quarta-feira, 30 de maio de 2012

flagelados da seca

A VIUVEZ DO VERDE 111 OS FLAGELADOS Carlos Cavalcanti (na seca de 1942) Ando perdido neste acampamento, de rede suja em rede suja, e vejo em cada flagelado o sofrimento. Em face deste bárbaro tormento, de tão negra miséria, o meu desejo é abandonar, com a rapidez do vento, esta gleba infeliz em que rastejo! Vendo um casal que dorme à sombra larga com seus filhos magríssimos à ilharga, em mim referve a cólera e a piedade! E afogo estas palavras rebeladas: – homem, vai ser ladrão pelas estradas! – mulher, vende a retalho a honestidade! 112 EDUARDO CAMPOS A SECA Mário Linhares Ceará. Pleno Sertão. Agosto. Um sol de brasa queima impiedosa mente o ventre da floresta. O ar, pesado, asfixia. O espaço nem uma asa de ave corta. A adustão flores e frutos cresta. Fuzila o dia. Em fúria, o vento, dentre a fresta de abertas rochas, silva. À sede que o abrasa, o touro escarva o chão e, ao mormaço da sesta, a dor da planta à dor dos pássaros se casa. Nenhum riacho a colear o amplo seio do bosque. É ardente o sol, é seco o arbusto, é triste o prado; E nenhuma hera ao tronco anoso há que se enrosque. Calma. Pela esplanada, apenas, se ouve o pio dos anuns e o mugir convulsivo do gado, sob a cáustica luz desses dias de estio. A VIUVEZ DO VERDE 113 SECA NO CEARÁ José Valdivino À MEMÓRIA DE CRUZ FILHO Há seca no Ceará. O sol refulge e cresta. E a noite é treva, e o dia é ouro, e o poente é sangue. No coração silente e manso da floresta, Muge, com sede, a rês, abandonada e exangue. A boiada acabou. Pelos ariscos, resta Um ou outro animal. Foi-se a água do mangue. A cacimba secou. Dos pássaros a festa A fome emudeceu. Padece o sertão, langue. Tempo de sofrimento! O acicate do sol, Rijo, golpeia o chão e fere as serranias. São acúleos de fogo as asas do arrebol. Abrem, grandes, no campo, os juazeiros a fronde. E o cearense interpela as nuvens erradias Sobre a crua mudez do céu, que não responde. 114 EDUARDO CAMPOS TERRA DE SOL Jáder de Carvalho Dói na alma ver a seca no sertão: toda a caatinga tem a cor da cinza; a água do rio esconde-se na areia; mugem as vacas dolorosamente. As moças e os meninos (tão magrinhos!) estão catando os últimos capulhos do algodoal. Ele florara em junho, mesmo com a rara chuva que o molhou. Verdes, apenas os mandacarus, os xiquexiques e os ásperos juazeiros: verdes, mas defendidos, por espinhos! Por sua vez, o homem também protege, com a pouca fala e o rosto duro, a abelha que lhe fabrica o mel no coração... A VIUVEZ DO VERDE 115 SONETO VACUM A Eduardo Campos Nos campos onde o negro se destaca, antigamente o sino do cincerro velava o entardecer junto da vaca, olhos aflitos fitos no bezerro. O lago escuro brilha como faca. (Frio fulgor fatídico do ferro). Um vento afoito e uma tristeza opaca aumentam mais o enorme do desterro. Anda agora um clamor pelas estradas. Solerte é o sol. Presságios de negrume dançam no ar. Qual lâmina insalubre, O vento afoito atrita nas ossadas. A vaca assoma à porta do curtume, e o leite do luar pinga do ubre. FRANCISCO CARVALHO EMENTÁRIO As secas de 1877 e 1915, respectivamente, pelas páginas do CEARENSE e do CORREIO DO CEARÁ. A VIUVEZ DO VERDE 121 A SECA DE 1877 PELAS PÁGINAS DO CEARENSE SECCA A falta de chuvas já se vae fazendo sentir. De Sobral e de outros pontos creadores da província nos dizem que a secca já vae causando consideráveis estragos. E grande a mortalidade dos gados por falta absoluta de pastos. Se neo chover este mez sereo enormes os prejuízos. 6.1.1877 lNVERNO As notícias que vamos recebendo do interior são lisonjeiras a respeito das chuvas. De Sobral dizem-nos em 24 de janeiro: “Hontem, tivemos uma boa chuva; choveu quase toda a noite e hoje ainda amanheceu chovendo. Ainda bem e graças a Deus. Da Imperatriz, em 31 de janeiro: “O inverno por aqui quasi dez dias que deu principio e continua a mais. À falta d’elle os creadores tem tido grandes prejuízos.” 8.2.1877 122 EDUARDO CAMPOS EFFEITOS DA SECCA Começa a aparecer a miséria, consequencia necessária da terrivel secca que vamos atravessando. Na Telha já se vae sentindo os cruéis efeitos da fome. A camara municipal d’ali dirigiu-se a presidência pedindo socorros para o povo que pede pão! S. Exc. nomeou uma commissão composta do presidente daquella municipalidade, do vigário da freguesia, do delegado de policia e do capitão Nestor de Barros Lima, para agenciar socorros e donativos em favor dos desvalidos.” 1.3.1877 CHUVAS De alguns pontos vão nos chegando noticias mais animadoras. Nos sertões de Canindé e Quixeramobim tem chovido, assim como na Telha tem cahido boas chuvas. No Cariry o inverno é promettedor. Do Saboeiro, dizem-nos em 20 do passado: “A Secca por aqui foi avassaladora, porém hoje começou o inverno. Esta noute cahiu uma boa pancada d’agua.” Entretanto, de Sobral, nos escrevem o seguinte, em 20 do passado: “Estamos na vespera de nova crise na industria de criação de gados. Há toda a probabilidade de uma secca. O sol tem estado abrasado como nunca, e a athmosphera limpida como nos mezes deverão. O pasto nascido nas primeiras chuvas já está reduzido a pó. Que calamidade para a nossa infeliz provincia! 8.3.1877 SECCA O inverno este anno é todo topographico, como já dissemos. Tem chovido em alguns pontos e n’outros a secca A VIUVEZ DO VERDE 123 vae produzindo estragos. Do Crato, escrevem-nos o seguinte em 19 passado: “Estamos com uma terrível secca em perspectiva, e só Deus sabe quanto nos será doloroso esse flagello.” De Santa Quiteria nos dizem no lo do corrente: “A secca por aqui está no seu furor, depois das poucas chuvas que cahiram do fim de janeiro a 2 de fevereiro.” É uma coisa horrorosa, meu amigo, uma secca no Sertão! ... ... ... ... ... Prasa a Deus que as chuvas que nestes 2 dias têm cahido nesta capital, tenham sido geraes. 11.3.1877 BANHOS FRIOS (Anúncio) Asseio e regalo Rua do Conde d’Eu. Entrada pelo portão – que defronta o palácio do Governo. 