te preocupes
em avaliar se são consoantes ou dissonantes.
VII. Não adjetives sem necessidade, pois serão inúteis as rendas coloridas que venhas pendurar num substantivo
débil. Se dizes o que é preciso, o substantivo, sozinho, terá uma cor incomparável. Mas é preciso acha-lo.
VIII. Toma teus personagens pela mão e leva-os fi rmemente até o fi nal, sem atentar senão para o caminho
que traçaste. Não te distraias vendo o que eles não podem ver ou o que não lhes importa. Não abuses do leitor. Um
conto é uma novela depurada de excessos. Considera isso uma verdade absoluta, ainda que não o seja.
IX. Não escrevas sob o império da emoção. Deixa-a morrer, depois a revive. Se és capaz de revivê-la tal
como a viveste, chegaste, na arte, à metade do caminho.
X. Ao escrever, não penses em teus amigos, nem na impressão que tua história causará. Conta, como se
teu relato não tivesse interesse senão para o pequeno mundo de teus personagens e como se tu fosses um deles, pois
somente assim obtém-se a vida num conto.
A maior parte dos ensaios que têm como objetivo a defi nição do conto se fundamentam na
noção de brevidade desta forma narrativa. Todavia o conto parece resistir às restrições impostas
pelas categorizações.
O conto é uma narrativa fi ccional, de reduzidos limites em relação ao romance e à novela, umas vezes de teor
anedótico (Maupassant), outras vezes de teor espectral (Poe), ora intimista e nutrido de silêncios (Tchekhov), ora
de narração objetiva e perversa (Faulkner), e não raro de conteúdo impressionista à maneira de Proust, ou com a
aura poemática de Katharine Mansfi eld. Pode ter meia página ou 30 mil palavras, como em Henry James.10
A Questão da Brevidade
A afi rmação de Hélio Pólvora incide sobre a questão da brevidade que insiste em caracterizar
os contos. Entretanto, é sabido que este não é o único critério para a classifi cação de uma
narrativa literária com conto. Henry James (1843-916) escreveu contos longos, acima de vinte
mil palavras e que ele próprio chamava de the beautiful and best nouvelle. Sabemos da existência de
contos de 50 páginas como, por exemplo, As Neves de Kilimanjaro do autor americano Ernest
Hemingway ou de apenas um parágrafo, como o da escritora indiana Suniti Namjoshi:
Case History by Suniti Namjoshi 11
After the event Little R. traumatized. Wolf not slain. Forester is wolf. How else was he there exactly on
time? Explains this to mother. Mother not happy. Thinks that the forester is extremely nice. Grandmother dead.
10 PÓLVORA, Hélio. Itinerários do Conto.Interfaces críticas e teóricas da moderna short story.Ilhéus: Editus, 2002. p. 15,16.
11 NAMJOSHI, Suniti(1944 - ). In Feminist Fables, 1981. Escritora indiana, é professora do Depto. De Inglês na Universidade de Toronto.
20 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Wolf not dead. Wolf marries mother. R. not happy. R. is a kid. Mother thinks wolf is extremely nice. Please to
see shrink. Shrink will make it clear that wolves on the whole are extremely nice. R. gets it straight. Okay to be
wolf. Mama is a wolf. She is a wolf. Shrink is a wolf. Mama and shrink, and forester also, extremely uptight.12
O autor chama a atenção para o fato de que mais importante que a extensão será o insight, aquele
mergulho existencial. 13 A história acima é uma releitura, irônica, do tradicional conto “Chapeuzinho
Vermelho”, em que a personagem principal, Chapeuzinho Vermelho, é, também, a narradora
que questiona o comportamento da mãe. A narrativa é breve, fragmentada, cifrada, e deixa que
o leitor manifeste um julgamento moral através do diálogo estabelecido entre o texto novo e a
história tradicional, de conhecimento prévio do leitor.
O Leitor
Segundo Harold Bloom14 , os contos favorecem uma postura ativa do leitor, que é levado
a trazer as respostas e explicações que o autor evita; they compel the reader to be active and to discern
explanations that the writer avoids15. Diferentemente dos romances, o leitor participa nos contos, inferindo
sobre o que não está explicito, valendo-se, para tanto, das pistas oferecidas pelos escritores.
A maior parte dos contistas evita um julgamento moral deixando que os leitores decidam sobre
a sua relevância ou não.
A qualidade do conto está diretamente relacionada à sua capacidade de provocar no leitor
um arrebatamento que não o faça abandonar a leitura até chegar ao seu fi nal. Pressupõe-se, portanto,
uma relação entre a tensão e a extensão do conto, uma vez que, o autor necessita não cansar
o leitor com uma leitura longa e, ao mesmo tempo, mantê-lo interessado no texto. É, portanto,
no efeito (singular) que o conto causa ao leitor que Poe vai estabelecer a diferença entre romance
e conto, afi rmando que no conto breve, o autor é capaz de realizar a plenitude de sua intenção, seja ela qual
for. Durante a hora da leitura atenta, a alma do leitor está sob o controle do escritor. Não há nenhuma infl uência
externa ou extrínseca que resulte de cansaço ou interrupção 16. De acordo com Poe, o conto é o resultado
de um trabalho consciente do autor, e do seu controle sobre o material que pretende narrar, ten-
12 NAMJOSHI, Suniti. Case History - Three Feminist Fables. In Wayward Girls & Wicked Women.CARTER, Angela, editor. New York: Penguin Books,
1986. p. 85
13 PÓLVORA, Hélio.Op.cit. loc. cit.
14 BLOOM, Harold. How to read and why. New York: Touchstone, 2000.p.31.
15 SIMON, Sonia. Tradução livre. “eles (os contos) compelem o leitor a se tornar ativo e buscar explicações evitadas pelos escritores.” BLOOM, Harold.
Op.cit. Loc. cit.
16 POE, Edgar A. Apud GOTLIEB, Nádia B. Op. Cit. p. 34.
CURIOSIDADE
Uma vez perguntaram ao escritor americano, Edgar Allan Poe
“como se ler um conto?” e ele respondeu: “em uma sentada...” Poderíamos
interpretar a resposta, como mais uma reiteração da obrigatoriedade
da brevidade do conto. Entretanto, o que Poe se referia era a
capacidade da obra literária em “seqüestrar” o leitor de forma a não
querer parar de ler a história até o seu desfecho, em uma só “sentada”.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 21
do sido concebido desde o início com o intuito de causar um efeito singular.
Segundo Nádia Gotlib, trata-se de conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de efeitos17 .
Edgar Allan Poe
Edgar Allan Poe (1809-1849) é considerado um mestre desta forma narrativa e escreveu
contos portadores de um forte conteúdo simbólico. Sua obra infl uenciou escritores do século
XX, na Europa e nos Estados Unidos, que iniciaram o movimento conhecido como modernismo.
Os contos de Poe possibilitam uma investigação psicológica dos seus personagens. A
psicologia e o simbolismo são traços que renderam a Poe o título de “pai do conto moderno”.
Seus contos narram histórias de horror, morte, vingança, ruína, em cenários variados; as histórias
dizem respeito a confl itos psicológicos e os seus personagens geralmente se encontram em estágios
mentais limítrofes da loucura.
Tomemos como exemplo o início do conto The Black Cat datado de 1843, em que o narrador
diz:
FOR the most wild, yet most homely narrative which I am about to pen, I neither
expect nor solicit belief. Mad indeed would I be to expect it, in a case where my very senses
reject their own evidence. Yet, mad am I not --and very surely do I not dream. But to-morrow
I die, and to-day I would unburthen my soul. (…) In their consequences, these events have
terrifi ed --have tortured --have destroyed me. Yet I will not attempt to expound them. To me,
they have presented little but Horror --to many they will seem less terrible than baroques.
Desde o primeiro parágrafo, o leitor é introduzido em uma atmosfera de morte: to-morrow I
die... e loucura: Mad indeed would I be to expect it… Os temas de morte e loucura, recorrentes
nos contos e poemas de Edgar Allan Poe, fizeram parte também de sua vida pessoal, marcada por
perdas familiares e abuso de substâncias tóxicas como o álcool e que resultaram no seu trágico
desaparecimento precoce.
17 GOTLIB, Nádia Batella. Teoria do Conto. Série Princípios. São Paulo: Ática, 2004, p. 35
Edgar Allan Poe é considerado o pioneiro das histórias de detetive e de terror,
seus contos remetem o leitor a uma atmosfera de terror e medo e tornaram-se
referências neste tipo literatura.
Saiba mais!
The black cat
22 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
PARA REFLETIR
A presença deste traço biográfi co na obra de Poe reverbera para a discussão sempre presente
nos estudos literários sobre a pertinência de estudar a biografi a do autor para entender a sua
obra. De um lado temos o historicismo, que realiza um estudo do pano de fundo da obra (contexto
histórico e biografi a do autor), de outro lado, temos os estudos de base estruturalista, que
defendem uma outra leitura, privilegiando a análise do texto em sua imanência, ou seja, em sua
estrutura, desconsiderando qualquer coisa que não seja a linguagem. Antoine Compagnon postula
a conjugação destas duas vertentes, pois, conforme este “demônio da teoria”, ainda uma vez, trata-se
de sair desta falsa alternativa: o texto ou o autor. Por conseguinte, nenhum método exclusivo é sufi ciente 18.
Poe foi o pioneiro na escrita de histórias de crime em que o detetive utiliza o raciocínio para
a elucidação dos assassinatos, diferentemente das histórias tradicionais em que os investigadores
se limitam a seguir as pistas deixadas pelos criminosos sem, contudo, se deter, por exemplo, na
análise dos dados e do estudo da patologia do criminoso. Este procedimento cria um envolvimento
lúdico com o leitor que “participa” na decifração de códigos que levarão à descoberta do
autor do crime. Em “Os assassinatos da Rua Morgue”, conto inaugural deste gênero narrativo, o
personagem principal é um detetive, Monsieur Dupin, cuja perspicácia na investigação dos crimes
o consagrou na tradição posteriormente seguida por outros escritores de língua inglesa como, Arthur
Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, e Agatha Christie, criadora do Monsieur Poirot
e Miss Marple.
Edgar A. Poe dividiu seus contos em duas categorias: Arabesque e Grotesque. Denominou
Arabesque a narrativa predominantemente em prosa, em que o estado psicológico dos personagens
encontra-se no limite da sanidade, ou em situação física e/ou mental de agonia a ponto de
estarem sempre prontas a se entregarem à morte de forma prazerosa. A categoria descrita como
Grotesque se refere à prosa que remete a um poema. A morte está sempre presente na obra de Poe
e as heroínas de seus contos e poesias são mulheres que já faleceram ou que encontram a morte
durante a narrativa.
Poe também se destacou como poeta e ensaísta; o seu poema The Raven (O Corvo) e o ensaio
The Philosophy of Composition são obras referenciais em suas respectivas áreas. Em The Philosophy
of Composition, Poe retoma algumas observações sobre o conto e defende o seu ponto de vista
acerca da totalidade de efeito ou unidade de impressão que se consegue ao ler o texto de uma só vez 19.
18 COMPAGNON, Antoine. O Autor. In: ______. O demônio da teoria: literatura e senso comum. Tradução Cleonice Paes Barreto Mourão. Belo Horizonte:
UFMG, 1999, p. 96.
19 GOTLIB, N. Op. Cit. p. 35.
The Raven
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 23
Saiba mais!
Para Poe, o processo de criação literária é consciente e intencional. Ele trabalha
com o intuito de causar um efeito no leitor, e todas as suas escolhas são feitas com
o objetivo de conseguir esse efeito. Nesse sentido ele não compartilha da crença na
inspiração, mas defende que o escritor parte de uma proposta de construção de um
conto, baseado em um acontecimento que cause este efeito, predeterminado e singular,
sobre o leitor.
Cortazar resume o conceito de conto em Poe dizendo que um conto é uma verdadeira máquina
literária de criar interesse e amplia esta noção identifi cando o acontecimento como fundamental para
despertar e manter o interesse do leitor.
As contribuições de Poe estendem-se, ainda, à confi guração do flâneur, que infl uenciou autores
como Baudelaire. Segundo Walter Benjamin, o flâneur é o sujeito que se entrega à multidão dos
grandes centros urbanos, contemplando a transitoriedade da vida na cidade. Um conto exemplar
que traz a fi gura do flâneur e ilustra este elogio às multidões é O homem da multidão. Este conto traz
a história de uma personagem, o narrador, que, encontrando-se no Café D., observa a multidão.
Atendo-se, inicialmente à visão da grande massa indistinta que caracteriza o cenário observado,
o narrador, progressivamente, é levado a particularizar os grupos de transeuntes que passam em
sua frente. Cada grupo, contudo, não escapa à massifi cação imposta pelos grandes centros e logo
a personagem passa a qualifi car os transeuntes em tipos, quais sejam, “the tribe of clerks” (“a casta
dos empregados”), “the upper clerks of staunch firms” (“a dos empregados de maior categoria
de antigas fi rmas sólidas”), “the race of swell pick-pockets” (“ a raça dos batedores de carteiras
fantasiados de peraltas”), entre outros. As pessoas eram, assim, qualifi cadas conforme o seu tipo,
como ilustra o trecho abaixo sobre a caracterização dos jogadores (gamblers):
The gamblers, of whom I described not a few, were still more easily recognizable. They wore every variety of
dress, from that of the desperate thimble-rig bully, with velvet waistcoat, fancy neckerchief, gilt chains, and fi ligreed
buttons, to that of the scrupulously inornate clergyman than which nothing could be less liable to suspicion. Still
all were distinguished by a certain sodden swarthiness of complexion, a fi lmy dimness of eye, and pallor and compression
of lip. There were two other traits, moreover, by which I could always detect them; -- a guarded lowness
Flâmeur
24 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
of tone in conversation, and a more than ordinary extension of the thumb in a direction at right angles with the
fingers. -- Very often, in company with these sharpers, I observed an order of men somewhat different in habits,
but still birds of a kindred feather. They may be defi ned as the gentlemen who live by their wits. They seem to
prey upon the public in two battalions -- that of the dandies and that of the military men. Of the fi rst grade the
leading features are long locks and smiles; of the second frogged coats and frowns20 .
Divertindo-se ao reconhecer cada tipo que por ele transita, repentinamente, o seu olhar
passa para um plano mais individual. É o momento em que narrador se depara com um sujeito
que escapa a qualquer classifi cação. Este homem é um decrepit old man, some sixty-fi ve or seventy years
of age (“um velho decrépito, de uns sessenta e cinco ou setenta anos de idade21 ”). Em meio àquela
multidão, a aparência estranha daquele homem lhe chama a atenção a ponto de sair em meio a
multidão perseguindo-o. Nesta trajetória, tem a impressão de estar acompanhando em vão aquele
velho que, concluindo ser “o tipo e o gênio do crime profundo”, desiste de persegui-lo, pois
como já traduzira um certo livro alemão, citado no começo da história, talvez ele seja um caso
que não deve ser lido.
Além de Poe, a literatura anglófona conta com uma gama de escritores que se destacaram
na escolha do conto como forma literária: Henry James, James Joyce, D.H. Lawrence, Ernest
Hemingway, Eudora Welty, Flannery O’Connor, Virginia Woolf, Katherine Mansfi eld, William
Faulkner, Scott Fitzgerald, e muitos outros.
Enquanto Poe considerava fundamental o efeito causado pelo conto, outros estudiosos o
defi nem como a representação de um momento especial ou de crise. Discute-se, porém, se o momento
especial seria o da leitura, o do acontecimento, ou ainda aquele vivido pelo narrador. Ainda
há críticos que consideram que o conto representa justamente a falta de crise. De acordo com
Gotlib, o importante é que o conto representa, de forma especial, algo que faz parte da vida.
James Joyce & Epifania
Dentre os autores que se distinguiram por retratarem “momentos especiais” James Joyce
ocupa um lugar de destaque pela sua concepção de epifania.
20 POE, Edgar Allan. The man of the crowd. Disponível: http://etext.virginia.edu/etcbin/toccer-new2?id=PoeCrow.sgm&images=images/
modeng&data=/texts/english/modeng/parsed&tag=public&part=1&division=div1. Acesso: 31 jan. 07
21 POE, Edgar Allan. O homem da multidão. In: ______. Ficção completa, poesia e ensaios. Tradução de Oscar Mendes. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
1986, p. 38-45.
É interessante ponderarmos que apesar de haver uma ênfase sobre
o caráter fantástico das Histórias extraordinárias de Poe, elas não
deixam de registrar marcas do contexto histórico e social no qual o
escritor viveu. A confi guração de um cenário tal como o descrito no
conto, a caracterização das personagens e a apresentação de tipos sociais
da cidade moderna oferecem uma visão em nada superfi cial do
que seria a sociedade da época.
Para refletir
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 25
James Joyce (1882-1941) foi um escritor irlandês, mais notoriamente conhecido pelos seus
romances Ulysses e Finnegan’s Wake, marcados por uma estratégia narrativa chamada fl uxo de consciência
ou monólogo interior, que consiste na narração de uma história marcada por raras ações e
constantes refl exões e rememorações. Uma outra narrativa bastante signifi cativa, mas que escapa
um pouco à proposta dos romances supracitados, é a sua coletânea de contos, The Dubliners (Os
Dublinenses), escrita em 1914.
Em Contos Dublinenses, que protagoniza a cidade de Dublin, as narrativas se iniciam com
uma descrição minuciosa dos locais onde se passa a história, como na seguinte passagem:
North Richmond Street, being blind, was a quiet street except at the hour when the Christian Brothers’
School set the boys free. An uninhabited house of two stores stood at the blind end, detached from its neighbours in
a square ground. The other houses of the street, conscious of decent lives within them, gazed at one another with
brown imperturbable faces.
É composto um retrato da cidade de Dublin, do seu povo e clima, a partir da visão e experiência
do autor. As histórias são perpassadas por um olhar sobre a infância, a adolescência, a
maturidade e a vida pública.
Todavia, não obstante ser um cronista de sua própria cidade, a mais importante característica
de Joyce reside na utilização do recurso da epifania em seus contos e romances. Conforme
concebida por Joyce, a epifania é identifi cada como uma espécie ou grau de apreensão do objeto que poderia
ser identifi cada com o objetivo do conto, enquanto uma forma de representação da realidade 22.
A palavra vem do grego epipháneia, signifi cando manifestação ou aparecimento. A Igreja
Católica utiliza o vocábulo epifania no sentido de revelação, quando da passagem da primeira
manifestação de Jesus Cristo ao gentios, durante a visita dos Reis Magos: Em geral, uma súbita manifestação
ou percepção da natureza essencial ou signifi cado de alguma coisa. (Webster, 1971, p. 279).
Segundo o próprio Joyce,
“por epifania, referia-se a uma súbita manifestação espiritual, seja na vulgaridade do discurso ou do gesto,
seja numa fase memorável do próprio espírito” 23.
De acordo com Hélio Pólvora, o conto Araby (vide indicação de leitura e site), contém o
instante mais epifânico da coletânea The Dubliners. O enredo focaliza a paixão adolescente em que
o objeto da afeição, uma moça, não pode ir a um bazar que se chama Araby e o apaixonado, um
rapaz, lhe promete ir e trazer-lhe um presente. Neste momento, ocorre a epifania:
She held one of the spikes, bowing her head towards me. The light from the lamp opposite our door caught
the white curve of her neck, lit up her hair that rested there and, falling, lit up the hand upon the railing. It fell
over one side of her dress and caught the white border of a petticoat, just visible as she stood at ease.
O instante em que ocorre a epifania é o momento de revelação – objetivo do conto. Em
Araby a revelação é o momento em que o adolescente percebe o objeto da sua paixão, uma mulher,
tornando-se, por sua vez, um homem. É o instante fugaz da sua transformação em adulto,
modifi cando irreversivelmente a sua condição como ser humano. A epifania é um momento
22 GOTLIB, N. Op. Cit. p. 51.
23 JOYCE, James, apud PÓLVORA, Hélio. Op. cit. p.68.
26 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
especial pela signifi cação que traz. Joyce “desvela” algo através da linguagem: um instante que
revela o objeto ao sujeito.
...o trivial em Joyce, quando tem de fato alguma signifi cação, se ilumina, passa a emitir luz própria; de
repente, uma frase ou um trecho de prosa entra a arder como se fosse um facho24 .
Isto equivale a dizer que a linguagem, em Joyce, consegue transformar o prosaico em uma
transfi guração da realidade, inaugurando uma das matrizes da prosa moderna.
Na idade moderna, outros autores de língua inglesa se destacaram como contistas, notadamente
Katharine Mansfi eld (Nova Zelândia), Angela Carter, Margaret Atwood (Canadá), Virginia
Woolf entre tantos outros.
Virginia Woolf
Virginia Woolf valeu-se profi cuamente da estratégia narrativa de fl uxo de consciência em
seus contos. Neles a ação apresenta-se apenas como uma espécie de pano de fundo de refl exões
e memórias que preenchem os seus contos, marcados pela ausência de uma seqüência temporal,
ou seja, da linearidade e apresentados como se realmente seguissem o fl uxo do pensamento de
suas personagens. Além disso, é válido destacar o nível de poeticidade de sua narrativa que, aliada
à ausência de ação, já referida, qualifi cam-na como uma prosa poética.
O processo empreendido por esta autora é, conforme termo utilizado por Victor Chklovski25
, em “A arte como procedimento”, o de desautomatizar a percepção, que é assim tornada
automática em virtude do ritmo acelerado da vida que faz com que cada ação passe despercebida.
A arte como procedimento é, então, claramente evidenciada em Kew Gardens, conto no qual o narrador,
minuciosa e poeticamente narra um dia de julho em Kew Gardens. O narrador faz incursões
minimalistas na paisagem, depreendendo cores, ruídos, sensações, que consistem no verdadeiro
tema do conto, como ilustra o primeiro parágrafo do conto.
From the oval–shaped fl ower–bed there rose perhaps a hundred stalks spreading into heart–shaped or tongue–
shaped leaves half way up and unfurling at the tip red or blue or yellow petals marked with spots of colour
raised upon the surface; and from the red, blue or yellow gloom of the throat emerged a straight bar, rough with
24 PÓLVORA, Hélio. Op. cit.p.63.
25 CHKLOVSKI, Victor. “A arte como procedimento”. Tradução Ana Maria Ribeiro Filipouski et al. In: TOLEDO, Dionísio (org). Teoria da Literatura:
Formalistas russos. 2ª reimpressão da 1.ed. Porto Alegre: Globo, 1973, p. 39-56.
Em virtude do caráter estático de sua narrativa, a literatura de
Virginia Woolf pode, por vezes, ser considerada alheia à realidade. No
entanto, em uma leitura mais arguta de sua obra, notamos um olhar
que escapa ao realismo, mas que apresenta uma capacidade de penetrar
no indizível, no mistério do ser humano, e captar uma visão do real
que jamais seria possível através de uma narrativa que se pretendesse
mais “fi dedigna” à realidade.
Para refletir
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 27
gold dust and slightly clubbed at the end. The petals were voluminous enough to be stirred by the summer breeze,
and when they moved, the red, blue and yellow lights passed one over the other, staining an inch of the brown earth
beneath with a spot of the most intricate colour. The light fell either upon the smooth, grey back of a pebble, or,
the shell of a snail with its brown, circular veins, or falling into a raindrop, it expanded with such intensity of red,
blue and yellow the thin walls of water that one expected them to burst and disappear. Instead, the drop was left
in a second silver grey once more, and the light now settled upon the fl esh of a leaf, revealing the branching thread
of fibre beneath the surface, and again it moved on and spread its illumination in the vast green spaces beneath the
dome of the heart–shaped and tongue–shaped leaves. Then the breeze stirred rather more briskly overhead and the
colour was fl ashed into the air above, into the eyes of the men and women who walk in Kew Gardens in July.
A ação cede o seu lugar para o desenho de um quadro em que transitam pessoas, conforme
a seguinte passagem:
soon diminished in size among the trees and looked half transparent as the sunlight and shade swam over
their backs in large trembling irregular patches 26.
