quinta-feira, 3 de maio de 2012

Pereira Passos, vida e obra O Rio Estudos desta edição apresenta uma síntese da vida e da obra do prefeito Francisco Pereira Passos (1836-1913), comemorando, hoje, os 170 anos do seu nascimento.1 O estudo destaca o trabalho exercido por Pereira Passos, na condição de engenheiro, com notáveis realizações para a Engenharia Ferroviária brasileira. E, como prefeito da Cidade do Rio de Janeiro (1902-1906), pela Reforma Urbana empreendida – saneamento, abertura e alargamento de ruas, embelezamento do Rio de Janeiro e abertura da Avenida Central, que valorizou o porto, integrando-o à cidade, pela ligação mar a mar. Antes da administração Pereira Passos, o Rio de Janeiro era conhecido como a “Cidade da Morte” e, ao fim do seu mandato, recebeu o título de “Cidade Maravilhosa”. Contudo, o plano urbanístico teve alto custo social, com parte da população sendo obrigada a se deslocar para os morros, iniciando o surgimento das favelas. O prefeito também enfrentou a Revolta da Vacina e alguns meses de estado de sítio. Sem julgar os prós e os contras, Pereira Passos tornou-se conhecido como o administrador que mudou a cara do Rio PEREIRA PASSOS, VIDA E OBRA N0 221 Francisco Pereira Passos nasceu em 29 de agosto de 1836, no Município de Piraí, Estado do Rio de Janeiro. Faleceu em 12 de março de 1913, a bordo do navio Araguaia, em viagem para a Europa. Filho de Antônio Pereira Passos, o Barão de Mangaratiba, e Dona Clara Oliveira Passos, Francisco foi criado numa grande fazenda de café, a Fazenda do Bálsamo, situada no município fluminense de São João Marcos que, antes de ser elevado à condição de vila por D. João VI em 1813, pertencera à vila e Município de Resende e atualmente é distrito de Rio Claro. O engenheiro Pereira Passos Pereira Passos fez seus primeiros estudos na casa paterna e, ao completar 14 anos de idade, seguindo o costume da oligarquia rural, seu pai determinou que fosse estudar na Corte, matriculando-o no Colégio São Pedro de Alcântara, no Rio de Janeiro, no qual completou seus estudos preparatórios. Foram seus colegas de turma Floriano Peixoto e Oswaldo Cruz. Em março de 1852, ingressou na Escola Militar, futura Escola Politécnica do Rio de Janeiro, obtendo, em 24 de dezembro de 1856, o grau de Bacharel em Ciências Físicas e Matemáticas, que lhe dava direito ao diploma de engenheiro civil. Pereira Passos foi marcadamente influenciado pelas idéias positivistas que ganharam força no Brasil após a II Revolução Francesa. Tornou-se amigo de outro ilustre colega de turma: Benjamin Constant, que se tornaria um dos arautos do republicanismo no Brasil. C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 1 1O texto foi elaborado pelos técnicos Manoel Carlos Pinheiro e Renato da Cunha Fialho Júnior, do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos. Como outros jovens bem nascidos de seu tempo, Pereira Passos ingressou na carreira diplomática e, em 1857, foi nomeado adido à legação brasileira em Paris, onde permaneceu até fins de 1860. Neste período, completou seus estudos de engenharia na École Nationale des Ponts et Chaussées, na qual foi admitido em 4 de setembro de 1858 e freqüentou, como ouvinte, os cursos de arquitetura, estradas de ferro, portos de mar, canais e melhoramentos de rios navegáveis, direito administrativo e economia política. Praticou depois como engenheiro na construção da Estrada de Ferro Paris-Lion-Mediterranée, nas obras do porto de Marselha e na abertura do túnel no Monte Cennis. Também assistiu a uma das fases mais delicadas da reforma empreendida por Georges Eugène Haussmann, prefeito do Departamento de Seine (1853-1870) nomeado por Napoleão III. Sob o calor e os auspícios da Revolução Liberal de 1848, dos escombros dos bairros populares mais densos de Paris, arrasados, viu emergirem os contornos da nova metrópole que serviria, mundialmente, de modelo para renovações urbanas similares. No período de 18 anos (1852 a 1870), Georges Eugène Haussmann remodelou todo o espaço urbano de Paris, envolto na necessidade de conter o crescimento das jornadas proletárias e impor a nova ordem social e política, pois a econômica já se desenvolvia. Deste cenário político pode-se dizer que emergiu o urbanismo francês em sua versão moderna – baseado em ruas largas, grandes avenidas e bulevares. Os contatos com a Europa foram decisivos em dois aspectos fundamentais da formação profissional de Pereira Passos: a engenharia ferroviária e o urbanismo. De volta ao Brasil, em 1860, Pereira Passos dedicou-se à construção e à expansão da malha ferroviária brasileira, num momento em que a economia cafeeira crescia em importância. Foi partícipe na construção da ferrovia Santos-Jundiaí, inaugurada em 1867, que muitos embaraços traria ao Império. Substituto de J. Whitaker na comissão encarregada dos estudos e exploração do traçado de prolongamento da Estrada de Ferro D. Pedro II até o Rio São Francisco (1868), trabalhou decisivamente na integração da primeira à malha ferroviária nordestina; em conseqüência, em setembro de 1869, foi nomeado engenheiro-presidente da E. F. D. Pedro II. Em 10 de dezembro de 1870, foi alçado ao cargo de consultor técnico do Ministério da Agricultura e Obras Públicas. No ano seguinte, em companhia do Barão de Mauá, viajou novamente à Europa, na condição de Inspetor Especial das Estradas de Ferro subvencionadas pelo