21.3.1877 PARA JEJUM DE SEXTA-FEIRA (Anúncio) O Novo Palhabote recebeu: “Wermontts Blomens” “Fresh Salmon” “Idem cold” “Real Finden Haddocks” “Fresh Salmon” “Scotch” “Fresh Lochfine Herrings” “Fres Lobsters”. Todas estas qualidades de peixe fabricadas por John Gilloon & Cia. 124 EDUARDO CAMPOS Alem destas marcas, há muitas outras qualidades, assim como Ervilhas, Queijos e um completo sortimento de estivas. Ao Novo Palhabote. 29.3.1877 CHUVAS Altura do pluviômetro na última quinzena de março: Dias de chuva m.m 16 1,00 17 4,00 De 17a 18 8,00 18 80 19 8,00 20 7,40 22 3,20 De 23 para 24 5,60 26 5,00 29 2,20 45,20 Na primeira quinzena 38,80 Durante o mez, dias de chuvas 17; milímetros 84,00. Não há duvida de que o anno de 1877 será calamitoso para o Ceará. 1.4.1877 A SECCA (Editorial) A secca não é mais objecto de conjectura, infelizmente para a nossa província. Por quase todo o sertão tem ella devastado a creação e agricultura de uma maneira atroz desanimadora. Algumas localidades, como Brejo Santo, A VIUVEZ DO VERDE 125 Telha e Inhamuns estão sofrendo os horrores da fome e desprovidas de água para os gastos da vida. 8.4.1877 A SECCA (Trecho de carta de leitor) “Attingimos ao mez de abril, e o nosso solo pode apenas desenvolver os germens das forragens para os gados e dos cereaes para o sustento do homem. As poucas e leves chuvas ocorridas em varios pontos da província, do dia 18 a 21 do mez passado, fizeram germinar as sementes. Tenras folhas ainda surgiram à superfície da terra; mas toda a vegetação emurchece e está prestes a morrer”. 15.4.1877 AINDA A SECCA “Continuarão a ser desoladoras as noticias que sobre a secca nos chegão de todos os pontos da província. Mais cedo do que suponhamos ostenta-se a miséria no seio das populações e os recursos escasseiarão, ameaçando desaparecer completamente”. Carta de Sant’Anna: “Vamos entrar no doloroso e lúgubre quadro que se pode imaginar, – a terrível secca que nos bate à porta. Não nos pode mais restar esperanças do inverno, porque os mezes mais abundantes de chuvas estão a concluir-se”. Carta de Pedra Branca: “Estamos ameaçados da secca; a quantidade de povo que chega de fora é immensa. Aqui não ha nem viveres nem pasto. Esse povo sem pão, sem dinheiro, naturalmente lançará mão dos meios extremos. Deus nos acuda!” 18.4.1877 126 EDUARDO CAMPOS Carta pastoral. D. Luiz antônio dos santos, por mercê de deos e da santa fé, apostólica, bispo do ceará, prelado assistente do solio pontifício e do conselho de s.m. O imperador, etc, etc. “...sem sahirmos do angulo das cousas naturaes, e ainda considerando as actuais circunstancias como phenomeno athmospherico muito natural e em perfeita harmonia com as leis que regem o nosso planeta; nem por isso nos devemos ter por dispensados de recorrer a Deus: pois Elle como autor da naturesa pode mudar essas mesmas leis, e dando outra direcçao aos ventos, fazer com que sejamos favorecidos com a desejada chuva, que venha fertilisar os campos, vivificar os rebanhos, animar o commercio e a todos encher de bem entendida alegria; pois o Espirito Santo isto nos aconselha: Pedi ao Senhor chuvas na estação serodia e o Senhor fará cahir neve e vos dará a chuva em abundância.” 22.4.1877 SECCA – De Aracaty nos escreve o nosso estimado amigo dr. Miguel Castro, em 20 do corrente: “Estamos a braços com uma secca, que será muito mais dannosa e fatal que a de 1845, em que, aliás, muita gente sucumbiu a fome”. 26.4.1877 O CONSELHEIRO ALENCAR (A propósito da secca) “S. Exc., no meio de 7 deputados cearenses, alguns dos quaes a par do estado de cousas da provincia, disse, se não afirmou sem contestação – que as noticias, transA VIUVEZ DO VERDE 127 mittidas d’aqui para a corte, acerca do flagello que nos persegue actualmente, erão manejos de opposição ao governo, destituidas de fundamento e verdade, porque, quando mesmo não tivesse ainda chuvido, a falta de inverno só se fazia sentir de maio ou junho em diante”. 3.5.1877 CHUVAS “Felizmente appareceram as chuvas; si bem que pouco aproveita a lavoura, todavia servirão para fazer aguadas e salvar o gado que ainda resta De lo. a 5 do corrente temos tido chuvas regullares, atingindo o pluviômetro a 66,80 m.m. mais que todo o mez de abril, porem menos que o anno passado, nesse período, que o pluviômetro recolheu 145,80 m.m. No lo de maio, o anno passado, tivemos uma pancada d’água de 90,80 m.m. a maior daquelle anno. Cessaram as grandes ventanias. Parece que estas chuvas foram mais ou menos geraes, segundo noticias que nos vão chegando” 6.5.1877 SECCA – CARTAS Sobral: – “A fortuna do gado vaccum e cavallar achase bastante reduzida, já e creio que o resto seguirá o mesmo caminho, uma vez que o unico recurso que nos resta é retirar para o Piauhy apenas o gado que não se acha de todo inanido, pouco, e este mesmo morrerá em região e pastagens desconhecidas, si é que não for comido pelos ladroes que vão se tornando de uma audacia fora do comum... 6.5.1877 128 EDUARDO CAMPOS CHUVAS Do 1o do corrente até hontem tem cahido algumas chuvas nesta capital, porem pequenas. Eis a altura do pluviômetro: Dias m.m. 1 14,40 2 11,40 3 1,00 4 8,00 De 4 para 5 32,00 6 14,00 7 7,40 88,40 Com tudo ainda não atingiu a altura do pluviômetro no 1o de maio ao anno passado, pois tivemos nesse dia, uma pancada d’agua que levou a 90 milímetro. Recomeçaram hontem as grandes ventanias. 10.5.1877 MELHORAMENTOS MATERIAES (Editorial) (Construção de açudes) “O maior benefício, portanto, que uma administração poderia fazer-nos seria dotar a provincia de centenas de açudes e aguadas públicas nos lugares menos favorecidos pela umidade. Esta idéia não é nova; e merecia ser inscrita nos programmas dos partidos militantes na provincia. Foi o senador Alencar quem primeiro mostrou sua exequibilidade; e desde então os factos tem-se encarregado de provar que este patriota tinha razão em querer regar os sertões com águas acumuladas nos reservatórios artificiaes.” 13.5.1877 A VIUVEZ DO VERDE 129 METEOROLOGIA Altura do pluviômetro na la quinzena do corrente mez: Dias de chuva m.m. 1 14,40 2 11,40 3 1,00 4 8,00 De 4 para 5 32,00 6 14,00 9 7,40 12 3,00 91,80 Nesse período, o anno passado, o pluviômetro recolheu 366,20 m.m. 17.5.1877 SECCA Estão dissipadas todas as esperanças do inverno. Aquelles mais crédulos que ainda apellavam para maio acham-se completamente descrentes. A athmosphera continua límpida como no rigor do verão, uma ou outra vez apresenta-se carregada, porem a impetuosa ventania desfaz tudo em pouco tempo. O sol é abrasado e o calor intensíssimo.” 