terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

9400 - HISTÓRIA DO JORNALISMO NO BRASIL

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Intercom – Revista Brasileira de Ciências da Comunicação
São Paulo, v.31, n.2, jul./dez. 2008
HISTÓRIA DO JORNALISMO NO BRASIL
História do Jornalismo no Brasil
Francisco Rüdiger*
ROMANCINI, Richard; LAGO, Cláudia. História do Jornalismo
no Brasil. Florianópolis: Insular, 2007. 276 p.
História do Jornalismo no Brasil, de Cláudia Lago e Richard
Romancini, é, sem dúvida, obra bem-vinda, em especial
pela comunidade acadêmica de comunicação e, em geral,
pelo público pensador de cultura. Desde que Werneck Sodré lançara
seu volume sobre o assunto, há mais de quatro décadas, permanecera
sem nenhuma atualização significativa essa importante
matéria para a compreensão da evolução das idéias e a formação
da vida civil em nosso País.
Juarez Bahia tentará suprimir a falta, quando da reedição em
dois volumes de seu Jornal: História e técnica (São Paulo: Ática,
1990). Porém, não tinha o jornalista as credenciais do ofício de
historiador que a tarefa reclamava, pecando seu trabalho tanto
pelo texto materialmente desordenado, quanto pela carência
doutrinária capaz de lhe fornecer a devida sustentação argumentativa
e perspectiva metodológica.
André de Séguin fizera muito melhor poucos anos antes,
conseguindo elaborar em poucas páginas síntese bastante coerente
e informativa da evolução da imprensa jornalística em nosso País.
Brésil, presse et histoire (Paris: L’Harmattan, 1985), todavia, não
teve tradução para o português e sequer chegou ao conhecimento
dos poucos interessados no assunto, como dá prova, inclusive, sua
* Doutor em Ciências Sociais, Universidade de São Paulo.
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ausência da ampla e bem cuidada bibliografia listada no volume
de Lago e Romancini.
Quanto a esse, cumpre, em primeiro, salientar-lhe os méritos. A
edição é bem cuidada do ponto de vista gráfico e editorial. O texto
flui de acordo com o que exige o método de exposição adotado pelos
autores. O emprego de ilustrações enriquece a obra e, ainda mais, o
entendimento da matéria pesquisada, refrescando a memória dos
mais velhos e abrindo a visão das novas gerações de interessados no
desenvolvimento histórico de nossas atividades jornalísticas.
Houve opção por salientar o período mais recente da evolução
do nosso Jornalismo – o que nos parece bem proposto. Destarte,
pode-se ler o texto numa perspectiva de complementaridade
com a obra de Sodré, até porque os pontos de vista empregados
numa e noutra são bem semelhantes: são os da leitura política da
vida jornalística, conforme ainda argumentaremos. Enquanto
Sodré privilegia o período anterior à era Vargas, coerente com a
situação hermenêutica em que redigiu sua investigação, aqui a
ênfase é posta no período que se abre com ela, chegando o relato
dos autores até a época de Lula.
Em linhas gerais, o livro se caracteriza, pela proposta e abrangência,
como um manual de cultura geral e de formação universitária.
A abordagem se restringe, em essência, ao jornalismo gráfico,
com uma ou outra menção aos demais veículos. A
consciência disso por parte dos autores nos é advertida pelo texto,
não importando portanto em prejuízo material ao volume. O principal
em relação à temática, as grandes linhas evolutivas da imprensa
brasileira, está consignado no trabalho. O leitor pode percorrer
suas páginas saindo seguro de que tem em mãos relato
abrangente e bem informado dos momentos formadores da trajetória
de nossa imprensa, das origens à atualidade.
Fugindo de hábito comum nos livros do gênero, os autores
não dedicam especial atenção às origens do fenômeno que enfocam.
O Correio Braziliense, a Gazeta do Rio de Janeiro e o nascimento
da imprensa no Brasil ocupam todo o primeiro capítulo do
volume, mas a extensão deste não sai do necessário (p. 15-28).
Também está bem distribuída a matéria relativa à imprensa do I
e II Reinados, merecedora de um capítulo, para cada um. A Re231
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pública Velha tem espaço um pouco maior, a justo título, visto ter
a imprensa, no período, assumido uma relevância política proporcionalmente
maior no Brasil (p. 67-94).