A tradução desta passagem para o português é:
logo diminuíam de tamanho entre as árvores, dando a impressão de serem semitransparentes à medida que
a luz e sombras boiavam nas suas costas em manchas trêmulas, grandes e irregulares 27.
Ao transubstanciar a passagem de um grupo de pessoas em uma imagem semitransparente
e subjetivar a paisagem, o narrador redimensiona o olhar do seu leitor de uma visão meramente
superfi cial da realidade para um olhar sensível às sutilezas do mundo e capaz de desacelerar o
processo de banalização da vida.
Devemos ressaltar que, inserida em um contexto entre a era vitoriana e o início da era moderna
na Inglaterra, a produção fi ccional de Virginia Woolf não raro traz à baila as contradições
de uma época marcada pelo conservadorismo e a predominância de ditames patriarcais, assim
como pela euforia trazida pelo processo de modernização. O seu projeto estético, neste sentido, é
também ético, pois ela problematiza, através da escolha por uma composição mais poética e livre
da linearidade, a predominância de um padrão que rime com opressão.
Virginia Woolf e Katherine Mansfi eld
Uma outra contista muito signifi cativa nas letras inglesas, é a neozelandesa Katherine Mansfield.
As narrativas desta autora, ao lado das de Virginia Woolf, figuram como inquietantes críticas
ao moralismo de herança vitoriana e à posição social da mulher, o que leva a sua escrita a ser
qualifi cada por vezes como feminista. São apontadas, ainda, outras aproximações entre Mansfi eld
e Woolf no que tange ao projeto literário. Na literatura destas autoras, verifi ca-se, por exemplo,
uma ênfase sobre as refl exões, em detrimento da ação. Mas, no que concerne à confi guração das
personagens, podem ser identifi cados alguns distanciamentos, já que as personagens de Mansfield
são construídas com um traço de humor e ironia, enquanto as de Woolf carregam uma certa
26 WOOLF, Virginia. Kew Gardens. In: ______. A haunted house. Disponível: http://etext.library.adelaide.edu.au/w/woolf/virginia/w91h/chap6.html.
Acesso: 31 jan. 2007.
27 WOOLF, Virginia. Kew Gardens. In: ______. Contos completos. Tradução Leonardo Fróes. 2. ed. São Paulo: Cosac Naify, 2005, p. 117.
28 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
elegância e sutileza. Observamos, no que tange à confi guração do cenário, no entanto, uma clara
aproximação, basta comparar o trecho de Kew Gardens, de Virginia Woolf, acima destacado, ao de
The garden party, de Katherine Mansfi eld.
Windless, warm, the sky without a cloud. Only the blue was veiled with a haze of light gold, as it is sometimes
in early summer. The gardener had been up since dawn, mowing the lawns and sweeping them, until the
grass and the dark fl at rosettes where the daisy plants had been seemed to shine. As for the roses, you could not
help feeling they understood that roses are the only fl owers that impress people at garden-parties; the only fl owers
that everybody is certain of knowing. Hundreds, yes, literally hundreds, had come out in a single night; the green
bushes bowed down as though they had been visited by archangels28 .
Apesar do minimalismo em Mansfi eld não ser tão exacerbado quanto no texto de Virginia,
o jardim descrito pela narradora de Katherine Mansfi eld é poeticamente singularizado em seu
conto, que narra, assim como em um romance de Virginia Woolf, Mrs. Dalloway, os preparativos
para uma festa.
Angela Carter
Iniciamos este módulo falando sobre a tradição oral nos primórdios da confi guração da literatura
em língua inglesa. É muito comum associarmos a literatura de base oral ao período anterior
ao despontar da modernidade. Esta associação é justifi cada pelas razões já aqui mencionadas ao
tratar das oposições apontadas por Walter Benjamin entre o narrador tradicional e o moderno. A
despeito deste binarismo, devemos considerar que a oposição entre o oral e o escrito nem sempre
se sustenta, principalmente se observarmos que muitos textos da tradição oral apenas chegaram
até nossos dias porque foram escritos e, além disso, há traços da oralidade no texto escrito e
vice versa. No tocante às interseções entre o oral e o escrito, é válido mencionar a autora Angela
Carter que, em plena pós-modernidade, fez uma releitura de contos da tradição oral, que foram
reunidos em seu livro O quarto do Barba-azul.
O quarto do Barba-azul é composto por dez contos que narram em forma de pastiche histórias
infantis, em sua maioria contos de fadas. Tomemos como exemplo o conto “O lobisomem”,
no qual a autora faz uma releitura do conto de fadas Chapeuzinho vermelho, tornado clássico por
Charles Perrault. Neste conto, o narrador começa a história confi gurando um cenário frio, em que
predominam as superstições. Um mundo cheio de bruxas, diabos, figuras lendárias que permeiam
os pensamentos de “Vidas pobres, breves, árduas ”29. Situando o imaginário da época, a narradora
então conta a ida de uma menina que, atendendo ao pedido da mãe, vai visitar a sua avó.
Vá visitar a sua vovozinha, que tem estado doente. Leve-lhe bolos de aveia que fi z no fogão de pedra e uma
malguinha com manteiga30 .
[...]
Não saia do caminho, por causa dos ursos, do javali, dos lobos esfaimados. Olhe, leve o facão do seu pai;
você sabe usá-lo.
A menina obedece, não deixando de levar o facão mencionado pela mãe. No caminho,
28 MANSFIELD, Katherine. The garden party. In: ______. The garden party. Disponível: http://digital.library.upenn.edu/women/mansfi eld/garden/
party.html. Acesso: 31 jan. 07.
29 CARTER, Angela. O lobisomem. In: ______. O quarto do Barba-azul. Tradução Carlos Nougué. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p. 193.
30 Op. cit., p. 194.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 29
depara-se com um lobo e, prontamente, o fere com o facão amputando-lhe a mão. Ela enrola a
mão amputada e a leva dentro da cesta à casa da avó. Lá chegando depara-se com a avó muito
enferma. Abre a cesta e vê que a pata que havia guardado transformara-se em uma mão, a mão
que faltava à sua avó. A menina puxou o lençol da avó e esta lutou contra a menina, que gritou tão
alto a ponto de os vizinhos ouvirem e aparecerem para ajudá-la. A avó era, na verdade, a bruxa.
É interessante observarmos nesta história que esta releitura é enriquecida por questões de
cunho cultural identifi cadas quando o narrador faz a caracterização do cenário e não se exime
de falar sobre as crenças da época que justifi cam os acontecimentos fantásticos que ocorrem na
narrativa. Por este conto de Carter, notamos, portanto, que a atmosfera tosca e a vida da fl oresta,
com todas as feras que nela vivem, são um ambiente propício para engendrar lendas e mitos que
explicam aquilo que o povo, sem estas narrativas, não conseguiria explicar.
Em linhas anteriores, afi rmamos que no livro enfocado, Angela Carter narra em forma de
pastiche. Para entender este termo pós-moderno, precisamos, na esteira de Silviano Santiago31,
estabelecer a diferença entre paródia e pastiche. Segundo Santiago, a paródia consiste em uma
ruptura frente ao passado, que não raro é marcada pelo escárnio e ironia, predominante na modernidade.
O pastiche, por sua vez, “aceita o passado como tal, e a obra de arte nada mais é do
que um suplemento ”32. Desse modo, a distinção entre estas duas instâncias se estabelece para
Silviano a partir da relação que elas têm com o passado. Conforme o autor, “o pastiche endossa
o passado, ao contrário da paródia, que sempre ridiculariza o passado ”33.
A presença de um elemento como a ironia, conforme Silviano Santiago, poderia nos levar a
considerar os contos de Angela Carter como paródia, por serem eles marcados por esse elemento.
No entanto, as aproximações ao pastiche se justifi cam pelo fato de as narrativas de Carter não
representarem uma ruptura com o passado. O que Angela Carter propõe é uma “outra” leitura,
que suplemente o que já foi escrito e não que rechace a tradição.
Podemos concluir considerando que o compromisso do conto é com a “história”, seu foco
original. E a economia que permeia a construção do conto é que possibilita o surgimento da
genialidade de grandes autores na manipulação da tensão de uma narrativa que ao seqüestrar a
atenção do leitor faça-o lê-lo de uma “só sentada”.
31 SANTIAGO, Silviano. A permanência do discurso da tradição no modernismo. In: ______. Nas malhas da letra. Rio de Janeiro: Rocco, 2002, p.
108-144.
32 Op. cit., p. 134.
33 Idem, ibidem.
30 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Dentre os textos que lhe são conhecidos na literatura ocidental qual a narrativa que você
identifi caria como texto(s) fundador(es) de uma nação?
1.
Atividade Complementar
De acordo com o conceito de amor cortês, qual história você conhece em que se pode
identifi car essa noção de amor?
2.
Que histórias de amor impossível você conhece? Por que o amor se torna impossível
nessas histórias?
3.
4. Que narrativa(s) você conhece que se baseia no folclore?
Leia o conto The Black Cat, de Edgar Allan Poe, no site abaixo recomendado e descreva
a sensação produzida pelo conto.
5.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 31
Edgar A. Poe:
http://bau2.uibk.ac.at/sg/poe/works/blackcat.html
James Joyce:
http://www.bibliomania.com/0/0/29/63/frameset.html
Rudyard Kipling:
http://www.classicshorts.com/bib.html#tec
Sites indicados
Filmes indicados
Beowulf
A Lenda de Grendel
Um Leão no Inverno
Tristão e Isolda
Lancelot
Os Mortos (The Dead)
O ROMANCE
O NASCIMENTO DO ROMANCE
De acordo com Ian Watt (1990)34 , o surgimento do romance ocorre no século XVIII,
período que marca a ascensão e consolidação da burguesia. Para empreender a análise sobre o
surgimento do romance, em sua relação com o contexto histórico mencionado, Watt se debruça
sobre três representativos escritores, quais sejam, Defoe, Richardson e Fielding do século. Estes
escritores foram escolhidos para desenvolver a sua teoria sobre o romance porque, segundo Watt,
eles forjaram uma nova confi guração literária que foge aos modelos da fi cção da Grécia, da Idade
Média e do romance francês do século XVII, voltando-se para a experiência do indivíduo em sua
solidão, privilegiando uma escrita que fosse fi el ao “real”.
34 WATT, Ian. Realism and the novel form. In: id. The rise of the novel: studies in Defoe, Richardson and Fielding. U.S.A.: Penguin Books, 1983.
32 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
O empenho em confi gurar uma narrativa “real” advém da leitura que fez sobre o Discurso
sobre o método e Meditações, de Descartes. Na leitura desta obra, Watt sustenta a noção de que a “busca
da verdade” passou a ser uma “questão inteiramente individual”, deixando de ser uma busca da
coletividade.
Defoe, Richardson & Fielding
O romance se confi gura como uma forma literária nova, diferente das produzidas nos séculos
anteriores, e que teve início na Inglaterra, no começo do século XVIII com Daniel Defoe,
Samuel Richardson e Henry Fielding. Embora Richardson e Fielding considerassem suas obras
como pioneiras por terem rompido com o antigo modelo fi ccional, o termo “romance” só se
consagrou no fi nal do século XVIII e esses autores sequer o utilizaram para designar a nova criação
literária.
De fato, os autores mencionados não constituem uma “escola literária”, e suas obras apresentam
diferenças que demonstram a inexistência de infl uências recíprocas. Entretanto, o fato de
que esses três primeiros romancistas ingleses tivessem surgido na mesma geração leva-nos a crer
que as condições históricas da época contribuíram para favorecer o aparecimento do romance
como tal.
Realismo e o Romance
Os historiadores afi rmam que a diferença essencial entre as formas literárias anteriores e
o romance é o “realismo”. A palavra “realismo” foi utilizada na pintura de Rembrandt como o
termo oposto ao “ideal poético” da pintura neoclássica; posteriormente, o termo passou a ser
utilizado na literatura. A palavra como antônima de idealismo tem origem na retratação da vida
vulgar, ou seja, nas imperfeições do comportamento humano e seus deslizes por motivos econômicos
ou carnais. Ian Watt considera que a superfi cialidade dessa consideração subestima uma
questão fundamental que é o fato que o romance procura retratar todo o tipo de experiência humana35 e
não apenas os aspectos vulgares; além do mais, Watt argumenta que a maneira como a experiência
humana encontra-se representada é mais relevante do que a espécie de vida apresentada. Esta
posição está mais próxima dos realistas franceses, que, por sua vez, consideram que o romance,
mais do que qualquer outra forma literária, fez emergir a questão da imitação e correspondência
entre a vida real e literatura.
Assim, o romance é o veículo literário lógico de uma cultura que, nos últimos séculos, conferiu um valor sem
precedentes à originalidade, à novidade36 .
Individualismo
A busca da verdade como um questionamento individual se refl ete nessa “nova” forma literária
chamada romance, desafi ando, portanto, a pratica tradicional que se baseava na História ou
na fábula (WATT, 1990, p.15). Entretanto, se levarmos em consideração o fato que o romancista
precisa imprimir fi delidade à experiência humana através de seus relatos, torna-se difícil identifi -
car a novidade e originalidade nos romances, desafi o que exigirá habilidade do escritor no manejo
das convenções formais.
35 WATT, Ian. A Ascensão do Romance. São Paulo: Companhia das Letras, 1990. p. 13.
36 WATT, Ian. Op. Cit. p. 15.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 33
Considerando que Defoe e Richardson foram os primeiros grandes escritores ingleses que
não basearam seus enredos na mitologia, História ou outra fonte literária do passado, Watt estabelece
as características que diferenciam as formas literárias anteriores e o romance.
Daniel Defoe se distingue pela narrativa fl uida, espontânea, mesclada com a memória autobiográfi
ca. A publicação de Robinson Crusoe em 1719, seguido da continuação da história desta
personagem em 1720, inaugura uma nova forma literária que engloba outras formas narrativas
como o diário, e memórias autobiográfi cas, se constituindo como marco do nascimento do romance
moderno. A história é o relato das aventuras de uma personagem de nome Robinson
Crusoe, desde a sua partida da Inglaterra até o seu retorno, após passar 24 anos como náufrago
numa ilha deserta.
Ambiente
Segundo Watt, dentre os aspectos que distinguem o romance estão a caracterização do ambiente
e a sua detalhada apresentação. No romance, os espaços físicos são apresentados com uma
descrição pormenorizada, bem como os ambientes em que ocorrem as cenas do enredo. Veja no
seguinte exemplo:
There was a hill not above a mile from me, which rose up very steep and high, and which seemed to over-top
some other hills, which lay as in a ridge from it northward;
(…)
… I found a little plain on the side of a rising hill, whose front towards this little plain was steep as a
house-side, so that nothing could come down upon me from the top; on the side of this rock there was a hollow place
worn a little way in like the entrance or door of a cave, but there was not really any cave or way into the rock at
all 37.
A ilha em que Robinson Crusoe se refugia após o naufrágio é descrita detalhadamente em
todos os aspectos físicos e geográfi cos, e, de fato, a personagem realiza um inventário de tudo que
consegue retirar do navio naufragado para a constituição de seu novo lar. Assim também ocorre
com os ambientes onde Pamela, personagem principal do romance homônimo de Richardson,
37 DEFOE, Daniel. The Life and Adventures of Robinson Crusoe. London: Penguin Books, 1983. p. 71 & 77.
Robinson Crusoe
34 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
circula.
Personagens
Outro aspecto ressaltado por Watt é o fato de que, no gênero romance, as personagens são
particularizadas, ou seja, são construídas de forma a se constituírem como indivíduos com identidade
própria, portando nome e sobrenome: Os nomes próprios têm exatamente a mesma função na vida
social: são expressão verbal da identidade particular de cada indivíduo38 .
I was born in the year 1632, in the city of York, of a good family, tho’ not of that country, my father
being a foreigner of Bremen, who settled fi rst at Hull. He got a good state by merchandise, and leaving off his
trade lived afterward at York, from whence he had married my married my mother, whose relations were named
Robinson, a very good family in that country, and from whom I was called Robinson Kreutznaer; but by the usual
corruption of words in England, we are now called, nay, we call ourselves and write our name, Crusoe, and so my
companions always call me39 .
Defoe, por exemplo, evita nomes extravagantes e tradicionais, utilizando nomes próprios
mais próximos à sua realidade. Richardson seguiu esta tendência e foi além, dando nome e sobrenome
até mesmo às personagens secundárias. Quanto a Fielding, há evidências que haja retirado
os nomes de seus personagens de uma lista de assinantes da edição de 1724 da History of his own
time de Gilbert Burnet. Esta prática consolidou esse costume como tradição do gênero, tornando-
se uma ferramenta que ajuda a manter a crença do leitor na veracidade da “existência” da
personagem.
O Tempo
O tempo é outro aspecto fundamental do romance, em que os personagens existem como
indivíduos em um determinado espaço e em um determinado tempo. Segundo Watt, as personagens
do romance só podem ser individualizadas se estão situadas num contexto com tempo e local
particularizados. Essa dimensão tornou-se crucial a partir do Renascimento e que o romance
passou a refl etir de modo particular.
E.M. Forster considera o retrato da “vida através do tempo” como a função distintiva que
o romance acrescentou à preocupação mais antiga da literatura pelo retrato da “vida através dos
valores”. Northrop Frye vê “a aliança entre tempo e homem ocidental” como a característica
defi nidora do romance comparado a outros gêneros40 .
Diferentemente da tragédia em que a ação ocorre em 24h, ou do conto cujo foco está direcionado
para um momento específi co, o romance pode abranger toda a vida de uma personagem
ou mesmo de gerações. Em Crusoe, por exemplo, a narrativa perpassa um grande período de
tempo da vida da personagem que, só como náufrago passa 24 anos na ilha! De fato, a história
inicia antes do naufrágio e termina depois do seu retorno à Inglaterra. Crusoe mantém um diário,
em que anota as suas atividades contendo datas especifi cas.
38 WATT, Ian. Op. Cit. p. 19.
39 DEFOE, Daniel.Op. cit. p.31.
40 WATT, Ian. Op. cit. p. 22
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 35
The Journal41
September 30, 1659. I, poor miserable Robinson Crusoe, being shipwrecked, during a dreadful storm, in
the offi ng, came on shore on this dismal unfortunate island, which I called the Island of Despair, all the rest of
the ship’s company being drowned, and my self almost dead.
(…)
October 1. In the morning I saw…
(…)
From the 1 of October to the 24 . All these days entirely spent in many several voyages to get all I could
out of the ship, which I brought on shore, every tide of fl ood, upon rafts.
Richardson, por sua vez, utilizando a forma epistolar para acentuar o cunho de veracidade
da narrativa, detalha os sobrescritos das cartas com dia da semana e até a hora do dia. Fielding,
em Tom Jones, detalha cronologicamente as viagens entre West Country e Londres das personagens,
informando até mesmo as fases da Lua, além de relatar acontecimentos históricos do ano
em que transcorre a ação. A narrativa no romance também permite uma alternância de relatos
entre fatos passados e o tempo presente (da ação no romance), como por exemplo, a técnica de
flashback. Portanto, com relação ao enredo, o romance estabelece uma relação entre ações passadas
e a presente, em que as experiências passadas se constituem como causa da ação presente,
diferentemente das formas literárias anteriores.
A fi delidade do romance à experiência cotidiana depende diretamente de seu emprego de uma escala temporal
muito mais minuciosa do que aquela utilizada pela narrativa anterior42 .
De fato, o romance se detém no detalhamento do cotidiano da vida de suas personagens ao
longo do tempo, como pode ser observado na pormenorização do dia-a-dia de Crusoe na ilha.
Having now fi xed my habitation, I found it absolutely necessary to provide a place to make a fi re in, and
fewel to burn; and what I did for that, as also how I enlargened my cave, and what conveniences I made, I shall give
a full account of my self, and of my thoughts about living, which it may well be supposed were not a few43 .
Um exemplo fl agrante da representação do cotidiano das personagens é identifi cado no
romance de fl uxo de consciência, em que a narrativa pretende corresponder diretamente do fl uxo
de pensamento da mente da personagem, sem interferência e sem aparente controle externo.
Podemos, portanto, afi rmar que o principal objetivo do romancista é a elaboração de um relato
autêntico das verdadeiras experiências individuais, e resumir os seus principais aspectos como:
Pensado deste modo, o rompimento com a narrativa tradicional e a máxima aproximação
da realidade resultaram no estabelecimento de alguns aspectos que, conforme Watt, caracterizam
o romance realista. Estes aspectos consistem nos seguintes fatos:
- o desvio do olhar para o indivíduo isolado até este fi casse tão próximo a ponto de captarlhe
os seus pensamentos;
41 DEFOE, Daniel. Op. cit. p. 87
42 WATT, Ian Op. cit. p. 23
43 DEFOE, Daniel. Op. cit. p.80.
st th
36 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
- a substituição de personagens-tipo por sujeitos e situações comuns, tornando a personagem
particular;
- a atribuição de nomes às personagens que revelariam algo de signifi cativo sobre sua
personalidade;
- a apresentação das experiências vividas como uma causa para as experiências do
presente;
- a defi nição e descrição minuciosa do espaço e do tempo para que eles fossem caracterizados
como um “ambiente físico real”;
- a presença da linearidade e na constituição de uma “prosa clara e fácil” para apresentar,
ao invés de representar, o real.
Watt argumenta que a premissa implícita no gênero romance é ser um relato completo e autêntico da
experiência humana, tendo, portanto, a obrigação de fornecer ao leitor detalhes da história como a individualidade
dos agentes envolvidos, os particulares das épocas e locais de suas ações _ detalhes que são apresentados através do
emprego da linguagem muito mais referencial do que é comum em outras formas literárias44 .
De fato, o romance é uma forma híbrida, que engloba os diversos gêneros como o épico, o
lírico e até o drama, e comporta outros tipos de relato tais como o diário e cartas, etc.
A TEORIA DOS ARQUÉTIPOS DE NORTHROP FRYE
A psicóloga e crítica literária inglesa, Maud Bodkin, afi rma que existe um padrão de arquétipos
que transparece na poética que trata de temas antigos e sugere que esses padrões seriam, possivelmente,
adquiridos através da cultura, ou seja, que tais padrões são ensinados e apreendidos
por gerações sucessivas (BODKIN, 1934), divergindo de Carl Jung que afi rmava a transmissão
de padrões através de uma “impressão” na mente que se repetia nas gerações.
Por sua vez, o estudioso e crítico literário, Northrop Frye, vai além e considera que a literatura
é um sistema sofi sticado de um grupo de fórmulas básicas oriundas de culturas primitivas
(LAPIDES, BURROWS & SHAWCROSS, 1973). Frye, a partir de um estudo baseado nos padrões
míticos, identifi ca quatro fases correspondentes às quatro estações do ano e que representam
os enredos recorrentes na literatura.
Padrões Míticos
Os padrões míticos estudados por Frye são os mitos das Estações e do Herói (também
chamado do mito da Jornada). O mito das Estações representa o ciclo da vida humana, em que
as estações correspondem às etapas da existência; desta forma, a Primavera representa o nascimento
do indivíduo até o desabrochar da juventude; o Verão corresponde ao desenvolvimento,
ou a plenitude do indivíduo; o Outono, a maturidade; e, fi nalmente, o Inverno representa a sua
morte, o fi nal da existência. Entretanto, o ciclo se repete ad continuum de forma que o rebrotar das
44 WATT, Ian. Op. cit. p. 31.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 37
plantas na Primavera representa, metaforicamente, a renovação da vida.
O segundo padrão, o do Herói, categoriza os protagonistas
dos relatos nas sociedades primitivas através das qualidades a eles
atribuídas. As características apontadas por Frye são as seguintes:
- os heróis nascem em circunstâncias misteriosas ou extraordinárias,
como, por exemplo, a concepção de Jesus pela Virgem
Maria;
- o herói é fi lho de um grande homem ou deus, como Prometeu
ou Jesus;
- é predestinado; possui uma existência especial distinguida
por uma missão;
- enquanto jovem, o herói passa por experiência de exílio ou
é exposto a um risco de vida como Moisés, Hamlet, ou Branca de Neve;
- supera obstáculos a fi m de se tornar um herói, como Hércules;
- defende a sua nação, ou comunidade, de algum malefício, como Beowulf;
- sua morte é, geralmente, misteriosa e/ou ambígua, como a morte do Rei Artur.