20.5.1877 CORRESPONDÊNCIA DO INTERIOR – SECCA Sobral, 14 de maio. – Não tem chovido, o sol é abrasador. O Aracaty-assú está quasi despovoado, crê-se que não escaparão uma só rez e nem um animal. Não há falta de farinha, e ainda há algum carne; faltam porem milho, fei130 EDUARDO CAMPOS jão e arroz. A emigração para a Serra Grande, Meruoca e Piauhy é extraordinaria; a Sobral tem chegado alguns emigrantes, os quaes vão sendo acometidos da febre amarella que já tem feito algumas poucas vitimas. Fome e peste; só nos falta a guerra para completar a triade a que está a humanidade sujeita pela nossa propria imprevidencia.” 24.5.1877 AO LOUVRE (Anuncio) PARA A SEMANA SANTA ROUPA FEITA Palitó de alpaca de 3$000 Fraks de alpaca fina a 10$000 e 12$000 Sobres de pano fino a 18$000, 20$000 e 25$000 E completo sortimento de sedas pretas e artigos apropriados à Semana Santa. 27.5.1877 HORRORES DA SECCA Prossegue na sua marcha sempre crescente e devastadora a grande calamidade, cujos effeitos vão se fazendo sentir em toda a provincia. ... ... ... ... ... Uma carta de Lavras, que temos à vista, datada de 3 do corrente, descreve assim a triste situação d’aquelia comuna: “É consternador ver a multidão de homens e mulheres que sahem a procura de refugio onde se abriguem dos horrores da fome, que já vae, entretanto, fazendo victimas, em consequencia de alimentação de batatas e raizes venenosas de que o povo lança mão. A VIUVEZ DO VERDE 131 Aqui já se acabaram todas, até as raizes de gravatá, a carnaubeira, mucunan e a maniçoba brava; o povo tudo tem comido!” 27.5.1877 CORRESPONDÊNCIA DO INTERIOR SECCA Telha, 18 de maio. – “Vamos na mesma miseria de chuvas; está tudo reduzido a nada, apesar das chuvinhas que tivemos no principio deste mez. A fome já vae fazendo estragos.” Icó, 16 de maio. – “É lugubre o quadro que se offerece à nossa contemplação n’esta cidade, ocasionado pela horrivel secca que a todos vae flagellando.” Arraial, 22. – “Continuamos a lutar com os horrores da secca. O povo vive na maior afflicão.” 31.5.1877 METEOROLOGIA Altura do pluviômetro na segunda quinzena de maio: Dia m.m 25 2,40 26 3,40 27 1,20 de 27 para 28 3,00 10,00 Durante o mez: dias de chuvas, 12. 101,80 mm. Neste mez por tanto, este anno, uma differença para menos de 350,80 milímetros. 3.6.1877 132 EDUARDO CAMPOS TRABALHO E NÃO ESMOLA (Editorial) O que convem as provincias flagelladas pela secca é o socorro destribuido pelos seus habitantes, de modo que o solo seja o primeiro a tirar proveito e adquirir armas para appolas às inclemencias climatericas. Neste caso, o trabalho será um meio e o melhoramento da provincia o fim dos socorros prestados pelo governo a particulares. ..................................................................................... E preciso que o sr. Dezembargador presidente se capacite de que o unico meio de reter a população em seus respectivos sitios, é dotar a provincia de seus melhoramentos é favorecer a abertura de açudes e depositos d’agua, principal agente fertilisador e conservador da lavoura. 7.6.1877 NOTICIÁRIO Horrores da fome – No Ceará já morre gente de fome; E horrorosa a nossa situação. Alem das dolorosas noticias que hoje damos na secção – Correspondencia do interior – publicamos em seguida a seguinte descripção que nos faz o nosso amigo capitâío Salustio Tertuliano Bandeira Ferrer, do estado desgraçado do Saboeiro. Escreve-nos em 31 de maio: “A desesperadora crise da secca vae cada vez mais em augmento, por todo este municipio, cuja populaçao vive em sobressaltos, e já muitos se acham em preparativos de emigrar para essa capital... ..................................................................................... Já morreram quatro crianças victimas da fome; e o povo não tem mais de que se sustentar, porque se esgota rao as raizes de mucunà e pau mocó...” 10.6.1877 A VIUVEZ DO VERDE 133 METEOROLOGIA Eis o resultado do pluviômetro no semestre de janeiro a junho m.m Janeiro - 4 dias 24,20 Fev. – 3 dias 16,00 Març. – 17 dias 84,00 Abril – 10 dias 40,20 Maio – 12 dias 101,80 Junho – 9 dias 89,60 355,80 No semestre de 18760 resultado foi o seguinte: 1.365,40 m.m. 1.7.1877 A SECCA DO CEARÁ E O GOVERNO IMPERIAL O nosso distincto comprovinciano, major Capote, publicou na Gazeta de Noticias o seguinte artigo que o Jornal do Commercio não quis acceitar: “Morre o povo a fome no Norte, o Imperador divertese em Pariz! Não ha um deputado, um senador que tenha a coragem de interpellar esse desgraçado governo, a bem de saber que seus suditos morrem a fome, quando elle banqueteia-se e diverte-se longe d’esse mesmo povo que com o suor lhe paga para bem manter suas prerrogativas e defensa!” 13.7.1877 CHUVA Hontem tivemos um verdadeiro dia de inverno. Começou a chover às 4 horas da manha, prolongando-se 134 EDUARDO CAMPOS até às 2 da tarde. Durante o dia a athmosphera esteve sempre carregada; reinando completa calmaria. O pluviometro mediu 27,60 m.m. a terceira chuva do anno. 2.8.1877 HORRORES DA SECCA (editorial) No Crato, segundo testemunha de um irmão do sr. Nicolau Arraes, que por lá acaba de passar, já pereceram a fome ou em consequencia della, 50 e tantas pessoas. Em Lavras segundo afirmou o colletor geral, o vigário e a comissão de socorros, 10 pessoas; no Araripe, segundo o testemunho do cidadão João Gualberto de Oliveira G., 2 pessoas; no Jardim, uma creança em presença da comissão de socorros;” etc, etc. 12.9.1877 CORRESPONDÊNCIA DO INTERIOR – SECCA Assaré, 14 de agosto de 1877. Diz-nos d’ali uma pessoa circunspecta: “O dinheiro fornecido pelo Exmo. presidente da provincia há quatro dias concluiu – e já o povo se acha em quasi completo desespero; ameaçam até de forçar as casas que tiverem farinha para d’ella munir-se e emigrar... ..................................................................................... Quixeramobim, 19 de setembro de 1877 – Uma carta do padre Salviano Pinto Brandão, vigário da freguesia, diz o seguinte: “Si não houverem algumas chuvas que façam rebentar nova rama, vae perecer inteiramente o resto do gado vaccum e cavalíar e então havendo inverno em 1878, suponho que acharão dezerto o nosso Quixeramobim.” 