governo imperial, o qual confiou-lhe a delicada missão de firmar, em Londres, um acordo liqüidando a questão do “capital garantido” à E. F. São Paulo Railway, que ligava Santos a Jundiaí. Permaneceu na Europa até a assinatura definitiva do acordo, em 1873. Sua outra tarefa na Europa teve um caráter mais técnico. Durante a sua permanência em Londres, Pereira Passos teve oportunidade de visitar vários países da Europa. Na Suíça, conheceu a estrada de ferro que subia o Monte Righi, com rampas de até 20o, utilizando um sistema novo, com trilho central dotado de encaixes, nos quais uma roda dentada se apoiava para impulsionar o trem. A pedido de Mauá, Pereira Passos estudou esse sistema, mais tarde usado na subida da serra para Petrópolis. O primeiro trecho foi construído por iniciativa de Mauá e ligava Porto Mauá a Raiz da Serra. Foi a primeira estrada de ferro construída no Brasil. Pereira Passos usou esta técnica, de cremalheira, na expansão do trecho entre Raiz da Serra e Petrópolis – cidade onde morou em seu retorno ao Brasil – e na construção, em 1882, da primeira estrada de ferro turística do país, a Estrada de Ferro Corcovado. Nessa mesma época, a convite do Barão de Mauá, Pereira Passos adquiriu e C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 2 assumiu a direção do Arsenal de Ponta da Areia, inaugurado pelo próprio Mauá dez anos antes e em condições precárias desde o fim da Guerra do Paraguai. Modernizado por Pereira Passos, o arsenal passou também a produzir trilhos, vagões etc. Mas, por ausência de uma política protecionista, voltada aos interesses nacionais, a empresa sucumbiu, anos depois, frente à concorrência externa e aos ventos de liberalismo econômico. Continuando sua escalada pública, em 1874 foi nomeado engenheiro do Ministério do Império, presidido então pelo Conselheiro João Alfredo – conhecido por seus ideais abolicionistas. Com o novo cargo, Pereira Passos ficou com a incumbência de acompanhar todas as obras de engenharia do governo imperial. Um pouco mais tarde, por solicitação do Conselheiro, Pereira Passos integrou a comissão responsável por apresentar um plano geral de reformulação urbana para a capital, que deveria prever alargamentos de ruas, construções de grandes avenidas, arrasamentos de morros, canalizações de rios e mangues e outras medidas de grande impacto para uma cidade “reconhecidamente insalubre e exposta a toda sorte de doenças e epidemias”. Do levantamento, realizado nos anos 1875 e 1876, resultaram dois relatórios extremamente minuciosos que serviram de esboço para o futuro plano diretor da cidade – sob a administração Pereira Passos. Entre 1876 e 1880, Pereira Passos dirigiu a E. F. D. Pedro II. No período, conduziu a ampliação da estação da Corte e as construções do ramal ferroviário e da estação marítima, na Gamboa. Este complexo foi inaugurado em junho de 1880. Nesse ano, Pereira Passos viajou de novo para a Europa. Durante sua estada em Paris, no inverno de 1880 a 1881, freqüentou cursos na Sorbonne e no Collége de France e escreveu uma nota contendo “ Renseignements statistiques sur lês chemins de fer au Brésil”, que foi publicada na Revue Generale des Chemins de Fer, em julho de 1881. Na mesma ocasião, visitou fábricas, empresas de transporte, siderúrgicas e obras públicas na Bélgica e na Holanda. Em abril de 1881, foi contratado como engenheiro consultor pela Compagnie Générale de Chemins de Fer Brésiliens que detinha os direitos para a construção de uma ferrovia no Paraná, ligando o porto de Paranaguá à capital da província, Curitiba. Ao regressar ao Brasil, com plenos poderes para resolver todos os assuntos técnicos relativos à ferrovia do Paraná, Pereira Passos fixou-se naquela província e, em 1882, após a ferrovia entrar em operação, voltou ao Rio de Janeiro e assumiu a presidência da Companhia de Carris de São Cristóvão, em substituição ao Visconde de Taunay. Em 1884, após sanear a empresa, propôs aos seus maiores acionistas a aquisição do projeto do italiano Giuseppe Fogliani, de construção de uma grande avenida. A proposta foi aprovada pelos 30 maiores acionistas, a concessão foi obtida, mas a idéia não chegou a sair do papel. Contudo, era uma antecipação da futura Avenida Central, que seria construída em sua gestão como prefeito da capital da república, 20 anos depois, tornando-se o grande marco de sua administração. Após diversas proposições, segundo Vaz e Cardoso, foi “o projeto de Bernard Savaget, de 1890, que deu a melhor solução para a nova avenida: uma pequena inclinação em relação às demais ruas permitiria à Avenida passar rente às encostas dos morros, sem túneis ou arrasamentos”. Vencera a proposta de mar a mar, centrada na valorização do porto do Rio. No período republicano, Pereira Passos foi designado fiscal na construção da Estrada de Ferro Bahia – São Francisco, de 573km de extensão, inaugurada em 1896. C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 3 O prefeito Pereira Passos Antecedentes Um período bastante tumultuado adveio com a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889. De fato, o Império fora duramente golpeado com a Abolição da Escravatura (1888), iniciativa exigida, sobretudo, pelo capital inglês. Outros fatores contribuíram para tanto, como a influência do republicanismo francês e a opção gradual da elite cafeeira pelo uso da mão-de-obra assalariada. São emblemáticos