Esses padrões, ou monomitos, têm em comum o fato de serem cíclicos, e são ferramentas
úteis no estudo da linguagem dos símbolos, ou de uma análise simbólica.
Modelos Ficcionais
A partir desse estudo, Northrop Frye desenvolveu uma classifi cação dos modelos fi ccionais.
Esses modelos se relacionam às qualidades e à atuação nos enredos dos protagonistas de
narrativas. São cinco categorias ou modelos fi ccionais denominados de “modo imitativo”, ou
mimetic modes:
1. O modo imitativo elevado (superior in kind to other men and environment ) - diz respeito ao
herói superior aos outros homens; é considerado uma divindade e sua história se confi gura como
uma mitologia.
2. O modo imitativo alto (superior in degree to to other men and environment)– o herói é superior
aos demais homens e é o típico herói dos romances de cavalaria, cujos feitos são extraordinários,
entretanto são seres mortais. Movimentam-se numa dimensão em que as leis da natureza se encontram
em suspensão e seu mundo é habitado por animais falantes, bruxas, ogres; são dotados
de grande coragem e não raro possuem armas especiais. É o mundo dos contos maravilhosos, e
das lendas.
3. O modo imitativo superior (high mimetic mode; superior in degree to other men but not to the environment)–
é o líder; Possui autoridade e liderança; é o herói dos épicos e da tragédia.
4. O modo imitativo baixo (low mimetic mode; he is not superior; he is one of us) – é o homem
comum, e geralmente é o herói de comédias e da fi cção realista.
Rei Arthur
38 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
5. O modo irônico (ironic mode) – é o herói inferior com relação ao poder e inteligência,
como, por exemplo, o protagonista de “O Homem do Subterrâneo” de Dostoevsky.
Segundo Frye, o desenvolvimento das narrativas literárias pode ser estudado de acordo com
a sua origem, e postula duas fontes de narrativas. A forma secular consolidada pelos romances
de cavalaria, e a narrativa religiosa que engloba as histórias bíblicas e vida dos santos. As três
primeiras categorias de heróis mencionadas predominam na literatura até que o surgimento de
uma nova classe social na Inglaterra, a classe média, favorecesse o desenvolvimento dessa nova
forma literária a partir de Defoe, o romance. A partir do romance, predominará o protagonista
que corresponde ao herói low mimetic mode, ou seja, o homem comum. Esse modelo permanecerá
até o fi nal do século XIX.
DESENVOLVIMENTO DO ROMANCE INGLÊS
O Gótico
Durante o período romântico surge a fi cção gótica, baseada na noção de horror e prazer de
Edward Burke em seu ensaio A Philosophical Enquiry into the Origin of Our Ideas of the Sublime and
Beautiful (1757). Segundo Burke, “dor e terror são capazes de propiciar deleite”. A consciência
do sublime proporciona a mais forte emoção que a mente seria capaz de sentir, e pode advir da
contemplação da natureza selvagem e cenários montanhosos, ou do estudo de arquitetura, notadamente
a apreciação das construções das catedrais medievais e as ruínas dos castelos. De fato,
essa noção vai permear o romantismo inglês. Burke cita, entre as narrativas literárias capazes de
provocar a sensação de “prazer no horror”, Paradise Lost de John Milton, e as tragédias de Shakespeare.
A fi cção gótica se confi gura como uma reação ao conforto e segurança promovidos pelo
progresso comercial e estabilidade política, e, sobretudo, à regra da razão. Os traços do gótico
vão permanecer na literatura inglesa e são visíveis desde a literatura das irmãs Brontë até os dias
de hoje, inclusive na música e no cinema.
O Gótico
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 39
Jane Austen
Jane Austen (1775-1817) foi a primeira romancista (mulher) importante e sua produção
literária dispensa classifi cação. Seus romances representam o cotidiano feminino da sua época.
Sua literatura sugere pouco ou nenhum engajamento político nem qualquer envolvimento em
eventos políticos nacionais ou internacionais, a despeito de ter vivido uma época de efetivo risco
de uma invasão militar por parte da França, já que se tratava do período das Campanhas Napoleônicas.
Conforme Anthony Burgess45 , sua intenção sempre esteve voltada para as “pessoas”
e não para as “idéias”. Por isso em sua literatura as personagens são descritas da forma mais real
possível, com todas as suas falhas e qualidades.
Além disso, salientamos a apresentação de traços que retratam a sociedade em seu tempo,
sem que, contudo, a sua narrativa seja datada. Seus textos apresentam um retrato da classe média
alta britânica e de uma sociedade que se defi ne em termos de posse de terra, dinheiro e posição
social. Sua mensagem moral insiste na boa conduta, boas maneiras, razão e a admiração pela instituição
do matrimônio. Apesar de não desdenhar o amor, seus romances demonstram o equilíbrio
entre a maturidade e impulsividade. Dentre os seus livros, destacam-se Emma, Razão e Sensibilidade,
Orgulho e Preconceito, todos já transpostos para a linguagem cinematográfi ca.
As irmãs Brontë
As irmãs Brontë, Charlotte (1816-55), Emily (1818-48) e Anne (1820-49) viveram no período
conhecido como “Alta Literatura Victoriana”. Reclusas em uma pequena paróquia em
Yorkshire, norte da Inglaterra, mantiveram-se distantes porém bem informadas a respeito do que
ocorria no mundo. Influenciadas pela literatura gótica, escreveram romances e poemas. Charlotte
Brontë escreveu Jane Eyre e Shirley; Emily Brontë publicou O Morro dos Ventos Uivantes; e Anne
Brontë é autora de Agnes Grey. Curiosamente, as irmãs Brontë têm uma obra bastante reduzida, e,
de fato, Emily Brontë publicou unicamente O Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights).
O cenário de seus romances denota uma acentuada infl uência gótica, facilmente identifi cada
na sombria casa nos morros uivantes, do romance Wuthering Heights. No que pese a confi guração
das suas personagens, as heroínas das irmãs Brontë enfatizam a importância da independência
financeira e intelectual da mulher.
No tocante a Wuthering Heights, um romance escrito com um espírito romântico, o seu enredo
consiste na história da paixão avassaladora e trágica de Heathcliff e Catherine. Heathcliff
foi encontrado pelo pai de Catherine e se tornou um criado da família. O afeto precocemente
sentido por ela desencadeou um amor que mescla a veneração à paixão carnal. Em virtude de
convenções sociais, Catherine decide casar-se com Edgar Linton, o que desaponta Heathcliff
profundamente, levando-o a deixar a casa de sua amada e voltar anos depois para se vingar. Em
meio ao seu plano de vingança, Catherine morre, voltando ocasionalmente em espírito para rever
o seu Heathcliff.
Quanto ao título do romance, o fato de o vento “uivar” devido à geografi a do lugar já
anuncia um cenário sobrenatural de mistério e apreensão. Wuthering Heights exemplifi ca a revitalização
do romance gótico na literatura vitoriana.
45 BURGESS, Anthony. A chegada da época moderna. In: ______. A literatura inglesa. Tradução Duda Machado. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 209.
40 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
A passagem a seguir pertence ao capítulo 9 e é uma das cenas mais marcantes do romance
de Emily Brontë. O amor de Catherine por Heathcliff, expressado nessa passagem, transcende as
convenções sociais, alcançando um status quase religioso. No entanto, Catherine escolhe seguir o
papel social esperado dela e se casa com Edgar Linton, traindo Heathcliff e, conseqüentemente,
o seu amor por ele.
I cannot express it; but surely you and everybody have a notion that there is or should be an existence of
yours beyond you. What were the use of my creation, if I were entirely contained here? My great miseries in this
world have been Heathcliff ’s miseries, and I watched and felt each from the beginning: my great thought in living is
himself. If all else perished, and he remained, I should still continue to be; and if all else remained, and he were
annihilated, the universe would turn to a might stranger: I should not seem a part of it. My love for Linton is
like a foliage in the woods: time will change it, I’m well aware, as winter changes the trees. My love for Heathcliff
resembles the eternal rocks beneath: a source of little visible delight, but necessary. Nelly, I am Heathcliff! He’s
always, always in my mind: not as a pleasure, any more than I am always a pleasure to myself, but as my own
being.
Ressaltamos que o tema do amor de Catherine e Heathcliff inspirou produções fílmicas,
músicas e, mais recentemente, uma releitura feita por uma autora caribenha, Maryse Condé, sob
o título de Corações migrantes (1995).
Charles Dickens
Charles Dickens (1812-1870) é considerado um dos autores mais lidos da era vitoriana. Ele
ficou conhecido pela confi guração de personagens cômicos, caricaturados e grotescos, traços
que encontraram algumas aclamações da crítica, mas que também levaram escritores e críticos, a
exemplo de Virginia Woolf, a considerarem a sua produção literária “menor”.
Alguns de seus livros mais conhecidos são Oliver Twist, através do qual postula que a sociedade
pode causar sofrimento às crianças; David Copperfi eld, considerado um romance autobiográfico;
e Great Expectations, que conta a história do órfão Pip, desde a sua infância até a maturidade,
num estilo autobiográfi co, por meio do qual o próprio Charles Dickens traz relatos que remetem
à sua própria vida.
O Morro dos Ventos Uivantes
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 41
O plurilingüismo
Em seu livro Questões de estética e de literatura, Mikhail Bakhtin, formulou a teoria do plurilingüismo
no romance a partir de um estudo sobre o romance humorístico inglês, a partir de autores
como Fielding, Smollet, Sterne, Thackeray e Charles Dickens. Segundo o autor, No romance humorístico
inglês, encontramos uma evocação humorístico-paródica de quase todas as camadas da linguagem literária
escrita e falada de seu tempo46. Deste modo, o plurilingüismo consiste na inserção de diversos tipos
de linguagem, que oscilam desde uma norma padrão (formal) a uma norma utilizada no cotidiano,
a linguagem utilizada por diferentes camadas sociais ou mesmo por distintas profi ssões. Para
sustentar a sua teoria sobre o plurilingüismo, Bakhtin toma como exemplo trechos do romance
de Charles Dickens, Little Dorrit, no qual é possível observar o jogo de linguagem em que o narrador
não raro cede a sua voz para que diversas vozes que perpassam o ambiente adentrem a sua
narrativa.
Da era vitoriana à era moderna
Conforme Anthony Burgess47 , o fi m da era vitoriana, marcada pelo “otimismo”, “dúvida”
e “culpa”, ocorrera mesmo antes do término do reinado da rainha Vitória em 1901. Com o
vazio deixado pelos paradigmas vitorianos, e pela perda da crença na religião, a literatura escrita
no período de 1880 a 1914 caracterizou-se por uma busca por algo em que se pudesse acreditar.
Foram forjados, assim, diversos substitutos que preenchessem este vazio. Dois deles foram a arte
e o imperialismo.
A ênfase sobre a arte foi manifestada na literatura produzida por autores como Walter Pater
(1839-1894), que defendia o lema da “Arte pela arte”, tal como demonstra em textos como
Marius, o epicurista e Estudos sobre a história do renascimento. Pater defendia, ainda, o hedonismo, ou seja,
o culto à beleza.
Ao mencionado hedonismo também esteve voltado Oscar Wilde (1856-1900), autor de textos
como De profundis, A balada do cárcere de Reading e O retrato de Dorian Gray. Identifi cam-se neste
romance alguns traços que remontam ao sentimento de culpa vitoriano. O enredo consiste na
história de uma personagem, Dorian Gray, um homem jovem e belo que demonstra o desejo
de permanecer sempre assim. Tendo o seu pedido atendido, um retrato passa então a registrar
os feitos e o envelhecimento da personagem. Arrependido, Dorian decide destruir o seu retrato
para tentar compensar pelos seus atos vis. No momento em que ele o destrói, é ele mesmo quem
morre.
No tocante ao imperialismo, destaca-se a produção fi ccional de Rudyard Kipling (1865-
1936). Autor de poemas, Kipling fi cou conhecido também pelo seu romance Kim, que conta a
história de um fi lho órfão de um soldado do regime irlandês. A história é ambientada numa colônia
britânica, a Índia, e, tão profícua quanto a intrigante história são as considerações sobre a
vida na Índia, a religião e seus problemas sociais.
46 BAKHTIN, Mikhail. O plurilingüismo no romance. In: ______. Questões de literatura e de estética: a teoria do romance. Tradução Aurora Fornoni
Bernardini et al. São Paulo: Hucitec, 2002, p. 107.
47 BURGESS, Anthony. A chegada da época moderna. In: ______. A literatura inglesa. Tradução Duda Machado. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004, p.
244-252.
42 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
O Grupo de Bloomsbury
O Grupo de Bloomsbury era formado por escritores e artistas, originalmente amigos que
se reuniam na casa dos fi lhos de Leslie Stephen em Bloomsbury. Não era um grupo formalmente
organizado até 1920 quando as fi lhas de Stephen, Virginia e Vanessa, casadas com Leonard Woolf
e Clive Bell, respectivamente, juntamente com E. M. Forster, John Maynard Keyes, Roger Fry
e outros, formaram o “Memoir Club”. Esse grupo de amigos escritores se reunia com o intuito
de discutir acerca de literatura e artes de modo geral, e desdenhavam dos modos tradicionais de
sentir, pensar e da moral convencional.
Virginia Woolf
Virginia Woolf (1882-1941) em seu ensaio “Ficção Moderna” (Modern Fiction) discute e
revisa os modelos tradicionais de representação. Virginia Woolf postula a que a tarefa do escritor
do futuro é dar a impressão do “halo luminoso” da vida _ “esse espírito variado, desconhecido
e não circunscrito” _ com o mínimo do que se constitui como externo e alheio. A cada dia, a
mente recebe uma grande quantidade de impressões (input) – triviais, fantásticas, evanescentes, ou
gravadas para sempre; o romancista, no intuito de trabalhar com esse fl uxo incessante de “átomos
inumeráveis”, é forçado a reconhecer que, se baseasse o seu trabalho em seus próprios sentimentos
ao invés da convenção, não haveria enredo, nem comédia, nem tragédia, nem interesse
afetivo nem catástrofe no “estilo aceito da palavra”. Virginia Woolf sugere novos caminhos para
se escrever romances, propondo um novo modelo estético que escapa às confi gurações tradicionais
de narrativa, a exemplo da linearidade.
Woolf diferencia o seu trabalho de contemporâneos como D.H. Lawrence e James Joyce,
escritores aos quais reputa uma preocupação pela “fabricação de coisas”, e por aceitarem os limites
do convencional nos enredos e utilização da seqüência temporal nos seus textos.
Fluxo de Consciência
O caráter experimental da representação da consciência manifestada na prosa de Virgina
Woolf pode ser observado nos romances Mrs. Dalloway (1925), To the Lighthouse (1927) e The
Waves (1931). A prosa é marcada pela fragmentação, descontinuidade, e desintegração, aspectos
que, conforme Erich Auerbach, denotam uma escolha dos escritores modernos e, destaquemos
aqui Virginia Woolf, que “receiam impor à vida, ao seu tema, uma ordem que ela própria não
oferece”48. Seu objetivo é representar a natureza das sensações fugazes, ou das atividades mentais
conscientes ou inconscientes, e relacioná-las externamente a um ritmo de consciência de padrão
universal. As reações momentâneas, emoções passageiras, estímulos efêmeros, sugestões aleatórias
e pensamentos dissociados são moldados numa relação estilística coerente e bem estruturada.
Esse estilo, Fluxo de Consciência ou Stream of Consciousness, foi assim denominado por William
James em 1890 referindo-se ao trabalho de Virginia Woolf. Abaixo, um recorte de um texto de
Virginia Woolf retirado do romance Mrs. Dalloway:
48 AUERBACH, Erich. A meia marrom. In: ______. Mimesis: A representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo: Editora Perspectiva, 2001,
p. 471-498.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 43
[…] held, foolish as the idea was, something of her own in it, this country
sky, this sky above Westminster. She parted the curtains; she looked. Oh, but
how surprising!-in the room opposite the old lady stared straight at her! She was
going to bed. And the sky. It will be a solemn sky, she had thought, it will be a
dusky sky, turning away its cheek in beauty. But there it was-ashen pale, raced
over quickly by tapering vast clouds. It was new to her. The wind must have risen.
She was going to bed in the room opposite. It was fascinating to watch her,
that old lady, crossing the room, coming to the window. Could she see her? It was
fascinating, with people still laughing and shouting in the drawing room, to watch
that old woman, quite quietly, going to bed. She pulled the blind now. The clock
began striking49 .
O enredo do romance supracitado pode ser resumido em uma simples frase nominal: um
dia na vida de uma mulher. O romance tem, em seu plano de ação, os pequenos acontecimentos
que consistem nos preparativos para uma recepção que será oferecida por Mrs. Richard Dalloway.
Entretanto, o que há de mais substancial, que se sobrepõe aos acontecimentos narrados (a ida à
floricultura, o convite feito a Richard, o encontro com Whitbread, a costura do vestido, o suicídio
de Septimus Warren Smith entre outros), são as refl exões que acompanham estes atos e as rememorações
acionadas desde a primeira cena, quando Mrs. Dalloway vai à fl oricultura.
É, ainda, a partir deste dia na vida de uma mulher da alta sociedade a promover uma festa,
que a autora discute a permanência de um conservadorismo vitoriano, presente nas escolhas de
Clarissa por um pretendente que lhe garantisse status; as instituições monumentais como a religião,
representada na fi gura ressentida de Miss Kilman, e as fi guras da autoridade, simbolizadas
pelos médicos como o Sir William Bradshaw; as devastações causadas pela guerra, discutidas a
partir da inércia e profunda introspecção de Septimus, um ex-combatente de guerra que volta
incapaz de restabelecer a sua comunicação com o mundo. Todas estas imagens esboçam um quadro
da Inglaterra pós-guerra, em cujo ar ainda pairava o tom gris resultante das ruínas deixadas
pela guerra.
As horas
Escrito pelo escritor norte-americano Michael Cunningham, o romance As horas50 conta a
história de três mulheres, contada ao longo de um dia, que compartilham, cada uma a sua época,
de angústias e têm em comum uma relação direta ou indireta com um romance, qual seja, Mrs.
Dalloway. Uma das personagens consiste em uma construção fi ccional da própria autora de Mrs.
Dalloway, Virginia Woolf, que está escrevendo o romance mencionado. As outras duas protagonistas
são uma leitora, que encontra na leitura de Mrs. Dalloway a tradução para os seus dramas
subjetivos, e uma mulher, que, assim como a Clarissa Dalloway, protagonista do romance de
Virginia Woolf, está a preparar uma recepção para o seu amigo escritor, que sofre de uma grave
doença.
49 WOOLF, Virginia. Mrs Dalloway. London: Penguin Books, 1996.
50 CUNNINGHAM, Michael. As horas. Tradução B. Vieira. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Mrs. Dalloway
44 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
É válido comentar a pesquisa empreendida pelo autor de As horas sobre traços biográfi cos
de Virginia Woolf. Embora reconheçamos que o que ele apresenta em seu texto é uma personagem,
que não deve, portanto, ser considerada um retrato da escritora, há aspectos biográfi cos que
denotam uma preocupação de Cunningham em compor, na confi guração da personagem, traços
que a aproximem da Virginia que sofria crises nervosas, vivenciava de forma angustiada, por vezes,
a escrita de seus textos, tinha uma relação confl ituosa com seus empregados, entre outros.
Estes dados podem ser encontrados em textos biográfi cos de Woolf, escritos por ela mesma em
seus diários, ou ainda em textos como As mulheres de Virginia Woolf, de Vanessa Curtis51 .
O livro de Michael Cunningham foi adaptado para o cinema em fi lme de título análogo pelo
diretor Stephen Daldry, no qual Nicole Kidman fez o papel de Virginia Woolf, cuja interpretação
lhe rendeu o Oscar de melhor atriz em 2003.
D. H. Lawrence
O Fluxo de Consciência infl uenciou os contemporâneos de Virginia Woolf, exceto D.H.
Lawrence, autor de romances clássicos como O Amante de Lady Chatterley, Mulheres Apaixonadas
- ambos transpostos para o cinema - Filhos e Amantes, entre outros. Lawrence não fez parte do
Grupo de Bloomsbury nem tampouco utilizou a técnica de Fluxo de Consciência na sua literatura,
distinguindo-se por temas que tratam da relação entre homens e mulheres. Seu mais notório
romance, O Amante de Lady Chatterley foi proibido na Inglaterra e teve suas edições confi scadas
por imoralidade e obscenidade até 1960 quando, após julgamento, pôde ser re-editado pela Penguin.
Esse episódio representou o fi m da censura ofi cial e da hipocrisia gerada pelo excesso de
pudor, grifando o início da era chamada New Morality que caracterizou as décadas de 1960 e 1970
na Grã Bretanha.
Pós Guerra e Pós Modernismo
O cenário de um país em ruínas fez parte integral da literatura produzida na Inglaterra do
pós-guerra, e entre os autores que utilizaram essa atmosfera como cenário destaca-se Graham
Greene, autor de Fim de Caso, ou The End of the Affair (1951). O ambiente precário refl ete-se
nas personalidades dos protagonistas, que representam indivíduos desgastados pela tragédia da
guerra.
A era da New Morality refl etiu o novo momento histórico e social do pós-guerra, e influenciado
pelos novos padrões de conduta sexual e do crescente movimento feminista desafi ou
os tradicionais conceitos sobre gênero, sexualidade, e a instituição do matrimônio. A “nova
onda” feminista foi estimulada pela publicação do ensaio de Germaine Greer, The Female Eunuch
(1970).
Dessa fase, citamos Jean Rhys autora de Wide Sargasso Sea (1966) que refaz o relato de Mr.
Rochester, protagonista do romance Jane Eyre de Charlotte Brontë, do seu relacionamento com
a sua primeira esposa, Bertha; e Angela Carter,que se distingue pela proposta de múltiplas possibilidades
de mudança no relacionamento heterossexual; vide seus romances The Passion of New
Eve (1977), Fireworks (1974), Wise Children (1991), entre outros.
51 CURTIS, Vanessa. As mulheres de Virginia Woolf. Tradução Tuca Magalhães. São Paulo: A Girafa Editora, 2005.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 45
O ROMANCE NORTE AMERICANO
Puritanismo
Considera-se James Fennimore Cooper (1789-1851) como o primeiro grande romancista
americano. O autor de O Último dos Moicanos distinguiu-se pela abordagem da temática indígena,
e o emprego da narrativa nos moldes ingleses. Seus romances se caracterizam pela ação, envolvendo
situações de fuga e escape, captura e resgate, através de cenários que descrevem a natureza
ainda intocada dos Estados Unidos da época. As personagens são representadas de forma dicotômica:
índios bons e maus versus homens brancos bons e maus. James F. Cooper escreveu trinta
e dois romances.
Entretanto, foi Nathaniel Hawthorne (1804-64) que alcançou maior notoriedade como romancista,
tendo infl uenciado vários escritores de gerações posteriores. Foi contemporâneo de
Edgar Allan Poe, no período de amadurecimento literário americano chamado Renascimento.
Seus romances ocorrem durante o auge do Puritanismo americano, tendo como cenário a Nova
Inglaterra. Hawthorne limitou seus temas a situações que lidam com problemas de ordem moral
cujas resoluções são intencionalmente ambíguas, com ampla utilização de símbolos e alegorias.
O seu mais conhecido romance é A Letra Escarlate, publicado em 1850, e que teve o seu enredo
transformado em fi lme, e conta uma história baseada em fatos reais, acontecida na Nova Inglaterra
durante o período conhecido como de “caça às bruxas”. O romance entre uma mulher
casada e um pastor da igreja traz à tona o mito bíblico de Eva, ou seja, a noção da mulher como
transgressora, o que acarreta à protagonista a acusação e posterior julgamento de praticas de
feitiçaria.