14.9.1877 A VIUVEZ DO VERDE 135 CARROS PUXADOS A MÃO Do Acaracú nos dizem o seguinte, em 8 do corrente. “Hoje chegarão da cidade de Sant’Anna, 72 homens puxando quatro carros para conduzir os generos que aqui se acham armazenados, para a comissão de socorros daquella cidade. Foi o único recurso de que lançarão mão, pois que carros com bois não há mais.” 18.10.1877 ATENÇÃO (Anuncio) Tudo para a secca A rroz, farinha e feijão O vos, banha e toucinho C afé, assucar, bolacha A lho, sebola, cominho. Milho, goma, mayzena A mninha que vale apenas R efresco sempre gelado à dinheiro tudo em fim O ra peta! que fiado O CAMARÃO previne a seus fregueses que tragão sempre seus anzoes com iscas, do contrario não pescarão nada. Alfredo Theophilo & Cia. 63 – Rua da Palma – 63 18.10.1877 HORRORES DA SECCA O rvd. vigário de Aracaty-assú, nosso amigo padre José Silvino de Vasconcellos, escrevendo-nos em data de 4 do corrente, assim nos descreve o estado deploravel daquella freguesia: “E verdade que tem vindo para aqui alguns socorros do governo porem em tão limitada quantidade que apenas 136 EDUARDO CAMPOS chegam para saciar a fome dos miseráveis por alguns dias. A primeira remessa já está concluída, a obra do açude começada, paralisada, o povo necessitado sem trabalho – portanto sem pão. Já almejamos pela segunda remessa em Sobral, para dali ser transportada em carros puxados a mão, como foi parte da primeira. E doloroso ver 20 homens atrelados a um carro carregado e transportarem-no na distancia de 11 léguas, por caminhos péssimos, porem taes são as nossas condições!” 28.10.1877 ARRAIAES DE IMIGRANTES Vai muito adiantada a construção dos arraiaes mandados edificar na rua D. Pedro e cujas obras achão-se sob a direção do Sr. Tenente Felippe Sampaio. Estão já prontas e habitadas mais de cem casinhas e outras tantas provisoriamente cobertas a palha. ..................................................................................... – Sobre o morro do Coroatá está sendo também construído um outro abarracamento de palhoças para os retirantes, confiados à zelosa administração do nosso amigo João Sampaio. 11.11.1877 ESCRAVA FUGIDA (Anuncio) No dia 14 do corrente fugiu a minha escrava Jacintha, idade 24 annos, altura regular, e cheia de corpo; o rosto seria regular se não fosse um pouco buxeixuda, cabelos crescidos e carapinhos, olhos grandes, nariz chato, boca regular, e beiços grossos, cor parda, talla descançada e grossa, hombros levantados e largos, pés apapagaiados, e A VIUVEZ DO VERDE 137 andar um pouco inclinado para a frente. E natural da Parahyba do Norte, e foi comprada ao Sr. Cândido Francisco Monteiro, do lcó. Atribue-se que o fim d’ella é passar como – retirante – por isso é provável que esteja nos arrabaldes d’esta cidade, ou como tal queira emigar para fora. Gratificase bem quem a pegar, ou dar noticia da referida escrava a Joaquim Felicio d’Oliveira Lima. 15.11.1877 A FOME FAZENDO VICTIMAS EM LAVRAS Para os que ainda contestão que no Ceará já se morra literalmente de fome, damos abaixo a certidão passada pelo digno parocho da freguesia de Lavras, Rvd. Miceno, em trecho de uma carta de nosso distincto amigo capitão Manoel Carlos de Moraes, collector das rendas geraes d’ali. Lavras, 30 de outubro – “Marchamos a passos agigantados para um abysmo. A nossa situação é horrorosa. Aqui a mortalidade pela fome já se eleva a 61! As mulheres é que conduzem os cadáveres à policia para dar sepultura aos mortos, porque o povo faminto e desesperado da vida não se quer prestar a isto! Só se vê nas ruas homens, mulheres e crianças, verdadeiros esqueletos ambulantes...” 25.11.1877 A SITUAÇÃO NO CEARÁ – Á SECCA Continua a fazer victimas em vários pontos da provincia. As noticias do interior são assombrosas. ..................................................................................... Todo Cariry está conflagrado. Os bandos de assassinos assaltam as povoações, saqueiam e matam, ao passo que a fome vae fazendo dezenas de victimas diariamente. 3.12.1877 138 EDUARDO CAMPOS MORTALIDADE NA CAPITAL Augmenta espantosamente a mortalidade nesta capital. Até hontem tinham sido sepultados 454 pessoas! Só no dia 14 registrou-se 44 óbitos e hontem 38! Nessa progressão, eleva-se-há a mil a mortalidade neste mez. 16.1 2.1877 NOTICIÁRIO (Vários títulos) HORRORES DA FOME! FOME NA CAPITAL! AINDA A FOME! FOME EM ARRONCHES! AINDA FOME EM ARRONCHES! FOME NO TAMBORIL! FOME NO ICO, etc., 20.12.1877 TALHO DE CARNE DE CACHORRO E GATO Do Crato, nos comunicam o seguinte o nosso amigo Fenelon B. da Cunha: “Em uma das villas próximas me referiu pessoa fidedigna que acha-se montado um talho para carne de cachorro e gato, tendo tão rápido consumo como se tratasse de outro qualquer objecto apropriado à alimentação.” 15.3.1878 TRISTES EFEITOS DA SECCA Em 19 do passado escrevem-nos do Crato: “Hontem erão os fructos silvestre, macahuba, a mucuna, o croatá, a macambira & que constituiam o principal alimentação dos desvalidos; após a casca e o caroço da manga, o bagaço da canna e outros taes imundícies...” 15.3.1878 A VIUVEZ DO VERDE 139 MORTALIDADE DA CAPITAL Do dia 1o a 1 5 do corrente faleceram nesta capital 1519 pessoas. ANÚNCIO ALBANO & IRMÃO vendem: arroz da índia, milho, feijão, farinha de trigo SSSF, passas novas, figos, soda americana, toucinho de Lisboa, manteiga franceza, manteiga inglesa, banha de porco em latas, banha de porco em barris, sardinhas, assucar refinado de la., 2a. e 3a. sorte, idem, branco, em rama, la. e 2a. sorte, idem, mascavo, presuntos, vinho branco em ancoretas e barris, genebra da Hollanda, chá verde, chá preto, café, estearina, kerosene, sabão, azeite doce em latas, óleo de linhaça, alvaiade de zinca, cal de Lisboa. 