quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

8521 - HISTÓRIA DA SOCIOLOGIA

376 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
DOSSIÊ
E
A Sociologia no Brasil: história, teorias e
desafios
ENNO D. LIEDKE FILHO *
ste estudo focaliza a história da Sociologia no Brasil, analisando
os traços principais das etapas e períodos de sua
institucionalização e evolução como disciplina acadêmico-
científica, as recepções de tradições sociológicas européias
e norte-americana pela sociologia brasileira, assim
como a situação atual da Sociologia, os principais campos de pesquisa,
os novos temas e novas abordagens que vieram a ser propostos para a
explicação e/ou compreensão da situação social brasileira.
A emergência e evolução da Sociologia como disciplina acadêmicocientífica
no Brasil e na América Latina divide-se nas seguintes etapas e
períodos:
A Herança Histórico-cultural da Sociologia
Período dos Pensadores Sociais
Período da Sociologia de Cátedra
Etapa Contemporânea da Sociologia
Período da Sociologia Científica
Período de Crise e Diversificação
* Professor Colaborador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, Brasil.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Período de Busca de uma Nova Identidade1
Os principais acontecimentos, características institucionais, bem como
as problemáticas, os temas e as influências teóricas dominantes ao longo
dessas etapas e períodos da evolução da Sociologia no Brasil, apresentados
esquematicamente na Figura 1, serão analisados em detalhe a seguir.
I - A Herança Histórico-cultural da Sociologia no Brasil
- O período dos pensadores sociais
O período dos Pensadores Sociais, também chamado por alguns autores
de período pré-científico, corresponde historicamente ao período
que se estende das lutas pela Independência das nações latino-americanas
até o início do século XX. Durante esse período a elaboração de teoria
social tendeu a ser desenvolvida por pensadores e mesmo homens de
ação (políticos), sob a influência de idéias filosófico-sociais européias ou
norte-americanas como, por exemplo, o iluminismo francês, o ecletismo
de Cousin, o positivismo de Comte, o evolucionismo de Spencer e Haeckel,
o social-darwinismo americano de Sumner e Ward e o determinismo biológico
de Lombroso. Sob as influências desses autores buscava-se
equacionar duas problemáticas centrais – a formação do Estado nacional
brasileiro, opondo liberais e autoritários,2 e a questão da identidade nacional,
tendo como núcleo a questão racial opondo os que sustentavam uma
visão racista e os inspirados pelo relativismo étnico-cultural.3
1 A reconstrução da evolução da sociologia no Brasil e na América Latina apresentada aqui sucintamente, foi desenvolvida , em
detalhe em Liedke Filho (1990a).
2 Sobre o pensamento autoritário na Primeira República, ver Lamounier, 1977.
3 Entre outros, ver Maio, 1996.
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Figura 1 - A Sociologia no Brasil
TEMAS
IDENTIDADE NACIONAL
MISCIGENAÇÃO RACIAL
VISÃO PESSIMISTA
ESCOLA NOVA
E
DEMOCRATIZAÇÃO
ELIAS
HABERMAS
FOUCAULT
GIDDENS
BOURDIEU
WEBER
RELAÇÕES RACIAIS
E
DEMOCRACIA RACIAL
ESTUDOS DE COMUNIDADE
TRANSIÇÃO PARA A MODERNIDADE
DOIS BRASIS
GÊNERO
VIOLÊNCIA
RELIGIÕES
MULTI-CULTURALISMO
RAÇAS
DIREITOS HUMANOS
DESIGUALDADES SOCIAIS
REPRESENTAÇÕES SOCIAIS
IDENTIDADES SOCIAIS
NOVOS MOVIMENTOS SOCIAIS
REATIVAÇÃO DA SOC. CIVIL
AUTORITARISMO
X
DEMOCRATIZAÇÃO
PROBLEMÁTICAS
VISÃO RACISTA X RELATIVISMO
QUESTÃO RACIAL
LIBERAIS X AUTORITÁRIOS
FORMAÇÃO ESTADO NACIONAL
SOCIEDADE TRADICIONAL
X
SOCIEDADE MODERNA
MODERNIZAÇÃO X DEPENDÊNCIA
SUBDESENVOLVIMENTO X DESENVOLVIMENTO
DURKHEIM
DEWEY
ESCOLA DE
CHICAGO
GRAMSCI
ALTHUSSER
ETAPAS DA SOCIOLOGIA
PENSADORES
SOCIAIS
Cátedras em
Escolas Normais
SOCIOLOGIA DE
CÁTEDRA
Expansão PG
Cassações
CRISE E
DIVERSIFICAÇÃO
Grupos de
Pesquisa
CNBUPqSCA DE NOVA
IDENTIDADE
MISCIGENAÇÃO RACIAL
VISÃO OTIMISTA
1924 1934 1957 1984/5
1937 1954 1974 2002
1888/9 1930 1945 1964 1985
Curso Sociologia e Política USP
Escola Livre Sociologia e Política
SOCIOLOGIA CIENTÍFICA
INFLUÊNCIAS
SPENCER
COMTE
LOMBROSO MARX
(WEBER)
MANHEIM
GOLDMANN
LUCKÀCS
SARTRE
X
NACIONALISMO
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4 Esta etapa foi, no entender de Azevedo, antecedida por uma fase pré-científica caracterizada pela contribuição etnográfica
dos cronistas (séculos XVI-XVIII)
Azevedo (1957 e 1962) sugere que a evolução dos estudos de Antropologia
e de Sociologia sobre a sociedade brasileira apresenta uma etapa anterior
ao ensino e à pesquisa, a qual se estende da segunda metade do século XIX
até 1928;4 caracterizada predominantemente pelas grandes expedições de
investigação científica das culturas indígenas (1818 a 1910), quando
...sábios alemães e de outras nacionalidades ... se puseram
em contato com grande número de tribos, (abrindo)
novas perspectivas aos estudos etnológicos e, com
as obras (resultantes) trouxeram contribuição notável
aos progressos nesse vasto domínio de investigações
científicas (Azevedo, 1962, p. 111).
Paralelamente ao florescimento dos estudos sobre as tribos indígenas
e, no entender de Azevedo, sob a influência destes, iniciaram-se os estudos
de Antropologia Física e Cultural tendo por temática principal os negros
e as culturas africanas no Brasil, destacando-se autores tais como Batista
Lacerda, Nina Rodrigues e Roquette Pinto. Os estudos sobre as tribos
indígenas e os negros no Brasil, ao prepararem o caminho para a posterior
institucionalização do ensino e da pesquisa, constituíram o ponto de partida
para a evolução da sociologia propriamente dita (Azevedo, 1962).
Azevedo considera que esta etapa dos precursores ou pioneiros da
nova ciência no Brasil, autodidatas, eruditos ou diletantes que cediam a
influências variáveis e sucessíveis de obras que lhes caíam nas mãos e passavam
a ser as fontes inspiradoras de seus trabalhos, significou a acentuação
do pensamento sociológico e político, a princípio tênue e difuso, tendo por
referências o positivismo, o evolucionismo e as influências da escola antropológica
italiana, as teorias antropogeográficas e, finalmente, da ecologia
humana e da antropologia cultural anglo-americana (Azevedo, 1962).
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Sobre o sentido social das ciências sociais neste período dos pensadores
sociais, é interessante deixar também registrado aqui que Fernandes
(1977), analisando as razões pelo interesse nos conhecimentos sociológicos,
então indica que podem ser identificados dois períodos: um primeiro
período de autodidatismo inicia-se já no terceiro quartel do século XIX,
correspondendo à fase de desagregação da ordem social escravocrata, e é
caracterizado pela exploração de conhecimentos sociológicos como recurso
parcial de interpretação. A intenção principal não é fazer investigação
sociológica propriamente dita, mas considerar fatores sociais na análise
de certas relações como, por exemplo, as conexões entre o Direito e a
Sociologia, a literatura e o contexto social, o Estado e a organização social.
Um segundo período tem início em princípios do século, quando a sociologia
frutifica “tanto sob a forma de análise histórico-geográfica como sociológica
do presente, quanto sob a inspiração de um modelo mais complexo
de análise histórico-pragmática, em que a interpretação do presente se
associa a disposições de intervenção racional no processo social” (Fernandes,
1977, p. 27).
- O período da Sociologia de Cátedra
O período da Sociologia de Cátedra iniciou-se nos países latino-americanos
em fins do século passado, quando cátedras de Sociologia foram
introduzidas nas Faculdades de Filosofia, Direito e Economia. No Brasil,
esse período teve início em meados da década de vinte, quando foram
criadas as primeiras cátedras de Sociologia em Escolas Normais (1924-25),
enquanto disciplina auxiliar da pedagogia, dentro do esforço
democratizante do movimento reformista pedagógico que tem sua expressão
maior no movimento da Escola Nova. Neste momento, ocorreu a
proliferação de publicações como os manuais e coletâneas para o ensino
de Sociologia, os quais procuravam divulgar as idéias de cientistas sociais
europeus e norte-americanos renomados, tais como Durkheim e Dewey,
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bem como idéias sociológicas acerca de problemas sociais como urbanização,
migrações, analfabetismo e pobreza. Ao mesmo tempo, a questão da
miscigenação racial no Brasil passou a ser tratada em uma perspectiva otimista
como em Casa Grande e Senzala de Gilberto Freyre (2000).
Azevedo (1951), enfocando esta fase de introdução do ensino da
Sociologia em escolas do País (1928-1935), argumenta que a origem da
consolidação da Sociologia na mesma deve ser procurada, não em uma
única causa determinante, senão em múltiplas causas que estão estreitamente
ligadas, sendo possível distingui-las unicamente para fins analíticos.
A multiplicidade de fatores decorrentes dos contatos, conflitos e acomodações
de povos e culturas diversas; o contraste entre as sociedades em
mudança e as culturas de folk remanescentes em toda a vasta extensão
territorial; a variedade de paisagens culturais e a contemporaneidade ou
justaposição nas realidades concretas, de séculos ou de “camadas históricas”,
deveriam certamente sacudir a atenção e despertar o interesse pelo
estudo científico dessas realidades sociais vivas e atuais, postas sob os olhos
de todos e que não escaparam, pela intensidade dos fenômenos, aos observadores
menos atentos.
Porém, acrescenta Azevedo (1962),
...[o] que nos compeliu a essa revolução intelectual,
que nos iniciou no espírito crítico e experimental, em
todos os domínios, e nos abriu o caminho aos estudos
e as pesquisas sociológicas, foi, no entanto, o desenvolvimento
da indústria e do comércio nos grandes
centros do país e, particularmente em São Paulo e no
Rio de Janeiro (1962, p. 125).
O primeiro surto industrial, em 1918, em conseqüência da guerra
mundial, as transformações da estrutura econômica e social que daí resultaram,
e a revolução de 1930 que, provocada por essas mudanças, contribuiu
para intensificá-las repercutindo nas esferas culturais, devem estar na
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origem da nova atitude crítica na mentalidade das elites novas, dos movimentos
de renovação em diversos setores, como nos das letras e das artes,
da educação e da política, e do interesse crescente pelos estudos científicos
das realidades sociais.
II A Etapa Contemporânea da Sociologia no Brasil
- O período da Sociologia Científica
O início do período da Sociologia Contemporânea corresponde à
fase de emergência da Sociologia Científica, que buscava, sob a égide do
paradigma estrutural-funcionalista, a consecução de um padrão de
institucionalização e prática do ensino e da pesquisa em sociologia, similar
ao dos centros sociológicos dos países centrais. A concepção de desenvolvimento
desta abordagem teve sua expressão na Teoria da Modernização
e em sua análise do processo de transição da sociedade tradicional
para a sociedade moderna, sob uma ótica dualista como em Os Dois Brasis
de Jacques Lambert (1959).
A institucionalização acadêmica da Sociologia no Brasil ocorreu em
meados da década de 1930, com a criação da Escola Livre de Sociologia e
Política de São Paulo (1933) e com a criação da Seção de Sociologia e
Ciência Política da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo
(1934). As tentativas, de relacionar o ensino e a pesquisa em Sociologia,
ainda que limitadas e parciais em ambas as instituições, demarcam o início
da chamada etapa da Sociologia Científica, a qual viria a ter seu apogeu
em fins dos anos de 1950.
Nas palavras de Fernandes (1977), configurava-se então plenamente
um novo período da Sociologia no Brasil, o qual, embora com raízes no
segundo quartel deste século, só se configura plenamente no pós-guerra,
tendo por característica dominante a preocupação “de subordinar o labor
intelectual, no estudo dos fenômenos sociais, aos padrões de trabalho cienSOCIOLOGIAS
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tífico sistemático. Esta intenção se revela tanto nas obras de investigação
empírico-indutivas (de reconstrução histórica ou de campo), quanto nos
ensaios de sistematização teórica” (Fernandes, 1977, p. 28).