O Puritanismo surgiu na Inglaterra aproximadamente nos meados de 1500, e tinha como
objetivo “purifi car” da Igreja da superstição, adoração de imagens de santos, adornos excessivos,
etc. Os Puritanos objetivavam uma sociedade mais simples, sóbria, e religiosa, baseada na teologia
de João Calvino, o Calvinismo; acreditavam na educação como uma obrigação religiosa e fundaram
escolas, universidades e gráfi cas que imprimiam livros religiosos. Os primeiros colonizadores
americanos, cerca de 20.000 pessoas, eram Puritanos e partiram para a América com o intuito de
construir uma nação segundo os preceitos Puritanos, acreditando-se como povo escolhido por
A Letra Escarlate
46 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Deus.
Um ano após a publicação, surge mais um romance clássico norte americano, também
transformado em fi lme, Moby Dick (1951), de autoria de Herman Melville (1819-91), cujo estilo
narrativo é rebuscado, simbólico, e pleno de alusões à história, teologia, fi losofi a, ciência e outras
obras literárias. Dentre os vários temas abordados por Melville, destacam-se a democracia como
base de governo, a nobreza do trabalho e do homem comum, a impossibilidade do retorno do
ser humano a uma condição de inocência.
O Realismo Literário Americano
Com o fi nal da Guerra de Secessão, surge no sul dos Estados Unidos, em torno de 1820,
um gênero literário conhecido como “Humor da Fronteira”, que infl uenciou escritores como
Mark Twain e William Faulkner. Este gênero se caracteriza pelo humor regional expresso pelo
coloquialismo e jargão, típicos das regiões da Geórgia, Mississipi, Alabama, Louisiana, e partes
do Texas e Arkansas.
Abaixo, um trecho de The Adventures of Huckleberry Finn de autoria de Mark Twain em que
se pode observar o linguajar e expressões sulistas:
Her sister, Miss Watson, a tolerable slim old maid, with goggles on, had
just come to live with her, and took a set at me now with a spellingbook.
She worked me middling hard for about an hour, and then the widow
made her ease up. I couldn’t stood it much longer. Then for an hour it
was deadly dull, and I was fi dgety. Miss Watson would say, “Don’t put
your feet up there, Huckleberry;” and “Don’t scrunch up like that,
Huckleberry--set up straight;” and pretty soon she would say, “Don’t gap
and stretch like that, Huckleberry--why don’t you try to behave?” Then
she told me all about the bad place, and I said I wished I was there.
She got mad then, but I didn’t mean no harm. All I wanted was to go
somewheres; all I wanted was a change, I warn’t particular. She said it
was wicked to say what I said; said she wouldn’t say it for the whole
The Adventures of Huckleberry Finn
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 47
world; she was going to live so as to go to the good place. Well, I
couldn’t see no advantage in going where she was going, so I made up my
mind I wouldn’t try for it. But I never said so, because it would only
make trouble, and wouldn’t do no good 52.
A expansão das ferrovias nas últimas décadas do século XIX contribuiu para despertar um
interesse em zonas pouco conhecidas da nação americana, estimulando a adoção de uma escrita
que representasse a fala e descrevesse esses espaços ainda pouco conhecidos. Essas narrativas
reproduzem os dialetos regionais falados pelo homem do povo, suas atividades, e, sobretudo,
descrevem os cenários onde ocorrem as ações, dentro de um tempo real.
O realismo literário americano abarca o período de 1865 até aproximadamente 1900 e, deixando
o sentimentalismo e a idealização da vida característica do período romântico, emerge com
o desejo sincero de representar a vida na fi cção. No realismo americano, as personagens são otimistas
e pragmáticas e resolvem seus problemas sem intervenções improváveis ou coincidências.
Dentre os autores que se destacaram neste período, temos, além s dos já citados, Henry James, “o
pai do romance psicológico”, e autor de Portrait of a Lady (1881).
Naturalismo
O Naturalismo foi uma das vertentes do realismo norte americano, e compartilha algumas
de suas características, como, por exemplo, o fato de situar eventos no tempo da escritura. O
objetivo é reproduzir falas, modos, e cenários reais, além de motivações psicológicas plausíveis.
Entretanto, diferentemente do realismo, os naturalismo está ciente da sua fundamentação fi losófi
ca, baseada na ciência de modo geral e no Darwinismo em particular. Embora considere o
ser humano como um animal altamente desenvolvido, situado entre os anjos e os primatas, o
naturalismo reconhece as limitações genéticas, aceita o determinismo e elimina o problema ético
do romance realista, uma vez que, já que sua existência é determinada, o seu comportamento não
pode ser julgado como bom ou mau, certo ou errado.
Seguindo-se a este período posterior, o intervalo entre 1900 até 1920 foi uma época profícua
em mudanças sociais e econômicas, em que muitos autores precisaram sobreviver às custas
de outras atividades além da escrita, o que ocasionou um sentido de autenticidade entre outras
coisas. Deste período destacamos as romancistas Willa Carter e Edith Wharton.
Modernismo
Após a Primeira Grande Guerra, o ambiente nos Estados Unidos era resistente a novos ideais
sociais e artísticos, o que fez com que um grande contingente de artistas americanos imigrasse
para a Europa. Lá, encontraram a liberdade para exercer a crítica social e tiveram a oportunidade
de entrar em contacto com novas técnicas e padrões estéticos, e artistas tais como os poetas
simbolistas W. B. Yeats e Ezra Pound, romancistas como James Joyce e Gertrude Stein, e tantos
outros em diferentes campos das artes.
52 TWAIN, Mark. The Adventures of Huckleberry Finn. Capítulo I. http://www.mtwain.com/Adventures_Of_Huckleberry_Finn/1.html
48 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
O movimento artístico internacional que predominou desde então e se estendeu até aproximadamente
a década de 1950 foi o Modernismo, caracterizado pela rejeição à tradição e por
uma atitude hostil com relação ao passado. Dentre os aspectos relacionados ao Modernismo,
destacamos, além do mito como princípio estrutural de narrativas como Ulysses de James Joyce e
The Waste Land de T.S. Eliot, o “experimentalismo”, corrente que detinha o interesse na expressão
do irracional e do inconsciente em diversas áreas da arte, principalmente na literatura de Stein
e Joyce, e que deu origem à técnica de “fl uxo de consciência” como uma representação direta
da personagem. Escritores como Virginia Woolf e Joseph Conrad participaram do movimento
além dos autores anteriormente mencionados.
Dentre os autores que viveram na Europa neste período, F. Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway
se distinguiram por romances como The Great Gatsby e Tender is the Night, e For Whom the
Bells Toll e The Sun also Rises, respectivamente.
F. Scott Fitzgerald
Filmado na década de 1970, The Great Gatsby, romance de autoria de F. Scott Fitzgerald, tem
como tema a vida inconseqüente dos ricos e o seu desprezo pelas classes menos privilegiadas. A
personagem principal, Jay Gatsby é um self made man, um homem que construiu a sua própria fortuna,
mas que não é aceito nos círculos sociais da elite por ter nascido pobre. Ele se apaixona por
Daisy, esposa de Tom, ambos ricos de nascença e pertencentes à alta roda do leste americano.
They were careless people, Tom and Daisy- they smashed up things and creatures and then retreated back
into their money or their vast carelessness or whatever it was that kept them together, and let other people clean up
the mess they had made53 .
Ernest Hemingway
Ernest Hemingway tem como temática a morte. Em For Whom the Bells Toll, romance
cujo título se refere ao poema Meditation XVII, parte de Devotions Upon Emergent Occasions,
poesia metafísica datada de 1624 e escrita pelo poeta John Donne, que diz:
No man is an island, entire of itself; every man is a piece of the continent, a part of the main. If a clod be
53 FITZGERALD, F. Scott. The Great Gatsby. http://www.litfi x.co.uk/fi tzgerald/onlinetexts/gatsby/index.htm
The Great Gatsby
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 49
washed away by the sea, Europe is the less, as well as if promontory were, as well as if a manor of thy friend’s or
of thine own were. Any man’s death diminishes me, because I am involved in mankind; and therefore never send
to know for whom the bell tolls; it tolls for thee54 .
John Steinbeck
John Steinbeck, premio Nobel de Literatura de 1962, alcançou um grande sucesso na década
de 1930, durante o período da Grande Depressão americana. Steinbeck escreveu sobre indivíduos
que, por motivos econômicos, são empurrados para uma vida à margem da sociedade: bóias
frias, vagabundos, mendigos, sem teto. Seus temas abordam o preconceito, tradição, costumes,
atitudes baseadas em privilégios e injustiça, fome, num ambiente motivado pela economia de
mercado. Seu romance mais conhecido é Grapes of Wrath (1939), traduzido como Vinhas da Ira.
In order to do the work in the cotton fi eld, cotton sacks are required and workers that do not have these have
to buy them from the landowner on credit. Many of the workers are unable to do enough work to pay for their
sacks. Also, the workers suspect that the weighing machines are rigged.
(…)
Tom has been pondering about what Jim Casy told him before he died - that every man’s soul is part of
the greater soul. Tom sees his vocation is to unify his soul with the greater soul by working to organize people in a
fight against oppression.
Ma warns Tom that Casy died for his efforts and Tom promises that he will watch out for himself.
Diversidade Cultural na Literatura Americana
Durante a década de 1940, a crítica especializada passou a enfatizar os aspectos da escrita e
insistia para que o artista se situasse fora da cena política e social. Esse posicionamento foi alvo
de longa controvérsia nos anos de 1960 e 1970 e perdura até o presente. A década de 70 se confi -
gurou como o período da transgressão, e a emergência de vários movimentos sociais que infl uenciaram
a literatura como o Feminismo, os movimentos Gay, Afro, Indígena, e a critica marxista,
como pode ser observado na literatura produzida por escritores como Alan Ginsberg, Adrienne
Rich, James Baldwin, Alice Walker, entre outros. Entretanto, a maioria dos escritores ainda segue
a tradição legada por Emerson e Whitman, e recorre aos tradicionais temas americanos de mobilidade
social, caldeirão cultural, e de nação livre e “iluminada”.
54 DONNE, John. Apud http://en.wikipedia.org/wiki/For_Whom_the_Bell_Tolls
Grapes of Wrath
50 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Alice Walker
Entre esses autores, Alice Walker, escritora feminista afro-americana se destacou pelo seu
romance A Cor Púrpura (1982), ganhador do prêmio Pulitzer em 1983. O romance tem como
tema religião, sexualidade, família e violência em uma comunidade negra no sul dos Estados Unidos,
em que as mulheres são as protagonistas. A linguagem reproduz a fala desse grupo étnico.
Well how you spect to make her mind? Wives is like children. You have to let ‘em know who got the upper
hand. Nothing can do that better than a good sound beating55 .
Movimento Beat
O movimento “beat”, característico do fi nal da década de 1950 e que se estendeu pelos anos
60, produziu uma das mais conhecidas obras da contra cultura, On the Road, escrito por Jack Kerouac.
O romance trata das viagens de dois amigos, Sal e Dean, através dos Estados Unidos. Os
dois se envolvem com drogas, marginais, mulheres, e homossexuais, e alguns dos acontecimentos
são de ordem biográfi ca. O assunto do livro serviu como tema para as gerações posteriores, em
diversos setores artísticos, que relatam histórias semelhantes como, por exemplo, o fi lme de Peter
Fonda e Dennis Hopper, Sem Destino.
We were suddenly on Madison Street among hordes of hobos, some of them sprawled out on the street with
their feet on the curb, hundreds of others milling in the doorways of saloons and alleys. “Wup! wup! look sharp
for old Dean Moriarty there, he may be in Chicago by accident this year.” We let out the hobos on this street and
proceeded to downtown Chicago.
(…)
...we headed straight for North Clark Street, after a spin in the Loop, to see the hootchy-kootchy joints
and hear the bop. And what a night it was. “Oh, man,” said Dean to me as we stood in front of a bar, “dig the
street of life, the Chinamen that cut by in Chicago. What a weird town--wow, and that woman in that window
up there, just looking down with her big breasts hanging from her nightgown, big wide eyes. Whee. Sal, we gotta
go and never stop going till we get there”56 .
55 WALKER, Alice. The Color Purple. http://www.bookrags.com/The_Color_Purple
56 KEROUAC, Jack. On the Road. http://www.bookrags.com/notes/otr/SUM.html
A Cor Púrpura
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 51
1.Quais as características que diferenciam o romance das outras formas literárias?
Atividade Complementar
De que forma Daniel Defoe, Samuel Richardson e Henry Fielding individualiza seus
protagonistas?
2.
3. Explique os modelos fi ccionais segundo a teoria de Northrop Frye.
4. Que autor(a) se destacou pela técnica de “Fluxo de Consciência”?
5. Qual o romance americano que se tornou emblemático na literatura beat?
52 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
F. S. Fitzgerald:
http://www.litfi x.co.uk/fi tzgerald/onlinetexts/gatsby/index.htm
J. Kerouac:
http://www.bookrags.com/notes/otr/SUM.html
Mark Twain:
http://www.mtwain.com/Adventures_Of_Huckleberry_Finn/1.html
Alice Walker:
http://www.bookrags.com/The_Color_Purple
Sites indicados
Filmes indicados
A cor púrpura
A letra escarlate
As aventuras de Tom Sawyer
As Horas
Emma
Moll Flanders
Mrs. Dalloway
Mulheres Apaixonadas
O Amante de Lady Chatterley
Orgulho e Preconceito
O ultimo dos Moicanos
Razão e Sensibildade
The Great Gatsby;
Tom Jones
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 53
A POESIA E O TEATRO
A POESIA
A POESIA INGLESA: DE SHAKESPEARE AO
ROMANTISMO
Introdução
A poesia não é uma liberação da emoção, mas uma fuga da emoção; não é a expressão da personalidade,
mas uma fuga da personalidade. Naturalmente, porém, apenas aqueles que têm personalidade e emoções sabe o que
signifi ca querer escapar dessas coisas. T.S.Eliot
Como mencionado no Bloco 1, Tema 1, os primeiros manuscritos encontrados em língua
inglesa, ou Old English , encontram-se sob a forma de versos. No que pese a transcrição dessa
literatura datar de em torno do século XI, o seu conteúdo remete a um período anterior, o que,
possivelmente, explicaria a forma em versos: nas culturas iletradas, o verso se constitui na forma
mais apropriada à memorização, sendo este o meio de propagação e preservação. Sabemos também
que os primeiros escritos literários em língua inglesa, ou Old English, são sagas em versos,
como Beowulf, e contam a história de um povo.
No século XII, Eleanor de Aquitânia, a esposa francesa do rei Henry II, trouxe os trovadores
e a poesia provençal para a Inglaterra, inaugurando assim um novo padrão de comportamento
na corte e em modelo literário. As histórias abordadas pela poesia trovadoresca tinham como
enredo a impossibilidade amorosa, na qual o amado se declarava vassalo da sua dama e do seu
amor. A temática dessas histórias, bem como a forma em que eram escritas e declamadas, são de
origem bretã, ou celta, e predominavam nas narrativas do ciclo arturiano, populares na época.
Lais
Marie de France e Chrétien des Troyes, poetas franceses, se destacaram na época, contribuindo
para a popularidade desse tema e desse modelo literário na Inglaterra. Esta forma bretã,
ou celta, é conhecida como lais (em celta loid) e fl oresceu no período entre os séculos XII e XIV,
tendo, possivelmente, sofrido alguma infl uência latina. Neste período encontramos dois tipos de
lais:
- o primeiro, não tinha como objeto, necessariamente, um tema arturiano e se tratava de um
poema bastante extenso, com versos que variavam em número de 60 a 300, métrica curta (heptassílabos),
e geralmente distribuídos em doze grandes estrofes;
- o segundo tipo, também conhecido como Arthurian lais, se atinham a histórias do ciclo
54 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
arturiano, ou bretão, sendo considerados como novelas, embora ainda estivessem escritos em
versos.
A forma aperfeiçoada por Marie de France veio a se tornar modelar para escritores posteriores
como Chaucer (em Franklin’s Tales) e Gower (Tale of Rosiphilee), enquanto que a forma
“romanceada” das histórias de Chrétien des Troyes infl uenciaram os escritores do período conhecido
como Middle English, como, por exemplo, o autor anônimo de Sir Gawain e o Cavaleiro
Verde (Sir Gawain and the Green Knight).
Ambas as formas, no entanto, se encontravam associadas a uma melodia, e eram recitadas
com o acompanhamento de uma harpa ou viola. A partir do século XVI, a palavra lai torna-se
sinônimo de canção, e, no século XIX, passou a designar as baladas de origem históricas, mesmo
quando não eram acompanhadas por música como The Lay of the Last Minstrel (1808) de autoria
de Walter Scott, ou Lays of Ancient Rome (1842) de Macaulay.
Alegoria & Roman de la Rose
No século XIII, a temática poética torna-se onírica e alegórica,
infl uenciada pela popularidade do poema Roman de la Rose,
de Guillaume de Lorris (1237). A questão central deste poema
reside em um sonho de conquista da mulher amada, representada
por uma rosa, e por quem o homem deve superar diversos
obstáculos, a fi m de conquistar a amada. Este poema infl uenciou
a maioria dos escritores por todo o século XIV, cuja utilização
da alegoria e do sonho pode ser encontrada tanto na revelação
religiosa de Pearl, poema anônimo cuja autoria é atribuída ao escritor
de Sir Gawain, como no poema Book of Duchess de Geoffrey
Chaucer. The Book of the Duchess é um poema-narrativa na tradição
sonho-alegoria, escrito por volta de 1369, por ocasião da morte
de Blanche, Duquesa de Lancaster, e constitui-se de uma associação
de uma elegia e um encômio:
For holly al the story of Troye
Was in the glasynge ywroght thus,
Of Ector and of kyng Priamu,
Of Achilles and Lamedon,
And eke of Medea and of Jason,
Of Paris, Eleyne, and of Lavyne.
And alle the walles with colours fi ne
Were peynted, both text and glose,
Of al the Romaunce of the Rose.
The Canterbury Tales
Roman de La Rose
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 55
The Canterbury Tales, ou Contos de Cantuária, também de autoria de Geoffrey Chaucer,
mencionado no Tema 1 do Bloco 1, é composto de contos narrados por pessoas das mais diversas
ocupações reunidas em uma estalagem. As profi ssões dos personagens não incluem nenhuma
posição extrema, seja acima de um Cavaleiro da corte, seja abaixo de um lavrador. As histórias
narradas por Chaucer têm um cunho irônico, como pode ser observado em Prioress, que descreve
uma freira, cujo real interesse na vida era ter um comportamento mundano.
Ther was als a Nonne, a Prioresse,
That of her smylyng was ful simple and coy;
Hire gretteste ooth was but by Seinte Loy;
And she was cleped madame Eglentyne.
Ful weel she soong the service dyvyne,
Entuned in hir nose ful seemly,
And Frenssh she spak ful faire and fetisly,
After the scole of Stratford ate Bowe,
For Frenssh of Parys was to hire unknowe.
At mete wel ytaught was she with alle;
She leet no morsel from hir lippes falle,
Ne wette hir fyngres in hir sauce depe;
Wel koude she carie a morsel and wel kepe
That no drope ne fi lle upon hir brest.
In curteisie was set ful muchel hir lest.
Hir over-lippe wiped she so clene
That in hir coppe ther was no ferthyng sene
Of grece, when she drunken hadde hir draughte.
Ful seemly after hir mete she raughte…
A época de Chaucer foi um período conturbado pelos confl itos entre patrões e empregados.
A peste negra havia dizimado as populações camponesas e os barões da terra passaram a
contratar empregados para fazer o serviço no campo. Com a nova modalidade de trabalho surgiu
a necessidade de se estabelecer medidas que regulamentassem as condições de trabalho e pagamento
de salários aos trabalhadores do campo, o Estatuto dos Trabalhadores. A obra de Chaucer
oferece um comentário, às vezes irônico e velado, desta época.
Chaucer foi considerado um artesão da palavra, responsável pela criação de novas palavras
e pela introdução de novos vocábulos oriundos de outros idiomas; Sir Brian Tuke, responsável
pelo prefácio de Contos de Cantuária escreveu sobre Chaucer: suche frutefulnesse in wordes… so swete
and pleasaunt sentences… suche sensyble and open style lacking neither maieste ne mediocrite (moderation).
56 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Os sonetos de Shakespeare
Além de dramaturgo, Shakespeare também foi um grande poeta, tendo escrito uma coletânea
de 154 sonetos além de dois poemas narrativos, Vênus e Adônis e O rapto de Lucrécia. Tais
sonetos, possivelmente colocados na ordem pelo próprio Shakespeare, são considerados por
críticos como Harold Bloom como “autobiográfi cos e universais, pessoais e impessoais, irônicos
e apaixonados, bissexual e heterossexual”, demonstrando a ambigüidade do ser humano. Tais
sonetos se situam entre três categorias distintas: os primeiros cento e vinte e seis sonetos foram
endereçados a um jovem, presumivelmente ao Earl de Southampton, seu mecenas, e segundo alguns,
amante; os vinte e seis sonetos seguintes referem-se a uma Dark Lady; e os dois últimos
falam de Cupido; dentre essas categorias, outros subgrupos podem ser detectados. Entretanto, os
temas do tempo e da morte sombreiam os primeiros cento e vinte e seis poemas, em que o poeta
relaciona a contagem arbitrária do tempo pelo individuo e o seu relógio biológico e afi rma que a
reprodução é a sua única defesa contra a morte.
When I have seen by Time’s fell hand defaced
The rich proud cost of outworn buried age,
When sometime lofty towers I see down-razed,
And brass eternal slave to mortal rage;
When I have seen the hungry ocean gain
Advantage on the kingdom of the shore,
And the fi rm soil win of the wat’ry main,
Increasing store with loss and loss with store;
When I have seen such interchange of state,
Or state itself confounded to decay,
Ruin hath taught me thus to ruminate _
That Time will come and take my love away.
Soneto Shakespeare
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 57
This thought is as a death, which cannot choose
But weep to have that which it fears to lose.
Seus sonetos trouxeram uma nova energia à poesia com relação à métrica e a utilização de
uma estrutura de catorze linhas, e na exploração uma gama de emoções, linguagem, e, sobretudo,
apontando para a responsabilidade do individuo diante os seus erros, não mais culpando os
astros e os deuses.
Salientamos, ainda, que a musicalidade dos versos de Shakespeare era bastante propícia a
uma época em que as pessoas valorizavam as palavras e as melodias. Valorização que reforçou o
desenvolvimento do idioma inglês que deixava progressivamente de se restringir a uma língua de
camponeses para se tornar a língua de uma expressiva literatura.
John Donne & John Milton
Segundo Samuel Taylor Coleridge,
If you would teach a scholar in the highest form how to read, take Donne… When he has learnt to read
Donne, with all the force and meaning which are involved in the words, then send him to Milton, and he will stalk
on like a master enjoying his walk.
John Donne (1573-1631), diácono da Catedral de St. Paul e um grande pregador, tornou-se,
juntamente com John Milton, um dos autores mais reverenciados da poesia inglesa durante o período
da Restauração (1620-1690). Além de sermões e ensaios, John Donne tornou-se conhecido
por suas poesias, devotas e eróticas, como, por exemplo, Elegy XIX To His Mistress Going To
Bed em que compara a amada à recém-descoberta América.
Elegy XIX To His Mistress Going To Bed – John Donne
Come, madam, come, all rest my powers defy
Until I labor, I in labor lie.
(…)
Now off with those shoes, and then safely tread
In this love’s hallowed temple, this soft bed.
In such white robes, heaven’s angels used to be
Received by men; thou, Angel, bring’st with thee
(…)
License my roving hands , and let them go
Before, behind, between, above, below.