Desproporcionais nos parecem os capítulos seguintes, sobre o
jornalismo a partir da Era Vargas. A razão não é tanto o maior
espaço que lhe é concedido (p. 95-240). O problema é a forma
como tal é empregado, do ponto de vista da argumentação. A
preocupação jornalística com a atualidade, esqueceram os autores,
tende a ser viciosa, quando a tarefa é de ordem historiográfica.
Aparentemente, sucumbiram os autores à sedução que o mais
fácil e imediato, pela abundância de evidências, provoca no ofício
jornalístico, embora isso, por si só, como notado antes, não seja
em si mesmo um defeito desta História do jornalismo no Brasil.
Posto isso, pode-se passar a comentar mais a fundo o trabalho,
chamando atenção para algumas limitações importantes e do
que nos parece ser seus problemas epistêmicos mais centrais. O
caráter de manual, com efeito, não livra o texto de certos questionamentos
quanto à abordagem dos materiais por ele proposta e
sua correspondente argumentação historiográfica.
Segundo nosso entendimento, o principal gira em torno da
primazia conferida à abordagem externalista. O brasileiro sabe
muito pouco sobre a história de seu País e é bom que se aproveite
a história da imprensa para levar esse conhecimento aos estudantes
de Jornalismo e Comunicação. O problema é que, fixando-se
excessivamente neste ponto, acaba-se por se perder o que é próprio
do objeto selecionado para pesquisa e relato: isto é, a própria
prática ou exercício do Jornalismo em suas condições históricas.
Qual foi o papel que tiveram os jornais e como eles sofreram
influência ou influenciaram os acontecimentos durante o segundo
período Vargas ou a Ditadura militar, por exemplo, é sem dúvida
essencial para entender sua história – mas não é isso que define
sua especificidade jornalística do ponto de vista historiográfico. A
prova está que, recapitulando a historiografia mais geral a respeito
dos fatos citados, não faltam menções ao papel (ativo ou passivo)
que tocou aos periódicos, quando foi o caso (vide, por exemplo,
as referências à imprensa feitas nos vários volumes da conhecida
História da República, de Edgar Carone).
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Com isso, estamos salientando a necessidade de fazer intervir
num relato focado na história do Jornalismo uma abordagem
imanentista, capaz de informar o modo como seu mundo (o da
prática jornalísitca) se estrutura historicamente em suas sucessivas
conjunturas. A perspectiva que situa o fenômeno em seu contexto
mais amplo precisa ser complementada por outra mais
internalista, que destaque as concepções doutrinárias e práticas
objetivas que intermediaram jornalisticamente o processo global
de uma dada época histórica.
História do Jornalismo no Brasil peca pela falta dessa última.
Os autores examinam o fenômeno no ambiente, sem contudo
abrir aquele a um escrutínio mais íntimo. A realidade das redações
e do processo de elaboração do meio impresso, as crenças
institucionais, os critérios de recrutamento e seleção dos sujeitos,
enfim, os pontos todos que, tomados em conjunto, definem as
chamadas rotinas da atividade jornalística não comparecem adequadamente
no trabalho.
Desde esse ponto de vista, a pesquisa fica pelo meio do caminho
e não nos parece que o problema se origine de uma limitação
de espaço. O problema não é de fato aventado, até
porque se fosse levado em conta, um remanejo dos textos poderia
integrá-lo bem ao volume. O capítulo que encerra o volume
é uma prova disso: os acontecimentos dos últimos 10
anos não apenas estão claramente superdimensionados em relação
aos restantes, mas enfatizam demais a cena política em
detrimento dos bastidores jornalísticos.
Para nós, o resultado disso tudo é o surgimento de certo viés
interpretativo passível de questionamento material por parte do
leitor mais crítico. Os autores, de fato, trabalham com a premissa
de que a atividade jornalística é função da história política. A
forma de ser da imprensa se define a partir dos embates e interesses
que surgem na esfera do Estado, do poder político e do exercício
da cidadania. Cremos, porém, que se bem isso é verdade,
não o é sempre e varia de acordo com as circunstâncias mais
amplas de cada época, podendo mesmo, em certos momentos, se
tornar irrelevante para entender o Jornalismo.
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Tivessem os autores dedicado maior cuidado aos aspectos
imanentes ao fenômeno em foco, teriam notado de forma mais firme,
por exemplo, o processo que, desde no final do século passado,
insere os jornais em grupos multimídia e, por essa via, os atrela
à dinâmica da indústria cultural. Os jornais não apenas são
cada vez mais entidades empresariais como o são na condição de
empresas estruturadas em função do mercado de bens de consumo
ligeiro e dos negócios com o elemento espiritual desses bens, como
foi muito bem documentado, pioneiramente, por Habermas e,
entre nós, por Renato Ortiz.