desta conjuntura: a cassação dos títulos de nobreza, a instalação do Governo Provisório, a Revolta da Armada, a ditadura dos marechais e sua transição para a República Civil, efetuada através do voto direto censitário. Da primeira eleição direta republicana redundou o governo de Prudente de Moraes (1894-1898), que enfrentou forte depressão econômica proveniente do Encilhamento (1888-1891), como ficou conhecida a crise provocada pela política econômica mal dimensionada de Rui Barbosa. Já o governo Campos Salles (1898-1902) buscou sanear política e economicamente o país. Utilizou-se, para isto: do Funding Loan (1898), do acordo da dívida; da execução de um plano financeiro; e da política dos governadores. No Governo Rodrigues Alves (1902-1906), a República conseguiu, enfim, respirar aliviada. Convidado então pelo ministro da Justiça, J. J. Seabra, a colaborar com o novo governo, Pereira Passos exigiu poderes discricionários para assumir o cargo de prefeito do Distrito Federal. Com base nesta solicitação, foi aprovada, em 29 de dezembro de 1902, lei especial que adiava as eleições do Conselho Municipal (Poder Legislativo) e estabelecia plenitude de poderes ao prefeito. A este era vetado apenas criar e elevar impostos. Estavam dadas as condições de execução do gigantesco e controvertido plano de reforma da Cidade, elaborado em 1875. Neste período, o Rio de Janeiro enfrentava graves problemas sociais, acentuados pelo rápido e desordenado crescimento. Com o declínio do trabalho escravo, a cidade passara a receber grandes contingentes de imigrantes europeus e de ex-escravos, atraídos pelas oportunidades de trabalho assalariado. Entre 1872 e 1890, a população duplicou, passando de 274 mil para 522 mil habitantes. A explosão demográfica e, sobretudo, o aumento da pobreza, agravaram a crise habitacional que perdurava desde meados do século XIX. Na Cidade Velha e suas adjacências, área central do Rio, o problema era mais acentuado, pois ali se multiplicavam as habitações coletivas e eclodiam as violentas epidemias de febre amarela, varíola e cólera-morbo que conferiam à cidade fama internacional de porto sujo. Este quadro favorecia o discurso articulado dos higienistas sobre as condições de vida na cidade, os quais propunham intervenções drásticas para a restauração do equilíbrio da cidade, vista como um “organismo doente”. O primeiro plano urbanístico para o Rio de Janeiro foi elaborado entre duas epidemias muito violentas (1873 e 1876), mas graças à estabilidade político-econômica, a duras penas alcançada no governo Campos Sales, Rodrigues Alves pôde promover, entre 1903 e 1906, o ambicioso programa de renovação urbana da capital. Apoiada nas idéias de civilização e beleza, de regeneração física e moral, a reforma urbana, tratada como questão nacional, sustentou-se no tripé: saneamento, abertura de ruas e embelezamento, e objetivou a atração de capitais estrangeiros para o país. Com a reforma, houve intensa valorização do solo urbano da área central, C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 4 determinante na expulsão da população de baixa renda ali concentrada. Cerca de 1.600 velhos prédios residenciais foram demolidos. Parte considerável da imensa massa atingida pela remodelação permaneceu no centro, em suas franjas e fendas deterioradas, pois a Zona Norte e os subúrbios, apesar do rápido crescimento, não constituíam alternativa de moradia para os que sobreviviam de biscates ou recebiam diárias irrisórias. Apenas os de remuneração estável e suficiente para as despesas de transporte, aquisição de terreno, construção ou aluguel de uma casa mudaram-se para a Zona Norte e os subúrbios. Desta forma, ao lado das tradicionais habitações coletivas que se disseminaram nas áreas adjacentes ao Centro (Saúde, Gamboa e Cidade Nova), surgiu nova modalidade de habitação popular: a favela. Em fins de 1905, uma comissão nomeada pelo governo federal para examinar o problema das habitações populares constatou que as demolições de prédios iam além de todas as expectativas, forçando a população a “ter a vida errante dos vagabundos e, o que é pior, a ser tida como tal”. O relatório da mesma comissão fazia referência ao Morro da Favela, atual Providência – “pujante aldeia de casebres e choças, no coração mesmo da capital da República, a dois passos da Grande Avenida”. A partir de então, o termo favela designaria, de forma genérica, o mais destacado ícone da segregação social no espaço urbano da cidade. O mandato Em O Rio de Janeiro de Pereira Passos: Uma cidade em questão II, Giovanna Rosso Del Brenna (org.) divide a Administração Pereira Passos em quatro fases: 1902-1903 - Projetos e Estratégias; 1904 - O ano das Demolições; 1905 - Repressão e Consenso; e 1906 - O Ano das Inaugurações. Nomeado em 30 de dezembro de 1902, Pereira Passos assumiu no mesmo dia e, desde os primeiros momentos, iniciou uma série de atos e decretos com o propósito de extirpar velhos hábitos citadinos e impor uma disciplina consoante à nova ordem republicana, comprometida que estava com os capitais franceses e ingleses em sua fase imperialista – calcada no escoamento da produção fabril e na exportação de capitais. Exemplares neste particular foram os decretos de 9 de janeiro de 1902 que proibiram, no Centro da Cidade, o comércio ambulante de leite, efetuado com o auxílio do gado bovino, a venda de miúdos de reses em