É interessante destacar que a primeira experiência de
institucionalização da Sociologia e da Ciência Política no ensino superior
no Brasil, ocorrida na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo,
criada pela elite paulista no contexto da derrota da Revolução
Constitucionalista de 1932, tinha por objetivo, como explicitado no Manifesto
da Fundação da Escola, suprir a falta de “uma elite numerosa e organizada,
instruída sob métodos científicos, a par das instituições e conquistas
do mundo civilizado, capaz de compreender antes de agir o meio social
em que vivemos” (Oliveira, 1933, p. 171). Nessa instituição, sob a influência
da Escola de Chicago, representada pelo nome de Donald Pierson, foi
realizada uma série de estudos de comunidade, a qual pode ser entendida
como um primeiro programa de pesquisa nas ciências sociais brasileiras
para o tratamento sistemático da transição da sociedade tradicional
para a modernidade.
Azevedo (1951) sugere que a fase iniciada em 1936, de associação
do ensino e da pesquisa nas atividades universitárias, tem sua origem não
em uma única causa determinante, senão em múltiplas causas que estão
estreitamente ligadas, sendo possível distingui-las unicamente para fins
analíticos.
A multiplicidade de fatores decorrentes dos contatos, conflitos e acomodações
de povos e culturas diversas; o contraste entre as sociedades
em mudança e as culturas de folk remanescentes em toda a vasta extensão
territorial; a variedade de paisagens culturais e a contemporaneidade ou
justaposição nas realidades concretas, de séculos ou de “camadas históricas”,
deveriam certamente sacudir a atenção e despertar o interesse pelo
estudo científico dessas realidades sociais, vivas e atuais, postas sob os
olhos de todos e que não escaparam, pela intensidade dos fenômenos, aos
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observadores menos atentos.
Porém, acrescenta Azevedo (1951),
...[o] que nos compeliu a essa revolução intelectual,
que nos iniciou no espírito crítico e experimental, em
todos os domínios, e nos abriu o caminho aos estudos
e as pesquisas sociológicas, foi, no entanto, o desenvolvimento
da indústria e do comércio nos grandes
centros do país e, particularmente em São Paulo e no
Rio de Janeiro (Azevedo, 1962, p. 125).
O primeiro surto industrial, em 1918, em conseqüência da guerra
mundial, as transformações da estrutura econômica e social que daí resultaram,
e a revolução de 1930 que, provocada por essas mudanças, contribuiu
para intensificá-las repercutindo nas esferas culturais, devem estar na
origem da nova atitude crítica na mentalidade das elites novas, dos movimentos
de renovação em diversos setores, como nos das letras e das artes,
da educação e da política, e do interesse crescente pelos estudos científicos
das realidades sociais.
Outrossim, Costa Pinto referindo-se ao caso das ciências sociais no
Brasil nesse período, afirma que:
no espaço de pouco mais de uma década as continências
da vida brasileira fizeram a ideologia das elites dirigentes
passar da quase “coqueluche”para o quase pânico
diante delas. É que, se a ausência delas significava
problemas, a sua expansão poderia acarretar outros
problemas igualmente temidos. No caso, mais de uma
vez, a timidez ideológica pagou ônus do duplo medo:
o medo do problema e o medo da solução dele, que é
uma nota constante do comportamento das elites
brasileiras nos últimos tempos.
Esta ambivalência das elites frente às ciências sociais
por vezes implica na criação de condições institucionais
e financeiras favoráveis e por vezes desfavoráveis para o
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desenvolvimento de recursos humanos e para a criação,
expansão e consolidação de centros de pesquisa e
mercado de trabalho para sociólogos...(Costa Pinto,
1955, p. 28-29).
Se as circunstâncias do Estado Novo representaram um obstáculo ao
florescimento das atividades de ensino e pesquisa em Sociologia (Costa
Pinto, 1955), a redemocratização de 1945 e principalmente a mobilização
político-ideológica dos anos 50 e 60 criaram condições favoráveis à expansão
dessas atividades.
Costa Pinto (1955) indica os principais temas enfocados pelas ciências
sociais no Brasil em meados da década dos cinqüenta: população, imigração
e colonização; - relações étnicas, contatos e assimilação (o negro; o
índio e o branco colonizador); - educação; - história social; - Direito e
Ciência Política; - estudos de comunidades; análises regionais e Sociologia
rural e urbana. Nesse período, os seguintes temas ocupavam também posição
de relevo na produção das ciências sociais brasileiras: a elaboração
de manuais para o ensino de Sociologia em escolas secundárias; teoria e
método das ciências sociais (incluindo a tradução e divulgação de livros
estrangeiros especializados); folclore; sociologia da arte e da literatura,
psicologia social e, em campos marginais entre a Sociologia e a Economia,
os estudos de padrão de vida e as pesquisas de estratificação, mobilidade e
sociologia ocupacional (Costa Pinto, 1955).
Esta etapa tem como um de seus marcos principais a formação da
chamada “Escola de Sociologia Paulista” ou “Escola da USP” com a organização
do grupo originário de sociólogos em 1954, sob a direção de Florestan
Fernandes, que desenvolveu projetos coletivos de pesquisa acerca das relações
raciais no Brasil, da empresa industrial em São Paulo e do desenvolvimento
brasileiro (Liedke Filho, 1977; Ianni, 1975; Fernandes, 1977; Sorj
e Mitre, 1985; Nogueira, 1982). A preocupação com as possibilidades de
um desenvolvimento democrático, racional, urbano-industrial da sociedade
brasileira, enquanto concepção particular da Teoria da Modernização, ocu386
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pou um papel central entre as orientações intelectuais e políticas do “projeto”
da “Escola” neste período (Liedke Filho, 1977).
Os anos 50 foram marcados também pelo surgimento da proposta
de uma “Sociologia Autêntica”, nacionalista, que buscava contribuir para
o processo de libertação nacional e que tem na obra de Guerreiro Ramos
(1957 e 1965) sua referência principal. Teoricamente, a controvérsia entre
Guerreiro Ramos e Florestan Fernandes dominou a cena da comunidade
sociológica brasileira durante esse período, tendo por fulcro central a questão
da particularidade e/ou universalidade do conhecimento social produzido
no Brasil (Ramos, 1957 e 1965; Fernandes, 1957 e 1958).
A Teoria da Modernização concebe o processo de desenvolvimento
como uma transição de uma sociedade rural tradicional para uma sociedade
industrial moderna (Germani, 1969). Essa transição, quando incompleta,
acarreta a coexistência de ambas as formas societárias dentro de
uma mesma sociedade nacional, caracterizando-a como uma sociedade
dual (Quadro 1). Ressalte-se que esta tese teve ampla aceitação internacional
na sociologia do desenvolvimento, assim como no âmbito das agências
internacionais como a UNESCO.
Quadro 1 - Teoria da Modernização - características da sociedade tradicional
e da sociedade moderna
SOCIEDADE TRADICIONAL
RURAL
ESTAGNADA
RELAÇÕES PRIMÁRIAS
“COMUNIDADE”
ILETRADA
RELIGIOSA
SOCIEDADE MODERNA
URBANO-INDUSTRIAL
DINÂMICA
RELAÇÕES SECUNDÁRIAS
“SOCIEDADE”
LETRADA
SECULARIZADA
Fonte: Stavenhagen (1969)
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Rodolfo Stavenhagen (1965) aponta que a tese de que “os países
latino-americanos são sociedades duais”, assume que esses países são constituídos
por duas sub-sociedades, caracterizadas nos seguintes termos:
A “sociedade arcaica” seria caracterizada por relações
de tipo essencialmente familiar e pessoal, por instituições
tradicionais (o compadrio, certas formas de trabalho
coletivo, de dominação personalista e de clientela
política, etc.), por uma estratificação social rígida
de status adscritos (isto é, em que a posição do indivíduo
na escala social está determinada desde o nascimento,
com poucas possibilidades de mudança durante
a vida), e por normas e valores que exaltam, ou,
quando menos, aceitam, o status quo, os estilos de
vida herdados dos antepassados, e que constituem obstáculo
ao pensamento econômico “racional”.
A sociedade “moderna”, pelo contrário, consistiria em
relações sociais do tipo que os sociólogos chamam de
“secundárias”, determinadas pelas ações interpessoais
destinadas a fins racionais e utilitários; de instituições
funcionais, de estratificação social pouco rígida (isto é,
com mobilidade social) em que abundam os status adquiridos
por meio do esforço pessoal e determinados,
seja por índices quantitativos (como o são o nível de
renda ou o grau educacional), seja por funções sociais
(como a ocupação). Na “sociedade moderna”, as normas
e os valores das pessoas tendem a orientar-se para
a mudança, o progresso, as inovações e a racionalidade
econômica (a saber, o cálculo de maiores lucros com
menores custos) (Stavenhagen, 1969, p. 122).
No entender de Stavenhagen, a tese da existência de uma “sociedade
dual” é equivocada por duas razões principais:
Primeiro, porque os dois pólos são o resultado de um
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único processo histórico e, segundo, porque as relações
mútuas que mantêm entre si as regiões e grupos
“arcaicos” ou “feudais” e os “modernos” ou “capitalistas”
representam o funcionamento de uma única sociedade
global da qual ambos os pólos são parte integrante
(Stavenhagen, 1969, p. 123).
Como curiosidade, tem-se no Quadro 2, o conjunto das teses equivocadas
sobre a América Latina, vigentes no início dos anos sessenta, as
quais são objeto de análise no texto de Stavenhagen. Destaque-se que,
das sete teses, quatro delas – Teses 2, 3 e 5 –, são variações da tese básica
da Teoria da Modernização, acima apresentada.
1 - Os países latino-americanos são sociedades duais.
2 - O progresso da América Latina realizar-se-á mediante a difusão dos produtos
do industrialismo às zonas atrasadas, arcaicas e tradicionais.
3 - A existência de zonas rurais atrasadas, tradicionais e arcaicas é um obstáculo
para a formação do mercado interno e para o desenvolvimento do capitalismo
nacional e progressista.
4 - A burguesia nacional tem interesse em romper o poder e o domínio da
oligarquia latifundiária.
5 - O desenvolvimento na América Latina é obra e criação de uma classe
média nacionalista, progressista, empreendedora e dinâmica, e o objetivo da
política sócio-econômica de nossos governos deve ser o de estimular a “mobilidade
social” e o desenvolvimento desta classe.
6 - A integração nacional na América Latina é produto da miscigenação.
7 - O progresso na América Latina só se realizará mediante aliança entre
operários e camponeses, aliança que impõe identidade de interesses destas
duas classes.
Quadro 2 - Rodolfo Stavenhagen - sete teses equivocadas sobre a América
Latina
Fonte: Stavenhagen (1969)
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
É interessante ter presente que, quanto à Sociologia e seu significado
societário, as explicações propostas dentro do campo da Teoria da Modernização
tendem a enfatizar as condições societárias, normativas e
institucionais necessárias ao desenvolvimento da “sociologia científica”,
enfocando as “atitudes favoráveis e desfavoráveis” a este, bem como o
“efeito-demonstração” exercido pelos centros sociológicos dos países centrais
sobre a sociologia latino-americana (Costa Pinto, 1955; Fernandes,
1977; Germani, 1959; Ianni, 1971a).
A “Sociologia Científica” caracterizada pela “adoção dos princípios
básicos do conhecimento científico em geral, embora tenha suas próprias
especificidades”, assim como pelo “desenvolvimento de procedimentos de
pesquisa extremamente refinados e muito mais poderosos do que os previamente
utilizados”. As conseqüências disso são uma “tecnificação crescente
da Sociologia, dada a estandardização dos procedimentos de pesquisa, o uso
generalizado de instrumentos selecionados de pesquisa, a ‘rotinização e
coletivização das atividades, a necessidade crescente de recursos financeiros,
espaços físicos e equipamentos, e de pessoal técnico e administrativo”
(Germani, 1964). Portanto, a consecução deste projeto intelectual implica
alcançar um padrão de ensino e pesquisa similar àquele dos países centrais
onde a “Sociologia Científica” foi formulada originalmente.
Esperar-se-ia que um patamar superior de modernização societária,
caracterizada pela evolução para uma “sociedade racional, democrática e
urbano-industrial” levaria à institucionalização plena da “Sociologia Científica”,
típica da terceira etapa de evolução da Sociologia na América Latina.
Esta abordagem sustenta, portanto, uma estreita associação entre modernização,
democratização e condições favoráveis à evolução da Sociologia.