O my America ! my new-found-land,
58 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
My kingdom, safeliest when with one man manned,
My mine of precious stones, my empery,
How blest am I in this discovering thee!
(…)
Then, since that I may know,
As liberally as to a midwife, show
Thyself: cast all, yea, this white linen hence,
Here is no penance, much less innocence.
To teach thee, I am naked fi rst; why than,
What needst thou have more covering than a man.
O texto contém referências bíblicas como a presença de anjos vestidos em branco, e mitológica
tal como a história de Atalanta. A escolha de determinados vocábulos e expressões indiciam
a ambigüidade da linguagem utilizada, como por exemplo, no verso fi nal, a palavra covering
que tanto pode signifi car cobertura ou vestimenta, como também a posição de súcuba da mulher
durante o ato sexual.
John Milton (1608-1674) produziu vários panfl etos defendendo suas idéias políticas e religiosas
e em 1667 escreveu um dos mais conhecidos poemas da língua inglesa, Paradise Lost,
infl uenciando poetas de gerações posteriores. Seu tema é A Queda, episódio bíblico que narra o
pecado original. O poema lida com as conseqüências morais da desobediência, ou a incapacidade
do individuo de viver de acordo com as leis divinas. Destacamos um pequeno trecho do poema:
Paradise Lost IX, The Fall from Adam and Eve by John Milton
[ Satan urg’d]: If they all things, who encl’d
Knowledge of Good and Evil in this Tree,
That whoso eats thereof, forthwith attains
Wisdom without their leave? And wherein lies
Paradise Lost
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 59
Th’offense, that Man should thus attain to know?
What can your knowledge hurt him, or this Tree
Impart against his will if all be his?
Or is it envie, and can envie dwell
In heav’nly brests? These, these and many more
Causes import your need of this fair Fruit.
Goddess humane, reach then, and freely taste.
Considerando-se a teoria de arquétipos, ou de padrões temáticos da literatura, podemos
dizer que A Queda focaliza o trânsito de um individuo de um estado de pureza para um estado
de conhecimento ou vivência, em que, através da(s) experiência(s) vivida(s), o sujeito descobre a
não existência do mundo ideal, ou edênico, caracterizando desta forma a perda da inocência.
A época da Razão x Romantismo
O Classicismo
O século XVIII fi cou conhecido como a Era da Razão. De forma panorâmica, podemos
dizer que este período foi caracterizado pelo desenvolvimento do comércio, a consolidação do
império, o entrecruzamento entre a classe média e a aristocracia através de casamentos, entre
outros aspectos que tornavam possível a instituição de um “governo da razão”.
No âmbito das artes, predominava o Classicismo, cujas características – o predomínio da
razão sobre as emoções, o culto à forma e a supervalorização das convenções sociais – encontram
ressonâncias em um período histórico marcado pela crença no progresso e pela luta por ascensão
social. Um poeta signifi cativo desta época é Alexander Pope (1688-1744). Por um estudo
de sua biografi a é possível entender algumas dicotomias de uma Inglaterra rigidamente dividida
pelo catolicismo e protestantismo. Desse modo, Pope que teve uma formação católica e era fi lho
de pai burguês e que, portanto, gozava dos recursos necessários para investir em sua formação,
sofria por não poder freqüentar a escola pública e a universidade, que estavam sob o controle da
Inglaterra protestante, na época, extremamente anti-católica.
Apesar de algumas condições adversas que encontrou e do seu
aspecto “feio”, Pope aceitava a vida tal como esta se apresentava e
a forma que encontrava para esta aceitação era satirizar e, com isso,
expurgar o seu mal-estar. Sua obra oscila entre fi losófi ca, satírica e
crítica. Quanto à forma, havia em Pope uma preocupação excessiva,
a ponto de atribuir-lhe uma importância muito maior do que aquela
concedida aos seus temas. Ele primava pela perfeição dos versos e
frases bem elaboradas. Apreciemos um trecho do poema The Rape of
the Lock57 para verifi carmos quão harmônicos são as rimas dos versos
de Pope.
57 POPE, Alexander. The rape of the lock. Disponível: http://www-unix.oit.umass.edu/~sconstan/poem1c1.html. Acesso: 31 jan. 07.
The Rape of the Lock
60 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
What dire Offence from am’rous Causes springs,
What mighty Contests rise from trivial Things,
I sing-This verse to Caryl, Muse! is due;
This, ev’n Belinda may vouchsafe to view:
Slight is the Subject, but not so the Praise,
If She inspire, and He approve, my Lays.
Pope infl uenciou outros poetas em sua época, dentre estes, Oliver Goldsmith (1730-1774),
George Crabbe (1754-1832) e Samuel Johnson (1790-1784).
O Romantismo
De encontro aos ditames do classicismo, o Romantismo eclodiu a partir da Revolução Francesa,
através da qual protestou-se contra o predomínio de um modo de vida elitista e uma arte
presa a normas estanques. Assim, ao contrário do clássico, o romântico privilegia a emoção em
detrimento da razão e sobrepõe às preocupações com as regras sociais, a sua individualidade.
William Blake: um precursor do Romantismo
William Blake (1757-1827) é considerado um dos maiores poetas das letras inglesas. Um de
seus textos mais famosos é Canções da inocência (Songs of Innocence) ao lado do seu poema (The Tyger).
Apreciemos um trecho deste poema:
Tyger! Tyger! Burning bright,
In the forests of the night,
What immortal hand or eye
Could frame thy fearful symmetry? 58
Blake foi ainda autor de poemas épicos como Jerusalem e Milton, cujo entendimento é difícil
sem o domínio do signifi cado de alguns símbolos que os compõem. Além disso, compôs poemas
breves, que possuem um caráter individual. Alguns desses poemas expressam uma atitude contrá-
58 http://www.cs.rice.edu/~ssiyer/minstrels/poems/66.html
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 61
ria às repressões advindas de instituições monumentais como a lei, a religião e a ciência.
Poetas românticos
O processo de consolidação do Romantismo na Inglaterra contou com a contribuição de
alguns importantes poetas, frutos de um sentimento revolucionário que pairava, inspirado na
Revolução Francesa, como aqui já foi dito, e na fi losofi a de pensadores como Locke, Rousseau e
Hume. Entre os poetas românticos mais representativos, podem ser citados Wordsworth, Coleridge,
Keats, Shelley e Byron.
Wordsworth e Coleridge
William Wordsworth (1770-1850) é considerado um dos fundadores do Romantismo na
Inglaterra ao lado de Samuel Taylor Coleridge (1772-1834), com quem publicou as Baladas Líricas.
As Lyrical Ballads consistem em uma coletânea de poemas dos dois autores mencionados, publicada
em 1798 com a intenção de escrever um novo tipo de poesia. Entre os poemas que compõem
esta obra, destacam-se Rime of the Ancient Mariner, de Coleridge, e Tintern Abbey, de Wordsworth.
Apreciemos algumas estrofes de cada um desses poemas para podermos ilustrar as considerações
que serão feitas sobre o projeto destes poetas.
Rime of the Ancient Mariner
PART I
An ancient Mariner meeteth three Gallants bidden to a wedding-feast, and detaineth one.
It is an ancient Mariner,
And he stoppeth one of three.
`By thy long beard and glittering eye,
Now wherefore stopp’st thou me ?
The Bridegroom’s doors are opened wide,
And I am next of kin ;
The guests are met, the feast is set :
May’st hear the merry din.’
The Tyger
62 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
He holds him with his skinny hand,
`There was a ship,’ quoth he.
`Hold off ! unhand me, grey-beard loon !’
Eftsoons his hand dropt he 59.
Tintern Abbey
Five years have past; fi ve summers, with the length
Of fi ve long winters! and again I hear
These waters, rolling from their mountain-springs
With a soft inland murmur. -- Once again
Do I behold these steep and lofty cliffs,
That on a wild secluded scene impress
Thoughts of more deep seclusion; and connect
The landscape with the quiet of the sky.
The day is come when I again repose
Here, under this dark sycamore, and view
These plots of cottage-ground, these orchard-tufts,
Which at this season, with their unripe fruits,
Are clad in one green hue, and lose themselves
‘Mid groves and copses. Once again I see
These hedge-rows, hardly hedge-rows, little lines
Of sportive wood run wild: these pastoral farms,
Green to the very door; and wreaths of smoke
Sent up, in silence, from among the trees!
With some uncertain notice, as might seem
Of vagrant dwellers in the houseless woods,
Or of some Hermit’s cave, where by his fi re
The Hermit sits alone60.
Na segunda e terceira edições de Lyrical Ballads, Wordsworth fez signifi cativas considerações
sobre a proposta estética desta obra. Segundo estes prefácios, a linguagem poética deveria escapar
a uma dicção artifi cial e ser pautada na linguagem de pessoas comuns, que eram admiradas por
ele por estarem mais próximas da natureza que ele tanto venerava. Advogava também contra o
racionalismo e em favor da imaginação, privilegiando sentimentos humanos e o mito. Vale a pena
59 http://etext.virginia.edu/stc/Coleridge/poems/Rime_Ancient_Mariner.html
60 http://www.blupete.com/Literature/Poetry/WordsworthTinternAbbey.htm. Acesso: 01 fev. 07.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 63
ler o trecho abaixo destacado de Lyrical Ballads que sumariza as principais propostas deste poeta:
The principal object, then, which I proposed to myself in these Poems was to choose incidents and situations
from common life, and to relate or describe them, throughout, as far as was possible, in a selection of language
really used by men; and, at the same time, to throw over them a certain colouring of imagination, whereby ordinary
things should be presented to the mind in an unusual way; and, further, and above all, to make these incidents
and situations interesting by tracing in them, truly though not ostentatiously, the primary laws of our nature:
chiefl y, as far as regards the manner in which we associate ideas in a state of excitement. Low and rustic life was
generally chosen, because in that condition, the essential passions of the heart fi nd a better soil in which they can
attain their maturity, are less under restraint, and speak a plainer and more emphatic language; because in that
condition of life our elementary feelings co-exist in a state of greater simplicity, and, consequently, may be more
accurately contemplated, and more forcibly communicated; because the manners of rural life germinate from those
elementary feelings; and, from the necessary character of rural occupations, are more easily comprehended, and are
more durable; and lastly, because in that condition the passions of men are incorporated with the beautiful and
permanent forms of nature. The language, too, of these men is adopted (purifi ed indeed from what appear to be its
real defects, from all lasting and rational causes of dislike or disgust) because such men hourly communicate with
the best objects from which the best part of language is originally derived; and because, from their rank in society
and the sameness and narrow circle of their intercourse, being less under the infl uence of social vanity they convey
their feelings and notions in simple and unelaborated expressions. Accordingly, such a language, arising out of
repeated experience and regular feelings, is a more permanent, and a far more philosophical language, than that
which is frequently substituted for it by Poets, who think that they are conferring honour upon themselves and their
art, in proportion as they separate themselves from the sympathies of men, and indulge in arbitrary and capricious
habits of expression, in order to furnish food for fi ckle tastes, and fi ckle appetites, of their own creation61 .
No trecho acima citado, podemos salientar alguns conceitos-chave empregados por Wordsworth
para tratar de sua proposta. Estes conceitos são a demonstração de uma linguagem que
era realmente usada pelo homem comum, um tom advindo da mais pura imaginação a partir da
qual se confi guram imagens incomuns, busca pela expressão de uma vida simples na qual as verdadeiras
paixões humanas podem afl orar.
De acordo com Wordsworth, a poesia deveria revelar não apenas verdades fi losófi cas, mas
outras verdades, pois a partir da poesia, o poeta instaura e legitima a sua verdade. Produzir poesia
deixou de ser, para este poeta, não um hobby, como o era para alguns poetas do século XVIII,
mas, conforme Anthony Burgess, uma “vocação”62 . Pensando deste modo, Wordsworth não se
dedicou a nenhuma outra atividade, a não ser a de poeta.
Um dos principais lemas de Wordsworth que coincide com suas convicções sobre a “vocação”
é a intuição, um certo misticismo apoiado em uma forte crença na natureza. Para este poeta,
a natureza é a fonte a partir da qual o homem pode estabelecer o seu encontro com Deus. Partindo
destes princípios, ele foi considerado um panteísta, ou seja, para ele Deus não estava acima
dos homens, mas, sim, presente na natureza.
Em virtude das considerações tecidas sobre o projeto estético e ético de Wordsworth, ele
é, por vezes, considerado um poeta egocêntrico, que direcionou grande atenção para si mesmo e
suas próprias experiências. Esta premissa, no entanto, se enfraquece, quando passamos a conhe-
61 http://www.english.upenn.edu/~jenglish/Courses/Spring2001/040/preface1802.html. Acesso: 01 fev. 07.
62 BURGESS, Anthony. Os românticos. In: ______. A literatura inglesa. Tradução Duda Machado. 2. ed. São Paulo: Ática, 2004, p. 198.
64 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
cer que ele defendia uma reforma social, bem como os direitos humanos, que preservam o direito
à liberdade e expressão individual. Além disso, o eu-lírico de seus poemas não raro exprime os
impactos diante das mudanças sociais de sua época, em que se verifi ca um constante desenvolvimento
das classes altas acompanhado pelo progressivo crescimento da pobreza. Afi nal, a sua
excessiva atenção à natureza pode ser interpretada como uma crítica implícita à sociedade “corrompida”.
Não devemos desconsiderar, ainda, que Wordsworth viveu em uma época marcada
pela Revolução Francesa, de cujos ideais este poeta compartilhou.
Predomina na proposta de Samuel Taylor Coleridge um tom sobrenatural que se distancia
daquele impresso nos poemas de Wordsworth. Enquanto este pretendia que sua poesia estivesse
firmada no solo dos humildes, em meio a natureza, Coleridge explorava o sobrenatural e o justifi
cava através de uma “fé poética ”. Ele designou por “fé poética”63 a voluntária suspensão da
descrença por um momento.
Byron
Lord Byron (1788-1824) é um poeta que se tornou uma fi gura lendária na Europa. A biografia
de Byron encerra um lado heróico do poeta que morreu lutando pela independência grega
e, por outro lado, escândalos que lhe custaram o exílio da Inglaterra. Este episódio somou-lhe um
tom satírico, a partir do qual passou a questionar regras sociais e leis de seu país. A sátira compõe
a tônica das críticas sociais impressas em seu longo poema Don Juan, baseado na lenda de Don
Juan. Num outro poema, transcrito em seguida e que foi traduzido por Castro Alves, é possível
perceber o tom satírico de Byron. Neste poema, o eu lírico propõe que o seu crânio seja usado
como uma taça, na qual as pessoas possam beber o vinho e a vida, livrando-o de ser comido pelos
vermes:
Uma taça feita de um crânio humano
Não recues! De mim não foi-se o espírito...
Em mim verás - pobre caveira fria -
Único crânio que, ao invés dos vivos,
Só derrama alegria.
Vivi! amei! bebi qual tu: Na morte
63 BURGESS, Anthony. Op. cit., p. 200.
Shelley, Keats e Byron
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 65
Arrancaram da terra os ossos meus.
Não me insultes! empina-me!... que a larva
Tem beijos mais sombrios do que os teus.
Mais vale guardar o sumo da parreira
Do que ao verme do chão ser pasto vil;
- Taça - levar dos Deuses a bebida,
Que o pasto do réptil.
Que este vaso, onde o espírito brilhava,
Vá nos outros o espírito acender.
Ai! Quando um crânio já não tem mais cérebro
...Podeis de vinho o encher!
Bebe, enquanto inda é tempo! Uma outra raça,
Quando tu e os teus fordes nos fossos,
Pode do abraço te livrar da terra,
E ébria folgando profanar teus ossos.
E por que não? Se no correr da vida
Tanto mal, tanta dor ai repousa?
É bom fugindo à podridão do lado
Servir na morte enfi m p’ra alguma coisa!...
Lord Byron
(Tradução de Castro Alves)
Shelley
Shelley revelou, desde muito cedo, o seu espírito revolucionário. Este caráter foi expresso,
em especial, em seus poemas mais longos, a exemplo de Prometeu acorrentado, A revolta do Islã e
Hélade, que tematizam a revolta e uma humanidade que sofre por se sentir oprimida. Além deste
tema, Shelley fala em seus poemas sobre a Beleza e o Amor.
66 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Keats
A poesia de John Keats (1795-1821) apresenta um tom sensual e revela o seu paganismo,
alimentado por uma forte crença nos deuses da Grécia Antiga. Seus principais são, conforme
Anthony Burgess, “a beleza na arte e na natureza; o desejo de morte; amores felizes e infelizes; o
encanto do passado clássico”64. Seus poemas não raro revelam um forte sofrimento que advém
tanto da certeza de que a beleza não é eterna, quanto das incertezas e indefi nições suscitadas pelo
amor. Identifi ca-se nele, ainda, uma forte melancolia, tal como a expressa em When I have fears that
I may cease to be. Assim como pela sua poesia Keats melhor pôde traduzir a sua melancolia, apenas
através da leitura do poema pode é possível apreendê-la.
When I have fears that I may cease to be
When I have fears that I may cease to be
Before my pen has glean’d my teeming brain,
Before high-piled books in charact’ry
Hold like rich garners the full ripen’d grain;
When I behold upon the night’s starr’d face
Huge cloudy symbols of a high romance,
And think that I may never live to trace
Their shadows with the magic hand of chance;
And when I feel, fair creature of an hour,
That I shall never look upon thee more,
Never have relish in the faery power
Of unrefl ecting love; — then on the shore
Of the wide world I stand alone, and think
Till love and fame to nothingness do sink65 .
Alguns outros representativos poemas são Ode a um rouxinol, Ode à melancolia e Ode a
uma urna grega.
64 Op. cit., p. 204.
65 http://etext.library.adelaide.edu.au/k/keats/john/poems/when-i-have-fears.html
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 67
A POESIA NORTE AMERICANA
No período que se estende desde 1640 até 1700, aproximadamente, surge a poesia norte
americana, caracterizada pelos ideais Puritanos. Trata-se de uma poesia que tem por objetivo a
divulgação dos princípios do calvinismo, em que abundam clichês bíblicos e clássicos, seguindo o
modelo literário inglês. Dentre eles mencionamos o The Bay Psalm Book (1640), The Day of Doom
e In Reference to Her Children, de Anne Bradstreet (1612-1672), uma afi rmação das benesses da
maternidade e do casamento.
Romantismo
É a partir de do Romantismo (1820-1865) que a poesia americana desponta como singular,
embora ainda fortemente infl uenciada pelos poetas românticos ingleses, particularmente
Coleridge e Wordsworth. No interstício entre a poesia puritana e o surgimento do romantismo
americano destaca-se Phillis Wheatley (1753-1784), a primeira escritora afro-americana, que, influenciada
por Milton e Pope, utiliza versos brancos e que tem como temas poéticos a salvação,
a liberdade política na nova nação, e o orgulho afro-americano.
O primeiro americano considerado como um grande poeta pela crítica foi William Cullen
Bryant (1798-1878), autor de poemas como Thanatopsis,(1814), ou uma visão da morte, cuja
adoção de versos brancos e cuidadosamente rimados deve-se a infl uência dos chamados poetas
britânicos do Graveyard School .
Os temas privilegiados pelo Romantismo norte americano foram:
1. A intuição é mais confi ável que a razão;
2. expressar profundamente as experiências vividas é mais valoroso que a elaboração de
princípios universais;
3. o individuo está situado no centro do universo e Deus se encontra no centro do
indivíduo;
4. a natureza é uma gama de símbolos físicos dos quais o conhecimento do sobrenatural
pode ser intuído;
5. podemos desejar o Ideal, mudando o que é pelo o que devia ser.
Romantismo
68 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Ralph Waldo Emerson (1803-82) foi o mais importante interlocutor desses preceitos, para
quem o poema deveria apresentar imagens concretas, representando símbolos. Seu livro, Nature,
publicado em 1836 é uma afi rmação dos fundamentos do transcendentalismo e propunha a
noção que as coisas seriam uma miniatura do universo, e a crença na força da intuição de cada
individuo.
Transcendentalismo
Como um sistema organizado de idéias, o transcendentalismo objetivava criar uma literatura
exclusivamente americana, libertando-se da infl uência européia, notadamente a inglesa. Liderado
por escritores da Nova Inglaterra, muitos dos seus seguidores se encontravam envolvidos em
reformas sociais, particularmente aqueles que diziam respeito ao movimento abolicionista e em
prol dos direitos das mulheres (o termo “feminismo” só foi cunhado décadas depois, na França).
Esses autores se encontravam envolvidos em tais movimentos pelo fato de acreditarem que todo
ser humano tem direito a buscar a liberdade, conhecimento e a verdade. Segundo Ralph Waldo
Emerson,
We will walk on our own feet; we will work with our own hands; we will speak our own minds...A nation
of men will for the fi rst time exist, because each believes himself inspired by the Divine Soul which also inspires
all men.
O movimento obteve um grande alcance tendo infl uenciado diversos poetas como Walt
Whitman (1819-92), dentre outros.
Edgar Allan Poe e O Corvo
Embora não esteja especifi camente incluído neste grupo, Edgar Allan Poe (1809-49) foi um
escritor que se destacou por suas obras em prosa e verso, e vem suscitando, através dos séculos,
emoções relacionadas ao terror, ao maravilhoso, e ao espantoso. Seu poema mais conhecido, O
Corvo (The Raven), conta a história de um homem que, certa feita, tarde da noite, recebeu a visita
misteriosa de um pássaro que dizia: Nevermore! (nunca mais!) e que o remetia ao sentimento de
Edgar Allan Poe
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 69
perda deixado pela morte da bela amada. Este poema foi traduzido para o português por Machado
de Assis e Fernando Pessoa, além de outros autores, e tem sido uma referência intertextual de
diversos escritos, como em Love Minus Zero-No Limit, composição de Bob Dylan na década de
196066.
Tendo infl uenciado sobremaneira os modernistas, Edgar Allan Poe foi também ensaísta de
prestígio.
A respeito de O Corvo, Poe escreveu o texto The Philosophy of Composition, no qual relata,
minuciosamente, como num “problema matemático”, os procedimentos utilizados para a escrita
deste poema, os quais acredita poder reconstituir. Desse modo, Poe comenta a preocupação que
antecipou a composição do poema sobre a sua extensão, que deveria manter uma certa “unicidade
de impressão”, ou seja, o seu “efeito”, e, portanto, teria cerca de cem linhas, que consistiram,
de fato em cento e oito linhas. Em seguida, fala sobre a confi guração do espaço, que seria
limitado a um único e pequeno cenário para garantir o efeito, o que realmente acabou sendo um
quarto. Seguiu-se, então, a escolha da impressão, que, conforme a sua intenção, deveria ser universal.
Assim, escolheu um tema unânime entre os poetas, ou seja, a Beleza. O próximo passo
seria a atribuição de um “tom” à sua composição, que teria que ser elevado. Foi assim pensando
que se decidiu pela melancolia e, a partir dela, extraiu a imagem da mais expressiva melancolia,
qual seja, a morte. Reunidos temas e tom, Poe forjou, então, o motivo: a melancolia sentida pela
morte de uma bela mulher, não esquecendo de mencionar a escolha criteriosa de uma palavra que
denotasse um som fúnebre “nevermore” (nunca mais), que rima com o nome da amada Lenore,
a ser pronunciada por um corvo.
Após esta bela descrição do procedimento utilizado para escrever O Corvo, é válido, senão
inevitável, lermos algumas estrofes deste poema.
The Raven
Once upon a midnight dreary, while I pondered, weak and weary,
Over many a quaint and curious volume of forgotten lore —
While I nodded, nearly napping, suddenly there came a tapping,
As of some one gently rapping, rapping at my chamber door.
“ ’Tis some visiter,” I muttered, “tapping at my chamber door —
Only this and nothing more.”
[…]
Presently my soul grew stronger; hesitating then no longer,
“Sir,” said I, “or Madam, truly your forgiveness I implore ;
But the fact is I was napping, and so gently you came rapping,
And so faintly you came tapping, tapping at my chamber door,
That I scarce was sure I heard you” — here I opened wide the door ; ——
Darkness there and nothing more.