tabuleiros descobertos e a venda de bilhetes lotéricos em ruas, praças e bondes. Outro decreto suspendeu construções e obras de reforma, em 15 freguesias da cidade, sem licença da Prefeitura. O decreto de 11 de abril de 1903 regulou a “apanha e extinção de cães vadios”. Como resultado, foram capturados 2.212 cães apenas entre abril e maio daquele ano, chegando a mais de 20 mil cães, dois anos depois. Outras proibições decretadas: esmola nas ruas, pingentes dos bondes, cuspidura no assoalho do bonde e criação de porcos no Distrito Federal. Após alguma preparação de campo, iniciou-se, ainda naquele abril, um pequeno ensaio de demolições para alargamento e extensão de ruas e avenidas. Quase ao mesmo tempo foi apresentado o plano de remodelação da cidade. As ações republicanas se pautavam no discurso sobre a necessidade de sanear e higienizar a cidade, livrá-la das doenças, impor à população novos hábitos e atitudes, condizentes com as descobertas recentes da biologia e da medicina, ampliar espaços, ordená-los, embelezá-los, modernizá-los. É claro que, por trás dessa ideologia, estava a consolidação, entre outros, dos interesses: da oligarquia cafeeira, de escoamento de sua produção com ampliação das estradas de ferro e do Porto do Rio; das construtoras francesas; das companhias inglesas de energia C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 5 e bondes; e da nascente indústria automobilística norte-americana. Marcado por um conjunto grande de demolições, 1904 foi um ano de insatisfações e muitos questionamentos jurídicos, efetuados, sobretudo, por moradores e comerciantes do Centro. Ao mesmo tempo, Pereira Passos sofreu pesadas críticas da imprensa, o que, aliás, foi uma constante em seu governo. O processo de desapropriação e despejo, aliado à instauração da vacinação obrigatória, liderada pelo Ministro Oswaldo Cruz, redundou na Revolta da Vacina, iniciada em 14 de novembro de 1904, após a revolta da Escola Militar na Praia Vermelha. Com forte adesão popular, a revolta durou sete dias e resultou na decretação de estado de sítio, prorrogado por Pereira Passos até fevereiro de 1905, e no desterro dos insurretos (os chamados “quebra-lampiões”) para o Acre. No ano de 1905, novas ações repressivas e taxativas foram adotadas a fim de garantirem o grosso das inaugurações do ano seguinte, o último do seu mandato, tais como: desapropriações e demolições, a política do “bota-abaixo”; criação de um imposto de 25% para a renovação do calçamento das ruas, cobrado aos proprietários de imóveis, etc. Em março de 1906, diante das enchentes que assolaram a cidade, o governo foi acusado de negligenciar o atendimento às vítimas, sobretudo as dos subúrbios. Os volumosos empréstimos também foram objeto de críticas. Ironizava-se o modus faciendi do governo, como numa charge da época: “Derrocam-se casebres; constroem-se palácios...” Em vez do Zé Pereira... a burguesia, a Belle Époque e o seu glamour. Apesar das críticas, é inegável que o mandato de Pereira Passos mudou definitivamente o perfil da Cidade. Sua atuação privilegiou as regiões que atualmente compõem as Áreas de Planejamento 1 e 2, e resultou num incrível e colossal remodelamento da cidade. Dentro de uma perspectiva ideológica pragmáticopositivista e de evidente compromisso com os capitais franceses e ingleses, a “cidade colonial” cedeu lugar, de forma definitiva, à “cidade burguesa”, moderna, do século XX, que tinha como parâmetros as metrópoles européias. Após as reformas empreendidas na administração Pereira Passos, o Rio de Janeiro, remodelado e saneado, recebeu o título de “Cidade Maravilhosa”. Principais Obras da Administração Pereira Passos 1903: inauguração do Pavilhão da Praça 15 (21/6); prolongamento da Rua do Sacramento – atual Avenida Passos, até a Rua Marechal Floriano (27/06); inauguração do Jardim do Alto da Boa Vista (11/10); início do alargamento da antiga Rua da Prainha (atual Rua do Acre); 1904: término do alargamento da antiga Rua da Prainha – atual Rua do Acre (fevereiro); demolições do Morro do Castelo (8/03); construção do aquário do Passeio Público (18/9); melhoramento da Rua 13 de Maio. 1905: início da construção do Theatro Municipal (03/01); inauguração da nova estrada de rodagem da Tijuca (4/1); alargamento e prolongamento da Rua Marechal Floriano até o Largo de Santa Rita (2/2); decreto de alargamento da Rua do Catete (28/4); alargamento e prolongamento da Rua Uruguaiana (setembro); decreto de construção da Avenida Atlântica, em Copacabana (4/11); inauguração da Avenida Central (atual Av. Rio Branco), marco da administração Pereira Passos (15/11); inauguração da Escola-Modelo Tiradentes (24/11); decreto de abertura da Rua Gomes Freire de Andrade, entre a Rua Riachuelo e a do Núncio (29/12); decreto de abertura da Avenida Maracanã (30/12). 