A emergência dos “novos” regimes autoritários latino-americanos, a
partir da década de sessenta, e seus impactos negativos sobre a práxis
sociológica na região vieram a ser interpretados como “obstáculos” à consolidação
da sociologia científica (Germani, 1969; Fernandes, 1977).
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Uma “crise” da Sociologia seria interpretada seja como um sinal de
“imaturidade” das ciências sociais ou como uma disfunção entre os requisitos
universais-normativos da ciência e os interesses e atitudes sociais,
sendo concebida em ambos os casos como uma fase transitória que, uma
vez superada implicaria no florescimento pleno da “Sociologia Científica”.
Por outro lado, a abordagem fundamentada na Teoria do Neo-
Colonialismo ou Neo-Imperialismo, (assim como uma versão simplista da
Teoria da Dependência, conforme abaixo sugerido) assume que a persistência
de uma situação neocolonial ou dependente implica estagnação
econômica e formas políticas autoritárias e, conseqüentemente, em um
clima cultural desfavorável à evolução das ciências sociais (Ramos, 1957;
Carri, 1970).
Ao mesmo tempo, esta abordagem enfatiza que a persistência da
influência intelectual dos centros de sociologia dos países centrais sobre a
Sociologia latino-americana acarreta a predominância de uma sociologia
neocolonialista ou dependentista (Ramos, 1957 e 1965; Carri, 1970), valorizando,
pois, este processo, de forma oposta à Teoria da Modernização,
que concebe positivamente o “efeito-demonstração” em geral, e no nível
da Sociologia em particular.
Por outro lado, a possibilidade de emergência e consolidação de
uma “Sociologia Nacional” ou “Autêntica”, típica de uma nova etapa a ser
alcançada, estaria vinculada à superação da situação neo-colonial ou neoimperialista
e uma correspondente consolidação de democracias nacionais
populares.
Na ótica da abordagem “Neocolonialismo/Neo-imperialismo” a importação
de problemáticas, paradigmas e técnicas sociológicas de “centros
imperialistas tem sido denunciada como uma forma de “neo-imperialismo
cultural” ou de “alienação cultural”, que precisa ser superada pela
construção de uma “Sociologia Nacional” como uma autêntica “teoria
SOCIOLOGIAS 391
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
militante da realidade nacional” (Ramos, 1957, p. 26), que visa contribuir
para o desenvolvimento de uma consciência nacional pela inter-relação
entre o conhecimento e a prática popular (Carri, 1970, p. 164).
A abordagem “nacional” tende a enfatizar a necessidade de uma
“crise” da Sociologia dentro da luta pela “libertação nacional” e por uma
sociedade nacional popular democrática socialista, como forma de desafiar
a “alienação cultural” caracterizada pela dominância da “sociologia
cientifica”. A elaboração e dominância completa de uma “Sociologia Nacional”
(isto é, a formulação de teorias, métodos e técnicas para a análise
dos “problemas nacionais”) considerada como a única forma possível de
superação da “crise” da Sociologia, uma vez que a persistência de qualquer
prática da “sociologia cientifica” implicaria na persistência de
“neocolonialismo/neo-imperialismo cultural”.
A análise desenvolvida por Guerreiro Ramos acerca da Sociologia no
Brasil exemplifica essa abordagem. Apontando que a Sociologia como tem
sido praticada no Brasil não tem, salvo poucas exceções, representado
uma “real indução dos processos e tendências da sociedade brasileira e
um instrumento para sua autocompreensão”, o autor argumenta que:
A disciplina sociológica, no Brasil e nos países de formação
semelhante, como os da América Latina, tem
evoluído até agora, segundo influências exógenas que
impediam, neles, o desenvolvimento de um pensamento
científico autêntico ou em estreita correspondência
com as circunstancias particulares desses países. Assim,
a disciplina sociológica nesses países se constitui
de glosas de atitudes, posições doutrinárias e fórmulas
de salvação produzidas alhures, ou ilustra menos o
esforço do sociólogo para compreender a sua sociedade,
do que para se informar da produção das sociólogos
estrangeiros (Ramos, 1956, p.19).
392 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
De outro lado,
... a sociologia, no Brasil, ser autêntica na medida em
que colaborar para a autoconsciência nacional, na
medida em que ganhar em funcionalidade,
intencionalidade e, conseqüentemente, em originalidade.
. . . Em resumo, sem a disposição para empreender
a sua autocrítica, a sociologia no Brasil não poder
realizar a sua tarefa essencial - a de tornar-se uma teoria
militante da própria realidade nacional (Ramos,
1953, In 1956, p. 26).
Simetria, sincretismo, dogmatismo, dedutivismo, alienação e
inautenticidade são as características da “sociologia enlatada” ou “sociologia
consular”. A simetria e o sincretismo devem-se à adoção imediata,
geralmente por justaposição, das orientações européias e norte-americanas
mais recentes, sendo que “as orientações e tendências aparecem aqui,
simetricamente, na mesma ordem em que surgem lá”, e “os nossos autores
estão sempre dispostos a fazer aqui a conciliação de doutrinas que, nos
próprios países de origem, são incompatíveis” (Ramos, 1957, p. 20). O
dogmatismo “consiste na adoção extensiva de argumentos de autoridade
na discussão sociológica, ou em certa tendência a discutir ou avaliar fatos
através da mera justaposição de textos de autores prestigiosos” (Ramos,
1957, p. 20). O dedutivismo decorre diretamente do dogmatismo, pois
“desde que se empresta aos sistemas estrangeiros o caráter de validade
absoluta, eles passam a ser tomados como pontos de partida para a explicação
dos fatos da vida brasileira” (Ramos, 1957, p. 21).
A característica principal do dedutivismo é a abstração
da contingência histórica, é a identificação do presente
do nosso país com o presente de países outros em
fase superior de desenvolvimento ou, de qualquer
modo, de formação histórica diferente da nossa (RaSOCIOLOGIAS
393
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
mos, 1957, p. 21).
Ressalte-se que o autor considera que houve tempo em que se tentou
explicar a evolução do Brasil à luz das leis gerais da evolução sob a ótica
positivista, sendo que “atualmente este dedutivismo é perceptível em trabalhos
de sociólogos brasileiros aficionados do marxismo”,
Principalmente, quando tentam explicar os nossos problemas
políticos e jurídico-sociais, muitos o fazem segundo
estudos marxistas aplicados a países estrangeiros,
ou segundo aplicação mecânica de categorias
marxistas. Procedimento este, diga-se logo, que contraria
a essência do marxismo, mas que assinala a força
do impacto da situação colonial na psicologia do
colonizado (Ramos, 1957, p. 21).
A alienação da Sociologia brasileira decorre de que ela não é, em
regra, fruto de esforços tendentes a promover a autodeterminação de nossa
sociedade, sendo que o sociólogo brasileiro tem realmente assumido
uma atitude perfeitamente equivalente à do estrangeiro que nos olha a
partir de seu contexto nacional e em função deste nos interpreta (Ramos,
1957, p, 22). A inautenticidade “é o que resulta de todas as características
anteriores”, pois, “o trabalho sociológico, em nosso país, não se estriba em
genuínas experiências cognitivas”, sendo que, “em larga escala, as categorias
e os processos que o sociólogo indígena usa são recebidos, por ele, préfabricados”
(Ramos, 1957, p. 23).
- O Período de crise e diversificação da Sociologia Brasileira
A emergência, em fins dos anos 50 e início dos anos 60, de uma
crítica marxista a ambas as abordagens implicou uma crescente diferenciação
paradigmática que foi potencializada, já no decorrer do período de
crise e diversificação da Sociologia brasileira, pelos eventos político-culturais
dos períodos 1964/1968 e 1969/1974. Essa crítica marxista teve no
394 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
chamado ‘Seminário do Capital’, desenvolvido por um grupo de intelectuais
majoritariamente da USP, seu campo de institucionalização informal e
antecipou a experiência do CEBRAP, ao qual muitos dos participantes do
Seminário vieram a se integrar; preparou também o caminho para a renovação
teórico-metodológica e temática do final dos anos 60, particularmente
em termos da formulação de estudos acerca da dependência (Sorj
e Mitre, 1985; Pécaut, 1986).5
No bojo da crise social e política brasileira e latino-americana do
final dos anos 50 e início da década de 60 (Figura 2), verificou-se o início
do período de crise e diversificação da Sociologia brasileira. Este momento
foi caracterizado pela crise institucional e profissional da Sociologia e
das ciências sociais em geral, sob o efeito das medidas repressivas (cassações,
prisões, exílios e desaparecimento) dos regimes autoritários.6 O Golpe
de 1964 no Brasil inaugura este ciclo autoritário, também chamado de
ciclo do novo autoritarismo, caracterizado pela transformação dos estados
desenvolvimentistas-populistas da região em estados burocrático-autoritários,
na terminologia proposta por Guillermo O’Donnell (1982), e seguido
por uma sucessão de golpes militares, como os ocorridos na Argentina
(golpes de 1966 e 1976) e no Uruguai (golpe de 1973).
As dramáticas mortes de Camilo Torres e “Che” Guevara em 1967
pareciam, já então, indicar os limites da alternativa de luta armada em
5 Estas questões são analisadas pelo autor em estudos anteriores (Liedke Filho, 1977 e 1990a).
6 Longa é a lista de experiência históricas internacionais e latino-americanas que têm servido de utopias de referência para as
forças democrático-progressistas latino-americanas interessadas na construção de uma sociedade democrática, justa e solidária
(Figura 2). Recorde-se aqui a Revolução Mexicana de 1910, as Revoluções Russas de 1905 e 1917, a experiência das Brigadas
Internacionais na Guerra Civil Espanhola (1936 -1939) , a Revolução Chinesa de 1948, a Independência da Índia em 1947, a luta
de libertação nacional do Vietnam (1954 e 1975) e as lutas anticolonialistas pela independência do Congo Belga (1960) e da
Argélia (1962).
Destaque especial cabe à Revolução Cubana de 1959, liderada por Fidel Castro e “Che” Guevara e a sua quase imediata
proclamação como socialista em 1961, a qual incendiou imaginações na América Latina e colocou os Estados Unidos da
América do Norte em alerta ante os riscos de sua reprodução em outros países latino-americanos, levando à criação da
Aliança para o Progresso (1961) e ao incentivo e apoio ao ciclo de governos autoritários na região, a partir de meados dos
anos sessenta.
SOCIOLOGIAS 395
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Figura 2 - Contexto mundial 1948-1991.
NICARÁGUA 1962-1979
CHINA 1948
VIETNAME -
1954 1961/1975
PUEBLA 1979
MEDELLIN 1968
MORTES DE
CAMILO TORRES
E CHE - 1967
ALLENDE
1970-1973
CUBA -1959/1961
BRASIL
GOLPES DE
1964/1968
ABERTURA
1974-1985
ARGENTINA
GOLPES DE
1966 E 1976
MAIO 68
MURO DE BERLIM
1961/1989
CONCÍLIO - 1965
CONGO - 1960
PUNTA DEL ESTE
ALIANÇA PARA O PROGRESSO
1961
URUGUAI
GOLPE DE 1973
FIM DA
URSS 1991
ARGÉLIA
1954-1962
396 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
países latino-americanos, os quais, ao não serem apreendidos, levaram a
uma série de desastres político-militares como, no Brasil, a derrota da guerrilha
urbana e a morte dos líderes guerrilheiros Marighella e Lamarca, e a
derrota da guerrilha do Araguaia; na Argentina, a derrota dos Montoneros
e do ERP e, no Uruguai, a derrota militar dos Tupamaros. O trágico desenlace
do governo Allende (1970 – 1973), com o golpe militar liderado por
Pinochet, levou à queda da primeira experiência de governo socialista por
via eleitoral na América Latina.
Recorde-se também que, ao mesmo tempo, sob as orientações renovadoras
do Concílio Vaticano II encerrado em 1965, tem-se a Conferência
Episcopal de Medellín (Colômbia) em 1968, a qual assume a Teologia
da Libertação como orientação pastoral da Igreja Católica junto aos
pobres e oprimidos na América Latina, reafirmada em Puebla em 1979.
O impacto negativo da instauração do regime autoritário sobre a
evolução sociológica brasileira está relacionado diretamente com o golpe
de 64 e com o “golpe dentro do golpe” de 1968 que tem no AI-5 seu
marco principal. O fechamento do ISEB, em 1964, os IPM e as cassações
pareciam indicar que as ciências sociais brasileiras estavam entrando em
um período recessivo. O fechamento do ISEB em 1964 pelo regime militar
e as cassações de cientistas sociais em 1969, assim como o impacto
negativo da repressão cultural-educacional aos níveis universitários e das
condições de exercício profissional, correspondem plenamente às características
gerais da quarta etapa de evolução da Sociologia na América
Latina. Todavia, em contraste com a evolução adversa da Sociologia em
outros países latino-americanos, particularmente do Cone Sul, sob as condições
autoritárias, a Sociologia no Brasil experimentou uma razoável expansão
institucional do ensino e da pesquisa.