66 …My love, she’s like some raven, at my window with a broken wing. DYLAN, Bob. Love Minus Zero-No Limit 1965.
70 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Deep into that darkness peering, long I stood there wondering, fearing,
Doubting, dreaming dreams no mortals ever dared to dream before;
But the silence was unbroken, and the stillness gave no token,
And the only word there spoken was the whispered word, “Lenore ?”
This I whispered, and an echo murmured back the word, “Lenore !” —
Merely this and nothing more.
[…]
Then this ebony bird beguiling my sad fancy into smiling,
By the grave and stern decorum of the countenance it wore,
“Though thy crest be shorn and shaven, thou,” I said, “art sure no craven,
Ghastly grim and ancient Raven wandering from the Nightly shore —
Tell me what thy lordly name is on the Night’s Plutonian shore !”
Quoth the Raven “Nevermore.”
[…]
“Prophet!” said I, “thing of evil! — prophet still, if bird or devil! —
Whether Tempter sent, or whether tempest tossed thee here ashore,
Desolate yet all undaunted, on this desert land enchanted —
On this home by Horror haunted — tell me truly, I implore —
Is there — is there balm in Gilead ? — tell me — tell me, I implore !”
Quoth the Raven, “Nevermore.”
[…]
And the Raven, never fl itting, still is sitting, still is sitting
On the pallid bust of Pallas just above my chamber door;
And his eyes have all the seeming of a demon’s that is dreaming,
And the lamp-light o’er him streaming throws his shadow on the fl oor;
And my soul from out that shadow that lies fl oating on the fl oor
Shall be lifted — nevermore! 67
Em seu texto The Poetic Principle, procura estabelecer o valor de um poema. Neste ensaio,
Poe declara que o valor do poema se encontra no poder de enlevar o leitor, não podendo, portanto,
se tratar de um poema longo, o que promoveria enfado. Ressalva, porém, poemas longos
como Paradise Lost de Milton e a Ilíada, entre outros, declarando que se tratam de composições
englobando poemas menores e, ao mesmo tempo, alertando para a tendência epigramática de um
poema muito curto. Poe reconhece que, embora o sentimento poético esteja presente na pintura,
escultura, arquitetura, dança, é, contudo, na música que este se desenvolve mais especifi camente,
67 POE, Edgar Allan. The Raven. Disponível: http://www.eapoe.org/works/POEMS/ravenw.htm. Acesso: 01 fev. 07.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 71
pela sua afi nidade com a poesia através do ritmo, métrica e rima. Segundo Poe, é através da Música
que a alma alcança o objetivo inspirado pelo sentimento poético: a criação da Beleza Supra
(Supernal Beauty).
It is in Music perhaps that the soul most nearly attains the great end for which, when inspired by the Poetic
Sentiment, it struggles — the creation of supernal Beauty. It may be, indeed, that here this sublime end is, now
and then, attained in fact. We are often made to feel, with a shivering delight, that from an earthly harp are stricken
notes which cannot have been unfamiliar to the angels. And thus there can be little doubt that in the union of
Poetry with Music in its popular sense, we shall fi nd the widest fi eld for the Poetic development68 .
A Nova Poesia Americana
A poesia americana emerge dissociada da infl uência inglesa através das obras de poetas
como Walt Whitman (1819-92) e Emily Dickinson (1830-86). Ambos os autores são representantes
da recém-surgida poesia americana, que se caracteriza pela métrica livre e a expressão
emocional de Walt Whitman, e a ironia e aforismo de Emily Dickinson, fatores que, por sua vez,
irão marcar a poesia americana do século XX.
Emily Dickinson foi uma profunda observadora da natureza, objeto de sua temática; curiosamente,
seus poemas não tinham título, e foram, em sua maioria, publicados após a sua morte.
There’s a certain Slant of light
There’s a certain Slant of light,
Winter Afternoons –
That oppresses, like the Heft
Of Cathedral Tunes –
(…)
When it comes, the Landscape listens –
Shadows – hold their breath –
When it goes, ‘tis like the Distance
On the look of Death – 69
Walt Whitman foi, provavelmente, o autor que mais exerceu a sua infl uência nos poetas
das gerações posteriores, e sua obra foi considerada como audaciosa. Whitman abandonou as
estruturas métricas herdadas da poesia européia e privilegiou o estilo livre de versos, irregular,
entretanto, ritmado. Seu posicionamento fi losófi co era o de que os Estados Unidos da América
“estava predestinado a reinventar o mundo como emancipador e liberador do espírito humano”;
e afi rmou: Rhymes and rhymers pass away _ ... America justifi es itself, give it time...
O seu mais conhecido poema, Leaves of Grass foi editado em 1855, separados em 52 seções,
uma para cada semana do ano; eis um recorte de Beginners, seção do poema mencionado:
68 POE, Edgar A. The Poetic Principle. http://knowingpoe.thinkport.org/default_fl ash.asp Acesso: 16 mar 06, p. 8.
69 DICKINSON, Emily. http://www.bartleby.com/113/
72 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
HOW they are provided for upon the earth, (appearing at intervals;)
How dear and dreadful they are to the earth;
How they inure to themselves as much as to any—What a paradox appears their age;
How people respond to them, yet know them not;
How there is something relentless in their fate, all times;
How all times mischoose the objects of their adulation and reward,
And how the same inexorable price must still be paid for the same great purchase.70
Este modelo, associado à infl uência da poesia francesa do século XIX, deu origem ao modernismo
americano no século XX, movimento liderado por Ezra Pound (1885-1972) e T.S. Eliot
(1888-1965), tendo como adeptos escritores como Gertrude Stein (1874-1946), e E.E. Cummings
(1894-1962) entre outros. O modernismo é um termo utilizado para designar um movimento
internacional que dominou as artes até aproximadamente 1950, e que tem como característica
principal a rejeição da tradição e uma atitude hostil com relação ao passado. Este movimento,
nos Estados Unidos, deu origem a duas vertentes: o “objetivismo” e o “imagismo”. Na década
de 1930, os poetas modernistas como Louis Zukofsky, Kenneth Rexroth, e outros, adotaram o
termo objectivist para designar um grupo de escritores, muitos dos quais oriundos de comunidades
urbanas de novos imigrantes, que, com o acréscimo de novas expressões e vocábulos contribuíram
signifi cativamente para o enriquecimento da linguagem poética utilizada pelo grupo. A outra
vertente do modernismo era o Imagism, que, baseado nas técnicas da poesia chinesa clássica e
japonesa, enfatizava a clareza de expressão através da utilização de uma imagem visual precisa,
muitas vezes ignorando a rima e a métrica a fi m de, segundo Pound, de “compor numa seqüência
de frases musicais, ao invés de uma seqüência métrica”.71 Citamos, como exemplo, o poema In a
station of the Metro de Ezra Pound:
The apparition of these faces in the crowd;
Petals on a wet, black bough.
T.S.Eliot (1888-1965) foi um dos expoentes do modernismo, como poeta e ensaísta. O
seu ensaio Tradição e Talento Individual esboça a base do conceito de distanciamento que a crítica
literária deve ter em relação a fi gura do autor como sujeito. Eliot escrevia versos diretos e objetivos
e, em 1922, publica o seu mais conhecido poema, The Waste Land. O poema encontra-se
dividido em cinco partes, repletas de alusões, promovendo um efeito de ampla signifi cação com
a utilização de poucas palavras. Citamos, abaixo, um pequeno trecho da primeira parte do poema
mencionado:
I. The Burial of the Dead
April is the cruellest month, breeding
Lilacs out of the dead land, mixing
Memory and desire, stirring
Dull roots with spring rain.
70 WHITMAN, Walt. Beginners In: Leaves of Grass. : http://www.americanpoems.com/poets/waltwhitman/13305
71 SIMON, Sonia. Tradução livre. POUND, Ezra: Compose in the sequence of the musical phrase, not in the sequence of the metronome.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 73
Winter kept us warm, covering
Earth in forgetful snow, feeding
A little life with dried tubers.
Summer surprised us, coming over the Starnbergersee
With a shower of rain; we stopped in the colonnade,
And went on in sunlight, into the Hofgarten,
And drank coffee, and talked for an hour.
Bin gar kine Russin, stamm’ aus Litauen, echt deutsch.
And when we were children, staying at the archduke’s,
My cousin’s, he took me out on a sled,
And I was frightened. He said, Marie,
Marie, hold on tight. And down we went.
In the mountains, there you feel free.
I read, much of the night, and go south in the winter.
Nos primeiros anos da década de 1920 surgiu o New Criticism, conceito criado por poetas
não alinhados a corrente modernista como Robert Penn Warren(1905-1989), Allen Tate(1899-
1979), e Archibald MacLeish(1892-1982). O New Criticism tornou-se a vertente dominante da
critica literária americana e britânica até os anos 60, tendo como características o experimento
de técnicas modernistas combinadas ao modo tradicional de escrita, e, principalmente, a rejeição
da crítica literária baseada em fontes extra-textuais, especialmente as biográfi cas, advogando o
estudo dos textos e o close-reading (leitura imanente).
Portanto, em o New Criticism, o desejo ou intenção do autor não deve ser tomado como padrão
para o julgamento de uma obra literária; o poema não “pertence” ao autor, ao invés disso, o
texto torna-se independente do seu autor desde o seu nascimento, ganhando “vida própria”, sem
que o autor tenha controle ou poder sobre ele. A análise de um determinado texto deve se ater as
palavras do próprio texto e as informações provenientes de outras fontes devem ser descartadas
como irrelevantes, pois desviam o foco do texto em si. Os conceitos chave são a ambigüidade,
fundamental porque aponta para a multiplicidade de signifi cados presentes no texto, e a falácia
intencional (The intentional fallacy), ou a negação da suposta intenção do autor, e sua importância,
ponto que se tornou crítico para as futuras gerações dos adeptos do New Criticism.
Após as grandes guerras mundiais, a poesia americana tende a brotar da experiência real,
concreta, retomando a forma tradicional como em Elizabeth Bishop (1911-1979) e Theodore
Roethke (1908-1963). Outros movimentos surgem como o Confessional Movement, em que abordam
temas íntimos do próprio poeta como doenças, sexualidade, problemas particulares, ou seja,
experiências de vida escritas conscientemente e cuidadosamente trabalhadas. Este movimento
infl uenciou artistas como Sylvia Plath (1932-1963), Anne Sexton (1928-1974), entre outros. Allen
Ginsberg explicou a sua interpretação da Poesia Confessional em um verso do seu poema Howl,
que diz,
[to] stand before you speechless and intelligent and shaking with shame, rejected yet confessing out the soul
74 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
to conform to the rhythm of thought in his naked and endless head.
Nas poesias confessionais embora o “eu” seja autobiográfi co, não se pode esquecer que a
ficção, ou fantasia, faz parte da tessitura do poema; na poesia confessional não é apenas o tema
em si que a caracteriza, mas, principalmente, como este é explorado. Sylvia Plath, pós-modernista
que sofreu infl uência da poesia confessional, expressa as emoções em seus poemas de modo ambíguo
e ambivalente, como podemos verifi car nas primeiras estrofes do poema Daddy, em que a
autora fala de seu próprio pai, alemão, morto quando ela ainda era criança.
Daddy by Sylvia Plath
You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.
Daddy, I have had to kill you
You died before I had time ______
Marble-heavy, a bag full of God,
Ghastly statue with one grey toe
Big as a Frisco seal
(…)
A POESIA BEAT
É no período pós-guerra que surgem os movimentos Beat e Black Mountain que incluiram
figuras renomadas como Allen Ginsberg(1926-1997), Charles Olson(1910-1970), entre outros; a
poesia beat se caracterizou pela utilização de uma linguagem ainda mais simplifi cada e objetiva,
e refl etia a sociedade mais “aberta” e complacente dos anos 1950s e 60s; os poetas do Black
Mountain seguiam os preceitos anunciados por Olson em Projective Verse, cujo modelo de escrita
prescrevia percepções justapostas em uma linguagem experimental - são considerados os herdeiros
dos objetivistas. Representantes de ambas as vertentes estiveram envolvidos no San Francisco
Renaissance, um caldeirão de atividades artísticas experimentais e que contou com a participação
de Charles Bukowski (1920-1994). Destacamos, desta época, os primeiros versos da primeira
parte do poema Howl de Allen Ginsberg,
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 75
HOWL
For Carl Solomon
I saw the best minds of my generation destroyed by
madness, starving hysterical naked,
dragging themselves through the negro streets at dawn
looking for an angry fi x,
angelheaded hipsters burning for the ancient heavenly
connection to the starry dynamo in the machinery
of night,
who poverty and tatters and hollow-eyed and high sat
up smoking in the supernatural darkness of
cold-water fl ats fl oating across the tops of cities
contemplating jazz,
(…)
who wandered around and around at midnight in the
railroad yard wondering where to go, and went,
leaving no broken hearts,
who lounged hungry and lonesome through Houston
seeking jazz or sex or soup, and followed the
brilliant Spaniard to converse about America
and Eternity, a hopeless task, and so took ship
to Africa,
(…)
who let themselves be fucked in the ass by saintly
motorcyclists, and screamed with joy,
who blew and were blown by those human seraphim,
the sailors, caresses of Atlantic and Caribbean
love,
(…)
O poema é longo, e se divide em três partes: a mais conhecida, a primeira parte, é dedicada
à cenas e situações que se reportam à vida pessoal do poeta, incluíndo personagens pertencentes
ao ambiente artístico e político freqüentado por Ginsberg, além de pacientes de instituições psiquiátricas
e dependentes químicos conhecidos pelo artista nos idos de 40s e no inicio dos anos
50. A segunda parte, denominada Moloch, foi escrita sob o efeito de uma substância alucinógena,
76 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
o peyote, que suscitou em Ginsberg a visão de uma fachada monstruosa de um hotel. Essa alucinação
foi nomeada pelo poeta como Moloch, personagem bíblico do livro de Leviticus em honra
de quem os caananitas sacrifi cavam crianças; Moloch também é um personagem demoníaco do
filme Metropole de Fritz Lang, e que Ginsberg reconhecia como infl uencia em Howl. A terceira
parte é diretamente dirigida a Carl Solomon, individuo a quem o poema é dedicado, internado no
mesmo hospital psiquiátrico onde se encontrava a mãe do autor.
O movimento beat infl uenciou toda a cultura produzida nas décadas seguintes, como é possível
verifi car nas músicas compostas por Bob Dylan dos anos 60, como It’s Alright, Ma, Blowin’
in the Wind, Times are changing; e no cinema, como em Sem Destino (Easy Rider) dirigido por Dennis
Hopper.
TENDÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS
Um grande número de tendências tem surgido na poesia americana das últimas décadas,
muitas delas emergentes de movimentos anteriores. Na década de 1970 houve uma retomada de
interesse pelo surrealismo; dos movimentos beat e hippie surgiu a poesia performática, movimento
que abraça o multiculturalismo; a poesia L=A=N=G=U=A=G=E , o mais controverso de todos
os movimentos, que tem como elemento central a linguagem questionando o seu referencial
e a dominância da sentença como a unidade básica da sintaxe, em detrimento do sentido e contexto
- nesta vertente encontra-se um grande número de poetas do sexo feminino e afro-americanos.
Os Novos Formalistas, grupo de poetas associados que propõe um retorno à métrica e
rima tradicionais surge na década de 1980; em Chicago, o slam poetry, formatação de espetáculos
competitivos de poesia performática que enfatiza uma poética de fácil entendimento baseada na
linguagem falada, abordando tópicos polêmicos e atuais.
Dos autores ingleses contemporâneos destacamos Philip Larkin (1922-85) e Simon Armitage
(1963- ) cuja linguagem coloquial é característica da poesia mainstream.
This Be the Verse by P. Larkin, 1990.
They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fi ll you with the faults they had
And add some extra, just for you.
But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats.
Who half the time were soppy-stern
And half at one another’s throats.
Por outro lado, infl uenciada pelos movimentos americanos modernista e beat, o surgimento
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 77
de focos de produção poética alternativa ou non-mainstream em algumas cidades da Inglaterra
durante as décadas de 60 e 70 ocasionou o que Eric Mottram, crítico inglês, denominou de British
Poetry Revival. Esses autores publicam de forma alternativa, não estão inseridos nas resenhas
literárias tradicionais. Citamos trechos do poema Place, Book 1 de Allen Fisher(1944 - ), em que
se pode notar as diferenças em composição no que se refere a rima, construção das estrofes e as
idéias fragmentadas.
the earth spins too slow for us
the day’s come-and-go directs our tiredness
this is new to us
This place
it wasn’t yesterday
but soon we will recall why the land governed us
Poetry, at the best, does us a kind of violence that prose fi ction rarely attempts or accomplishes. The Romantics
understood this as the proper work of poetry: to startle us out of our sleep-of-death into a more capacious sense
of life. There is no better motive for reading and rereading the best of our poetry.(BLOOM, 2000, p.142)
1.Qual o modelo de origem celta que fl oresceu entre os séculos XII e XIV na Inglaterra?
Atividade Complementar
2. Qual era a proposta de Wordsworth expressa em seus prefácios de Lyrical Ballads?
78 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
3.Quais os temas abordados pelo Romantismo norte americano?
4. Qual a principal característica do New Criticism?
5. Quais as principais vertentes literárias do modernismo norte americano?
Sites indicados
Emily Dickinson:
http://www.bartleby.com/113/
Walt Whitman:
http://www.americanpoems.com/poets/waltwhitman/13305
Edgar A. Poe: The Poetic Principle.
http://knowingpoe.thinkport.org/default_fl ash.asp
Transcendentalismo:
http://www.transcendentalists.com/what.htm
William Blake:
http://www.cs.rice.edu/~ssiyer/minstrels/poems/66.html
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 79
Filmes indicados
- No Direction Home (documentário sobre Bob Dylan com depoimentos
de Allen Ginsberg). Direção: Martin Scorcese.
- Sem Destino (Easy Rider). Direção & Produção: Peter Fonda &
Dennis Hopper.
- Sociedade dos Poetas Mortos.
O TEATRO
SHAKESPEARE
O teatro antes de Shakespeare
Entre os séculos X e XI, o teatro começou a ser desenvolvido na Inglaterra. As primeiras
peças traziam temas religiosos, compondo o chamado teatro litúrgico. Neste teatro há dois tipos
de peças, quais sejam, os Ciclos misteriosos (Mystery Cycles), que contavam histórias bíblicas, e as
Peças de milagres (Miracle plays), que falavam sobre a vida de santos.
Estas peças, escritas conforme a língua falada, eram encenadas com o objetivo de doutrinar
a população, que geralmente não conseguia entender os ensinamentos transmitidos pela Bíblia ou
mesmo pelas missas, já que eram escritas e proferidas, respectivamente, em latim. O objetivo da
encenação destas peças era transmitir ensinamentos religiosos conforme a Bíblia e o Catolicismo,
religião que ainda predominava nesta época.
A partir do reinado de Henry VIII, estas peças foram banidas, pois começa o processo de
instauração do Protestantismo. O rompimento com a Igreja Católica ocorreu quando este rei teve
o seu pedido de separação de Katharine of Aragon negado pelo Papa, levando-o a voltar-se para
a fi xação da Igreja Anglicana.
Salientamos que a preocupação do rei Henry VIII em banir as peças teatrais religiosas denota
o poder que o teatro exercia para fortalecer os ideais da Igreja Católica. Este fato demonstra
que a literatura sempre é perpassada por questões ideológicas que exercem infl uência sobre as
pessoas, podendo ser usadas, muitas vezes, como forma de dominação, ou, como mostraram os
românticos, enquanto instrumento de revolta contra uma ordem vigente.
A Reforma e o Teatro
A expansão da Igreja Protestante, no século XVI, como uma reação aos dogmas da Igreja
80 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Católica, fi cou conhecida como Reforma (Reformation). Podemos afi rmar que esta “reforma” estendeu-
se também à forma de produzir teatro e à sua fi nalidade. Pois, para o rei Henry VIII, as
peças apresentavam-se como uma boa estratégia para divertir e impressionar a corte e reis visitantes.
Assim, o teatro que antes era voltado para o doutrinamento religioso passou a se destinar
à diversão e foi denominado Secular Drama.
Formaram-se, nesta era, companhias de atores, como The Admiral’s Man e The Lord
Chamberlain’s Man, mantidas por nobres, sob o incentivo da fi lha de Henry VIII, Elizabeth I. A
encenação das peças era inicialmente feita em estalagens fechadas, mas logo teatros começaram
a ser erguidos em Londres, a exemplo de The Theater, em 1576. A estrutura dos teatros tinha
um modelo circular e era em sua maior parte descoberta. Foi neste contexto que surgiu um dos
maiores dramaturgos do mundo e, certamente, um dos mais conhecidos no universo das literaturas
anglófonas, William Shakespeare.
A era Elizabetana (1485-1625)
A chamada Era Elizabetana abrange o período de 1485 a 1625, quando a Inglaterra e a Irlanda
estiveram sob a predominância da Dinastia de Tudor, iniciada com o rei Henry VII (1485-
1509), sucedido por Henry VIII (1509-1547) e seus fi lhos Edward VI (1547-1553), Mary (1553-
1558) e Elizabeth I (1558-1603). Apesar de ser assim denominado, o reinado da Rainha Elizabeth
ocorreu apenas entre 1558 e 1603. Ressaltamos que este período fi cou conhecido como Era
Elizabetana por ter sido o reinado da Rainha Elizabeth o mais longo, mas, sobretudo, por ter
sido caracterizado como uma fase de mudanças políticas, religiosas – foi nesta época que houve
a consolidação do Protestantismo –, econômicas e culturais. Além disso, devemos considerar o
pulso fi rme da rainha que enfrentou com bravura diversos perigos que ameaçavam a Inglaterra,
a exemplo da batalha bem sucedida travada com Felipe II, o rei da Espanha, que era ressentido
pelas conquistas marítimas inglesas e, como rei de um país católico, pela expansão do Protestantismo.
Há uma célebre frase proferida pela Rainha diante da Armada da Espanha, que revela um
forte sentimento de patriotismo que perpassou a sua era:
I know I have the body of a weak and feeble woman, but I have the heart and stomach of a King, and
of a King of England, too, and think foul scorn that Parma or Spain or any Prince of Europe should dare to
invade the borders of my realm.
As mencionadas conquistas marítimas levaram este período a ser também chamado de a
Era do mar (Age of the Sea), em virtude da expansão no Velho e Novo Mundo. Em virtude das
conquistas, a Inglaterra passou de uma nação de economia de base agrária para uma grande nação
comercial. A classe média, que começou a despontar na época de Chaucer, tornou-se rica e
passou a disputar, ao invés de riquezas territoriais, uma posição política.
O Renascimento
O período de ascensão da burguesia, o patriotismo e uma outra alternativa de religião levaram
a sociedade elizabetana à concepção de que o homem devia ser o centro de tudo. Um ideal
que encontra ressonâncias no Renascimento (Renaissance), que consistiu, como o próprio nome
indica, na revisitação, ou seja, no renascimento da cultura grega e romana.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 81
William Shakespeare (1564-1616)
Ele não era de uma época, mas de todos os tempos.
Ben Jonson.