28.6.1878 A SECA DE 1915 PELAS PÁGINAS DO CORREIO DO CEARÁ DIVERSAS “Se o inverno continuar como vai, pouco ou nenhum, teremos dentro em breve, dias amargos de infortúneo. Os lamentos que nos vêm do interior são os mais pungentes que se possam imaginar. Flora e Fauna sofrem impiedosos ataques do flagelo; o sol é de fogo. O luar é claro e limpo como se estivéssemos no clássico agosto. Só uma coisa ainda fornece margem a supormos que a desgraça não será completa: Deus, que é misericórdia e bondade.” 4.3.1915 140 EDUARDO CAMPOS CHUVAS “Do interior chegam-nos notícias promissoras, alvissareiras, se bem que tardias, de francos aguaceiros. Bemditas esperanças ressurgidas! Os campos amortecidos fremem, embebedam-se voluptuosamente de águas cálidas do céu como ressequidos estendais de árvores semimortas que são. O homem rude do sertão alivia-se da amarga opressão que lhe aperta o cérebro como vigorosas tenazes, apenas tarda a visita hibernal que, assim, rouba as poucas economias de um trabalho assíduo, intenso...” 12.3.1915 O CALOR “Chegam-nos notícias de chuvas no interior. Um dos nossos companheiros ouviu de um cidadão, no bond, que apanhou três horas de aguaceiro no Baú. Antes assim. Mas o que não cessa em Fortaleza, é o calor estafante. Sua-se à ufa. A vida tem de correr. E é uma tortura. Mas, assim como veio a chuva, virá também tempo ameno. Esperamos.” 12.3.1915 QUADRO SÓBRIO “Notícias do Cariri dizem a que estado se acha reduzida aquela fértil região. Devastada por uma revolução que esgotou os seus grandes celeiros, reduziu à metade sua creação e sacrificou a safra do ano passado, vê-se agora na iminência de uma crise climática que, nas atuais condições, é um golpe de morte à sua proverbial prosperidade. Com as três chuvas caídas este ano, já não é possível contar-se com a colheita de cereais. As primeiras plantações estarreceram com a canícula de fevereiro e a falta de sementes impossibilita nova tentativa nesse sentido, mesmo na hipótese de reaparecer o inverno.” 16.3.1915 A VIUVEZ DO VERDE 141 SE NÃO FALHAR “Se não falhar a experiência do sertanejo, quando afirmam que chuva no Piauí é prenúncio certo de inverno no Ceará, é o caso de darmos os mais calorosos parabéns. Vinte e dois municípios daquele Estado já receberam a preciosa visita das chuvas. O rio Parnaíba transbordou em todo o seu percurso, sinal de que a zona que lhe serve de vertente, acha-se em franca quadra invernosa.” 19.3.1915 SECA! MISÉRIA! “Tópico de um carta dirigida de Tauá a uma firma comercial desta praça: “Falemos agora da seca. E medonha e aterradora a situação deste sertão! Tivemos em 1 e 2 de fevereiro duas chuvas, já quando havia morrido metade do gado, que desde novembro se achava no trato. Estas duas chuvas foram suficientes para levantar pastagem, tendo já desaparecido por completo a babugem e a rama que saíra. Como sabe, não houve, no ano passado, legumes por este sertão, devido ao inverno, que foi curto, e à Revolução que deslocou a quase totalidade dos habitantes do sertão.” 18.3.1915 A SECA – MISÉRIA INILUDÍVEL RESPEITOSA SUGESTÃO Telegrama de comerciante de Crateús à Associação Comercial: “Crateús, 22: Comerciantes reunidos pedem vosso valioso concurso perante governo estadual, federal, sentido alteração sofrimentos oriundos terrível seca manifestada. Economias povo foram sacrificadas salvar pecuária atualmente já diminuída 60%. Restante abandonado credores falta recursos. Gêneros primeira necessidade absolutamente escassos atingem preços fabulosos. Levas retirantes famintos aglomeram-se, concentram-se aqui e 142 EDUARDO CAMPOS Ipú, vítimas extrema penúria, morrendo inanidos. Não havendo qualquer socorro, imediatamente, a fome em toda a sua hediondez, com seu tétrico cortejo de crimes, de furtos, ameaça aniquilar tudo, tudo, todos!!! Sugerimos continuação trabalhos estradas ou início urgente qualquer serviço público que possa minorar horrível situação. Qualquer indecisão, demora, terá sacrificação completa comércio perda inúmeros valiosas vidas nossos irmãos. Socorro! Socorro! (Assinam) Bezerra, Aragão, Francisco Mariano, etc., etc. 26.3.1915 ALVÍSSARAS “Ante-ontem soubemos de chuvas copiosas em Água Verde, Guaiúba, Quixeramobim e Senador Pompeu; ontem; o distinto cavalheiro sr. Prisco Cruz teve a fineza de afirmanos outro tanto em Canindé, donde recebeu despacho firmado por pessoa cuja seriedade, nem leve poremos dúvida; e ontem ainda a cidade de Fortaleza recebeu a visita de copioso aguaceiro que veio matar o calor exaustivo, deprimente, extenuante, quase mortífero dos dias. anteriores. Será o inverno, que, depois de negaças conturbadoras, após uma tardança cruel, vem, alfim, salvar os destroços da fortuna particular e pública do Ceará?” 30.3.1915 EM QUIXADÁ “Em face da perspectiva da seca, que nos aflige, já é grande o êxodo de habitantes de outros municípios para esta cidade, que se encaminham à cata de abrigo no reservatório do Cedro. E como este recurso é limitado, pois até mesmo os terrenos de irrigações pertencentes a particulares foram cedidos, acha-se esta cidade na A VIUVEZ DO VERDE 143 contingência de assistir à morte de inanição a toda essa horda de necessitados.” 30.3.1915 DE PREFERÊNCIA “Pessoas observadoras e criteriosas que chegam do interior asseveram o seguinte aspecto dos campos do Ceará: a crise horrorosa em que nos debatemos não é geralmente oriunda de falta de reservas de águas mas da ausência de forragens para o gado e da tardia queda de chuvas. Por ai temos corno discutir a preferência de um dos mais judiciosos meios de trabalho honrado para o povo, entre a construção de estradas de ferro, de estradas de rodagem e de açudes. Não chegaremos à proterva de negar quanto valem os açudes, sabiamente distribuídos pelo interior do Estado, como não poremos em dúvida a grande e inestimável utilidade das estradas de rodagem. Seria isso e mínima noção das cousas tanto mais quando em toda parte esses elementos de vida, essas garantias do futuro, vão dando os mais belos e fecundos resultados. Parecenos, entretanto, que o primeiro serviço a atacar seria a construção de estradas de ferro, quer em prolongamento, nas que já nos servem, quer em início de outras que entronquem com as existentes.” 