A tendência a alcançar patamares superiores de institucionalização,
que já se vinha verificando desde meados dos anos 50, foi reforçada deSOCIOLOGIAS
397
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
pois de 1964, apesar de retrocessos localizados, tais como as cassações e o
fechamento do ISEB em 1964, anteriormente referidos, assim como as
cassações de 1969 na USP. Esta expansão teve seu centro de gravitação
nos cursos de pós-graduação que foram criados e consolidados como centros
de ensino e pesquisa, particularmente após a Reforma Universitária de
1969, e teve por contraponto a criação e as atividades de centros privados
de pesquisa tais como o CEBRAP, o CEDEC, e o IDESP (Sorj e Mitre, 1985).
Sorj e Mitre indicam que:
Nos primeiros anos do regime militar, no período que
se estende entre 1964 e 1969, os prognósticos pessimistas
pareciam confirmar-se. As cassações de professores
universitários logo depois do golpe, e posteriormente,
com impacto ainda maior, aquelas que se seguiram
ao AI-5, levou a pensar que as ciências sociais entrariam
em recesso no Brasil. Neste mesmo período ‚ foi aplicada
a reforma universitária, com assessoria americana e
contra a vontade da comunidade acadêmica.
Embora importantes, ambos os fenômenos não chegaram
a abalar fundamentalmente o futuro desenvolvimento
das ciências sociais ainda que certos centros
universitários como a USP e UFRJ possam ter sofrido
individualmente um impacto maior.
Isto, em primeiro lugar, porque um número importante
de cientistas sociais cassados permaneceu no país,
inclusive auto-organizados em centros como o CEBRAP,
e em segundo lugar, nenhuma instituição chegou a ser
fechada ou mesmo esvaziada, permanecendo nos seus
cargos a maioria dos quadros docentes. (Sorj e Mitre,
1985, p. 46).
A Reforma Universitária de 1969, introduzindo o sistema
departamental e as novas regras e requerimentos para a carreira universitária
(incluída a formação em nível de pós-graduação), assim como o novo
formato dos programas de pós-graduação, influiu decisivamente no for398
SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
mato das atividades de pós-graduação e na demanda crescente pelas mesmas.
Os dados da Tabela 1 indicam uma crescente institucionalização do
ensino de Sociologia em nível de graduação, particularmente no período
entre 1954 e 1976, tendo ocorrido uma significativa queda por causas não
identificadas, no número de cursos de graduação entre este último ano e o
ano de 1978. Correia Dias (1981), analisando os Cursos de Graduação em
ciências sociais, por tipo de titulação, indica que em 1978 havia: 56 Licenciaturas;
15 Bacharelados; Bacharelados em Ciências Políticas e Sociais; e 6
cursos organizados segundo o modelo da Escola Livre de Sociologia e Política.
Ano Número de Cursos
1936 2
1954 11
1968 33
1976 83
1978 71
Tabela 1 - Cursos de Graduação em Ciências Sociais Brasil 1936-1978 e
HOJE?
Fontes: CLAPCS (1967) e Correia Dias (1981).
Mesmo o período mais “fechado” do regime autoritário (1968-1974)
assistiu a um incremento do número de graduações em Sociologia e ciências
sociais, o que deve ter estado associado ao impacto da reforma universitária
de 1968, e do processo de “expansão” com “privatização” do
ensino superior (Cunha, 1979). Esta “privatização” quanto aos cursos de
ciências sociais, evidencia-se nos dados fornecidos pela Tabela 2 os quais
indicam que, em 1978, 58,92% dos cursos estavam vinculados a universidades
ou a Faculdades de Filosofia privadas. Ao mesmo tempo, os centros
privados de ensino e/ou pesquisa ofereceram uma alternativa às “limitaSOCIOLOGIAS
399
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
ções” impostas às atividades intelectuais e científicas no âmbito das instituições
públicas, particularmente as universidades. Esses centros também ofereceram
a oportunidade de exercício profissional a intelectuais que, em
função de “cassações”, estavam proibidos de exercer atividades em universidades
ou agências públicas. Como conseqüência deste processo de crescente
institucionalização do ensino e da pesquisa em Sociologia, no início
dos anos oitenta, havia cerca de 30.000 sociólogos (bacharéis e ou licenciados
em ciências sociais) no Brasil (Dal Rosso, 1981, p. 2).
TIPO DE INSTITUIÇÃO No DE INSTITUIÇÕES % DO TOTAL DE
INSTITUIÇÕES
UNIVERSIDADES 18 32,14
Oficiais 10 17,86
Particulares Confessionais 6 10,71
Particulares 2 3,57
FACULDADES DE FILOSOFIA OU DE
FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS 25 44,64
Instituições Privadas 23 41,07
Faculdades Municipais 2 3,57
TOTAL 56 100
Tabela 2 - Brasil - Licenciaturas em ciências sociais, por tipo de instituição
mantenedora 1976.
Fonte: Correia Dias (1981).
A crise e a renovação institucional-profissional das ciências sociais no
Brasil associaram-se a uma crise e reorientação teórica simultânea e interrelacionada
com a crise teórica das ciências sociais na América Latina, a
qual foi potenciada e potenciou a crise da “Sociologia Internacional”, isto é,
a crise mundial das ciências sociais em fins da década de 1960.
Na América Latina, a crise teórico-paradigmática teve como efeito,
ao nível da sociologia do desenvolvimento, a formulação de novas abor400
SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
dagens, quais sejam: Teoria da Dependência, que se distingue em uma
versão estagnacionista e uma versão do desenvolvimento dependente, e a
abordagem do Novo Autoritarismo que, aceitando os pressupostos da Teoria
da Dependência, busca aprofundar suas implicações através da análise
da especificidade da dinâmica política em situações dependentes.7
Ao mesmo tempo, a preocupação temática com os problemas sociais
do Brasil contemporâneo, tais como o modelo econômico-excludente,
o modelo político autoritário, os movimentos sociais urbanos e rurais, o
novo movimento sindical, a participação e o comportamento político sob
a dominância da Teoria da Dependência e a da abordagem do Novo
Autoritarismo caracterizam, nos níveis temático e paradigmático, a Sociologia
brasileira neste período.
III - Excurso - Sociologia e Cidadania: Florestan Fernandes e
Fernando Henrique Cardoso
A reconstrução comparativa da evolução da obra de dois dos principais
sociólogos brasileiros – Florestan Fernandes e Fernando Henrique
Cardoso –, empreendida a seguir, permite apreender a dramaticidade dos
desafios históricos e teóricos enfrentados por esses sociólogos, bem como
as alternativas contrastantes das novas teorizações propostas por eles e das
soluções prático-políticas que assumiram na tentativa de cumprir com o
duplo papel de sociólogos e de cidadãos.
- Florestan Fernandes e a revolução burguesa brasileira
A evolução das orientações teórico-metodológicas e das preocupações
temático-políticas que caracterizam a obra de Florestan Fernandes,
7 Estas questões teórico-políticas serão detalhadas a seguir na parte três, quando da análise das obras de Florestan Fernandes
e Fernando Henrique Cardoso.
SOCIOLOGIAS 401
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
permitem a identificação de quatro etapas distintas: Etapa de Formação
Intelectual (1941-1952); Etapa da Sociologia numa Era de Revolução Social
(1952-1967); Etapa da Reflexão sobre a Revolução Burguesa no Brasil (1967-
1986) e Etapa da Militância-Cidadã (1986-1995). As características principais
dessas etapas, apresentadas esquematicamente na Figura 3, serão analisadas
a seguir, visando oferecer um guia para a (re) leitura da contribuição
intelectual e política de Florestan Fernandes, enquanto sociólogo e cidadão.
A Etapa de Formação Intelectual de Florestan Fernandes estende-se
do seu ingresso na Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo
em 1941, até o momento em que assume a Cadeira de Sociologia I em
1953.8 Destacam-se, nessa etapa entre os estudos empíricos, os levantamentos
acerca do Folclore e da Mudança Social em São Paulo (1976a), A
Organização Social dos Tupinambás (redação em 1947 e primeira publicação
em 1949; 1963), A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá
(1949; republicado 1970).
Entre os estudos teórico-metodológicos, merecem destaque a introdução,
de sua autoria, para a tradução, da Contribuição à Critica da Economia
Política de Marx, realizada em 1946, como “tarefa” de sua, então,
militância no movimento trotskista, e a monografia acerca da “Concepção
de Ciência Política de Karl Mannheim” (In 1974b), redigida em 1946, sob
orientação do Professor Emílio Willems, como trabalho da Cadeira de Antropologia
da Pós-graduação na Escola Livre de Sociologia e Política de
São Paulo.
Destaque cabe também ao texto “O Problema do Método na Investigação
Sociológica” (1947, in 1971), no qual se configura a originalidade
da formulação teórica inicial da obra de Florestan, a qual imantou a organização
da “Escola de Sociologia da USP”.
8 Ver acerca de sua infância, adolescência e ingresso na USP, os textos-depoimentos “A Geração Perdida” (in 1977), e a entrevista
“Sobre o Trabalho Teórico” (1975b).
402 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
HIPÓTESE DA
DEMORA CULTURAL
HIPÓTESE DO DILEMA
SOCIAL BRASILEIRO
ACELERAÇÃO CONSTANTE DA DEMOCRATIZAÇÃO
DO PRESTÍGIO E DO PODER, DA DEMOCRATIZAÇÃO
DA RENDA E DA AUTONOMIA NACIONAL
CONSTRUÇÃO DA ORDEM SOCIAL
INDUSTRIAL DEMOCRÁTICA NO BRASIL
REALIZAÇÃO DE UMA REVOLUÇÃO
BURGUESA DE MODELO FRANCÊS
PROBLEMÁTICA 1
1947-1966
A DITADURA A NOVA REPÚBLICA
A REVOLUÇÃO BURGUESA
CAPITALISTA DEPENDENTE
É UMA
CONTRA-REVOLUÇÃO
BURGUESA
AUTOCRÁTICA
ANTI-POPULAR
ANTI-NACIONAL
PROBLEMÁTICA 1
1947-1966
1954-1961 1961-1966 1966-1986 1986-1995
­
Figura 3 - Florestan Fernandes: concepções da Revolução Burguesa no Brasil.
SOCIOLOGIAS 403
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Esta formulação se constituiu como uma síntese original entre a problemática
básica da concepção de ciência política de Karl Mannheim,
conforme explicitada no Capítulo III de Ideologia e Utopia (1952) – quais
as possibilidades de construção plena de uma ordem social industrial e
democrática, enquanto processo de racionalização – e o método
funcionalista,9 na tradição de Radcliff Brown, como quadro de referência
para a análise da constituição e intervenção racional na sociedade industrial
(Liedke Filho, 1977).
Esta problemática está explicitada teoricamente, por exemplo, na
reflexão de Florestan Fernandes acerca do “Significado das ciências sociais
no Mundo Moderno” (1950, in 1971), na qual argumenta que “de um
lado, elas nos abrem perspectivas quase insondáveis de conhecimento e de
domínio das forças que operam no meio social em que vivemos. De outro
lado, elas poderão contribuir para a formação do novo tipo de homem,
exigido pela civilização científica e industrial em desenvolvimento” (1971,
p. 300).
Uma segunda etapa da obra de Florestan - Etapa da Sociologia numa
Era de Revolução Social10 (1952-1965) – tem por base a historicização da
problemática original da obra de Florestan Fernandes, a qual passa a ser
nucleada na relação entre razão e possibilidades de construção da ordem
social, industrial e democrática no Brasil, cabendo, neste processo de intervenção,
um papel relevante à Sociologia Aplicada.
Florestan Fernandes, no texto “Desenvolvimento Histórico-Social da
Sociologia no Brasil” (1957, in 1977), propôs uma periodização da evolução
da Sociologia no Brasil tendo por base o objetivo dominante da produção
de conhecimentos sociológicos, o que permite compreender o signi-
9 Ver “Introdução” de Folclore e Mudança Social no Brasil (1976), em que Florestan descreve seu aprendizado do funcionalismo.
10 Ver A Sociologia em Uma Era de Revolução Social (1976).
404 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
ficado que ele atribuía à Sociologia e ao seu próprio trabalho intelectual
nesta etapa.
