domingo, 23 de setembro de 2012

PLATÃO



(Tirado de O Mundo de Sofia: Jostein Gaarder)

O Mundo das Idéias 

   Antes de Platão (427-347 a.C.), Empédocles (494-434 a.C.) e Demócrito (460-370 a.C.) haviam observado que apesar de os fenômenos da natureza "fluírem", havia "algo" que nunca se modificava (as quatro raízes ou os átomos). Para Platão tudo o que podemos tocar e sentir na natureza "flui". Não existe, portanto, um elemento básico que não se desintegre. Absolutamente tudo o que pertence ao mundo dos sentidos é feito de um material sujeito à corrosão do tempo. Ao mesmo tempo, tudo é formado a partir de uma forma eterna e imutável. Para exemplificar a visão de Platão, considere um conjunto de cavalos. Apesar deles não serem exatamente iguais, existe algo que é comum a todos os cavalos; algo que garante que nós jamais teremos problemas para reconhecer um cavalo. Naturalmente, um exemplar isolado do cavalo, este sim "flui", "passa". Ele envelhece e fica manco, depois adoece e morre. Mas a verdadeira forma do cavalo é eterna e imutável. Numa outra situação, considere que você passe em frente a uma vitrine de uma padaria (sua primeira padaria) e vê sobre um tabuleiro cinqüenta broas exatamente iguais, todas em forma de anõezinhos. Apesar de você perceber que um anãozinho está sem o braço, o outro perdeu a cabeça e um terceiro tem uma barriga maior que a dos outros, você chega à conclusão que todas as broas têm um denominador comum. Embora nenhum dos anõezinhos seja absolutamente perfeito, você suspeita que eles devem ter uma origem comum. E chega à conclusão de que todos foram assados na mesma fôrma. Platão ficou admirado com a semelhança entre todos os fenômenos da natureza e chegou, portanto, à conclusão de que "por cima" ou "por trás" de tudo o que vemos à nossa volta há um número limitado de formas. A estas formas Platão deu o nome de idéias. Por trás de todos os cavalos, porcos e homens existe a "idéia cavalo", a "idéia porco" e a "idéia homem". (E é por causa disto que a citada padaria pode fazer broas em forma de porquinhos ou de cavalos, além de anõezinhos. Pois uma padaria que se preze geralmente tem mais do que uma fôrma. Só que uma única fôrma é suficiente para todo um tipo de broa.) Platão acreditava numa realidade autônoma por trás do mundo dos sentidos. A esta realidade ele deu o nome de mundo das idéias. Nele estão as "imagens padrão", as imagens primordiais, eternas e imutáveis, que encontramos na natureza. Esta concepção é chamada por nós de a Teoria das Idéias de Platão. Em resumo, para Platão a realidade se dividia em duas partes. A primeira parte é o mundo dos sentidos, do qual não podemos ter senão um conhecimento aproximado ou imperfeito, já que para tanto fazemos uso de nossos cinco (aproximados e imperfeitos) sentidos. Neste mundo dos sentidos, tudo "flui" e, consequentemente, nada é perene. Nada é no mundo dos sentidos; nele, as coisas simplesmente surgem e desaparecem. A outra parte é o mundo das idéias, do qual podemos chegar a ter um conhecimento seguro, se para tanto fizermos uso de nossa razão. Este mundo das idéias não pode, portanto, ser conhecido através dos sentidos. Em compensação, as idéias (ou formas) são eternas e imutáveis. Assim como os filósofos que o antecederam, Platão também queria encontrar algo de eterno e de imutável em meio a todas as mudanças. Foi assim que ele chegou às idéias perfeitas, que estão acima do mundo sensorial. Além disto, Platão considerava essas idéias mais reais do que os próprios fenômenos da natureza. Primeiro vinha a idéia cavalo e depois todos os cavalos do mundo dos sentidos. A idéia galinha vinha, portanto, antes da galinha e do ovo.  