William Shakespeare (1564-1616) é considerado o supremo dramaturgo de todos os tempos,
tendo sido também poeta. As principais obras de Shakespeare e o respectivo ano estimado
de produção se encontram no quadro abaixo:
William Shakespeare
Título Ano
Péricles, príncipe de Tiro 1590
Henrique VI (1, 2, e 3ª partes) 1590-1
A comédia dos erros 1592
Trabalhos de amor perdidos 1592
O rei Ricardo II 1593
A tragédia do rei Ricardo III 1593
A Megera Domada 1596
A tragédia de Romeu e Julieta 1596
O Mercador de Veneza 1597
O Rei Henrique IV (1 e 2ª parte) 1597-8
A vida e a morte do rei João 1598
A vida do rei Henrique V 1599
Muito ruído por nada 1600
82 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Hamlet, príncipe da Dinamarca 1600
As alegres comadres de Windsor 1601
Troilo e Créssida 1602
O Rei Henrique VIII 1603
Medida por medida 1603
Otelo, o mouro de Veneza 1604
O Rei Lear 1605
A Tragédia de Macbeth 1606
Júlio César 1607
Antônio e Cleópatra 1608
Coriolano 1610
Timão de Atenas 1610
A Tempestade 1612
Suas peças foram categorizadas por conteúdo: história, tragédia e comédia. As peças históricas
contemplam períodos importantes da História da Inglaterra como O rei Ricardo II e O rei
Henrique IV; outras têm como tema histórias clássicas como Troilo e Créssida e Antonio e Cleópatra.
Dentre as tragédias destacamos Otelo, Hamlet, Rei Lear, Romeu e Julieta entre outras, e entre as comédias,
A Megera Domada, A Comédia dos Erros, etc.
Os hábitos das personagens e locais da ação dão indicações a respeito do gênero dramático;
assim é que as histórias e as tragédias acontecem nos campos de batalha, castelos, e aposentos
reais, enquanto que nas comédias presenciamos os jogos de palavra (trocadilhos) e a comicidade
exagerada.
A obra de Shakespeare tem como característica a representação da complexidade do ser
humano em diversas situações, o que, possivelmente, explica a capacidade de diálogo com as
diferentes gerações, ou a sua eterna contemporaneidade. Segundo Northrop Frye, as peças de
Shakespeare não devem ser analisadas unicamente sob o ponto de vista histórico sob o risco de se
ignorar a contemporaneidade dos personagens e das situações; por outro lado, não se considerar
o aspecto histórico seria deixar de observar a complexidade da realidade social e histórica que
deu origem a um texto de valor universal. Isto equivale a dizer que não podemos deixar de ter
em mente o período histórico em que viveu Shakespeare, mas é preciso observar a apresentação
de questões universais e sentimentos humanos, como o ciúme, a inveja, o ódio, a ambição, que
tornaram o seu teatro universal. Algumas de suas personagens podem ser consideradas verdadeiras
metáforas dos sentimentos mencionados, a exemplo do ciúme que, na literatura, não raro é
associado a Otelo, como atesta o texto de Machado de Assis, Dom Casmurro. Do mesmo modo, os
questionamentos que levam o homem a dúvidas existenciais são comumente remetidos à célebre
frase do príncipe Hamlet: “Ser ou não ser, eis a questão.” No que pese as questões históricas, é
válido mencionarmos que peças como O rei Ricardo II, Henrique IV, entre outras, não falam sobre
estes reis, mas, também, trazem informações sobre a sua época, como demonstra o trecho abaixo
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 83
destacado, da peça Henry V, na qual o dramaturgo faz menção à expansão marítima na Inglaterra,
já abordada por nós.
Thus with imagined wing our swift scene fl ies
In motion of no less celerity
Than that of thought. Suppose that you have seen
The well-appointed king at Hampton pier
Embark his royalty; and his brave fl eet
With silken streamers the young Phoebus fanning:
Play with your fancies, and in them behold
Upon the hempen tackle ship-boys climbing;
Hear the shrill whistle which doth order give
To sounds confused; behold the threaden sails,
Borne with the invisible and creeping wind,
Draw the huge bottoms through the furrow’d sea,
Breasting the lofty surge: O, do but think
You stand upon the ravage and behold
A city on the inconstant billows dancing;
For so appears this fl eet majestical,
Holding due course to Harfl eur. Follow, follow:
Grapple your minds to sternage of this navy,
And leave your England, as dead midnight still,
Guarded with grandsires, babies and old women,
Either past or not arrived to pith and puissance;72
Shakespeare e o Teatro
De acordo com Frye, no capítulo introdutório do livro Sobre Shakespeare, é preciso deixar
claro que Shakespeare não usou o teatro para nada: compreendeu suas condições como eram e as aceitou totalmente73
, e afi rma que não existe nada que o dramaturgo “queira dizer” em suas peças, a não ser
promover diversão para a platéia que freqüentava os teatros da época. Não obstante a suposição
que as peças tenham sido escritas para uma classe razoavelmente instruída e que fi nanciava o teatro,
a platéia, de fato, se constituía de um público misto, em que não faltavam os groundlings, ou
pessoas possivelmente analfabetas que pagavam um penny74 para assistir a peça de pé em frente ao
palco; para estes, possivelmente, parte da linguagem utilizada lhes parecia inócua. Sabe-se também
que algumas peças eram representadas para um público restrito, em solenidades palacianas
72 SHAKESPEARE, William. Henry V. Disponível: http://www-tech.mit.edu/Shakespeare/henryv/henryv.3.0.html. Acesso: 02 fev. 07.
73 FRYE, Northrop. Sobre Shakespeare. São Paulo: Edusp, 1999. p. 14.
74 Moeda de valor mínimo na época.
84 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
e/ou em teatros mais íntimos como o Blackfriars Theatre.
Shakespeare era um homem de teatro: ator, dramaturgo, e empresário do ramo teatral,
participou da inauguração dos teatros The Globe e Blackfriars Theatre. De fato, as primeiras tragédias
shakespeareanas foram encenadas no The Globe, teatro que foi construído pela companhia
Chamberlain’s Men da qual Shakespeare era sócio minoritário. Em 1593 uma epidemia assolou a
cidade de Londres e fez com que os teatros fossem fechados a fi m de evitar o seu alastramento.
Entretanto, em 1594, os teatros foram reabertos e as peças de Shakespeare continuaram a ser
encenadas e a atrair o público.
O Teatro
O Globe, localizado no distrito de Southwark, nos arredores de Londres, comportava entre
dois a três mil espectadores e os espetáculos aconteciam durante o dia, uma vez que os recursos
de iluminação eram inexistentes no período, bem os de acústica, o que fazia com que os atores
tivessem que literalmente gritar suas falas e exagerar no gestual a fi m de que a platéia pudesse
escutá-los e entendê-los. Não usavam cenários como pano de fundo, embora os fi gurinos fossem
caprichados; além disso, as mudanças de cena eram indicadas de forma implícita através
dos diálogos e narrativas. O efeito “operístico” se fazia presente através da música que incluía
toques de trombetas nas indicações de cena e canções de fundo, embora o espetáculo dependesse
principalmente da palavra. Os preços dos ingressos variavam conforme o local e os menos privilegiados
pagavam ingressos de one-penny (um centavo) e/ou two-penny (dois centavos), embora
fossem os espectadores de melhor posição social que efetivamente mantivessem o teatro e seus
produtores/escritores.
O Globe sobreviveu a um incêndio em 1613, e foi reconstruído no ano seguinte; foi fechado
em 1642 pelo regime puritano e, fi nalmente, foi destruído dois anos depois para a construção
de casas populares em seu terreno. Posteriormente, em 1660, outros teatros foram abertos e as
encenações das peças de Shakespeare tiveram suas montagens quebradas e os fi nais alterados; há
aproximadamente um século teve início um processo de reconstrução das tradições e montagens
teatrais da obra de Shakespeare. Algumas peças foram publicadas durante a vida de Shakespeare
The Globe Theatre
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 85
no formato in-quarto.75
As personagens de Shakespeare fazem parte do universo humano: reis, rainhas, príncipes,
ministros, bufões, mulheres do povo, soldados, comerciantes, retratados nas mais variadas situações
existenciais e em diversos lugares do mundo como na Dinamarca, na Itália, e em tantos
outros lugares. Muitos deles se tornaram imortais como Romeu, Julieta, Otelo, Hamlet, Lear e
Lady Macbeth, por terem sido singularizados e apresentados em uma perspectiva multidimensional.
Ao mesmo tempo, os enredos de suas peças contemplam as diversas nuanças da vida: dor,
riso, alegria, tristeza.
A Tragédia
A Tragédia em Shakespeare retém as características da concepção grega no que tange a
“imitação de ações sérias praticadas por indivíduos de uma classe elevada”76 ; além disso, o indivíduo,
não contando com o auxílio de deuses nem de forças sobrenaturais para superar difi culdades,
está diante de uma situação sobre a qual não tem domínio. Entretanto, a inclusão de bufões e
de personagens de outras classes sociais aponta para algum tipo de subversão nas peças clássicas.
As peças encontram-se escritas em versos e contêm dois níveis de signifi cação: uma evidente e
uma subjacente, denominadas como “nível explícito” e “nível implícito” e que se apresentam
através de metáforas e imagens utilizadas, ou ainda, por acontecimentos ou discursos.
No que pese o fato de cada tragédia se reportar a um sentimento específi co: em Hamlet,
a vingança; em Rei Lear, a ingratidão; em Otelo, o ciúme; em Ricardo III, a vilania; e em Romeu e
Julieta, o amor; nunca há alguma coisa externa às suas peças que ele queira “dizer” ou sobre a qual queira
falar dentro das peças.77 O interesse de Shakespeare era divertir a sua platéia, e de fato, não temos
registro sobre as suas posições políticas ou religiosas – nem se as tinha, embora saibamos, de fato,
da existência de uma censura vigilante na época e que impediria qualquer referência à política
daquele período.
75 As peças eram publicadas em dois formatos: in-quarto quando as folhas dos textos eram dobradas em quatro; folio quando as folhas eram dobradas em
duas; ambas as formas eram vendidas por aproximadamente meio xelim.
76 SIMON, Sonia. In: Introdução aos Estudos Literários. FTC EAD. 2005, p. 25.
77 FRYE, Northrop. Op. cit. Loc. Cit.
Hamlet
86 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
A Comédia
As comédias em Shakespeare
As comédias inglesas têm raízes nos festivais populares que obedeciam a um calendário agrícola
e festejavam a fertilidade promovendo ritos comunais que remetiam aos antigos costumes
pagãos. Tais atividades eram caracterizadas por dança e música, e sub-repticiamente parodiavam
as autoridades; essas práticas desenvolveram-se e tornaram-se enredos de comédias clássicas.
Nas comédias de Shakespeare, os enredos contemplam atividades amorosas, atividades de
corte entre homens e mulheres e negam a idéia de morte; a mágica muitas vezes se encontra
presente nessas peças, e ajudam a recriar a realidade como a personagem de Oberon em Sonhos de
Uma Noite de Verão. Suas comédias são anárquicas e zombam da hierarquia, colocando mulheres
e servos em posições de comando, transgredindo os códigos sociais da época. As personagens
da comédia não sucumbem à morte ou à desgraça, e mobilizam-se em direção ao casamento e
procriação, triunfando sobre o trágico.
Entre outros dramaturgos da época, destacamos Ben Jonson (1572-1637), Christopher
Marlowe (1564-1593) e John Fletcher (1579-1625).
OSCAR WILDE & BERNARD SHAW
O teatro do século XVII
O grupo radical religioso no Parlamento que costumava se opor ao rei da Inglaterra, James
I, eram os puritanos. Seguidores das idéias de João Calvino, eles queriam “purifi car” a Igreja Anglicana
dos fortes elementos católicos presentes em sua estrutura. James, por sua vez, dedicou seu
reinado a fazer com que os puritanos se convertessem ao anglicanismo. Em 1620, a perseguição
de James I aos puritanos levou um grupo deles a embarcar no navio Mayfl ower e partir para a
América. Nos próximos vinte anos, mais de vinte mil puritanos partiram para o Novo Mundo.
James I morreu em 1625, passando a coroa para o seu fi lho Carlos I e com ele a relação do
rei com o Parlamento desandou de vez. Carlos I continuou a perseguição religiosa iniciada por
seu pai e invocava o seu “direito divino” para justifi car as suas ações arbitrárias. Em 1642, o Parlamento
decidiu recusar a liberação de fundos para o rei. Em represália, Carlos I mandou prender
cinco parlamentares e uma Guerra Civil foi declarada, dividindo a Inglaterra entre as tropas reais,
os cavaliers, e as do Parlamento, os roundheads (assim chamados porque usavam cabelos bem curtos,
representando a austeridade e resolução puritana). O rei foi morto e Oliver Cromwell, militar
puritano responsável pela vitória do Parlamento, fechou a Igreja Anglicana e assumiu a responsabilidade
de liderar a nação, iniciando uma verdadeira ditadura religiosa. Cromwell dissolveu o
Parlamento e passou a ser o “lorde protetor” da República, que durou onze anos, de 1649 a 1660,
quando a Monarquia foi restaurada.
Durante o governo de Cromwell, a Inglaterra prosperou economicamente, mas no plano
social foi um pesadelo para o povo. Seguindo o mesmo estlo de Calvino em Genebra, Cromwell
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 87
fechou teatros, casas de jogos e outros locais que desviassem a atenção do povo da Igreja. Além
disso, sancionou diversas leis para assegurar a austeridade da sociedade. Nesse sentido, xingamentos
eram punidos com multas; esportes, roupas ornamentadas, festividades natalinas eram
proibidos. Durante o seu governo, muitos cavaliers emigraram para o Novo Mundo, assim como
haviam feito os puritanos trinta anos antes.
Com a morte de Cromwell em 1658, o exército e o povo já estavam cansados de viver sob
o puritanismo e convidaram o fi lho de Charles I para assumir a coroa. Depois desse episódio,
a Inglaterra nunca mais voltou a ser uma República. Restauração é o nome que se dá à volta da
monarquia na Inglaterra.
Nos anos da década de 1660, período em que ocorreu a Restauração da monarquia inglesa
com Carlos II, a literatura inglesa, que outrora se voltava para o coração, teve que se voltar para
a razão, como meio de distanciar o povo do desequilíbrio suscitado por convicções intensas, que
inspiraram a Guerra Civil, resultante do confl ito entre um segmento da população que constituiu
riqueza através da terra, era conservador e apoiava o rei, e um outro segmento formado pela burguesia
ávida por participar da vida política do país.
Os anos da Restauração foram marcados por três grandes acontecimentos: a formação de
dois partidos políticos da Inglaterra: os Tories e os Whigs, a grande peste e o grande incêndio de
Londres.
Algumas conseqüências da Restauração sobre o teatro
Em 1642, os puritanos fecharam os teatros e, assim, uma forte tradição que vinha se consolidando
teve que ser esquecida. Algumas modifi cações ocorreram, distanciando o teatro do período
da Restauração daquele produzido na era elizabetana. Entre estas, mencionamos a estrutura
dos teatros, que se tornaram maiores, e o afastamento da platéia. Dois outros aspectos importantes
foram o investimento, por parte dos diretores, para causar efeitos mais elaborados no palco, e
a encenação de mulheres, pois no teatro elizabetano havia apenas espaço para os homens.
Entre os dramaturgos mais importantes deste período, destacam-se John Vanbrigh (1664-
1726), William Congreve (1670-1729), Oliver Goldsmith (1730-1774), Richard Brinsley Sheridan
(1751-1816) e Henry Fielding (1707-1754).
No período da Restauração até a Regulamentação do Teatro (1843), era permitido o funcionamento
de apenas três teatros, quais sejam, Drury Lane, o Convent Garden e o Haymarket.
A permissão a apenas estes poucos teatros fez com que as representações neles encenadas não
passassem muitas vezes de um drama inexpressivo, já que as salas cheias não permitiam que as
vozes dos atores fossem ouvidas e muitas vezes era impossível até mesmo ver os atores. Por este
motivo, muitos teatros não-autorizados passaram a funcionar em Londres e os dramas mais encenados
eram os chamados melodramas, que se caracterizam pelo senso de desmedida (exagero)
e pelo “humor baixo”.
Oscar Wilde
Durante o período do renascimento do drama inglês, uma fi gura importante surge, Oscar
Wilde (1854-1900), um autor irlandês que escreveu prosa, verso e peças teatrais, e foi, sobretudo,
88 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
um crítico contumaz dos costumes da sua época. A relação intrínseca entre sua vida e obra revela
uma aguda e divertida consciência de seu papel em ambas. A subversão, presente nos aforismos
e no humor irônico e paradoxal de suas peças, vai além da simples rejeição aos valores de sua
época sobre a vida e a arte em nome da estética, mas, sobretudo, provocam, de forma desafi adora,
uma resposta a tudo que é diferente. Wilde questionou as instituições, a moral, e os clichês
sociais, divertindo-se com sua atitude iconoclasta. São traços do teatro de Wilde a espirituosidade,
o simbolismo e a fantasia.
Escreveu os diálogos inspirados em Platão como The Decay of the Lying (1889), The Critic as
Artist (1890); o ensaio The Soul of Man under Socialism (1891); e o seu mais conhecido romance The
Picture of Dorian Grey (1890); além disso, se destacou como dramaturgo pelas peças Vera: or the
Nihilist (1888), The Duchess of Parma (1883), A Florentine Tragedy (iniciada em 1894 e fi nalizada em
1897), e a sua mais controvertida peça, Salomé (1894). Inspirada pela história bíblica, no poema
Herodiade, do poeta simbolista Mallarmé e pelo texto de Flaubert, Herodias, esta peça foi escrita
em francês, e posteriormente traduzida para o inglês por Lord Alfred Douglas, amante de Oscar
Wilde. A peça teve a sua encenação proibida na Inglaterra por seu conteúdo considerado imoral,
abrangendo justaposições de repulsa e desejo sexual, morte e orgasmo, até 1931 quando foi, fi -
nalmente, liberada. Leiamos um trecho desta instigante peça para adentrar um pouco no universo
ficcional de Oscar Wilde:
[SCENE -- A great terrace in the Palace of Herod, set above the banqueting-
hall. Some soldiers are leaning over the balcony. To the right there
is a gigantic staircase, to the left, at the back, an old cistern surrounded
by a wall of green bronze. The moon is shining very brightly. ]
THE YOUNG SYRIAN
How beautiful is the Princess Salome to-night!
THE PAGE OF HERODIAS
Look at the moon. How strange the moon seems! She is like a
woman rising from a tomb. She is like a dead woman. One might fancy
she was looking for dead things.
THE YOUNG SYRIAN
She has a strange look. She is like a little princess who wears a yellow veil, and whose feet are of silver.
She is like a princess who has little white doves for feet. One might fancy she was dancing.
THE PAGE OF HERODIAS
She is like a woman who is dead. She moves very slowly.
[Noise in the banqueting-hall.]
Salomé
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 89
FIRST SOLDIER
What an uproar! Who are those wild beasts howling?
SECOND SOLDIER
The Jews. They are always like that. They are disputing about their religion.
FIRST SOLDIER
Why do they dispute about their religion?
SECOND SOLDIER
I cannot tell. They are always doing it. The Pharisees, for instance, say that there are angels, and the
Sadducees declare that angels do not exist.
FIRST SOLDIER
I think it is ridiculous to dispute about such things.
THE YOUNG SYRIAN
How beautiful is the Princess Salome to-night!
THE PAGE OF HERODIAS
You are always looking at her. You look at her too much. It is dangerous to look at people in such
fashion. Something terrible may happen.
THE YOUNG SYRIAN
She is very beautiful to-night.
FIRST SOLDIER
The Tetrarch has a sombre aspect.
SECOND SOLDIER
Yes; he has a sombre aspect.
FIRST SOLDIER
He is looking at something.
90 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
SECOND SOLDIER
He is looking at some one.
FIRST SOLDIER
At whom is he looking?
SECOND SOLDIER
I cannot tell.
THE YOUNG SYRIAN
How pale the Princess is! Never have I seen her so pale. She is like the shadow of a white rose in a
mirror of silver.78
Oscar Wilde também escreveu comédias de sucesso, como The Importance of Being Earnest
(1895), mas seu grande sucesso foi Lady Windermere’s Fan: A Play about a Good Woman (1892). Outras
peças de Wilde são: A Woman of No Importance (1893), An Ideal Husband (1895).
Oscar Wilde foi preso por práticas homossexuais em 1895, o que acarretou a rejeição de
suas obras teatrais, cuja característica principal residia na captura de um humor fl uido e intenso,
e no desafi o das pretensões - exceto a de ser apenas peças de teatro.
A contribuição de Henrik Ibsen para o teatro social
De origem norueguesa, podemos apontar Henrik Ibsen (1828-1906) como o fundador do
teatro realista ou “dramas de problematização social”79 . Seu interesse esteve voltado para questões
domésticas e sociais, concernentes tanto à Escandinávia quanto à Inglaterra. Algumas das
características do seu teatro são a crítica à sociedade e a confi guração de cenários e personagens
comuns. Uma de suas obras mais conhecidas é Casa de Bonecas, na qual Ibsen tematiza o fracasso
de um casamento.
Ressaltamos que Ibsen resistiu durante um certo tempo a perfazer uma poética realista,
pois temia que seu teatro se tornasse superfi cial. Na verdade, o que observamos no projeto deste
dramaturgo é o intuito de apresentar poeticamente um quadro verossímil de dramas sociais e não
raro apresentando um mergulho psicológico em suas personagens.
Teatro realista irlandês
Bernard Shaw
78 WILDE, Oscar. Salome: a tragedy in one act. Disponível: http://etext.virginia.edu/etcbin/toccer-salome?id=WilSalo&images=images/odeng&data=/
web/data/subjects/salome&tag=public&part=1&division=div1. Acesso: 02 fev. 07.
79 IBSEN, Henrik. Disponível: http://www.noruega.org.br/ibsen/realism/realism.htm. Acesso: 02 fev. 07.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 91
Nascido em Dublin, George Bernard Shaw (1856-1950) foi escritor, jornalista e dramaturgo.
Suas primeiras incursões no mundo das letras datam da sua atuação como crítico de teatro no
Saturday Review. Em 1925, ganhou o prêmio Nobel de Literatura, que foi por ele recusado.
Shaw foi contemporâneo e patrício de Oscar Wilde, e se caracterizou por buscar material
para suas peças na tradição, se notabilizando pelo seu talento para comédia. Foi infl uenciado por
Henrik Ibsen, a quem reputava a conscientização do papel da mulher na vida do homem e, ao
lado desse, se inseriu no teatro realista.
Para entender um pouco mais sobre o teatro de Shaw é pertinente mencionar algumas características
do teatro realista:
- Os autores se propunham a se aproximar ao máximo do “real”;
- As cenas retratam situações cotidianas relacionadas à vida burguesa;
- Os cenários reproduzem cômodos comuns para garantir uma atmosfera de verossimilhança,
levando o público a imaginá-la menos como uma representação do que como uma apresentação
da realidade.
Entre as produções dramáticas de Shaw, destacamos a peça Pigmalião, fi lmada sob o título
de My Fair Lady. Esta peça é baseada na história de Galatea da mitologia grega, e aborda o tema
da criatura e o criador, focalizando a variedade dialetal como indicador de classe social na Grã
Bretanha.
Pygmalion conta a história de uma fl orista cujo desejo de ascensão social é despertado por
um professor de fonética que encontra enquanto vende as suas fl ores. Este professor, Henry
Higgins, estava discretamente fazendo uma transcrição fonética dos sons pronunciados por Eliza
Doolittle, a fl orista, quando foi surpreendido. Após, inútil e arrogantemente, se justifi car, afi rma
que poderia transformá-la em uma dama em três meses. Eis o trecho em que o afi rma:
THE NOTE TAKER. [Professor Higgins] You see this creature with her kerbstone English: the English
that will keep her in the gutter to the end of her days. Well, sir, in three months I could pass that girl off
as a duchess at an ambassador’s garden party. I could even get her a place as lady’s maid or shop assistant, which
requires better English. That’s the sort of thing I do for commercial millionaires. And on the profi ts of it I do
genuine scientifi c work in phonetics, and a little as a poet on Miltonic lines.80
Esta peça suscita algumas instigantes discussões sobre o papel da educação como elemento
promotor de aceitação social. Neste sentido, a linguagem é vista na peça como um importante
fator que distingue as pessoas conforme a sua formação. Shaw se mostrou interessado, como
demonstra esta peça, em assuntos lingüísticos, e, de fato, iniciou, com recursos próprios, a pesquisa
e criação de um alfabeto fonético para a língua inglesa. Entretanto, no fi nal da sua vida os
recursos haviam se tornado escassos e o projeto teve que ser adiado até que, após a sua morte,
os royalties recebidos pela adaptação de Pigmaleão para o musical My Fair Lady possibilitou a retomada
do projeto. O alfabeto chama-se Shavian Alphabet. Provavelmente a confi guração de sua
personagem, Henry Higgins, o professor de fonética da peça Pygmalion seja uma projeção deste
seu interesse.