Um primeiro período da Sociologia no Brasil foi marcado pelo
autodidatismo e se iniciou já no terceiro quartel do século XIX,
correspondendo à fase de desagregação da ordem social escravocrata,
sendo caracterizado pela exploração de conhecimentos sociológicos como
recurso parcial de interpretação. A intenção principal não era fazer investigação
sociológica propriamente dita, mas considerar fatores sociais na
análise de certas relações como, por exemplo, as conexões entre o Direito
e a Sociologia, a literatura e o contexto social, o Estado e a organização
social. Um segundo período teve início em princípios do século, quando a
Sociologia frutifica, tanto sob a forma de análise histórico-geográfica e sociológica
do presente quanto sob a inspiração de um modelo mais complexo
de análise histórico-pragmática, em que a interpretação do presente
se associava a disposições de intervenção racional no complexo social.
Finalmente, um terceiro período, o qual, embora com raízes no segundo
quartel deste século só se configura plenamente no pós-guerra – época de
redação dessa análise de Florestan – tem por característica dominante a
preocupação de subordinar o labor intelectual no estudo dos fenômenos
sociais aos padrões de trabalho científico sistemático. Esta intenção se revela
tanto nas obras de investigação empírico-indutiva de reconstrução
histórica ou de campo quanto nos ensaios de sistematização teórica.
Em 1952, Florestan Fernandes assumiu a Cadeira de Sociologia I, em
substituição a Roger Bastide que retornava então à Europa, e deu início à
organização de um grupo de colaboradores, constituído inicialmente por
Fernando Henrique Cardoso, Octavio Ianni e Renato Jardim Moreira, originando
a “Escola de Sociologia da USP”. Por “Escola de Sociologia da
USP” ou “Escola de Sociologia de Florestan Fernandes”11 entende-se o
11 Acerca da história do grupo cientistas sociais em questão, ver Fernandes, F. A Sociologia no Brasil (1977), capítulos 7 e 8, e
Liedke Filho (1977 e 1990a).
SOCIOLOGIAS 405
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
grupo de cientistas sociais que trabalharam ligados a este sociólogo no período
de 1954 a 1969, na antiga Faculdade de Filosofia da USP, desenvolvendo
uma série de projetos de pesquisa comuns, abrangendo temas referentes
(1) às relações raciais no Brasil,12 (2) à empresa industrial em São Paulo
e (3) à análise sociológica do desenvolvimento no Brasil,13 na “aventura
comum de vincular a investigação sociológica à transformação da sociedade
brasileira” (1975a, p. 5).
A reflexão acerca da Sociologia Aplicada ocupa lugar de destaque na
produção intelectual de Florestan Fernandes nesta etapa, sendo a mesma
concebida como a “análise dos efeitos disnômicos da vida social e das
condições previsíveis de intervenção racional no controle das situações em
que elas emergem socialmente”, sendo uma das exigências fundamentais
da mesma, que seja uma análise do presente (1971, p. 151).
São desta etapa da obra de Florestan, expressando suas bases teórico-
metodológicas, os textos “O Método de Interpretação Funcionalista em
Sociologia” (Tese de Livre-Docência à Cadeira de Sociologia I, defendida
em 1953); “O Problema da Indução na Sociologia” (1954) e “A Reconstrução
da Realidade nas ciências sociais” (1957), publicados na coletânea
Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica (Fernandes,1980a).
Na nova “Introdução” a Mudanças Sociais no Brasil (1974a), Florestan
aponta retrospectivamente que a problemática básica de sua obra nesta etapa
poderia ser repensada ou reformulada nos seguintes termos: a sociedade brasileira
(no limite, a burguesia brasileira) teria condições de fazer uma Revolução
Burguesa nacional-democrática-popular, clássica, de estilo francês?
12 Ver o projeto e os resultados da pesquisa que originaram esta linha de investigação, em Bastide, R. e Fernandes, Brancos e
Negros em São Paulo, São Paulo: Companhia Ed. Nacional, 1971, 3a. ed.; Cardoso, F H e Ianni, O. Cor e Mobilidade Social em
Florianópolis, São Paulo, Cia Editora Nacional, 1960; Cardoso, F H Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional, São Paulo:
DIFEL, 1962: Ianni O. As Metamorfoses do Escravo, São Paulo, DIFEL, 1962; Fernandes, F O Negro no Mundo dos Brancos, São
Paulo: DIFEL, 1972, Fernandes F. A Integração do Negro na Sociedade de Classes; São Paulo: Dominus Editora e Editora da USP,
1965.
13 Ver os projetos 2 e 3 em Fernandes, 1974a e 1976b.
406 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Sugerimos em estudo anterior (Liedke Filho, 1977) que essa etapa da
obra de Florestan divide-se em dois subperíodos, caracterizados pela vigência
de hipóteses-respostas diferentes à mesma questão de fundo: a
Hipótese da Demora Cultural (1954-1959) e a Hipótese do Dilema Social
Brasileiro (1959-1965).
A Hipótese da Demora Cultural presente em textos como “Existe
uma Crise da Democracia no Brasil?” (Fernandes, 1954, in 1974a) e “Obstáculos
Extra-Econômicos à Industrialização” (Fernandes,1959 in 1974a),
...consiste na presunção de que, quando não é
homogêneo o ritmo da mudança das diversas esferas
culturais e institucionais de uma sociedade, umas esferas
podem se transformar com mais rapidez do que
outras, introduzindo-se um desequilíbrio variável na
integração delas entre si. Quando isto ocorre, é óbvio
que no período de transição se produzem atritos e tensões
resultantes das próprias condições de mudança
social. As expectativas de comportamento antigas e as
recém-formadas coexistem, inevitavelmente, durante
algum tempo, criando fricções nos ajustamentos dos
indivíduos a situações que são por elas reguladas socialmente
(Fernandes,1974a, p. 101).
Em “Existe uma Crise da Democracia no Brasil?” (1954, in 1974a),
buscando responder por que a construção da democracia no Brasil era
então, em seu entender, um processo incipiente, Florestan aponta a possibilidade
de emergência de disnomias (irracionalidades) em setores da vida
social, estereotipados em termos de tensões entre padrões recorrentes tradicionais
de ação e padrões racionais emergentes de institucionalização e
ação.
Neste texto, tem-se, de um lado, a análise do momento brasileiro de
então, isto, é, tem-se uma crítica do “atual regime” (assim como o do
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Estado Novo que o antecedeu) e, de outro, as dimensões abrangidas por
esta crítica – partidos e demais instituições políticas (campo estrutural da
política), anarquia e oportunismo (características do campo funcional da
política) – são caracterizadas como fenômenos particulares de Demora
Cultural, “para os quais contribuiu a falta de um elevado padrão de educação
popular no Brasil”, produto da antinomia entre necessidade de educar
as massas populares e incapacidade dos governos em atender efetivamente
essa necessidade – compreendida como um dos focos mais ativos
da instabilidade do regime republicano. Ou seja, o problema da carência
educacional das massas e da necessidade de superá-las, como campo estratégico
para o confronto da Demora Cultural, adquire uma importância
analítica crescente. Neste contexto, Florestan sustenta que,
...toda a argumentação desenrolada tenta mostrar que
um dos fatores que prejudicam o desenvolvimento da
democracia no Brasil é a persistência de uma mentalidade
política arcaica, inadequada para promover ajustamentos
dinâmicos não só a situações que se alteram
socialmente, mas que estão em fluxo contínuo no presente.
A contribuição que a educação sistemática pode
oferecer para alterar semelhante mentalidade exprime,
naturalmente, as tarefas políticas que ela pode preencher
em uma esfera neutra (1974a, p. 114).
E a partir destes marcos interpretativos, efetivou-se o envolvimento
de Florestan Fernandes na Campanha em Defesa da Escola Pública,14 tanto
em termos da produção de análises da questão como da participação
efetiva na Campanha, através de conferências e comícios públicos e de
contatos com deputados e senadores, nos momentos que antecederam a
votação, pelo Congresso, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Esse
14 Ver os textos incluídos na coletânea de Florestan Fernandes Educação e Sociedade no Brasil (1966).
408 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
envolvimento e a frustração quanto aos rumos tomados pelos legisladores e
o próprio Executivo, chefiado já então (1961) por João Goulart, levaram a
uma mudança da hipótese orientadora da obra de Florestan, enquanto resposta
à problemática básica das possibilidades de constituição de uma ordem
racional, industrial e democrática no Brasil, passando a vigorar a Hipótese
do Dilema Social Brasileiro, em substituição à Hipótese da Demora
Cultural.15
O Dilema Social Brasileiro consiste “numa resistência residual superintensa
à mudança social, que assume proporções e conseqüências
sociopáticas” (1976b, p. 211). Trata-se de “um tipo de inconsistência estrutural
e dinâmica que nasce da oposição entre o comportamento social
concreto e os valores morais básicos de determinada ordem social” (1976b,
p. 208), comportamento este das camadas privilegiadas econômica-social
e politicamente.
[O] dilema social brasileiro caracteriza-se como um
apego sociopático ao passado, que poderá ter conseqüências
funestas. Ostenta-se uma adesão aparentemente
leal e faminta ao progresso. Professa-se, porém,
uma política de conservantismo cultural sistemático.
Os assuntos de importância vital para a coletividade
são encarados e resolvidos à luz de critérios que possuíam
eficácia no antigo regime, ou seja, há três quartos
de século. Enquanto isso, as tensões se acumulam
e os problemas se agravam, abrindo sombrias perspectivas
para o futuro da Nação. É patente que os adeptos
dessa política estão cultivando, paradoxalmente,
uma gigantesca revolução social, altamente sangrenta
e destrutiva em sua fase de explosão (1962, in 1976b,
p. 212).
15 Ver a autocrítica de Florestan quanto à Hipótese da Demora Cultural em “Reflexões sobre as Mudanças Sociais no Brasil”,
in 1976b: 210.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Uma terceira etapa da obra de Florestan Fernandes – Etapa da Reflexão
sobre a Revolução Burguesa no Brasil – inicia-se sob o impacto do
movimento de 1964, quando se realiza uma ruptura radical com a problemática
até então vigente na sua produção intelectual.
A dignidade intelectual de Florestan Fernandes nos dramáticos momentos
que se seguiram a 1964, está registrada em seu discurso de paraninfo
da turma da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de 1964, intitulado
“A Revolução Brasileira e os Intelectuais” (1965, in 1969), e, particularmente,
em sua “Autodefesa”, carta enviada ao Encarregado do Inquérito
Policial-Militar junto à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP e
que precedeu sua prisão por três dias em setembro de 1964, carta esta
publicada como “Apêndice” ao texto “Em Busca de Uma Sociologia Crítica
e Militante” (1977).
“Sociedade de Classes e Subdesenvolvimento” (1967, in 1969) é o
texto-marco dessa ruptura, enquanto instauração da problemática do subdesenvolvimento
como forma específica de realização do capitalismo
mundial, a qual se apresenta como uma forma particular de Revolução
Burguesa, despojada de qualquer impulso construtivo e revolucionário. O
referido texto, que dá o nome à coletânea em que foi publicado, distancia-
se profundamente dos demais textos desta, os quais, redigidos entre
1965 e 1967, ainda se encontram dentro dos marcos teóricos da problemática
anterior da produção de Florestan Fernandes, tendo o conceito de
Dilema Social como conceito explicativo principal. Ressalte-se, todavia,
que o caráter particular da Revolução Burguesa no Brasil, a partir da formação
histórica da sociedade brasileira, adquire importância crescente ao
longo desses textos redigidos entre 1965 e 1967, vindo a culminar na
referida ruptura.16
16 Ver especialmente “A dinâmica da mudança sócio-cultural no Brasil” (1965, in 1969), texto em que a “irracionalidade do
comportamento conservador”, é objeto de minuciosa análise.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Um dos pontos que merecem destaque especial em “Sociedade de
Classe e Subdesenvolvimento” (in 1969), além da original síntese entre
conceitos de Marx, Weber e Durkheim para a explicação macrossociológica
do subdesenvolvimento econômico, da análise do significado da articulação
de estruturas econômicas heterogêneas no sistema econômico nacional
brasileiro e da análise da constituição, funcionamento e evolução do
regime de classe no Brasil, é a formulação do conceito de “racionalidade
econômica possível em circuito de indeterminação”, dada a partir das tendências
da referida heterogeneidade estrutural. Referindo-se à ação das
classes dominantes, Fernandes afirma que
Elas vêem o capitalismo e suas exigências sociais, culturais
e políticas do ângulo do capitalismo dependente.