31.3.1915 A SECA – DE UMA CARTA DO INTERIOR: “Aqui, apesar de ter caído ontem uma chuva de 30 milímetro, o povo já está desiludido inteiramente de inverno este ano. Diversas famílias já se retraram e muitas estão se preparando para fazer o mesmo. As plantações feitas nas poucas chuvas de janeiro, já não existem. Os gêneros alimentícios, já muitos raros, estão por um preço 144 EDUARDO CAMPOS elevadíssimo e o trabalho desapareceu completamente. À criação acha-se dizimada e o que é mais angustioso é que não se tem para quem apelar. Parece que será uma seca singular.” 3.4.1915 CONTRASTE DOLOROSO “E o que se está passando atualmente no Cariri. Chuvas abundantes, torrenciais mesmo, e a miséria, e a fome, invadindo os lares despovoando os campos. Após 50 dias de verão, aniquiladas as sementeiras de janeiro, ressequida pastagem nascente, quando já se tinha perdido toda a esperança, os céus inclementes se abrandam, numa cruel ironia, e despejam sobre aqueles campos adustos chuvas diluvionais.” “Contém-se no comércio dali, por esta tabela horrível, os preços do mercado:: Feijão (litro) $600 Farinha (litro) $200 Milho (litro) $250 Rapadura (uma) $500 Sem estes gêneros que formam a cozinha do pobre não é possível a vida” 7.4.1915 AS PROVIDÊNCIAS CONTRA A SECA Telegrama de resposta à bancada cearense constituída dos deputados Eduardo Saboya, Moreira da Rocha, Tomaz Rodrigues, Eduardo Studart, José Lino, Álvaro Fernandes, Gustavo Barroso, Ozório de Paiva e Ildefonso Albano, informando-se da situação da seca no Ceará: A VIUVEZ DO VERDE 145 “Neste momento duras provações, terrível seca flagela Estado, vossa brilhante unificação traduz intuitos mais patrióticos alegra Ceará. Situação desesperadora, não há legumes nem pastagens. População sertanejas alimentamse raízes silvestres demandam pontos servidos estrada de ferro. Reina desespero. Fome faz vítimas que morrem inanes margem estrada. Junho estará extinta pouca rama existente e creadores não encontrarão meios salvar pequenos rebanhos sobreviventes. Caminhos tornando-se intransitáveis falta d’agua, pastagens. Comercio quase reduzido exportação peles, importação cereais. Além medidas conhecíveis imprescindíveis como obras porto, serviços açudagem, impõe-se mais eficaz momento prolongamento estradas estaduais: Iguatu-Cariri; Crateús-Terezina; Girão-Crateús; e construção Uruburetama, etc., etc., “assinam: José Gentil, Maximiano Barbosa, Costa Freire, Fiuza Pequeno, Alfredo Salgado, etc., etc. 28.5.1915 A SECA “A seca deste ano inicia-se assustadora e tudo leva a crer que será tão terrível como as grandes secas que têm martirizado este povo simples e imprevidente. Não há exemplo desde que se colhem observações pluviométricas, há cerca de 60 anos, de um mês de março mais seco do que o de 1915.” “O flagelo já devastou o gado, reduzindo a criação a cerca de 40%; em certos lugares, a oito, como em Canindé.” “Mais de 600 mil bovinos já pereceram de fome, representando aproximadamente o valor de 30 mil contos de réis.” Tomaz Pompeu Sobrinho, 9.6.1915 146 EDUARDO CAMPOS ENTREVISTA DO DR. THOMAZ POMPEU FILHO (Inspetor do Serviço de Veterinária, do 29 Distrito da Indústria Pastoril) “– P: “Julga que a história cearense ainda não registrou um ano de tanta miséria... nem 77? – R: “Não fora assim em 1877. Por esse tempo, segundo tenho lido, só em setembro se generalizou a fome. Em 1888, o gado conservou-se em boas condições até junho, começando a definhar em diante em proporções, aliás, relativamente pequenas.” – P: “E este ano? – R: “Este ano, porém, a calamidade se inicia com desusada violência; já em janeiro morreu gado à falta de pastagens; em fins de maio, as perdas da criação computam-se acima de 70%, sendo, portanto, de prever nesta progressão, antes de agosto, seja fatal o seu aniquilamento.” 11.6.1915 DR. ÁLVARO FERNANDES SEGUE EM TREM ESPECIAL Despacho telegráfico do padre Climério Chaves, representante do Correio do Ceará, na excursão do dr. Álvaro Fernandes: Senador Pompeu, 3: “Durante toda a viagem, vimos numerosos grupos de retirantes com trouxas à cabeça, baús, pobres trastes, em demanda das estações. Vimos homens, mulheres, crianças, marchando ao longo da estrada, cobertos de andrajos, alguns quase nús. Muitos, à vista do trem, paravam e punham-se a gritar por nós, pedindo esmola e socorro.” Iguatu, 3: “A estação e seus arredores estavam literalmente apinhados de Retirantes... “Na cidade’ de Iguatu e em seus arredores, sobretudo em torno da Lagoa de Iguatu, já se acham mais de 3.000 retirantes...” . ..”Já se contam numerosas mortes pela fome.” 5.7.1915 A VIUVEZ DO VERDE 147 GIGANTE PIGMEU “Um pais que mendiga imigração estrangeira e deixa filhos seus morrerem, aos milhares, de fome, não é apto para se governar; é um povo incapaz, precisa de tutela, com dificuldade progredirá como possessão.” 3.8.1915 UM TREM ESPECIAL “Ontem, um trem especial trouxe dos centros de nossa terra, cerca de mil e duzentas vitimas da seca, no estado mais deplorável de miséria.” 9.8.1915 OS RETIRANTES “O nosso sertanejo não compreende que possa haver governo pobre, não entende governo sem dinheiro. Daí o êxodo que, em épocas calamitosas se estabelece do centro para a capital, aonde se encaminha em caravanas, o povo do interior, de que resulta em um acúmulo de população adventícia nas mais tristes condições, privada dos mais indispensáveis meios de subsistência.” 16.8.1915 ENTREVISTA DE D. MANUEL DA SILVA GOMES (Ao jornal O Comércio de São Paulo a 22 de julho de 1915) “...o Ceará necessita, por assim dizer, duma pequena seca todos os anos. No inverno, cobre a vastidão dos campos uma verdura magnifica que encanta a vista. E uma espécie de capim que o cearense chama panacéa (sic). Com a seca a que referi, esse capim seca, constituindo excelente alimento para o gado, que se torna sadio, bonito. Ora, uma chuva que caiu em agosto estragou completamente as pastagens, de maneira que sobrevindo agora, mais forte a seca, o gado 148 EDUARDO CAMPOS teve de sucumbir à fome. O Ceará é uma terra curiosissima. Há ali, na natureza, revelações que maravilham.” 