1906: alargamento da Rua da Carioca (janeiro e fevereiro); inauguração da fonte do C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 6 Jardim da Glória (24/2); inauguração da nova Fortaleza na Ilha de Lage (28/6); inauguração do palácio da exposição permanente de São Luiz (futuro Palácio do Monroe), para os trabalhos da 3ª Conferência Pan-Americana (22/7); inauguração do alargamento da Rua 7 de Setembro no trecho entre a Av. Central e 1º de Março (6/9); conclusão das obras de melhoramento do porto do Rio de Janeiro e do Canal do Mangue (9/11); inauguração das obras de melhoramento e embelezamento do Campo de São Cristóvão – jardim e escola pública (11/11); inauguração da Avenida Beira-Mar (23/11); melhoramento do Largo da Carioca; inaugurações dos quartéis do Méier, da Saúde, São Cristóvão e Botafogo; aterramento das praias do Flamengo e Botafogo, com construção de jardins; construção do Pavilhão Mourisco, em Botafogo; construção do Restaurante Mourisco, próximo à estação das barcas, no Centro; melhorias no abastecimento de água para a capital. Além destas, merecem registro: melhoramentos da zona suburbana do DF; saneamento da cidade; arborização de diversas áreas da cidade; renovação do calçamento da cidade; e inauguração de calçamento asfáltico; alargamento da Rua Camerino; abertura da Avenida Salvador de Sá; canalização do Rio Carioca (da Praça José de Alencar ao Cosme Velho); construção da Avenida Atlântica; inauguração da Escola-Modelo Rodrigues Alves, no Catete; liberação de verbas para a construção da Biblioteca Nacional; início da construção do novo edifício da Escola Nacional de Belas Artes; início das obras do edifício do Congresso Nacional; criação do novo Mercado Municipal. Realizações de Pereira Passos O Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro O Plano de Melhoramentos da Cidade do Rio de Janeiro foi elaborado, entre 1875 e 1876, pela Comissão de Melhoramentos dirigida por Pereira Passos, que o implementou, cerca de 30 anos depois, na condição de prefeito. As grandes obras preconizadas pela comissão – de salubridade e saneamento, abertura e alargamento de ruas, criação de praças e parques, retificação e embelezamento de logradouros, canalização de rios, obras viárias, remodelação arquitetônica das edificações e outras – mudariam o aspecto do Rio. Nas palavras do próprio Pereira Passos, as “ruas estreitas, sobrecarregadas de um tráfego intenso, sem ventilação bastante, sem árvores purificadoras e ladeadas de prédios anti-higiênicos” deveriam dar lugar a “vias de comunicação duplas e arejadas”. As avenidas tornaram-se o principal instrumento da remodelação da cidade, atendendo a dois objetivos: a circulação urbana e a transformação das formas sociais de ocupação dos espaços abertos pelas novas artérias. A reforma urbana desafogou o intenso tráfego entre o Centro e os diversos bairros da cidade. Porém, a questão da circulação urbana não se restringia à estrutura física da cidade, mas também os meios de transporte, considerados incompatíveis com o tráfego urbano. A Prefeitura promoveu, então, a regulamentação do transporte de carga, com alteração nas dimensões de veículos, proibição de rodas que esburacassem as ruas e interdição de veículos de tração animal que sujassem os logradouros. Além disso, propiciou a modernização da estrutura dos serviços públicos, com reorganização das redes subterrâneas de abastecimento de água e gás, o esgotamento sanitário, as redes aéreas de telegrafia e telefonia e, ainda, a previsão de postes de iluminação elétrica pública. C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 7 Outro aspecto da reforma urbana foi o banimento de atividades rurais, como estábulos, criadouros e hortas, do centro da cidade. Em nome da higiene e da beleza, foram proibidos os antigos quiosques de madeira que vendiam alimentos e a exposição de artigos em umbrais e vãos de portas em vias públicas, permitidos apenas em vitrines. A Prefeitura também reprimiu o que considerou como maus hábitos e costumes: urinar e cuspir nas ruas, embaralhar cabos de energia elétrica, acender fogueiras, soltar fogos de artifício, pipas e balões, festas populares, sagradas e profanas, como: carnaval, batuque, serenata, cultos afro-brasileiros e bumba-meu-boi. Projeto de lei encaminhado ao Conselho Municipal visava a acabar com “a vergonha e a imundície injustificáveis dos em mangas-de-camisa e descalços nas ruas da cidade”. Após a reurbanização, a Cidade do Rio de Janeiro, anteriormente marcada por traços coloniais, deixou de ser conhecida como “Capital da Morte” e passou a ser chamada de “Cidade Maravilhosa”. Cidade mapeada Na virada do século XIX para o XX, os esforços de redefinição do ambiente urbano caracterizaram os projetos de intervenção urbanística da administração municipal, com reflexo na produção cartográfica sobre a cidade. A renovação modernizadora do espaço urbano da administração Pereira Passos redefiniu os parâmetros da imagem cartográfica do Rio de Janeiro. Pereira Passos, num dos primeiros atos como prefeito, incorporou a Comissão da Carta Cadastral à Diretoria de Obras e Viação, submetendo a cartografia ao programa de obras da Prefeitura. Em 1903, uma carta foi incluída no texto da mensagem do Prefeito, que anunciava seu plano de reformas urbanas. Também o relatório de conclusão de trabalhos, a “Mensagem de Ouro ”, de setembro de 1906, incluiu a imagem cartográfica da cidade que registrava a intervenção urbanística realizada. A mesma base cartográfica, elaborada pela Comissão da Carta Cadastral, serviu a inúmeras outras plantas publicadas no mesmo período e nos anos seguintes. É importante frisar que estas plantas registraram uma imagem especial da cidade. Curiosamente, a paisagem natural foi incorporada nesta cartografia, destacando parques e praças arborizados, no seio do espaço urbano, e enfatizando os trabalhos de paisagismo no ambiente urbanizado. Além disto, o poder público recorreu à divulgação