Ao fazer sua revolução, fazem-na na escala das realizações
e das ambições fomentadas pelo capitalismo
dependente. Nenhuma outra classe social as contesta
com probabilidade de êxito. De qualquer modo, condenam-
se a protagonizarem a história como uma eterna
façanha de dependência. Para que elas se ergam
acima dessa medida, elas precisam ser negadas e arrastadas
por outras classes. Enfim, precisam ser
compelidas a pensar e a transformar o mundo de uma
perspectiva universal (1969, p. 103).
Neste período, cabe destaque especial ao estudo A Integração do
Negro na Sociedade de Classes (1965), estudo escrito entre 1963 e 1964,
dentro dos marcos teóricos então vigentes na produção deste autor, sendo
a expressão máxima da tensão teórica referida, entre uma crescente
centralidade do caráter específico da Revolução Burguesa em condições
de dependência e a vigência ainda da Hipótese de Dilema Social. Este
estudo concluía que, no Brasil,
O dilema racial brasileiro (...) se caracteriza pela forma
fragmentária, unilateral, e incompleta com que [o regime
de classes sociais] consegue abranger, coordenar e
SOCIOLOGIAS 411
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
regulamentar as relações raciais. Estas não são totalmente
absorvidas e neutralizadas, desaparecendo atrás
das relações de classes. Mas sobrepõem-se a elas,
mesmo onde e quando as contrariam, como se o sistema
de ajustamentos e de controles sociais da sociedade
de classes não contivesse recursos para absorvê-las
e regulá-las socialmente (1965, Vol. II, p. 391).
A produção posterior de Florestan Fernandes busca explicitar o caráter
autocrático da Revolução Burguesa em situações de capitalismo dependente
no contexto do sistema capitalista monopolista mundial, sendo
interessante ressaltar que os capítulos constitutivos da primeira e segunda
partes de A Revolução Burguesa no Brasil (1975a) foram redigidos em 1966
e somente publicados em 1975, donde a profunda distância entre esses
capítulos elaborados ainda dentro dos marcos teóricos da Hipótese do
Dilema Social Brasileiro e os capítulos da Parte Terceira do referido livro,
que foram elaborados em 1973/74, enfatizando o caráter autocrático, a
“força selvagem” e a “debilidade crônica” da Revolução Burguesa sob o
capitalismo dependente.
A revolução burguesa brasileira, caso particular da Revolução Burguesa
em condições de subdesenvolvimento, ou melhor, de nova dependência,
é caracteristicamente antidemocrática e anti-popular. A hipótese
básica passa a ser a de que as condições histórico-sociais características do
desenvolvimento capitalista dependente (da nova dependência, mais especificamente)
determinam que a dominação burguesa se dê claramente
de forma autocrática. Isto é, acumulação de capital ao nível econômico a
todo custo (social geral) e democracia restrita aos próprios membros da
classe burguesa e a alguns “cidadãos” mais privilegiados, são as duas faces
deste domínio de classe.
O sentimento pessoal de Florestan Fernandes após a sua cassação da
Universidade de São Paulo em 1969, a radicalização da sua avaliação
412 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
política da situação brasileira e a dor do exílio em Toronto transparecem no
texto “A Geração Perdida”, considerado como uma “última contribuição
que um dos membros dessa geração perdida pode dar para chamar aos
espíritos à razão e para dizer o que pretendíamos, em nome de uma aspiração
legítima e tardia de autonomia cultural” (1977, p. 215).
O retorno de Florestan Fernandes ao Brasil, em 1973, foi marcado
inicialmente por um isolamento que, aos poucos, foi sendo superado pela
colaboração crescente com movimentos sociais então emergentes e pelo
convite feito, em 1978, para lecionar na Pós-graduação de ciências sociais
da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, onde ministrou cursos
teóricos e cursos acerca da Revolução Russa e da Revolução Cubana.
A entrevista “Sobre o Trabalho Teórico” (1975b), publicada na Revista
Trans/Form/Ação e o texto “Em Busca de uma Sociologia Crítica e Militante”
(1976, in 1977) revelam o estado de espírito, a crítica permanente
à dominação burguesa no Brasil e a renovação das esperanças no socialismo
e em uma contribuição positiva da sociologia aos grupos divergentes e
aos movimentos de contestação daquela dominação.
Durante este período, a crítica ao caráter elitista e antipopular da
transição política brasileira, consubstanciada em estudos, comunicações e
artigos de jornais, foi reunida em coletâneas como Circuito Fechado (1976c),
Brasil em Compasso de Espera (1980b) e A Ditadura em Questão (1982).
Em maio de 1986, Florestan Fernandes foi o homenageado da 1a.
Jornada de ciências sociais da UNESP – Campus de Marília, estando os
trabalhos apresentados nessa ocasião, reunidos na coletânea O Saber Militante
– Ensaios sobre Florestan Fernandes, organizada por Maria Angela
D’Incao (1987) os quais, além de depoimentos de amigos, de colegas e
ex-alunos, abordam múltiplas facetas da contribuição intelectual de
Florestan às ciências sociais e ao conhecimento da sociedade brasileira.
Neste mesmo ano, Florestan Fernandes retorna à Faculdade de Filosofia
da Universidade de São Paulo.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Ainda em 1986, com a aceitação do convite formulado pelo Partido
dos Trabalhadores para concorrer à Câmara dos Deputados, tem início
uma quarta etapa – Etapa da Militância-Cidadã, em que, junto com a
crítica ao jogo político das elites para a manutenção de seus privilégios
durante a fase Constituinte, à Nova República e à eleição presidencial de
1989, vieram a ocupar lugar de destaque as intervenções de Florestan
Fernandes como Deputado Federal Constituinte e membro da Comissão
de Educação, a favor de uma educação verdadeiramente popular e democrática,
tendo proposto a lei que estabelece um percentual para a educação
e ciência.
Nessa etapa, destacam-se os livros Que Tipo de República? (1986), O
Processo Constituinte (1988), Florestan Fernandes - Pensamento e Ação -
O PT e os Rumos do Socialismo (1989), A transição prolongada (1990),
Democracia e Desenvolvimento - A Transformação da Periferia e o Capitalismo
Monopolista na Era Atual (1994) e Tensões na Educação (1995).
- Fernando Henrique Cardoso – dependência, autoritarismo e democracia
na América Latina
A produção intelectual de Fernando Henrique Cardoso abrange uma
variada gama de temas teóricos e históricos em ciências sociais, tais como:
relações raciais no Brasil; empresariado e desenvolvimento econômico no
Brasil; dependência e classes sociais na América Latina; autoritarismo e
possibilidades da redemocratização no Brasil. Este artigo apresenta os principais
momentos da história intelectual de Fernando Henrique, enfocando
particularmente suas idéias acerca do Brasil contemporâneo.
Propõe-se aqui que o conjunto dos estudos de Fernando Henrique
Cardoso sobre o Brasil contemporâneo, divide-se em quatro temas-momentos:
o estudo da sociedade escravocrata brasileira e das relações raciais
no Brasil (1955-1961); a reflexão sobre o desenvolvimentismo brasileiro
(1961-1963); a análise da dependência estrutural da sociedade brasileira
no contexto da dependência latino-americana (1965-1972); e o modelo
414 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
político autoritário brasileiro e as possibilidades e tarefas da redemocratização
(1971- ).
Fernando Henrique Cardoso, nascido em 1931, formou-se em ciências
sociais na Universidade de São Paulo em 1952, tendo sido aluno, entre
outros, do sociólogo francês Roger Bastide, de Antonio Candido e de Florestan
Fernandes. Ainda durante a Licenciatura, Cardoso iniciou sua carreira docente,
lecionando História Econômica da Europa na Faculdade de Economia
da USP. Em 1952, Cardoso transferiu-se para a Cátedra de Sociologia I
dirigida por Bastide, passando a trabalhar com seu assistente Florestan
Fernandes, concluindo seu mestrado em 1953, sob a orientação deste.
Em 1954, como mencionado anteriormente, Florestan Fernandes
assumiu a Cátedra de Sociologia I, passando a organizar um grupo de
pesquisadores que veio a ser conhecido como a “Escola de Sociologia da
USP” ou “Escola de Sociologia de Florestan Fernandes”. Constituído inicialmente
por Florestan Fernandes, Fernando Henrique, Octávio Ianni e
Renato Jardim, esse grupo veio a incorporar outros cientistas sociais como
Marialice Foracchi, Luiz Pereira e Gabriel Cohn. No período de 1954 a
1969, a “Escola de Sociologia da USP”, desenvolveu pesquisas sobre relações
raciais no Brasil, a empresa industrial em São Paulo e sobre o processo
de desenvolvimento brasileiro.
Paralelamente às pesquisas da “Escola”, ocorreu no final dos anos
cinqüenta, a constituição de um grupo de estudos dedicado à análise de
O Capital de Marx. Esse grupo, conhecido como o “Seminário do Capital”
incluiu entre outros, Cardoso, Ianni, Fernando Novais, Bento Prado, José
Giannotti, Paul Singer e Roberto Schwarz.
No período de 1955 a 1960, Cardoso e Ianni realizam, com a colaboração
parcial de Renato Jardim, um levantamento de dados sobre a
situação social dos negros no Brasil Meridional, tanto no passado como no
presente. Como resultados desta investigação são publicados os livros Cor e
Mobilidade Social em Florianópolis (1961), de Cardoso e Ianni, Capitalismo
e Escravidão no Brasil Meridional (1962) de Cardoso e As Metamorfoses do
SOCIOLOGIAS 415
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Escravo (1962) de Ianni.
A obra histórico-sociológica Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional
(1962), apresentada por Cardoso como tese de doutorado, analisa
o sistema escravista no Rio Grande do Sul enquanto totalidade social concreta
que resultou da interação entre senhores e escravos na sociedade
gaúcha, implicando a dupla alienação de senhores e escravos. Essa obra
foi redigida sob a influência da metodologia dialética e do conceito de
práxis-projeto propostos por J. P. Sartre em A Questão de Método (1967),
associados por Cardoso a elementos teóricos extraídos da obra de Marx,
particularmente as teorias da alienação e da mais-valia. Cardoso propunha
que o problema teórico central para qualificar a sociedade capitalistaescravista
brasileira era a relação entre a forma capitalista (mercantil) do
sistema econômico mundial e a base escravista das relações de produção.
Cardoso sugere o emprego dos conceitos de patrimonialismo senhorial e
de casta escrava, redefinidos sob a égide do capitalismo mercantil, para
explicar esta particularização do capitalismo mercantil-escravista, onde o
capital variável (força de trabalho) é fixo (escravo), não havendo salário.
A partir de 1959, buscando contribuir para a compreensão do Brasil
contemporâneo, a “Escola da USP” passa a pesquisar o desenvolvimento
brasileiro, enfocando temas como o Estado e o desenvolvimento econômico,
a qualificação da mão de obra, a mobilização do operariado, as
disparidades regionais do desenvolvimento e a estrutura da indústria
paulista. Dentro deste esforço coletivo, Fernando Henrique Cardoso passa
a dedicar-se à reflexão sobre o desenvolvimentismo brasileiro, tema central
do segundo momento de sua obra.
Em sua tese de livre-docência, defendida em novembro de 1963,
Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil, Cardoso
discute a questão central do período histórico desenvolvimentista - teria a
burguesia nacional intenção e condições de realizar um projeto de desenvolvimento
nacional, democrático-popular?
Nessa obra, Cardoso aponta que o processo subdesenvolvimentodesenvolvimento,
enquanto “movimento social”, implica em que se rete416
SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
nha que:
entre um movimento e outro da história de uma sociedade,
há a mediação de uma luta que reflete a tensão
entre interesses e objetivos sociais diversos num duplo
sentido: altera-se a posição da sociedade particular no
conjunto das sociedades e modifica-se internamente a
posição das camadas da sociedade que se está
desenvolvendo (Cardoso, 1964, p. 70-71).
Os resultados da pesquisa desenvolvida entre 1961 e 1963 acerca das
elites empresariais permitiram a Cardoso sustentar teses contrárias à interpretação
do desenvolvimentismo, então compartilhada tanto pelo ISEB (Instituto
Superior de Estudos Brasileiros) como por setores marxistas. Cardoso
apontava que (1) não foi a burguesia industrial a responsável primeira pela
elaboração do projeto nacional-desenvolvimentista, mas sim setores
tecnocráticos do Estado que, com a chancela das oligarquias, buscavam
atender as reivindicações das massas populares urbanas nascentes; (2) quando
a burguesia industrial pôde e buscou ter um “controle da situação”, ela
redefiniu o projeto vigente, enfatizando o desenvolvimentismo não-nacionalista,
facilitando o ingresso de capitais internacionais e marchando para
um “subcapitalismo”. Destaque-se que a apreensão destas tendências históricas,
quando o nacionalismo-desenvolvimentista ainda dominava a cena
política nacional, veio a revelar-se estratégica como fundamento para as
análises desenvolvidas posteriormente por Cardoso: a da dependência latino-
americana e do pós-64 brasileiro.
