quarta-feira, 30 de maio de 2012

currais da fome

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Durante a impiedosa seca que assolou a região em 1932, a Vila dos Ingleses sediou um campo de concentração para o confinamento de flagelados. O gueto era vigiado por soldados, como em uma guerra. O objetivo era isolar os retirantes e evitar a invasão das grandes cidades pela miséria e por epidemias. Moradores de Senador Pompeu, hoje com 27 mil habitantes, resolveram ajudar a desenterrar o episódio na tentativa de atrair a atenção e verbas do governo federal para a região, outra vez castigada pela seca. A estiagem já dura dois anos. Há algumas semanas, visitou o local um enviado da Secretaria Nacional dos Direitos Humanos, o advogado Carlos Moura, encarregado de recolher vestígios desse triste passado. Missão relativamente simples: a lembrança do cárcere permanece viva na memória dos 15 sobreviventes que lá ainda residem. "Comíamos a cera que escorria das velas na esperança de não morrer de fome, pois a maior parte da comida doada pelo governo estava estragada e o pouco que chegava em condições de consumo era roubado pelos guardas", recorda um deles, Guilherme Sabino da Silva, de 74 anos. Sua mulher, Maria de Jesus, que o conheceu criança na Vila dos Ingleses, afirma que os dois só não morreram de fome "porque Deus não quis". O casal teve 14 filhos, nove já morreram e os cinco restantes estão desempregados. A morte era rotina nos chamados "currais da fome", criados pelo governo de Getúlio Vargas sob o disfarce de obra social para distribuir alimento. Ao todo, em 1932, construíram-se sete quartéis no Ceará e no Piauí, para onde foram levados 70 mil flagelados. A Vila dos Ingleses, em Senador Pompeu, era o maior deles - das 17 mil pessoas que passaram por lá, pelo menos mil morreram de fome e doenças. Sob o sol escaldante e sem nenhuma água, milhares de famintos com cabeça raspada, para evitar piolhos, eram obrigados a descarregar o alimento enviado de trem pelo governo. A maior parte chegava estragada, como testemunharam Guilherme Sabino e Maria de Jesus, e os melhores cortes de carne iam para a cozinha dos militares. Para os retirantes, sobravam somente o sangue, o coração e os bofes dos bois. A sopa era preparada com mato e goma (amido de mandioca). As crianças comiam rapadura e morriam de diarréia. "O feijão era tão duro e ruim que ganhou o apelido de Zé Félix, nome do mais truculento guarda do campo de concentração", recorda Maria de Jesus. À noite, luzes de holofotes vigiavam as vias de acesso e o comportamento dos "prisioneiros", amontoados em barracos feitos com gravetos secos e estopas cortadas dos sacos de comida. "Alguns guardas deixavam namorar num quartinho escuro, o mesmo usado para açoitar os desobedientes", lembra Maria Perpétua Vieira, de 75 anos. Seu avô era coveiro e guarda do cemitério. Os doentes não podiam sair do gueto. Rezas, choros e lamúrias cortavam a madrugada, denunciando o desespero dos famintos. Muitos morriam - cerca de 20 por dia -, e os cadáveres eram enterrados às pressas em valas para evitar o ataque de cachorros e urubus. O horror daqueles dias só não se perdeu na História graças à Companhia Art-Cultura Metade de Nós, um grupo de estudantes e profissionais liberais de Senador Pompeu. Há dois anos, eles trabalham na localização de sobreviventes e na recuperação de documentos históricos. O acervo será guardado num museu a ser instalado nas ruínas de quatro casarões ainda de pé na localidade - um deles a antiga casa de pólvora onde os ingleses da Dwight P. Robson & Co. guardavam os explosivos usados na construção da Barragem do Patu. A barragem, com a qual seria criado um megaaçude para distribuição de água, teve as obras interrompidas em 1923 por falta de verbas. Retomadas em 1986, formaram apenas um pequeno lago, que hoje praticamente só serve para embelezar a paisagem. "A água do açude não abastece todas as casas nem é usada para irrigar as lavouras, destruídas pela atual estiagem", lamenta Flávio Alves, diretor do documentário Cerca Seca, recém-filmado na região com a participação de 283 atores e figurantes locais. As pragas e as secas destruíram tudo em Senador Pompeu, grande produtor de algodão no século passado. Em 1932, a questão social tornou-se crítica porque choveu 58% a menos que o normal. Mas a seca atual é pior que a do período do campo de concentração. O agricultor João Batista Marcelino, de 50 anos, cultiva a roça ao lado do açude. Sem ter como captar água, perdeu toda a plantação de milho e feijão. "O problema não é a sede, mas chuva para podermos plantar e comer", afirma, rezando por uma solução que caia do céu. Sérgio Adeodato, de Senador Pompeu Volta ao Sumário Copyright 1998-2002 © Editora Globo S.A. - Termos legais É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Editora Globo. copyright erdityora globo s.a

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