da ilustração cartográfica do seu programa de ações sociais, transformando a cartografia em instrumento legitimador das ações governamentais. Por isto mesmo, as áreas públicas, campo de ação do poder público, foram destacadas nas cartas elaboradas e o arruamento tornou-se o tema básico, com valorização de praças e ruas. As plantas da Cidade do Rio de Janeiro dos primeiros anos do século XX têm como título: “melhoramentos executados ou projetados”. As plantas que apresentavam temas como arruamento, relevo e hidrografia, passaram a apresentar as obras em execução, não concluídas. Essa característica da imagem cartográfica confere uma natureza processual, ao contrário do caráter estático, em geral identificado com a geografia. Os novos mapas evidenciavam, como autores, a Prefeitura do Distrito Federal, associada ao nome de Pereira Passos e, em menor destaque, o Governo Federal. A imagem cartográfica abrangia a área que se estende do Morro do Pasmado, junto à Enseada de Botafogo, até a região próxima do Canal do Mangue, alcançando o início do bairro de São Cristóvão, ou seja, a região diretamente afetada pelas reformas urbanas, excluindo as áreas não contempladas pelo projeto urbanístico, mas também sob controle do poder municipal. Se toda a área do município fosse incorporada à imagem da cidade, seria evidenciada a ação localizada, restrita, do Estado. C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 8 A Caderneta de Campo Quando esteve em Londres (1870 a 1872), Pereira Passos publicou um livro intitulado Caderneta de Campo. Um trabalho notável de grande utilidade para os engenheiros brasileiros que se destinavam ao trabalho ferroviário e, mais tarde, aos engenheiros rodoviários. A estrada de ferro de cremalheira Pereira Passos introduziu o uso do sistema com trilho central dotado de encaixes, nos quais uma roda dentada se apóia para impulsionar o trem, conhecido como cremalheira, no trecho entre Raiz da Serra e Petrópolis, e na construção da Estrada de Ferro do Corcovado. A Estrada de Ferro Corcovado Esta foi a primeira estrada de ferro turística do Brasil. Foi um sonho que Pereira Passos acalentou durante muitos anos, juntamente com os engenheiros seus amigos, Marcelino Ramos, Lopes Ribeiro e João Teixeira Soares. Em 1872, de forma audaciosa, Pereira Passos constituiu a Cia. da E. F. do Corcovado, considerado, na época, um empreendimento temerário. Hino à Bandeira Nacional O Boletim do 1º Trimestre de 1906 da Intendência Municipal, publicado pela Diretoria Geral de Polícia Administrativa, Arquivo e Estatística, da Prefeitura do Rio de Janeiro, apresenta a letra e a partitura do Hino à Bandeira. O prefeito do Rio de Janeiro, Pereira Passos, solicitou ao poeta Olavo Bilac que compusesse um poema em homenagem à Bandeira, encarregando o professor Francisco Braga, da Escola Nacional de Música, de criar uma melodia apropriada à letra. Em 1906, o hino foi adotado pela Prefeitura, passando, desde então, a ser cantado em todas as escolas do Rio de Janeiro. Aos poucos, sua execução estendeu-se às corporações militares e às C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 9 demais unidades da Federação, transformando-se, extra-oficialmente, no Hino à Bandeira Nacional, conhecido de todos os brasileiros. Fonte: Noticiário do Exército nº 9.352, de 4 de fevereiro de 1998. Notícias da época Fonte: 100 Anos de República: um retrato ilustrado da história do Brasil. Vol.I (1899-1903), Vol.II (1904-1918). São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1989. Governo vai embelezar o Rio (1902) “Meu programa de governo vai ser muito simples. Vou limitar-me quase que exclusivamente ao saneamento e melhoramento do porto do Rio de Janeiro.” Estas foram palavras informais do Presidente Rodrigues Alves, um paulista de Taubaté, assim que deixou a cidade rumo ao Rio, para sua posse no dia 15 de novembro. No manifesto oficial, ao tomar posse, ele confirmou: “A capital não pode continuar a ser apontada como sede de vida difícil, quando tem fartos elementos para constituir o mais notável centro de atração de braços, de atividades e capitais nesta parte do Mundo.” Rodrigues Alves fazia eco da impressão de muito mais gente, especialmente os cariocas. Não só o porto é uma área precária, desorganizada, como também grande parte da cidade cresceu de modo desordenado. Cortiços malfeitos amontoam-se em subúrbios de ruas mal traçadas. A sujeira é geral. Serviços públicos atendem mal. A capital do país vê, impaciente, outros centros, como a cidade de São Paulo, ganharem cores modernas, exibindo riqueza e deixando-a para trás. Para seus planos, o governo destinou verba de 990 contos – para higiene, principalmente – e nomeou Francisco Pereira Passos, que, como prefeito plenipotenciário, comandará a grande remodelação urbana. Para outras áreas, Rodrigues Alves escolheu Ministério sem dúvida competente: Lauro Muller está em Obras Públicas. O Barão do Rio Branco cuidará das Relações Exteriores, o general Francisco de Paulo Argolo fica com o Exército, o empresário J. Seabra, na Justiça e Interior, e Leopoldo Bulhões Jardim, na Fazenda, entre outros. Vol. I página 54 A eletricidade é a marca do século nas ruas do Brasil (1902) Século novo, vida nova. Ainda ontem, nas ruas das cidades, só os tílburis e os bondinhos de burros quebravam o silêncio. No fim da tarde, o acendedor de lampiões passava, de