Em 1964, receoso da possibilidade de sua prisão, Cardoso se autoexilou
em Santiago do Chile, onde permaneceu até 1967, trabalhando na
equipe do economista argentino Raul Prebish, diretor da Comissão Econômica
para a América Latina-CEPAL, e lecionando na Faculdade Latino Americana
de ciências sociais. Inicia-se então, um terceiro momento da produção
intelectual de Cardoso, voltada para a comparação entre o Brasil conSOCIOLOGIAS
417
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temporâneo e outras sociedades latino-americanas.
Em 1966 elabora, em parceria com o historiador Enzo Faletto, o livro
Desenvolvimento e Dependência na América Latina (1973), que veio a
alcançar ampla repercussão internacional, tendo sido publicado em diversos
idiomas. Desenvolvimento e Dependência na América Latina propõe
um quadro teórico-metodológico para a análise das condições específicas
da situação latino-americana e do tipo de integração social das classes e
grupos como condicionantes principais do processo de desenvolvimento.
A principal proposição metodológica adiantada pelos autores é de
que a análise integrada do processo de desenvolvimento nacional “consiste
em determinar as vinculações econômicas e político-sociais que se dão
no âmbito da nação”, nestes termos: “objetiva-se apreender o verdadeiro
caráter da dependência – um tipo específico de relação entre as classes e
grupos que implica uma situação de domínio que mantém estruturalmente
a vinculação econômica com o exterior” (Cardoso e Faletto, 1973, p. 31).
A análise integrada do processo de desenvolvimento nacional enfatiza
que
as alianças dos grupos e forças sociais internas estão
afetadas pelo tipo e intensidade das mudanças, e estas
dependem, em parte, do modo de vinculação das
economias nacionais ao mercado mundial; a articulação
dos grupos econômicos nacionais com os grupos e
forças externos realiza-se distintamente e com conseqüências
diferentes, antes e depois de começar um processo
de desenvolvimento. O sistema interno de alianças
políticas altera-se, além disso, muitas vezes em
conseqüência das alianças existentes no plano internacional
(Cardoso e Faletto, 1973, p. 29).
418 SOCIOLOGIAS
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Neste contexto, torna-se importante reter também a distinção entre
os conceitos de Dependência, de Subdesenvolvimento, e de “Centro e
Periferia”.
A noção de ‘dependência’ alude diretamente às condições
de existência e funcionamento do sistema
econômico e do sistema político, mostrando as
vinculações entre ambos, tanto no que se refere ao
plano interno dos países como ao externo.
A noção de ‘subdesenvolvimento’ caracteriza um estado
ou grau de diferenciação do sistema produtivo,
apesar de que isso implique algumas conseqüências
sociais sem acentuar os pontos de controle das decisões
de produção e consumo, seja internamente (socialismo,
capitalismo, etc.) ou externamente
(colonialismo, periferia de mercado mundial, etc.).
As noções de “Centro” e de “Periferia”, por seu lado,
destacam as funções que cabem às economias subdesenvolvidas
no mercado mundial, sem levar em conta
os fatores políticos-sociais implicados na situação de
dependência (Cardoso e Faletto, 1973, p. 26).
A discussão comparativa da crise sociopolítica das sociedades latinoamericanas,
no período de “expansão para fora”, tendo por referência os
conceitos de “situações de controle nacional do sistema produtivo” (Argentina,
Brasil, Uruguai e Colômbia) versus “situações de economia de
enclave” (México, Bolívia, Venezuela, Chile, Peru e América Central), representou
uma renovação interpretativa da história latino-americana. Ao
mesmo tempo, propunha-se a necessidade de apreender “o novo caráter
da dependência” – a internacionalização do mercado – através da abertura
dos mercados internos ao controle externo, via ingresso de capitais estrangeiros.
É interessante destacar que esta hipótese já apontava para uma interpretação
antiestagnacionista, rejeitando a tese da inviabilidade do desenvolSOCIOLOGIAS
419
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vimento capitalista em condições de dependência, tese esta que orientou,
no Brasil, até o início dos anos setenta, a tática de resistência política
antiautoritária proposta por setores nacionalistas e também por amplos
setores da esquerda socialista, incluindo várias organizações armadas.
Após lecionar em Nanterre na França, nos anos de 1967 e 1968,
Cardoso retorna ao Brasil, candidatando-se, com sucesso, à catedra de
Ciência Política da Universidade de São Paulo. Em 1969, no auge da onda
repressiva que se seguiu à promulgação do Ato Institucional nº 5, ocorrem
cassações de cientistas e pesquisadores de universidades brasileiras, estando
Fernando Henrique Cardoso, Florestan Fernandes, Paula Beiguelman,
Octávio Ianni e Paul Singer entre os cientistas aposentados compulsoriamente
da Universidade de São Paulo.
Ainda em 1969, Cardoso participa, em São Paulo, junto com outros
cientistas e intelectuais como Cândido Procópio Camargo, Elza Berquó,
Paul Singer e José Gianotti, da fundação do CEBRAP – Centro Brasileiro de
Análise e Planejamento. Esta entidade ocupou papel de destaque na vida
intelectual e política brasileira ao longo do processo de redemocratização.
Entre as obras elaboradas pelos pesquisadores do CEBRAP, merece destaque
o livro São Paulo 1975: Crescimento e Pobreza, redigido a pedido da
Comissão Pastoral de Justiça e Paz de São Paulo, para leitura e reflexão
por comunidades de base.
No início dos anos setenta inicia-se um quarto momento da produção
intelectual de Fernando Henrique sobre o Brasil contemporâneo,
centrando-se na análise do modelo econômico-político do regime pós-64
e das possibilidades de uma real democratização da vida social brasileira.
Em 1976, Cardoso publica a coletânea Autoritarismo e Democratização,
em que substitui o conceito de internacionalização do mercado interno
pelo de capitalismo dependente-associado, e propôs, para a compreensão
do Brasil pós-64, o conceito de capitalismo dependente-associado, com
base na aliança entre empresas estatais e em capitais internacionais, os
quais têm por parceira menor a burguesia local, que “não deixou de existir”
420 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
(Cardoso, 1976, p. 34).
Nos artigos constantes dessa coletânea, Cardoso critica tanto os
apologetas do “milagre brasileiro”, como “as novas teses equivocadas sobre
a América Latina” (Quadro 3) que, à esquerda, postulam como necessária
a relação entre dependência, ditadura e superexploração da mão de
obra, supondo que “os frutos do crescimento derivam quase só do suor dos
trabalhadores, do baixo nível de remuneração, da marginalização crescente
de uma parcela da população, do sub-emprego, etc.” (Cardoso, 1976, p.
31). Segundo Cardoso, esquecem-se os que se apegam a este estilo de
interpretação que o capital, se bem que expresse diretamente uma relação
social de exploração, implica, quando o capitalismo avança, tanto o
uso de tecnologias como a produção de excedentes que dão vida e dinamismo
a setores não produtivos da sociedade. Ao mesmo tempo, esquecem
também que o nervo do capitalismo avançado se baseia na extração
da mais-valia relativa (decorrente do progresso técnico e não da
superexploração da jornada de trabalho) e na competição (embora
oligopólica) entre produtores.
1 - O desenvolvimento capitalista na periferia é inviável.
2 - O capitalismo dependente está baseado na exploração extensiva
da mão de obre e preso na necessidade de sub-remunerar o trabalho.
3 - As burguesias locais deixaram de existir como força social ativa.
4 - A penetração das empresas multinacionais leva os estados nacionais
a uma política expansionista.
5 - O caminho político do continente está frente a uma encruzilhada:
“socialismo ou fascismo”.
Fonte: Cardoso (1976).
Quadro 3 - Fernando Henrique Cardoso - As novas teses equivocadas sobre
a América Latina.
SOCIOLOGIAS 421
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Nestes termos, Cardoso considera que, embora o caráter excludente,
regressivo da distribuição de renda do “milagre brasileiro”, tenha propiciado
o consumo conspícuo, luxuoso, das camadas de altas rendas, favorecendo
o próprio “milagre”, a concentração de renda não é essencial ao capitalismo
dependente-associado. Se houver vontade política, o desenvolvimento
capitalista associado pode coexistir com algum tipo de distribuição crescente
da renda, em outras palavras, com algum tipo de democracia social.
Em conjunto com esta tese, Cardoso reafirma sistematicamente que
o desenvolvimento capitalista-dependente não implica, não requer
autoritarismo político, ou como alguns como Theotonio dos Santos (1972)
postularam fascismo (Figura 4). Cardoso levanta a possibilidade de formas
democráticas de vida social, ainda que em condições de dependência,
bem como a necessidade da reflexão e da luta social pela “democratização
substantiva”, através da “reativação da sociedade civil” brasileira. Estes
temas vieram a ser incorporados no programa do único partido de oposição
legal de então – o Movimento Democrático Brasileiro – para a campanha
de 1974, elaborado por Paul Singer, Francisco de Oliveira e Fernando
Henrique Cardoso, a convite de Fernando Gasparian e Ulisses Guimarães.
Concebida como alternativa política ao autoritarismo do modelo pós-
64, a noção de “reativação da sociedade civil” (Cardoso, 1976) consiste
em ir tecendo os fios da sociedade civil, de tal forma que ela possa expressar-
se na ordem política e possa contrabalançar o Estado, tornando-se
parte da realidade política da Nação. Tratar-se-ia de ir fazendo com que as
associações profissionais, os sindicatos, as igrejas, os grêmios estudantis, os
círculos de estudos e debates, os movimentos sociais, em suma, expusessem
de público seus problemas, propondo soluções e entrando em conflitos
construtivos para o país. Neste contexto, seria preciso não esquecer
que, dentro do aparelho de Estado, também seria preciso legitimar as divergências
construtivas e eliminar as tendências favoráveis à uniformidade
pseudo-consensual.
422 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
HIP 2 - 1990 INTERDEPENDENTE
É VIÁVEL
DEPENDENTE
HIP 1 - 1975 É VIÁVEL
DEMOCRACIA
É VIÁVEL
DESENVOLVIMENTO
CAPITALISTA
PERIFÉRICO
DEPENDENTE
NÃO É VIÁVEL
FACISMO
DESENVOLVIMENTO
CAPITALISTA
PERIFÉRICO
Figura 4 - Teoria da dependência e a questão democrática - hipótese dependência não estagnacionista -
Cardoso
SOCIOLOGIAS 423
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
A “democratização substantiva” é concebida por Cardoso como uma
tarefa anterior à definição de formas de governo e de controle partidário,
que insiste sobre o direito à participação, à crítica e ao controle por parte
dos indivíduos nos distintos planos da sociedade. Tratar-se-ia de buscar
mecanismos que assegurassem, em primeiro lugar, informações sobre decisões
(nas Empresas de Estado, na Administração etc.); em segundo lugar,
tratar-se-ia de ampliar o debate dentro do âmbito do Estado e de seus
prolongamentos; e em terceiro lugar, imaginar fórmulas de participação
nestas decisões, tanto por parte dos que estão diretamente implicados
pelo trabalho nas organizações estatais como por parte do público mais
amplo. Ressalte-se que Cardoso indica que não se trata, obviamente, de
substituir a luta de classes por uma panacéia de “participação
indeterminada”, mas de criar as arenas e o clima de liberdade que permitam
aos trabalhadores, aos assalariados em geral, aos sindicatos, às organizações
culturais, religiosas e políticas exercer sua ação transformadora,
para isto sendo necessário reorganizar os partidos e criar associações que
expressem autenticamente os interesses dos assalariados.
Na busca da consecução destes ideais, Cardoso ingressa na vida político-
partidária em 1978, sendo eleito suplente de senador pelo MDB
(Movimento Democrático Brasileiro) de São Paulo. Em 1983, assume o
mandato de senador substituindo Franco Montoro e participando posteriormente
da fundação do Partido da Social Democracia Brasileira.
Simultaneamente sua produção intelectual volta-se cada vez mais
para a análise dos processos cotidianos e das alternativas dos sociais individuais
e coletivos envolvidos na redemocratização política brasileira. A
coletânea A Construção da Democracia (1993), inclui análises de temas
como os governos Geisel e Figueiredo, o início da distensão política, o
papel dos empresários nesta. Em suas análises, Cardoso (1988) realiza uma
dura crítica a três alternativas políticas para o Brasil : a liberal-conservadora,
identificada com o regime militar e a estratégia da abertura lenta e
424 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
gradual; a liberal-democrática, voltada meramente para os aspectos jurídico-
legais da redemocratização e a democrático-basista, inspirada no
solidarismo cristão, no anarquismo anti-estatizante e na crença da “pureza
e bondade” natural do povo.