17.8.1915 Dr. ÁLVARO FERNANDES (Entrevista ao Jornal Imparcial) “– E as populações do sertão que vivem, a míngua de recursos, como ainda se acham?” “– Pela manha levantam-se com o sol os bandos esquálidos, e seguem sua diuturna jornada. Os homens vão à procura de trabalho, as mulheres e as crianças arrastandose pelas charnecas à busca das raízes agrestes. Ora é a “macambira”, uma bromélia, ora a medula do “xiquexique”, um cactus, muito amiláceo, que constituem a sua nutrição.” 19.8.1915 O ÊXODO “Como não podiam comprar passagem na estrada de ferro, tomaram o trem à força, respondendo ao chefe de trem, que a isso se quis o povo, que não tinha dinheiro para o pagamento das passagens e lá não ficavam para morrer de fome.” 21.8.1915 ASSALTO DE UM TREM EM SENADOR POMPEU “aprisionaram otrem que veio ante-ontem de Iguatu”... “Não queriam violentar a ninguém, não eram malfeitores, disseram ao chefe do trem...” ...”Os outros retirantes que ficaram em S. Pompeu, chefiados por um Sr. João André, obrigaram um maquinista que por ali andava, a organizar um trem especial para eles. Este comboio da fome partiu ontem de Senador Pompeu, pernoitou em Cangati, devendo chegar hoje a esta cidade.” 25.8.1915 A VIUVEZ DO VERDE 149 NO CARIRI “Aqui cerca de 8.000 famintos recebem socorros no valor superior a um conto de réis.” 9.10.1915 CONSIDERAÇÕES SOBRE A SITUAÇÃO DO CEARÁ “A nossa açudagem nos desperta as mesmas idéias de tristeza e de desesperança. Começada em 1879 pelo engenheiro Revy, por ordem do Governo Imperial, não tem dado, até hoje, resultados apreciáveis em presença do que já podia dar. No decurso de 36 anos foram construídos dois reservatórios importantes: o do Quixadá e do Acaraú Mirim e outros de pequena capacidade como os de Saio Miguel, Riacho do Panta e Parara. Pequeninos pingos d’água na imensa área ressequida do Ceará, funcionando todos, à exceção do primeiro, como simples lagoas naturais sem que conste até agora haverem irrigado coisa nenhuma.” João Nogueira, 26.10.1915 UMA GRANDE DESGRAÇA SOBRE O IGUATU “Acaba de secar a lagoa de Iguatu, vasto reservatório natural de águas fluviais, uma bacia de largo circuito, oferecendo à cultura do arroz centenas de hectares de terra fertilíssima.” 26.10.1915 150 EDUARDO CAMPOS RETIRANTES NO CAMPO DE CONCENTRAÇÃO “ALAGADIÇO” Sitio do Cel. João Pontes: Existem: 5.750 Entraram: 172 – 5.922 Saíram: 12 Baixaram a Santa Casa: 2 Faleceram: 6 511 Existem: 5.411 Para consumo dos retirantes: Rezes: 14 Sacos de farinha: 33 Ditos de feijão: 5 29.10.1915 TELEGRAMA Viçosa, 14 – “... chegaram avultados bandos de emigrantes devorando palmitos, macaubeiras é mangas verdes, únicas frutas efetivamente existentes.” 15.12.1915 CHUVAS NO INTERIOR Dia 10 – Barbalha: 9,6 Dia 12 – Barbalha: 10,0 Tauá: 21,3 Arneiroz: 30,5 Jardim: 38,3 Choveu nos dias 13, em Saboeiro, Barbalha, Juazeiro, Caridade, Jardim, Tauá, Arneiroz, Milagres, Missão Velha; A VIUVEZ DO VERDE 151 no dia 14, em Viçosa, Sant’Ana do Cariri (100 milímetros), Barbalha, Saboeiro, Assaré, Jardim, Sobral, lguatú, Icó, Arneiroz, e aí, o rio corria. Dia 15, em Guaramiranga.” 15.12.1915 A FOME FAZ VÍTIMAS EM IGUATU “Iguatu, 8 – Terribilíssima a situação em que nos encontramos. Depois do inicio dos trabalhos de prolongamento da estrada de ferro de Baturité com pequeno número de pessoas, todos os flagelados das localidades do nosso Estado e dos Estados limítrofes encaminham-se para esta cidade”... “Daqui ao Cedro cerca de 50 mil pessoas estão condenadas a morrer de fome. Ontem, aqui, morreram 9 de inanição. Comunicam da Serra Malhada Grande e do Cedro que estão morrendo às dezenas.” Telegrama enviado por Virgílio Correia, Arruda & Cia., Lima Verde & Irmão, José Gladstone, Alencar Benevides, Pasquelli Stopelli, etc. DISCURSO DO DR. ÁLVARO FERNANDES Na sua estréia parlamentar, como deputado, ao referir a resultados de uma barragem: “Em toda a sua extensão, cada ravina serpeará dous vergais prados artificiais subsidiários às granjas pastoris, celeiros vivazes da pecuária, soerguida, liberta do abastardamento e da hibridação a que absurdos processós conduzem as raças degeneradas.”... “Boas razões tinha Capanema para afirmar que a seca não é propriamente um mal. Os inumeráveis vegetais e animais que morrem durante a calamidade decompõemse e se incorporam à camada umífera do solo. A seca é, assim, para nós, o adubo natural, fertilizante, periódico, permitindo além disso, pelo repouso do meio dinâmico, o 152 EDUARDO CAMPOS incremento da força reprodutora, que se acumula nos seres vivos e na química da terra.” 29.12.1915 DR. ÁLVARO FERNANDES (Trecho final de seu discurso de estréia) “Daqui, deste recinto, eu estou a ouvir lamentos dos torturados naquela torre de Hogolino, torre de fome, onde a natureza gera e a natureza devora; estou a ouvir os vagidos desse peregrino do céu que vem a ser anjo, na terra, das crianças inanidas, aconchegadas aos regaços esquálidos, onde só o amor resiste à destruição da Pária, passando por sobre um povo que morre, eu pressinto o vôo sinistro das nuvens céleres, como um bando de águias apocalípticas, repetindo em coro macabro: “vai, vai, vai – ai, ai, ai” (Muito bem! muito bem! Ó orador é vivamente cumprimentado e abraçado).” 30.12.1915 CARTA DE JOÃO BRÍGIDO Dia 11 de janeiro de 1916, em carta ao dr. Herminio Barroso, D. Secretário do Interior, que o convidava para comparecer à reunião política no palacete da Assembléia, João erigido respondeu: “Continuar a luta dos partidos parece Uma afronta a piedade do pais...” “só no mês precedente, no cemitério desta capital, foram sepultados 906 dos nossos irmãos, e no período do ano fatalíssimo, 3.264; isto, de par com um a emigração que, ascende a mais de 30 mil pessoas.” 11.1.1916 INVERNO (Anúncio) “A CASA BAYMA acaba de receber um completo sortimento de galochas para homens, senhoras e crianças. E tudo que há de bom e sólido no gênero.” A VIUVEZ DO VERDE 153 ÓBITOS DO ANO SECO Registro de óbitos do ano de 1915: 27.1.1916 Meses adultos Párvulos Total Janeiro 86 65 151 Fevereiro 70 71 141 Março 74 156 230 Abril 81 82 163 Maio 74 74 148 Junho 73 78 151 Julho 69 60 129 Agosto 87 101 188 Setembro 92 136 228 Outubro 104 251 355 Novembro 129 345 474 Dezembro 216 690 906 TOTAIS 1.155 2.109 3.264 13.1.1916 ANUNCIO DE PIANO Piano Dorner, “sonoro como os acordes de um hino de vitória francesa” 16.2.1916 LEILÕES DO MÊS DE FEVEREIRO O leiloeiro José Bastos anuncia leilão de objetos “de família que retira-se para o sul da República...” constando de: 1 grupo de mobília austríaca (1 sofá e 6 cadeiras, 1 estante de cedro para livros com respectiva banca, portachapéus, guarda-louça (de cedro) etc. Em outras oportunidades: consolo à Luiz XV, guarda-louça “artnoveau”, piano “Bechstein”, “toillete” sistema americano, 154 EDUARDO CAMPOS com mármore de cristal; cabide húngaro; porcelana de Limóges para jantar; gramofone Victor n. 2, com 60 discos; escarradeiras, cantoneiras austríacas, máquinas de costurar “Singer” e New-Home”. 