sexta-feira, 6 de abril de 2012

TEORIA DA COMUNICAÇÃO

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TEORIAS DA
COMUNICAÇÃO
PROFESSOR IVAN CARLO
(GIAN DANTON)
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INTRODUÇÃO
Durante dois anos fui professor de teorias da comunicação. Depois disso, tenho
ministrado módulos de pós-graduação em assuntos que acabam retornando às teorias que
analisaram o fenômeno da comunicação. Nesse meio tempo, seja com o objetivo de produzir
apostilas para meus alunos, ou apenas como um exercício de raciocínio, acabei produzindo
muitos textos na área.
Este livro é a reunião desses textos. Eles não apresentam uma linha detalhada, com
todos os assuntos estudados em teorias da comunicação, mas sua leitura pode ajudar a
compreender alguns dos temas trabalhados em sala de aula.
Os artigos vão desde os comportamentos coletivos frente aos meios de comunicação
de massa à teoria do caos, passando pela semiótica, pelo funcionalismo, pela escola de
Frankfurt e até pela contracultura.
Antes dos textos em si, um comentário sobre o título. Porque teorias, e não teoria? Até
há pouco tempo o nome dessa disciplina era no singular. A mudança não foi só ortográfica.
Ela reflete a percepção de que nenhuma teoria conseguiu explicar perfeitamente um fenômeno
tão complexo quanto o dos meios de comunicação de massa. Algumas teorias são
extremamente bem-sucedidas em determinados recortes de realidade, mas falham em outros.
Conhecer os vários teóricos que se debruçaram sobre a comunicação permite uma visão mais
ampla de mundo, especialmente para o profissional da área.
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PÚBLICO, MASSA E MULTIDÃO
“É uma grande desgraça não poder estar só”
LA BRYÈRE citado por EDGAR ALAN POE
Em 1840, o escritor norte-americano Edgar Alan Poe publicou um texto, depois
classificado pelos organizadores de suas obras completas como conto filosófico. “O Homem
das Multidões” é narrado por um homem que vai a Londres fazer um tratamento de saúde e se
diverte observando, do saguão do hotel, a multidão que passa na rua.
No começo, o narrador vê apenas uma massa indistinta. Em breve, porém, desce aos
detalhes e consegue ver padrões de roupas, comportamentos, jeitos de andar. Vários públicos
se descortinam à sua frente: escreventes, homens de negócio, advogados, homens de lazer...
À certa altura, um homem chama sua atenção. É um velho entre 60 e 70 anos. Sua
fisionomia apresenta um misto de triunfo, alegria, terror e desespero.
A impressão causada pelo personagem é tão forte, que o narrador passa a segui-lo. O
homem envereda pela rua repleta de gente e, chegando à praça, passa a andar em círculos,
confundindo-se com a multidão. Quando o fluxo diminui, o velho se sente angustiado e procura
outra multidão. A narrativa acompanha durante toda a noite sua busca por agrupamentos
humanos.
No final, o escritor o abandona com um comentário: “Esse velho é o tipo e o gênio do
crime profundo. Recusa estar só. É o homem das multidões. Seria vão segui-lo, pois nada
mais saberei dele, nem de seus atos. O pior coração do mundo é mais espesso do que o
Hortulus Animae e talvez seja uma das grandes misericórdias de Deus o fato de que ele
jamais se deixa ler”.
Em “O Homem das Multidões”, Edgar Alan Poe antecipou em muitos anos a discussão
sobre a sociedade de massa.
O século XIX viu aparecer um novo tipo de agrupamento humano. Antes a regra eram
pequenas vilas, nas quais todo mundo se conhecia e se relacionava. O processo de
industrialização forçou uma grande quantidade de pessoas a se deslocarem para grandes
centros nos quais as pessoas não se conheciam e não tinham qualquer relacionamento mais
íntimo.
A aglomeração maciça de seres humanos forçou o contato pessoal com pessoas
desconhecidas, muitas das quais permanecerão sempre desconhecidas. Não conhecemos o
homem que nos vende alimentos e a moça do correio é apenas mais uma funcionária postal.
O homem moderno está rodeado de gente, mas é solitário.
Essa nova realidade tornou patente um novo tipo de comportamento, que não era
individual, mas coletivo. Para explicá-los surgiu a psicologia das massas.
Dois pioneiros dessa nova disciplina foram o italiano Scipio Sieghele e o francês
Gustav Le Bom.
