segunda-feira, 28 de maio de 2012

ROUPA DO VAQUEIRO DO NORDESTE

Festança Cancioneiro Imaginário Palhoça Colher de Pau Panacéia Catavento Almanaque Candeeiro Mural Expediente Folhinha Arquivos Outras Edições Busca O TRAJE DO VAQUEIRO O mais antigo registo da indumentária do vaqueiro nordestino fê-lo Henry Koster em dezembro de 1810, nos sertões do Rio Grande do Norte, entre Açu e Mossoró: "Vou dar a descrição do meu amigo que se afastou da estrada para indicar-me o poço. É a figura comum do sertanejo em viagem. Montava um pequeno cavalo com cauda e crinas compridas. A sela era um tanto elevada adiante e atrás. Os estribos eram de ferro ferrugento e os freios, a mesma forma. As rédeas eram duas correias estreitas longas. Sua roupa consistia em grandes calções ou polainas de couro taninado mas não preparado, de cor suja de ferrugem, amarrados da cinta e por baixo víamos as ceroulas de algodão onde o couro não protegia. Sobre o peito havia uma pele de cabrito, ligada por detrás com quatro tiras, e uma jaqueta, também feita de couro, a qual é geralmente atirada num dos ombros. Seu chapéu, de couro, tinha a forma muito baixa e com as abas curtas. Tinha calçados os chinelos da mesma cor e as esporas de ferro eram sustidas nos seus pés nus por umas correias que prendiam os chinelas e as esporas. Na mão direita empunhava um longo chicote e, ao lado, uma espada, metida num boldrié que lhe descia da espádua. No cinto, uma faca, e um cachimbo curto e sujo na boca. Na parte posterior da sela estava amarrado um pedaço de fazenda vermelha, enrolada em forma de manto, que habitualmente contém a rede e uma muda de roupa, isto é, uma camisa, ceroulas e, às vezes, umas calças de Nanquim. Nas boroacas que pendiam de cada lado da sela conduzem geralmente farinha e a carne assada no outro lado, e o isqueiro de pedra (as folhas servem de mecha), fumo e outro cachimbo sobressalente. A todo este equipamento, o sertanejo junta ainda uma pistola, cujo longo cano desce pela coxa esquerda, e tudo seguro" (Viagens ao nordeste do Brasil, p. 133-134, Brasiliana, São Paulo, 1942) Este sertanejo em viagem é o mesmo vaqueiro em jornada longa, seguindo murruá fujão, dias e dias. O príncipe de Wied-Neuwied, em janeiro de 1817, descreve os vaqueiros italianos da Barra da Vareda, próxima aos limites de Minas Gerais: Já aqui pude também travar conhecimento com os homens encarregados de guardar o gado; são os vaqueiros ou campistas, como os chamam em Minas Gerais, vestidos de couro de veado da cabeça aos pés. Essa vestimenta parece extravagante à primeira vista, mas é muito adequada, pois esses homens têm muitas vezes de correr atrás do gado, que foge através dos arbustos espinhosos e das caatingas, ou então são obrigados a fazer passar o gado por aí, para reuni-lo. A sua vestimenta consta de sete peças feitas de couro de veado; o chapéu, pequeno e arredondado com abas estreitas, que se alarga e alonga para trás para formar uma pala que abriga o pescoço; o gibão ou jaqueta, aberto na frente, por baixo do qual está o guarda-peito, largo pedaço de couro que desce até à barriga; as perneiras ou calções, por debaixo das quais estão as botas munidas de esporas. Uma vestimenta desse gênero dura muito tempo, é fresca, leve e defende-os dos espinhos e das pontas dos galhos. O vaqueiro, montado num bom cavalo sobre uma sela acolchoada, leva na mão uma longa vara cuja extremidade é guarnecida por uma ponta de ferro rombuda, com que abate ou afasta os bois furiosos; às vezes, leva também um laço para pegar os animais mais bravios" (Viagem ao Brasil, 376) Von Martius, em meados de 1817, viu no interior de São Paulo o uso da roupa de couro, diária e comum: "Os paulistas do povo, os peões sobretudo, costumam usar uma sela pequena, chata, de madeira, que nem sempre é forrada de couro (selim), com estribos tão pequenos que neles só cabe o dedo grande do pé. As esporas são adaptadas ao pé descalço. No mais, consiste a roupa do peão em um curto gibão, perneiras justas e um chapéu em forma de prato, preso ao pescoço com uma correia, tudo de couro pardo de veado ou de capivara, e este vestuário protege-o muito eficazmente contra as cercas de espinheiro, que tem de atravessar na perseguição aos animais" (Viagem pelo Brasil, I, 255) Euclides da Cunha (Os sertões, 12ª edição, 118-119) desenha o vaqueiro das caatingas baianas: "O seu aspecto recorda, vagamente, à primeira vista, o do guerreiro antigo exausto da refrega. As vestes são uma armadura. Envolto no gibão de couro curtido, de bode ou de vaqueta; apertado no colete também de couro; calçando as perneiras, de couro curtido ainda, muito justas, cosidas às pernas e subindo até às virilhas, articuladas em joelheiras de sola, e resguardados os pés e as mãos pelas luvas e guarda-pés de veado – é como a forma grosseira de um campeador medieval desgarrado em nosso tempo. Esta armadura, porém, de um vermelho pardo, como se fosse de bronze flexível, não tem cintilações, não rebrilha ferida pelo sol. É fosca e poenta. Envolve ao combatente de uma batalha sem vitórias… A sela da montaria, feita por ele mesmo, imita o lombilho rio-grandense, mas é mais curta e cavada, sem os apetrechos luxuosos daquele. São acessórios uma manta de pele de bode, um couro resistente cobrindo as ancas do animal, peirorais que lhes resguardam o peito, e as joelheiras apresilhadas à juntas. Este equipamento do homem e do cavalo talha-se à feição do meio. Vestidos doutro modo não romperiam, incólumes, as caatingas e os pedregais cortantes". Dizemos a roupa do vaqueiro véstia. O chapéu, chato e redondo não guarda para o nordeste a proteção do cobre-nuca que Wied-Nieuwied fixou no alto sertão baiano, na fronteira com Minas Gerais e Rugendas desenhou em Goiás. É preso ao queixo pelo barbicaxo, espécie de jugular. Mantém-se o gibão, curto, antigo ou cobrindo o assento, de certo tempo para cá; as perneiras, que são calças; o guarda-peito, colete solto, duma só peça, bordado a retrós, os guantes, luvas que apenas defendem o dorso das mãos, e os sapatões de couro cru, durando uma existência. É uma raridade encontrar-se o peitoral no cavalo, larga faixa de couro guardando-lhe o peito. É ainda comum nos sertões pernambucanos, para o sul. Para o norte, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, quase desapareceu. (CASCUDO, Luís da Câmara. Tradições populares da pecuária nordestina) Topo Jangada Brasil © 1999 COPYRIGHT LUIS DA CÂMARA CASCUDO

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