Outras peças deste autor são Saint Joan (1923), Plays Pleasant and Unpleasant (1898) e Man and
Superman (1905), entre outras.
Entre outros dramaturgos irlandeses que se inserem na linhagem de autores realistas estão
80 SHAW, Bernard. Pygmalion. Disponível: http://drama.eserver.org/plays/modern/pygmalion/default.html. Acesso: 02 fev. 07.
92 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
John Millington Synge (1871-1909) e Sean O’Casey (1884 -1964).
No tocante a Synge, ressaltamos um importante tema que perpassa a sua obra: a necessidade
de confi gurar uma identidade nacional. As suas peças têm como cenário a zona rural irlandesa
e seu realismo é impresso nas falas de seus personagens, que reproduzem o modo de falar dos
camponeses. Riders to the sea, que tem como tema a história de uma mãe que perdeu seus fi lhos
mortos no mar, fi gura como uma peça importante na literatura irlandesa. É relevante ler um trecho
desta expressiva peça das letras irlandesas:
CATHLEEN. How would they be Michael’s, Nora. How would he go the length of that way to the far
north?
NORA. The young priest says he’s known the like of it. “If it’s Michael’s they are,” says he, “you can tell
herself he’s got a clean burial by the grace of God, and if they’re not his, let no one say a word about them, for
she’ll be getting her death,” says he, “with crying and lamenting.” 81
Enquanto Synge se voltou para a zona rural, as peças de Sean O’Casey, tinham como cenários
os cortiços de Dublin. Duas peças signifi cativas deste autor são A sombra de um pistoleiro e O
arado e as estrelas.
O TEATRO NORTE AMERICANO
Tenessee Williams
Tenessee Williams (1911-1983) foi um dos maiores dramaturgos americanos. Dentre seus
temas, destacamos a passagem do tempo e o acúmulo de perdas, a luta na preservação de valores,
a ambigüidade da moral, a busca por alívio diante da angústia de viver, o medo da morte e o
desejo de viver. Seu método consistia em diálogos objetivos, confi ssões, uso de símbolos, nomes
signifi cativos e a utilização de música na ênfase de determinada atmosfera. Entre as suas peças
mais conhecidas temos A Streetcar named Desire (Um bonde chamado desejo), transformado em linguagem
cinematográfi ca, The Glass Menagerie, Cat on a Hot Tin Roof (Gata em Teto de Zinco Quente), A
noite do Iguana, entre outras.
Um Bonde Chamado Desejo contém elementos da tragédia e pathos; entre os temas apresentados
destacam-se a queda da aristocracia sulista, representado pela ruína de Blanche, protagonista
da peça, e o desejo descontrolado metaforizado pelas trevas ou escuridão. No início da peça,
Blanche toma um bonde chamado “Desejo”, para em seguida embarcar em um bonde intitulado
“Cemitério” e fi nalmente desce na rua chamada “Campos Elíseos”. Analisando esses elementos
de forma simbólica, podemos insinuar que os símbolos do desejo sexual conduzem às trevas,
metaforizada pelo cemitério, e a sua chegada ao plano depois da morte, ou Campos Elíseos. A
linguagem utilizada contrasta os bons modos e a boa educação de Blanche com a rudeza de Stan,
marido da sua irmã, Belle. Leiamos um trecho da peça para mergulhar um pouco no universo de
81 SYNGE, John Millington Synge. Riders to the sea. Disponível: http://mockingbird.creighton.edu/english/micsun/irishresources/riders.htm . Acesso:
02 fev. 07.
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 93
Tenessee Williams.
After Stanley returns to the kitchen, Blanche tells him that Huntleigh respects
her and that she, as an intelligent and cultivated woman, has much to offer
him. Then she insults Stanley, saying, “I have been foolish–casting my pearls before
swine. . . . I’m thinking not only of you but of your friend, Mr. Mitchell [who]
came back [and] implored my forgiveness.” But, she says, she bid farewell to him.
Stanley asks, “Was this before or after the telegram came from the Texas
oil millionaire?”
“Whattelegram?”
Her response gives her away. Stanley says was she lying not only about the
Caribbean cruise but also about Mitch’s return visit because “I know where he is.”
Then he says, “Take a look at yourself in that worn-out Mardi Gras outfi t, rented for fi fty cents from some ragpicker.
And with that crazy crown on! What queen do you think you are?” He answers his own question, saying,
“The queen of the Nile! Sitting on your throne and swilling down my liquor!”
Stanley reenters the bedroom and goes into the bathroom. Frightened, Blanche picks up the phone receiver
and requests the number of “Shep Huntleigh of Dallas,” who she says is so well known that she need not provide
the operator an address. Moments later, she cancels the call and asks for Western Union to send a message that she
is in “desperate circumstances.” Stanley emerges from the bathroom in his pajamas. He leers at her. She smashes
the top of a bottle and threatens him with the jagged edge. He subdues and rapes her.82
Arthur Miller
Enquanto as peças de Tenessee Wiliams se distinguem pelo forte conteúdo emocional, as
peças de autoria de Arthur Miller (1915-2005) contemplam temas éticos, abordando a disputa
entre o bem e o mal; o mito americano do sucesso; a desumanidade da sociedade moderna; e a
responsabilidade individual. Sua mais conhecida peça, Death of a Salesman lhe rendeu o prêmio
Pulitzer de 1949, e consiste numa crítica ao sonho americano de sucesso. Nesta peça, um caixeiro
viajante, Willy Loman, acredita que alcançará o sucesso e transmite este sonho aos seus dois
filhos. Entretanto, nenhum deles consegue realizar o sonho de grandeza. Willy não cabe no papel
tradicional do herói trágico pelo fato de não perceber a sua própria tragédia e carecer de nobreza
e magnanimidade peculiar ao herói trágico; traços que o caracterizam como um anti-herói.
Esta peça pode ser lida como uma crítica ao chamado “sonho americano” (American dream),
porque, ao longo de sua vida, o protagonista, a exemplo de muitos norte-americanos e estrangeiros
fascinados pelo sonho de constituir riqueza, se deixou iludir pelas promessas fáceis deste
sonho, esquecendo de perceber a realidade. É este tipo de ilusão que acomete Willy, levando-o a
viver num passado ora carregado pela certeza de que tudo poderia ter sido melhor, ora permeado
de lembranças positivas das pessoas; ou, ainda, a projetar um futuro melhor, no qual depositava
grandes sonhos, negligenciando, desse modo, o presente, a sua realidade, como ilustra o trecho
a seguir:
82 WILLIAMS. Tenesse. Trecho da peça A Streetcar Named Desire
Um Bonde Chamado Desejo
94 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
America is full of beautiful towns and fi ne, upstanding people. And they know me, boys…the fi nest
people…there’ll be open sesame for all of us, ‘cause one thing boys: I have friends. I can park my car in any street…
and the cops protect it like their own.
Arthur Miller também foi autor de um ensaio sobre as tragédias clássicas, intitulado Tragedy and The
Common Man.
Eugene O’Neill
Eugene O’Neill (1888-1953) foi o pioneiro na adoção do realismo no drama americano.
Suas peças tratam de temas trágicos, de tom pessimista, e focalizam personagens que vivem à
margem da sociedade tentando desesperadamente manter a esperança, para no fi nal sucumbirem
à desilusão e ao desespero. O’Neill fez parte do movimento que tentou revitalizar o uso da máscara
do antigo teatro grego e do teatro “Noh” do Japão para algumas de suas peças. Este tipo de
teatro consiste na confi guração de um mundo no qual teatro, música e poesia se fundem.
Em 1936 ganhou o prêmio Nobel de Literatura, e o Pulitzer, póstumo, em 1957 pela peça
Long Days Journey into the Night também publicada postumamente. A sua carreira divide-se em
três fases: a primeira, a fase realista, em que O’Neill utiliza suas experiências pessoais enquanto
era marinheiro como tema de suas peças. Em 1920, inicia-se a sua segunda fase, quando Eugene
O’Neill rejeita o realismo e, sob a infl uência das idéias de Nietzsche, Jung e Strindberg ingressa
no período “expressionista” em que procura “captar” as forças que regem a existência humana
trazendo-as para o palco. Posteriormente, O’Neill retorna ao realismo e alcança a sua melhor fase
segundo os críticos.
O TEATRO DO ABSURDO
O Teatro do Absurdo, termo retirado de um ensaio de Albert Camus, é uma denominação
cunhada pelo crítico teatral Martin Esslin para algumas peças escritas durante o período entre
1950 e 1960. Camus defi niu a situação da humanidade em o Mito de Sísifo (1942) como absurda
e sem sentido, visão compartilhada por autores como Samuel Beckett, Eugene Ionesco, Harold
O Grito - Edwaed Münch
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 95
Pinter e outros, que transferem para as suas peças a noção de que o individuo habita um universo
com o qual ele se encontra em dissonância. Sua existência é inexplicável e sem propósito, e este
individuo se encontra desorientado, perplexo, e ameaçado de forma obscura.
O Teatro do Absurdo é fruto dos experimentos realizados pela vanguarda artística das
décadas de 1920 e 1930. Indubitavelmente, foi um movimento fortemente infl uenciado pelos
horrores causados pela Segunda Guerra Mundial, e teve como conseqüência a refl exão sobre a
transitoriedade de valores, das convenções, e, sobretudo, a precariedade da vida humana. O trauma,
instalado a partir de 1945, de viver sob a ameaça constante de um aniquilamento causado
por uma guerra nuclear causou um grande impacto que repercutiu no aparecimento dessa forma
dramática.
Concomitantemente, o que parece ter sido uma reação ao desaparecimento da dimensão
religiosa no mundo contemporâneo, pode, também, ser considerado como uma tentativa de restituir
a importância do mito e ritual na nossa época, através da conscientização dos indivíduos
da sua real condição de vida, restituindo-lhe a sensação cósmica perdida e sua angustia primitiva.
Através do choque conseguido pela demonstração de uma vida mecânica e complacente, o Teatro
do Absurdo atinge o seu objetivo mostrando que existe uma experiência mística no confronto
dos limites da condição humana.
O resultado é que as peças desse gênero teatral conseguiram uma formatação inovadora e
original, tirando o espectador de seu mundo confortável, convencional, e prosaico. No mundo
sem Deus do pós-guerra seria impossível encenar uma peça nos moldes artísticos tradicionais, de
acordo com padrões que não mais convenciam. Desse modo, o Teatro do Absurdo se rebelou
contra o teatro convencional e se tornou o “anti-teatro”: surreal, ilógico, sem confl itos e sem
enredo; os diálogos pareciam ininteligíveis. De fato, o Teatro do Absurdo foi recebido com incompreensão
e rejeição.
Um dos aspectos mais importantes desta forma teatral foi o tratamento de desconfi ança
com relação à linguagem como meio de comunicação. Para os mentores do Teatro do Absurdo,
a linguagem havia se tornado um veículo sem sentido; as palavras haviam deixado de expressar a
essência da experiência humana e não conseguiam penetrar além da sua superfície. O Teatro do
Absurdo se constituiu, desse modo, como o pioneiro no ataque à linguagem, e tenta fazer com
que as pessoas se conscientizem da possibilidade de se comunicar de forma mais autêntica, para
além das convenções lingüísticas tradicionais; para isso, utiliza o discurso convencional, clichês,
slogans e jargão, e ridiculariza os padrões estereotipados de fala, mostrando a linguagem como
instrumento precário e insufi ciente na comunicação. Na sua concepção, o discurso convencional
age como uma barreira entre os indivíduos e o mundo real, e, os objetos importam mais do que
a linguagem – o que acontece no palco transcende aquilo que está sendo dito. A linguagem implícita
é a linguagem que realmente importa no Teatro do Absurdo.
Essa forma dramática subverte a lógica e se regozija no que é inesperado e logicamente
impossível. O Teatro do Absurdo nega tanto a linguagem como o racionalismo sob o argumento
que ambos lidam apenas com o aspecto superfi cial das coisas, enquanto que o nonsense oferece
a possibilidade da liberdade, contato com a essência da vida, e é fonte de uma maravilhosa
comédia.
Neste tipo de teatro não existe um confl ito dramático, como em outras formas teatrais. No
Teatro do Absurdo a performance das personagens enfatiza a questão que nada acontece para
mudar suas vidas; é um teatro que visa comunicar uma atmosfera, uma experiência de situações
humanas, diferentemente das demais formas teatrais que focalizam eventos que acontecem em
96 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
uma dada seqüência. O Teatro do Absurdo utiliza recursos visuais, luzes, mímica, ballet, acrobacias
e movimento ao invés da linguagem, elemento privilegiado no teatro tradicional.
Samuel Beckett
Um dos mais renomados autores do Teatro do Absurdo foi o irlandês Samuel Beckett
(1906-1989), que recebeu o prêmio Nobel de Literatura em 1969. Entre os diversos trabalhos que
compõem a sua obra, a peça Esperando Godot (Waiting for Godot), publicada em francês em 1952 e
traduzida para o inglês em 1954, En attendant Godot, é possivelmente a mais conhecida.
A história diz respeito a dois homens, Vladimir e Estragon, que à beira de uma estrada e
perto de uma árvore, esperam alguém de nome Godot. As personagens, vestidas como vagabundos,
passam o tempo da performance a conversar, discutindo por vezes e, em outros momentos,
incapazes de estabelecer comunicação, como ilustra o trecho a seguir.
Estragon: (chewing) I asked you a question.
Vladimir: Ah.
Estragon: Did you reply?
Vladimir: How’s the carrot?
Estragon: It’s a carrot.
A platéia não descobre quem é Godot nem o porquê da espera por essa personagem. De
fato, a espera se prolonga durante os dois atos da peça e, fi nalmente, os protagonistas resolvem
ir embora, mas não saem do lugar:
Vladimir: Well? Shall we go?
Estragon: Yes, let’s go.
They do not move.
O trabalho de Beckett é considerado minimalista e profundamente pessimista com relação
à condição humana, embora possua um acurado senso de humor. No que tange à dramatização
da condição humana, é possível aproximá-lo ao Existencialismo, corrente que tem como um dos
seus representantes Jean Paul Sartre e Albert Camus. Sobre a aproximação desses e de um outro
autor, Antonin Artaud, Christopher Innes afi rma:
The roots of his [Beckett’s] drama are in the Existencialism of Sartre and Camus, picking up on the
Surrealism of André Breton or Roger Vitrac in the 1920s.There is also a link with Antonin Artaud’s experiments
in subliminal theatre through Roger Blin, Artaud’s collaborator in the 1930s, who directed Beckett’s early
plays.83
83 INNES, Christopher. Modern British Drama 1890-1990. Great Britain: Cambridge University Press, 1992, p. 428.
Esperando Godot
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 97
Não obstante esta relação, é interessante salientar que as peças de Beckett traduzem não só
dramas existenciais, mas, sobretudo, o pessimismo de uma era marcada pela destruição em massa
e a total descrença no homem, diante de seu poder de auto-aniquilação. O que resta é esperar,
como o fazem Estragon e Vladimir, por algo sempre muito abstrato, porque talvez inexistente. A
pergunta que circunda o imaginário de leitores e público da peça Esperando Godot é: quem é Godot?
Essa resposta não é dada por Beckett, certamente porque para cada pessoa, em cada época,
esta entidade, que é ora caracterizada como o homem (uma possível alegoria da humanidade), ora
como um ser abstrato (uma representação de Deus, God, em inglês) pode ser um ou outro, ou o
que mais se possa ou queira acreditar.
No texto “The knowledge of unknowing in Beckett’s Waiting for Godot”, William S. Haney estabelece
uma relação entre a peça de Beckett e o contexto no qual foi escrita. Conforme este autor:
The Theater of the Absurd has been said by Martin Esslin (399-405), Peter Brook (65) and others to
be a quest for a way to live in a modern world deprived of generally accepted ultimate values. Faced with the loss
of confi dence in the traditional narratives that explain the mysteries of the human condition, the Theater of the
Absurd presents its audiences with what Esslin calls a double absurdity: that of “the deadness and mechanical
senselessness of half-unconscious lives” (400), and that “of the human condition itself in a world where the decline
of religious belief had deprived man of uncertainties.84
Beckett escreveu a maior parte de suas peças em francês e ele próprio fazia as traduções das
peças para o inglês.
Harold Pinter
Harold Pinter (1930) é inglês e ganhou o prêmio de Literatura em 2005. Autor de várias
peças, Pinter foi, confessadamente, infl uenciado por Samuel Beckett, de quem se tornou amigo.
Suas peças destacam-se pelo uso do silêncio, como elemento mediador de tensão, e conversas
prosaicas. Seus temas, conhecidos como Pinteresque, contemplam ameaças obscuras, fantasias
eróticas, obsessão e ciúme, desavenças familiares e distúrbios mentais. Seus cenários são
geralmente um único cômodo em que as personagens são ameaçadas por forças ou pessoas cujas
intenções não estão claras para as personagens nem platéia. Ao invés de instrumento de comunicação,
a linguagem é utilizada como uma arma, e as palavras, pontuadas pelo silêncio, indicam
pavor, ira, dominação e o receio de intimidade. Os diálogos são controlados e, segundo Martin
Esslin:
Every syllable, every infl ection, the succession of long and short sounds, words and sentences, is calculated
to nicety. And precisely the repetitiousness, the discontinuity, the circularity of ordinary vernacular speech are here
used as formal elements with which the poet can compose his linguistic ballet.85
Dentre as suas 29 peças teatrais destacamos The Caretaker, publicada em 1959. A história
acontece em torno de dois irmãos, Aston e Mick, que dividem um pequeno apartamento em
Londres; um dia eles deixam que um velho venha viver com eles por algum tempo. Ao fi nal, torna-
se claro que todas as personagens têm sonhos que não conseguirão realizar, o que ocasiona
84 HANEY, William. The knowledge of unknowing in Beckett’s Waiting for Godot. In: ______. The humanities in Western culture: a search for human
values. Vol. 2. United States: Wm. C. Brown Communications, 1993, p. 410.
85 ESSLIN, Martin. The People Wound. [S/l]: 1970.
98 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
momentos de tensão entre eles.
ASTON - You said you wanted me to get you up.
DAVIES - What for?
ASTON - You said you were thinking of going to Sidcup.
DAVIES - Ay, that’d be a good thing, if I got there.
ASTON - Doesn’t look like much of a day.
DAVIES - Ay, well, that’s shot it, en’t it?86
Pinter oferece visões de momentos bizarros ou difíceis na vida dos indivíduos, e fez a seguinte
declaração em 1958:
There are no hard distinctions between what is real and what is unreal, nor between what is true and what
is false. A thing is not necessarily either true or false; it can be both true and false.
I believe that these assertions still make sense and do still apply to the exploration of reality through art. So
as a writer I stand by them but as a citizen I cannot. As a citizen I must ask: what is true? What is false?
86 PINTER, Harold. The Caretaker. Trecho de diálogo.[S/l]: [S/d]
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 99
Cite 3 tragédias de Shakespeare e comente-as, relacionando aos conhecimentos sobre
este gênero.
1.
2. Cite 3 comédias de Shakespeare.
3. O que tinham em comum Henrik Ibsen e George Bernard Shaw?
Atividade Complementar
4. Qual a preocupação de George Bernard Shaw com relação à linguagem?
5. O que representa a linguagem para o Teatro do Absurdo?
100 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Filmes indicados
Elizabeth
A Megera Domada
A noite do Iguana
Gata em Teto de Zinco Quente
Hamlet
My Fair Lady
O Mercador de Veneza
Otelo
Rei Lear
Romeu e Julieta
Salomé
Um bonde chamado desejo (A Streetcar named Desire)
Sites indicados
Shakespeare:
http://www.enotes.com/william-shakespeare/shakespeares-globe-theater/
Samuel Beckett:
http://samuel-beckett.net/Waiting_for_Godot_Part1.html
HaroldPinter:
http://www.geocities.com/pleasence/theatre/caretaker91/caretaker-2.html
Oscar Wilde:
http://www.oscarwildecollection.com/
George Bernard Shaw:
http://www.literaturepage.com/read/pygmalion.html
Organização e Gestão das Instituições do Ensino Fundamental 101
AMBIGÜIDADE – que apresenta duas faces; dois sentidos.
AMOR CORTÊS – conceito de relacionamento em que a mulher amada pertence a uma
classe social abastada e seu pretendente, um ministrel, de classe inferior, que lhe presta
vassalagem.
BARDO – ministrel; vate.
CICLO ARTURIANO – coletânea de lendas e mitos de origem celta e que relatam as
aventuras do Rei Artur e seus cavaleiros.
CLOSE-READING – leitura imanente; leitura de um texto baseada exclusivamente nas palavras
do próprio texto, ignorando o contexto histórico e/ou dados biográfi cos do autor.
EPIFANIA – revelação; literariamente, trata-se de uma técnica utilizada por Joyce para
revelar um instante existencial.
ESTÓRIAS DE MOLDURA – histórias que pretensamente são contadas por alguém a
outro alguém.
EXÉQUIAS – cerimônias ou honras fúnebres.
FIN AMORS – vide Amor Cortês.
GRAVEYARD SCHOOL – escola literária cujos temas diziam respeito à morte.
HAGIOGRAFIA – Biografi a dos santos; escritos sobre santos.
HEPTASSÍLABOS – versos em sete silabas.
LAIS – poema narrativo; canção.
MAINSTREAM E NON-MAINSTREAM – tendências da poesia inglesa contemporânea,
em que a primeira diz respeito às técnicas tradicionais, e a segunda àquelas que rejeitam
a tradição.
MELODRAMAS – dramas cantados
MIDDLE ENGLISH – dialeto falado na Grã Bretanha do século XIII o século XV.
MYSTERY CYCLES – feitos grandiosos de Jesus Cristo ou uma verdade religiosa.
NÍVEL EXPLICITO – signifi cação aparente. Em inglês, overthought.
NÍVEL IMPLÍCITO – signifi cação secundária, ou subjacente. Em inglês, underthought.
NOVA INGLATERRA – conjunto de estados que compunham as colônias americanas.
OLD ENGLISH – dialeto falado nas Ilhas Britânicas até aproximadamente o século
XIII.
SAGA – Narrativas épicas típicas dos países nórdicos.
SCOP – bardo itinerante do período anglo-saxão.
SONETO – poema estruturado em dois quartetos e dois tercetos.
Glossário
102 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
AUSTEN, Jane. Emma. New York: Penguin Books, [S/d].
AUSTEN, Jane. Pride and Prejudice. New York: Penguin Books, [S/d].
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Disponível:http://www.mtwain.com/Adventures_Of_Huckleberry_Finn/1.html
WILDE, Oscar. Disponível: http://www.oscarwildecollection.com/
Referências Eletrônicas
106 FTC EaD | CURSO NORMAL SUPERIOR
Beowulf
A Lenda de Grendel
A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça
A Letra Escarlate
A Megera Domada
A Noite do Iguana
As Horas
Gatsby
Hamlet
Lancelot
Mrs. Dalloway
My Fair Lady
No Direction Home (documentário).
O Homem que queria ser Rei
O Mercador de Veneza
Otelo
O Último dos Moicanos
Razão e Sensibildade
Rei Lear
Romeu e Julieta
Sem Destino (Easy Rider).
Shakespeare Apaixonado.
Tom Jones
Tristão e Isolda
Um Bonde chamado Desejo (A Streetcar named Desire)
Um Leão no Inverno
Referências Filmográficas
ANOTAÇÕES
Faculdade de Tecnologia e Ciências - Educação a Distância
www.ead.ftc.br
FTC - EaD
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