Sieghele escreve A Massa Criminosa, no qual analisa os crimes coletivos, como
revoltas e lichamentos, e conclui que não há como indicar culpados. Os que são incriminados
são sempre bodes-expiatórios, pois é sempre impossível determinar um culpado no meio da
multidão.
Sieghele trabalha o conceito de multidão como agrupamento geográfico e resultado de
uma sugestão, como se seus integrantes estivessem sonâmbulos, hipnotizados. Em toda
multidão há condutores e conduzidos, hipnotizadores e hipnotizados. O autor italiano foi um
dos primeiros a perceber a importância dos meios de comunicação de massa nesses novos
tipos de comportamento. Para ele, a imprensa seria uma manipuladora da massa.
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Para Gustav Le Bon, a civilização estava em perigo com a emergência das massas.
Os líderes políticos do século XX seriam aqueles capazes de manipular as mesmas através da
mídia (uma profecia acertada, se lembrarmos de Hitler, Mussolini e Getúlio Vargas).
O pensador Gabriel Tarde discordou desse ponto de vista, argumentando que a massa
é geográfica e o publico é formado socialmente. Para ele, a imprensa estava criando públicos,
ao permitir que pessoas distanciadas geograficamente pudessem partilhar idéias.
Os pensadores contemporâneos perceberam a dificuldade em se trabalhar com os
conceitos de multidão e massa de maneira conjunta e resolveram separá-los. Assim, há três
tipos de comportamentos coletivos.
O primeiro deles, e o mais primário, é a multidão. Sua origem é biológica e remonta aos
tempos em que o homem passou a viver em sociedade.
Na multidão, os integrantes são comandados pela ação de ferormônios, hormônios
expelidos pelo corpo, que fazem efeito ao serem percebidos olfativamente.
Todos que estiverem no campo de ação dos ferormônios são contagiados e passam a
agir como uma só pessoa, de forma irracional. É o caso de linchamentos, revoltas e tumultos
em locais repletos de gente. É comum, por exemplo, que em casos de incêndio em casas de
shows morram mais pessoas pisoteadas do que em decorrência do fogo.
A criação de uma multidão passa por quatro estágios.
No primeiro deles, há um acontecimento emocionante (a informação de que um
estuprador foi preso, um trem de subúrbio que deixa de funcionar justamente na hora em que
os trabalhadores voltam para casa).
No segundo, há uma “moedura”: os indivíduos se encontram, se chocam, começam a
trocar ferormônios.
No terceiro, surge uma imagem, uma idéia de ação, a exaltação coletiva é direcionada
para um objetivo (lichar o criminoso, quebrar o trem).
Finalmente, no quarto estágio, a multidão, já totalmente dominada pelos ferormônios,
age.
Uma multidão é como um estouro de boiada: é impossível pará-la com a força ou com
a razão. Atirar adianta muito pouco, pois os que estão atrás empurram os que estão na frente,
até chegar aos seus atacantes.
Segundo Flávio Calazans, só há duas maneiras de deter uma multidão: ou dando um
segundo objetivo a ela, ou jogando gás lacrimogêneo.
Os gás impede que as pessoas continuem recebendo os ferormônios umas das outras.
Por outro lado, a irritação nos olhos e a fumaça dão aos integrantes da multidão a impressão
de que estão sozinhos. Um indivíduo só age como multidão se tiver certeza de que está
incógnito. É a certeza de que seus atos individuais não serão percebidos que dá à multidão a
liberdade de agir. É por isso que são comuns as desordem em períodos de blecaute.
Dar um segundo objetivo também é eficiente, pois uma segunda proposta de ação leva
a multidão a pensar, e uma multidão que pensa deixa de ser multidão.
Em uma perspectiva fisiológica, a multidão seria um comportamento coletivo governado
pelo complexo R. Essa primeira camada de nosso cérebro é responsável pela autopreservação.
É aí que nascem nossos mecanismos de agressão e ações instintivas.
O comportamento de massa é uma novidade do século XIX e surge em decorrência do
processo de industrialização e desenvolvimento dos meios de comunicação de massa.
A massa age como multidão, de maneira irracional e manipulável. Mas não há
proximidade física. Não há ferormônios envolvidos.
Nos grandes centros, as pessoas estão isoladas, atomizadas, e a principal influência
acaba sendo os meios de comunicação de massa. É a multidão solitária.