Quando se quer entender o papel dos jornais na vida pública
não se pode deixar de levar em conta os fatores políticos que
aí intervêm, mas ficará sem bom entendimento aquele que esquecer
o modo como, a partir de certo momento, as relações
mercantis estruturam o sentido e limites dessa intervenção para
a sociedade. E, para tanto obter, é imprescindível fazer o registro,
por mínimo que seja, do modo como eles se converteram em
negócios e se organizam como empreendimentos capitalistas
integrados em corporações multimídia.
A perspectiva, é claro, não se aplica a toda a trajetória da
imprensa: antes de meados do século passado, era outra a racionalidade
a comandar suas intervenções – mas também nesse caso,
bem registrado pela obra, falta ao texto a análise imanente que
permitiria caracterizar a estrutura, funcionamento e forma de
atuação dos jornais no período. Os esquemas textuais e organizacionais
que marcaram seu longo período de hegemonia não
são examinados, ficando fora do relato as referências literárias e
político-partidárias que ajudariam a entender melhor o Jornalismo
que interveio em nosso meio entre 1822 e 1945.
Secundário em relação a esse problema, mas não menos importante
do ponto de vista do que na obra se propõe, é a restrição
da matéria à cena jornalística do eixo Rio-São Paulo. Ninguém
contesta que, durante mais de um século, coube aos jornais cariocas
o principal no tocante à formação e representação da opinião
pública nacional. Que depois de 1960, os processos de inovação
e os pontos de irradiação de influência sobre a imprensa brasileira
se deslocaram para São Paulo. Porém, não fica bem em obra com
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título tão ambicioso, como é o caso da resenhada, restringir seu
escopo às capitais desses dois estados: seria preciso dar pelo menos
uma idéia do que houve no restante do Brasil.
Como se trata de um manual, o expediente precisa ser bem
pensado, tanto para não sobrecarregar o volume, quanto para o
mesmo não perder o foco e relevância. Porém, não se pode abrir
mão do mesmo. Não há como dispensá-lo sem causar prejuízo à
cognição do assunto. Por exemplo, os autores poderiam, em cada
capítulo, ter aberto parágrafos para sumariar os principais elementos
e características da imprensa das várias regiões, senão de
alguns estados em particular, como Pernambuco, Bahia, Minas
Gerais ou Rio Grande do Sul. Esboçado no capítulo 3 (p. 49-
50), o procedimento é abandonado em seguida, caminhando o
texto para um afunilamento da matéria dentro do mencionado
eixo Rio – São Paulo.
Também, mais do que pertinente, seria recomendável, no
sentido que estamos referindo, fazer constar no texto gráficos e
tabelas estatísticas sobre a evolução da imprensa nacional. Dados
sobre o número de jornais em circulação por estado em vários
períodos, sobre as tiragens de jornais em particular e em geral,
sobre o pessoal empregado nas várias funções da atividade e tantos
mais quanto fossem pertinentes para o esclarecimento mais
amplo do assunto são fáceis de coligir.
Os levantamentos estatísticos oficiais existem e estão disponíveis,
isso para não falar do que já está elaborado na vasta literatura
listada pelos autores ao final do seu volume. Organizá-los em
tabelas estatísticas e gráficos ilustrativos ajudaria em muito o texto
a dar ao leitor uma idéia descarnada mas concisa ou resumida do
panorama mais amplo de nossa imprensa periódica, sanando o mais
grave da falta que estamos reclamando da obra nesta altura.
De todo modo, cumpre notar que essas observações não têm
intenção de depreciar o texto ora em consideração. Os autores
trabalharam bem, intervieram de maneira oportuna e, assim, colocam
à disposição dos interessados no assunto obra que estava faltando
no mercado e era exigida nos meios acadêmicos e intelectuais.
Notando alguns pontos que nos parecem problemáticos na
proposta que apresentam, pretendemos sobretudo fazer valer o que
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se chama, às vezes, de tarefa construtiva da crítica. Isto é, provocar
uma reflexão sobre os limites e eventuais falhas de construção do
conhecimento para que, oferecendo-se nova oportunidade, seus
autores possam avaliar com mais foco e clareza a propriedade de
seu projeto e o entendimento de seu objeto de investigação.

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