poste em poste, anunciando a noite. O novo século trouxe uma agitação enorme. Ruas são esburacadas, dormentes e trilhos são enfileirados, cabos de aço estendem-se pelo alto levando a eletricidade pelo caminho dos bondes. O Rio de Janeiro tem bondes elétricos desde 1892, em diversas linhas. Em São Paulo ele já circulava na Barra Funda, Rua São Bento, alcança a Liberdade. Acaba de ser inaugurado também esse serviço em Belo Horizonte. Mais velocidade, mais barulho. São os outros nomes do progresso. Vol. I página 55 Casas velhas caem, ruas se alargam: o Rio está em obras (1903) C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 10 A carta Cadastral do Distrito, plano urbanístico do Rio de Janeiro, aprovado em abril, inclui a demolição dos casarios das atuais avenidas Beira-Mar, Mem de Sá, Passos e Central. Faz parte do projeto também o alargamento das ruas da Assembléia, Carioca, Frei Caneca e outras vias adjacentes. Como era de esperar, os protestos já se fazem ouvir, pois quase todos estão insatisfeitos. Reclamam os tamanqueiros do beco do Fisco, os bacalhoeiros da Rua do Mercado e principalmente os proletários e principalmente os proprietários de quiosques, essa verdadeira praga que assola o Rio de Janeiro. Seus donos, que formam uma verdadeira confraria, além de não pagarem impostos e de subornarem fiscais, não têm a mínima preocupação com a higiene. Conseqüentemente, os insetos proliferam no lugar, e ao seu redor os restos de comida exalam mau cheiro e atraem cães vadios. E são exatamente os proprietários que mais investem contra o plano urbanístico da cidade. Vol. I página 56 Inimigos ironizam a campanha contra a febre amarela (1903) Só no ano passado a febre amarela matou quase mil pessoas no Rio de Janeiro – principalmente no verão, quando os ricos se refugiam nos casarões de Petrópolis e cercanias, deixando a capital entregue aos ratos, mosquitos e aos pobres. De acordo com o novo plano de saneamento da cidade, o cientista Oswaldo Cruz promete mudar esse panorama – e garante que tal doença não é transmitida por contágio ou infecção, mas por um mosquito rajado, o Stegomia fasciata, que prolifera em águas paradas. Tendo em mãos um plano idêntico ao que já executam em São Paulo, pelos médicos Adolfo Lutz e Emílio Ribas, ele reuniu seus 85 homens – tinha pedido 1.200 – e mandou-os percorrer quintais, jardins, varejar porões, lacrar caixas-d’água nos telhados, jogar querosene em alagados e entrar em residências, perseguindo mosquitos. “Lá vai o mosquiteiro-mor”, diziam as pessoas zombando do Dr. Carneiro de Mendonça, chefe do batalhão. O próprio cientista Cruz foi apelidado de “o czar dos mosquitos”. Não demorou para que a zombaria se tornasse hostilidade. Adversários do governo já duvidam das teses de Cruz e acusam-no de invadir a propriedade privada. Vol. I página 56 Com a vida cara, novidades do século são só para quem pode (1903) Este mundo é mesmo dos ricos. Pelo menos, para viver no Rio de Janeiro, só as pessoas bem situadas têm acesso a todos os confortos do novo século. Um gramofone, por exemplo, custa 700 mil-réis. Uma viagem de paquete para a Europa não fica por menos de 3 contos e 400 mil-réis. Para construir uma boa casa é preciso 50 contos. E assim por diante. Na capital federal só vivem bem os grandes comerciantes e altos funcionários públicos. Um caixeiro de loja pode chegar a ganhar 300 mil-réis por mês e com esse salário já pode se casar. Um quarto mobiliado em pensão custa 10 mil-réis, um terno bom está na ordem de 80, e a jovem senhora se quiser comprar um vestido de ir à missa pode dirigir-se às lojas populares da Rua Uruguaiana e adquiri-lo pelo mesmo preço. Mas geralmente a esposa do caixeiro é econômica e costuma comprar tecido e costurar suas roupas. Para que fiquem com aparência elegante, ela orienta-se pelos moldes da revista mensal La Mode Parisienne, que custa 4 mil-réis o exemplar. Se o salário do rapaz for modesto, ele vai pagar 40 mil-réis por mês para morar C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 11 num cortiço. Conseguir uma casa, mesmo velha, nem pensar. Os aluguéis chegam a 200 mil-réis. A moça que sonha em ter uma cozinheira deve procurar no mínimo um pequeno comerciante. As criadas ganham 30 mil-réis, o que não é muito, porém pesa nos pequenos orçamentos. O preço da alimentação está razoável: 1 quilo de queijo-reino custa 6 mil réis; o da manteiga mineira está por 3 mil e 500 réis; o da carne pode ser adquirido até por 500 réis. O do açúcar, 400; o de feijão-preto, 200; o de arroz inglês, 220; o do toucinho, mil réis; o de banha de lata, marca Navio, 2 mil e 500 réis; e uma lata de Leite Moça custa 800 réis. Próximo ao centro e nos subúrbios, a nascente classe média constrói casas singelas. São os funcionários públicos, pequenos negociantes, médicos, militares de média patente, pessoas que se orgulham de ter à mesa todos os dias almoço e jantar. E isso realmente é um privilégio na capital federal. Essas são despesas típicas da classe média – mas os realmente pobres só de vez em quando podem sonhar com elas. O jeito, para eles, é sobreviver –, o que significa que até meninos são colocados em indústrias ou pequenas lojas, para trabalhar 12 ou mais horas por dia. O pequeno comércio espalha-se por todo canto. “É incalculável o número de tendas de sapatarias, fábricas de massas, tinturarias, manufaturas de roupas e chapéus, que