Ressalte-se que três teses merecem atenção para a compreensão plena
das idéias do sociólogo (e do político) Fernando Henrique Cardoso, as
quais também podem servir como peso e medida para a avaliação de seu
desempenho na Presidência do Brasil por oito anos: (1) a tese da viabilidade
de algum tipo de desenvolvimento capitalista, ainda que em condições de
dependência associada, com presença do capital internacional, sem que
isto signifique que as burguesias locais deixem de existir; (2) a tese da viabilidade
de algum tipo de (re)distribuição de renda, mesmo nessas condições;
e (3) baseada nas teses anteriores, a tese da necessidade-viabilidade de uma
democratização substantiva, com justiça social, participação democrática e
liberdade efetiva. O deslocamento analítico ocorrido no discurso de Cardoso,
com a noção de interdependência passando a assumir uma centralidade
antes ocupada pelo conceito de capitalismo dependente-associado, evidentemente
veio a facilitar a pregação política dessas teses, ainda que, sua
efetiva concreção parece muito longe de se ter efetivado.
IV – A Sociologia Brasileira hoje: em busca de uma Nova
Identidade
No período da transição democrática e implantação do sistema democrático-
constitucional no Brasil, verificou-se nas ciências sociais um
deslocamento temático que tem implicações teórico-práticas significativas.
A ênfase em estudos relativos à dependência, vigentes na primeira
metade da década de 70, veio a ser substituída, na segunda metade da
década, pela temática da reativação da sociedade civil, que se transmutou
SOCIOLOGIAS 425
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
quase que imediatamente nas temáticas dos movimentos sociais e da
redemocratização.17
É interessante apontar que, não por acaso, no contexto de sucessivas
derrotas das forças democrático-populares dentro do próprio processo de
transição (Campanha das Diretas Já, eleições de 1989 e 1990), a temática
dos movimentos sociais veio a dar lugar à pesquisa acerca das identidades
sociais e representações sociais, temas estes que, a despeito de sua relevância,
talvez se tenham se tornado, então, obstáculos epistemológicos,
dada a imediatez, subjetivismo e empiricismo de parcela significativa dos
estudos desenvolvidos. Com a perda de iniciativa dos movimentos sociais
democrático-populares ao longo dos processos de redemocratização,
enclausurando-se, a Sociologia seguiu um caminho epistemológico e teórico-
metodológico muito problemático, com o privilegiamento de abordagens
microssociais e uma ênfase exacerbada na questão das identidades,
das representações e do imaginário dos agentes sociais.
A candência dos desafios colocados por esses temas pode ser avaliada
tendo por referência empírica alguns aspectos principais do caso da
Sociologia brasileira contemporânea. A Sociologia no Brasil, no período
dos anos 60 e 70 para os anos 90, vivenciou uma passagem de análises
macros-sociológicas de crítica ao modelo econômico-social excludente
do “milagre” e de crítica ao modelo autoritário para uma
microssociologização dos estudos. Em grandes linhas, verificou-se uma
evolução temática da Sociologia brasileira nos seguintes termos: de grandes
interpretações macroestruturais do modelo econômico-político-cultural
do regime anterior, passou-se para a análise dos agentes e características
da transição democrática, seguida dos temas da democratização necessária,
dos movimentos sociais e da estratégia de reativação da socieda-
17 Como obras exemplares dessas tendências, ver São Paulo, 1975. Crescimento e Pobreza. (Camargo, 1976) e São Paulo: O Povo
em Movimento. (Singer e Brandt, 1980).
426 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
de civil. Rapidamente, ocorreu uma dissociação da questão dos movimentos
sociais em relação a condições macroestruturais, passando a Sociologia a
dedicar-se massivamente a enfocar as identidades e representações sociais
dos movimentos urbanos e rurais, do movimento sindical, dos movimentos
feministas e gay, do movimento negro e dos movimentos ecológicos. Filosoficamente
poder-se-ia dizer que, em termos clássicos, ocorreu um tipo
de passagem do privilegiamento da questão do “para-si” para o “em-si” dos
movimentos sociais.
Recentemente, dentro de um contexto de busca de nova identidade
das ciências sociais brasileiras, como se pode constatar face à expansão e
diferenciação dos grupos de pesquisa constantes do Diretório de Grupos de
Pesquisa do CNPq, novos temas e novas abordagens vieram a ser propostos
para a explicação e/ou compreensão da situação social brasileira.18
O Diretório de Grupos de Pesquisa19 do CNPq indica que, em 2002,
as três áreas totalizavam 477 grupos, estando inscritos 240 grupos de Sociologia,
142 grupos de Antropologia e 95 grupos de Ciência Política (Tabela 3)
ÁREA DO CONHECIMENTO No DE GRUPOS %
SOCIOLOGIA 240 1,6
ANTROPOLOGIA 142 0,9
CIÊNCIA POLÍTICA 95 0,6
CIÊNCIAS HUMANAS 2.399 15,8
TOTAL DE GRUPOS 15.158 100.0
Tabela 3 - Diretório de grupos de pesquisa do CNPq - Grupos de pesquisa
em Sociologia, Antropologia e CIÊncia Política - 2002.
Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 2002.
18 Para revisões da produção das ciências sociais brasileiras por disciplinas áreas temáticas, ver as coletâneas publicadas pela
ANPOCS, sob a direção de Micelli (1999, vol. 1, 2 e 3; e 2002).
19 Para estudos acerca da Sociologia no Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, ver Liedke Filho (2001 e 2003a).
SOCIOLOGIAS 427
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Os dados referentes à classificação das 528 linhas de pesquisa dos
240 grupos de pesquisa em Sociologia indicam, quanto às sociologias específicas
integrantes da árvore do conhecimento do Conselho Nacional
de Pesquisa – CNPq,20 que 181 linhas foram classificadas como dedicando-
se à Sociologia em geral, seguindo-se por ordem de importância a
sociologia do conhecimento, a sociologia urbana, a sociologia rural e a
sociologia do desenvolvimento, cada uma das quais com mais de 50 classificações
(Tabela 4). Entre as novas áreas temáticas, destacam-se a sociologia
do trabalho, a sociologia política, a sociologia da cultura, a sociologia da
educação, os estudos sobre violência e a sociologia da religião (Tabela 5).
SOCIOLOGIAS ESPECÍFICAS No DE LINHAS
SOCIOLOGIA 181
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 60
SOCIOLOGIA URBANA 59
SOCIOLOGIA RURAL 57
SOCIOLOGIA DO DESENVOLVIMENTO 50
FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA 39
SOCIOLOGIA DA SAÚDE 23
OUTRAS SOCIOLOGIAS ESPECÍFICAS 233
TOTAL 702
Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, 2005.
Tabela 4 - Diretório de grupos de pesquisa do CNPq - classificação das
linhas de pesquisa de Sociologia - Sociologias Específicas - 2005.
20 Ressalte-se que pode ocorrer contagem dupla, pois uma mesma linha pode ser objeto de até três classificações. Outrossim,
a classificação das áreas do conhecimento encontra-se presentemente em fase de reformulação por um esforço conjunto do
Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Ensino Superior – CAPES.
428 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
OUTRAS SOCIOLOGIAS ESPECÍFICAS TOTAL
SOCIOLOGIA DO TRABALHO 64
SOCIOLOGIA POLÍTICA 42
SOCIOLOGIA DA CULTURA 29
SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO 20
VIOLÊNCIA 19
SOCIOLOGIA DA RELIGIÃO 19
MEIO AMBIENTE 15
SOCIO-DEMOGRAFIA 14
RAÇAS 10
GÊNERO 10
SOCIOLOGIA DO CONHECIMENTO 10
Outrossim, cabe destacar que dados da Federação Nacional dos Sociólogos
indicam que, ao longo dos setenta anos transcorridos desde a implantação
do primeiro curso de ciências sociais no Brasil, foram formados
cerca de 40.000 licenciados e bacharéis, sendo que atualmente a
estrutura acadêmica da área é constituída por 132 habilitações (bacharelados
e licenciaturas) sediadas em 84 instituições (MEC), com cerca de
13.000 alunos. Em 2002, as três áreas – Antropologia, Ciência Política e
Sociologia – totalizavam 51 cursos de pós-graduação, com um corpo docente
de 901 professores em quase sua totalidade doutores, e possuindo
um total de 1.742 alunos de mestrado e 1.476 alunos de doutorado.21
Fonte: Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq (2005).
Tabela 5 - Diretório de grupos de pesquisa do CNPq - classificação das
linhas de pesquisa de Sociologia - Sociologias Específicas - 2005.
21 Ressalte-se também o significativo papel desempenhado pelas associações profissionais e científicas – Associação Brasileira
de Antropologia - ABA, Associação Brasileira de Ciência Política - ABCP, Sociedade Brasileira de Sociologia -SBS, Associação
Nacional de Pesquisa em ciências sociais - ANPOCS e Federação Nacional de Sociólogos do Brasil - FNSB, e a presença das
ciências sociais na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC.
SOCIOLOGIAS 429
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Nos últimos anos, as principais abordagens que se destacam pela influência
marcante que vêm exercendo sobre a Sociologia no Brasil são
as de Bourdieu, Foucault, Giddens, Elias e Habermas, cujas obras, assim
como as releituras de Weber, são debatidas e utilizadas como referências
em ensaios e pesquisas.
Ressalte-se que o crescente privilegiamento da teoria do individualismo
metodológico e da teoria da escolha racional, por parte de alguns
cientistas sociais, veio a colocar questões pertubadoras, como se depreende
ao enfocarem, por exemplo, temas da sociologia da educação, como a
questão das oportunidades educacionais desiguais, o problema das políticas
educacionais e a discussão de objetivos das práticas pedagógicas. Tratar-
se-ia, por exemplo, neste último caso, de postular uma pedagogia que
privilegiasse a construção/socialização de indivíduos racionais-calculistas,
free-riders, tendencialmente egoístas?
Mais recentemente, as temáticas da globalização, da pósmodernidade
e do multiculturalismo têm merecido destaque nos trabalhos
dos sociólogos e cientistas sociais brasileiros, ocorrendo muitas vezes
a releitura de temáticas já consagradas sob a ótica das suas possíveis conexões
com as temáticas emergentes como, por exemplo, religiões em contexto
de globalização, ou educação e multiculturalismo.
Em resumo, ao longo deste panorama da evolução da Sociologia no
Brasil, verifica-se uma diversidade de respostas para a questão de para
que serve socialmente a Sociologia (e, por extensão, para que servem as
ciências sociais). Instrumento de legitimação de dominação racial; instrumento
de dominação de fração de classe; disciplina auxiliar do
progressivismo pedagógico; instrumento de modernização societária; instrumento
da libertação nacional; elemento de apoio aos esforços de democratização
da sociedade brasileira. Estas são as principais respostas que
emergem da análise aqui realizada.
430 SOCIOLOGIAS
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
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Recebido: 01/07/2005
Aceite final: 05/07/2005
SOCIOLOGIAS 437
Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jul/dez 2005, p. 376-437
Resumo
Este estudo focaliza a história da sociologia no Brasil e as recepções
de tradições sociológicas européias e norte-americana pela sociologia brasileira.
As etapas e os períodos da evolução da Sociologia e de sua
institucionalização como disciplina acadêmico-científica no Brasil são apresentados
em seus traços principais, assim como a situação atual da sociologia
nas universidades, os principais campos de pesquisa da sociologia
brasileira e os novos temas e novas abordagens que vieram a ser propostos
para a explicação e/ou compreensão da situação social brasileira.
Palavras-chave: Sociologia no Brasil, História da Sociologia no Brasil.
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Sociologias, Porto Alegre, ano 7, nº 14, jun/dez 2005, p. 530-540
Sociology in Brazil: history, theories, and challenges
Enno D. Liedke Filho
This study focuses on the history of sociology in Brazil and receptions of
European and North American sociological traditions by Brazilian sociology. The
stages and periods of development of Sociology and its institutionalization as an
academic-scientific discipline in Brazil are presented in their main features, as well
as sociology’s current situation at universities, the main fields of research of Brazilian
sociology, and the new themes and approaches that came to be proposed for
explaining and/or understanding Brazil’s social situation.
Key words: sociology in Brazil, history of sociology in Brazil.


COPYRIGHT ENNO D. LIEDRE FILHO

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