As idéias não são inatas

  Aristóteles (384-322 a.C.) achava que Platão tinha virado tudo de cabeça para baixo. Ele concordava com seu mestre em que o exemplar isolado do cavalo "flui", "passa", e que nenhum cavalo vive para sempre. Ele também concordava que, em si, a forma do cavalo era eterna e imutável. Mas a idéia cavalo não passava para ele de um conceito criado pelos homens e para os homens, depois de eles terem visto um certo número de cavalos. A idéia ou a forma cavalo não existiam, portanto, antes da experiência vivida. Para Aristóteles, a forma cavalo consiste nas características do cavalo, ou seja, naquilo que chamaríamos de espécie. Aristóteles entendia por forma aquilo que todos os cavalos têm em comum. E aqui a imagem da fôrma de fazer broa perde a sua validade, pois as fôrmas de fazer broas existem independentemente de cada broa em particular. Aristóteles não acreditava que houvesse na natureza um armário, por assim dizer, com fôrmas desse tipo. Para ele, as formas estavam dentro das próprias coisas; as formas das coisas eram suas características próprias. Ele também não concordava com Platão no que se refere ao fato de a "idéia galinha" vir antes da galinha propriamente dita. Aquilo que Aristóteles chama de a forma galinha está em todas as galinhas e são as características que distinguem as galinhas. Assim, a galinha em si e a forma galinha são duas coisas tão inseparáveis quanto o corpo e a alma. Aristóteles nos chama a atenção para o fato de que não existe nada na consciência que já não tenha sido experimentado antes pelos sentidos. Platão poderia ter dito que não existe nada na natureza que não tivesse existido antes no mundo das idéias. Aristóteles achava que, desta forma, Platão estava duplicando o número de coisas. Ele tinha explicado o exemplar isolado do cavalo fazendo referência à "idéia cavalo". Mas de onde saiu a "idéia cavalo"? Será que, nesta linha de raciocínio, não poderia existir ainda um terceiro cavalo, de que a "idéia cavalo" não fosse senão uma imitação? Aristóteles achava que todas as nossas idéias e pensamentos tinham entrado em nossa consciência através do que víamos e ouvíamos. Mas nós também temos uma razão inata. Temos uma capacidade inata de ordenar em diferentes grupos e classes todas as nossas impressões sensoriais. É assim que surgem conceitos como os de pedra, planta, animal e homem. Para ele a razão era precisamente a característica mais importante do homem. Só que nossa razão permanece totalmente "vazia" enquanto não percebemos nada. Uma pessoa, portanto, não possui idéias inatas.  

Forma e Substância

  Aristóteles constatou que a realidade consiste em várias coisas isoladas, que representam uma unidade de forma e substância. A substância é o material de que a coisa se compõe, ao passo que a forma são as características peculiares da coisa. Uma galinha bate as asas na sua frente. A forma da galinha é precisamente o bater de asas, o cacarejar e a postura de ovos. Assim, a forma da galinha é aquilo que ela faz. Quando a galinha morre – e, portanto, pára de cacarejar - , a forma da galinha também deixa de existir. A única coisa que resta é a substância da galinha. Mas aquilo não é mais uma galinha. Para Aristóteles, quando reconhecemos as coisas, nós as ordenamos em diferentes grupos ou categorias. Por exemplo, vejo um cavalo hoje, outro amanhã e outro depois de amanhã. Os cavalos não são exatamente iguais, mas há alguma coisa que é comum a todos os cavalos. E esta coisa que é comum a todos os cavalos é a forma do cavalo. Tudo o que é distinto ou individual pertence à substância do cavalo. Aristóteles tentou mostrar que todas as coisas na natureza pertenciam a diferentes grupos e subgrupos. Hermes é um ser vivo. Ou melhor, um animal. Ou melhor, um cachorro. Ou melhor, um labrador. Ou melhor, um labrador macho).

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