funcionam em fundos de estalagens, de armazéns, lugares que o público não vê”, descreveu um estudioso. Vol. I página 57 A rua dos elegantes, dos boêmios, das damas e das cocotes (1904) Será que o prestígio da Rua do Ouvidor vai acabar? Muitos acham que, quando for aberta a Avenida Central, a Rua do Ouvidor vai deixar de ser a passarela do Rio de Janeiro. Mas, por enquanto, esse “beco de luxo” sinuoso continua sendo praticamente a única opção de consumo para a clientela chique da capital. Espremidos um ao lado do outro, os 313 prédios da Ouvidor oferecem atrações irresistíveis em matéria de artigos importados. Sem falar no frisson das suas confeitarias e cafés. Vol. II página 4 A cidade quer ficar nova e torna-se um canteiro de obras (1904) Em outubro, os cariocas estão tontos. Toneladas de pedras se amontoam no porto, o centro da cidade lembra uma área bombardeada, Oswaldo Cruz vacina todo C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 12 mundo. A música mais tocada do ano, a polca Rato, Rato, de Casemiro Rocha e Cláudio Costa, satiriza a caçada aos ratos comandada pelo Dr. Oswaldo Cruz, para acabar com a peste bubônica. Oswaldo Cruz deixou a tranqüilidade da direção do Instituto Manguinhos, a chamado de Rodrigues Alves, para sanear o turbulento Rio de Janeiro. Indiferentes às críticas, as autoridades seguem em frente. Dar um jeito no Rio de Janeiro é a meta do Presidente Rodrigues Alves, que chamou o engenheiro Pereira Passos para a prefeitura. Pereira Passos convoca dois engenheiros, Francisco Bicalho, encarregado de reconstruir o porto, e Paulo de Frontin, que fica com o Centro. Em fevereiro, foi lançada a pedra fundamental da Avenida Central. Para construí-la, é preciso derrubar casas e cortiços: é o “bota-abaixo”, com exércitos de demolidores explodindo habitações e removendo entulho. Vol. II página 6 O Rio de Janeiro no século XX (1906) O Rio de Janeiro fez uma rápida viagem no tempo para chegar ao século XX. E a nova cara da cidade surge graças a dois inimigos públicos que se transformaram em heróis. O odiado Oswaldo Cruz é agora reverenciado como o exterminador das moléstias tropicais. Pereira Passos, comandante do turbulento “bota-abaixo”, merece a admiração geral. O carioca se orgulha de viver na “cidade mais linda do mundo”. Os estrangeiros podem descer sem sustos no porto novo, andar pela bela Avenida do Mangue, ou contemplar as praias calçadas da Avenida Beira-Mar. Mas o grande cartão-postal da cidade é a Avenida Central. Com quase 2 quilômetros de comprimento e 33 metros de largura, a avenida custou 46 772 contos de réis, contando despesas de demolição, à Prefeitura carioca. O mundo elegante esqueceu a Rua do Ouvidor. Todo o comércio de primeira linha de concentra nos prédios imponentes da nova avenida. E seu traçado, com calçamento de macadame, parece ideal para um engenho cada vez mais presente nas ruas, o automóvel. Se o Rio se converte em “uma metrópole brasileira que mais parecia um pedaço da Europa”, São Paulo também tenta eliminar seus ares de província. Remodela o Jardim da Luz, o Largo do Paissandu e constrói a Avenida Tiradentes, que dará acesso a toda a zona norte da cidade. C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 13 Vol. II página 12 N0 221 O Rio expõe ao mundo as riquezas de nosso país (1908) Os cariocas, depois de deslumbrados com a remodelação da cidade efetuada pelo Prefeito Pereira Passos, assistiram incrédulos ao aparecimento de uma cidade constituída só de palacetes nos areais da Urca. Um imenso e suntuoso portal que dá acesso a um mundo de maravilhas. No interior dos palacetes abrigam-se verdadeiros tesouros: os frutos da terra e os produtos da nossa indústria. A Exposição Nacional, entregue à visitação pública neste 11 de agosto, foi idealizada pelo governo Afonso Pena. Sob o pretexto de comemorar o centenário da Abertura dos Portos do Brasil ao comércio mundial, a exposição mostrou aos povos do mundo o melhor da produção nacional. E não faltou empenho para o êxito do evento. Construíram-se imponentes edifícios para abrigar os stands dos expositores; montaram-se dois restaurantes, um teatro, cervejarias e cafés, e até uma mini via férrea para o público se locomover em trenzinhos. Afonso Pena contou com a colaboração dos estados. São Paulo e Minas, que, compareceram com pavilhões monumentais, mas todos tiveram espaço para expor suas riquezas: ouro, pedras preciosas, madeiras, tecidos, produtos agrícolas. Visitantes ilustres, como o secretário de Estado norte-americano, embaixadores de diversos países e homens de negócios vieram para prestigiar a festa. A Capital Federal reurbanizada também foi uma atração à parte. O objetivo do governo, atrair libras e dólares para o país, foi alcançado. Vol. II página 19 Bibliografia • 100 ANOS de República: um retrato ilustrado da história do Brasil. Vol.I (1899-1903), Vol.II (1904-1918). São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda., 1989. • BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann tropical. 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Esbôço histórico acerca da organização municipal e dos prefeitos do Distrito Federal. Rio de Janeiro, Oficinas Gráficas O Globo, 1945. C O L E Ç Ã O E S T U D O S D A C I D A D E / A G O 2 0 0 6 14 COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

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