16.2.1916 INEDITORIAIS “Em setembro do ano passado apareceu em minha fazenda Poço do Gado, do Termo de Boa-Viagem, um boi manso do ferro seguinte: A.P. Mandei tratá-lo, pagando por conta do seu dono as despesas, na intenção de comprálo. O dito boi já está gordo, mas até agora ignoro quem seja o seu dono. Faço público, portanto, o fato, para conhecimento do interessado. Poço do Gado, 12 de fevereiro de 1916. Antônio Cyrillo Verçosa Lima.” 18.2.1916 NOTICIA “Perdem-se plantações no Cariri, onde se come mucunã” 28.2.1916 OBRAS CONTRA AS SECAS “Há 8 ou 10 açude em construção com a verba de “socorro”. De que tem servido?”... “Os jornais acusam irregularidades em algumas delas ... O Sr. Aarão Reis “aqui andou, dizem, que com direito a uma ajuda de custo no valor de “dez contos de réis líquidos”, fora ordenados seus e de um secretário (seu filho!) e fora passagens e demais espaventos...” “Esse sr. Aarão é o mesmo que, indo ao Quixadá, em companhia do presidente Afonso Pena, declarou em presença do ilustre engenheiro Piquet Carneiro: “O açude do Quixadá, mesmo cheio com os 125 milhões que podia Conter, de nada valia, porque o que não fosse gasto em A VIUVEZ DO VERDE 155 irrigação no primeiro ano, seria perdido em evaporação.” E a razão disso era: “só pode haver irrigação “onde” houvesse cursos perenes”. 7.3.1916 POBRE CEARÁ “Ontem, embarcaram no “Sírio”, para o norte, mil, quinhentos e sessenta “retirantes”. 9.3.191 6 INFORMAÇÕES “Chuvas: caídas de ante-ontem para ontem, nas estações da Estrada de Ferro de Baturité: Acarape, Aracoiaba, Floriano Peixoto Girão, Afonso Rena, Saio José, Sussuarana. 1h30min, Iguatu. 14.3.1916 CARTA AO CORREIO DO CEARÁ A situação em Juazeiro do Norte: “Mais de duas mil casas fechadas; dez mil habitantes (sic) haviam morrido de fome e epidemias; o comércio está quase paralizado.” 7.4.1916 ANÚNCIO (COMESTÍVEIS VENDIDOS EM FORTALEZA) A Cooperativa Cearense – “grande casa de comestíveis de primeira ordem, propriedade de Puno Campos, instalada na rua Marechal Floriano Peixoto, 136, vende: presuntos ingleses de 7, 8, 9 e 10 lbs; bacon, toucinho inglês; queijos Paímyra e Dinamarquês; passa “Choix”, em caixinhas de 1 quilo, aspargos americanos e alemães; azeitonas espanholas, vinagre francês, “paté de foie Gras” “Amieux”, vinhos do Rheno e franceses das marcas: “Macon”, “Chablis”, “Medoc”. 5.6.1916 A FACE CRUEL DA SECA Iconografia A VIUVEZ DO VERDE 159 Flagelados da seca de 1915, na estação do trem, em Iguatu. Do livro O secular problema do Nordeste, de Ildefonso Albano, 1918. Salustiano Alves Bezerra, sua mulher, cinco filhos, cunhada e sogro, Antônio Moreira, de Pedra Branca. Caminharam 240 quilômetros, em 4 meses. Seca do 15. (idem, foto daquela o.c.) 160 EDUARDO CAMPOS Os esqueletos que vivem: Maria... Terrível erosão provocada no ser humano, por ocasião da Seca do 15: filho enfermo amparado pelo pai, cansado de tanto caminhar (o.c.) A VIUVEZ DO VERDE 161 ... Ana, de 5 anos de idade. Ao lado Umbelina do Nascimento acalentando sua filhinha Celeste, doente. O marido era agricultor. Vendeu suas terras por qualquer dinheiro, que era preciso migrar. Morreu de diarréia, juntamente com dois filhos e mais uma filha e um neto. (Ibidem, o.c.) 162 EDUARDO CAMPOS Mãe e filhos deixando o lar, à procura do desconhecido. Seca de 1952. (Foto de Geraldo Oliveira). Flagelados abrindo estradas. (Em Russas, Ceará, 1952). Por elas caminharão depois para o infortúnio. (Foto de Geraldo Oliveira) A VIUVEZ DO VERDE 163 A insolidária refeição da seca dos tempos modernos: o prato de feijão. (Foto de Geraldo Oliveira) Sertanejos, numa frente de trabalho, ouvem instruções quanto ao trabalho a ser executado sob o sol inclemente (Foto de Geraldo Oliveira) 164 EDUARDO CAMPOS A paisagem de seca atual: em 1979, Uruquê. (Foto de Eduardo Campos) A safra da morte, chamada seca de 1979. Flagrante do gado sucumbido na Fazenda Umari, Uruquê, Ceará. (Foto de Eduardo Campos) BIBLIOGRAFIA A VIUVEZ DO VERDE 167 BARROSO, Gustavo - Terra de Sol. Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1962. BRAGA, Renato - História da Comissão Científica de Exploração. Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1962. CARVALHO, Rodrigues - Cancioneiro do Norte. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Livro, 1967. CASCUDO, Luís da Câmara - Vaqueiros e Cantadores Porto Alegre, Editora Globo, 1939. CEARENSE - Fortaleza, 1877. CORREIO DO CEARÁ - Fortaleza, 1915. CURTIUS, Ernest Robert - Literatura Européia e Idade Média Latina. Rio de Janeiro, MEC - Instituto Nacional do Livro, 1957. GIRÃO, Raimundo - Palestina, uma Agulha e as Saudades. Fortaleza, Departamento de Imprensa Oficial do Estado, 1972. GUERRA, Phelippe e GUERRA, Theophilo - Secas contra a Seca. Rio de Janeiro, Tipografia da Lavraria Cruz, 1909. LIMA, Herman - Poeira do Tempo. (citando Gustavo Barroso). Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1967. MACEDO, Nertan - O Clã dos Inhamuns. Fortaleza, Editora Comédia Cearense, 1965. MACEDO, M. A. - Observasons Sobre as Seccas do Ceara e Meios de Augmentar o Volume das Águas nos Correntes. Sttugart, Typographia Emil Muller, 1871. MAGALHÃES, Josa - Previsões Folclóricas das Secas e dos Invernos no Nordeste Brasileiro. Fortaleza, Imprensa Universitária do Ceará, 1963. MÉDICI, Presidente. Discurso, Recife, 1970. SOBRINHO, Thomaz Pompeu – artigos in Correio do Ceará. Fortaleza, 1915. SUDEC – “A Unidade Espacial de Planejamento do Cariri”. Fortaleza, 1972. copyright auitor do texto

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