A principal característica da massa é o pseudo-pensamento. A massa acredita que
pensa, mas só repete o que houve nos meios de comunicação de massa. Segundo Luiz
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Beltrão, o poder massificante da sociedade é de tal ordem que o indivíduo se recusa a
acreditar que é apenas uma peça da engrenagem social e que suas idéias são idéias que lhe
foram implantadas pela mídia. Ao ser perguntado o porque de suas idéias, o integrante da
massa repetirá exatamente o que ouviu de seu apresentador de TV favorito. Ou então dirá
simplesmente: “É claro que é assim. Você não viu que saiu no jornal?” ou “mas todo mundo
gosta disso, por que você não gosta?”
Fisiologicamente, o comportamento de massa é identificado o complexo límbico, a
camada do cérebro característica de mamíferos e que governa o instinto de rebanho. Assim, a
aspiração máxima do integrante da massa é ser aceito pelos seus pares. Ele fará qualquer
coisa para se adequar e procurará repetir os outros em tudo. É o famoso Maria vai com as
outras.
O comportamento de massa fica claro em pessoas que têm ânsia de andar sempre na
moda. Vestir a roupa do momento é uma forma de não “estar por fora”. Claro que quem ditará
o que é moda são os meios de comunicação de massa, que se aproveitam dessa necessidade
de rebanho, de aceitação social, para vender seus produtos e manipular a massa.
Como a massa não pensa, ela precisa de alguém que pense por ela, ela precisa de um
pai, que lhe diga o que fazer. Esse papel já foi exercido por líderes políticos, como Hitler e
Getúlio Vargas. Não é à toa que o ditador brasileiro era chamado de “pai dos pobres”. Hoje
quem normalmente exerce essa função são figuras importantes da mídia, tais como
apresentadores de TV. Esse inclusive é um fator potencialmente perigoso da massa. Como
obedece cegamente aos impulsos recebidos pela mídia, a massa pode adotar um tom de
verdadeiro fanatismo contra qualquer um que ouse discordar de seus pontos de vista.
Como a massa não tem consciência de sua situação, ela é feliz, feliz como o gado na
engorda. Não é à toa que Zé Ramalho nos diz, em musica cantada como toada de boi: “Eh!
Oh! Oh! Vida de gado Povo marcado eh! Povo feliz...”.
O homem das multidões de Poe era um homem-massa, incapaz de estar só, mas
também incapaz de criar relacionamentos profundos. Sua única aspiração era ser aceito pelo
grupo, mesmo que para isso precisasse sacrificar sua identidade. Poe o abandona dizendo
que de nada adiantaria continuar a segui-los, pois tudo que se poderia saber dele já se sabe.
A massa não tem é oca por dentro. São pessoas de palha, como definiu Ray Bradbury no livro
Fahrenheit 451, referindo-se às pessoas que assistiam à televisão.
A terceira forma de comportamento coletivo é o público. A palavra vem do latim
“publicus”, que significa depois da adolescência. Ou seja, público é aquele que alcançou a
maturidade intelectual e psicológica.
A característica do público é ser racional e defender sua individualidade. Enquanto na
multidão, o indivíduo quer ser anônimo, enquanto na massa, quer ser igual aos outros, no
público ele quer ser ele mesmo.
O público não se deixa manipular e seus argumentos são frutos de um raciocínio
interior. O público defende tal ponto de vista porque refletiu sobre ele e chegou à conclusão de
que essa é a melhor idéia, e não porque alguém lhe disse. O comportamento de público é
governado pelo neocórtex, a camada mais recente do cérebro, que controla a linguagem
simbólica, a leitura, o cálculo, a criatividade e a crítica.
Em uma perspectiva junguiana, o público é aquele que passou por um processo de
individuação e tornou-se capaz de tomar decisões sozinhos, sem precisar de um pai que lhe
diga o que fazer.
Da mesma forma que a mídia cria massa, pode também ajudar a criar público. Listas
de discussão e sites como o Digestivo Cultural podem ser espaços privilegiado para que esses
compartilhem idéias e troquem informações. Da mesma forma, programas de televisão e
filmes podem criar uma consciência crítica em seus receptores.
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A TEORIA HIPODÉRMICA DA MÍDIA
A teoria da Agulha Hipodérmica, surgida no campo da psicologia, influenciou todo o
pensamento comunicacional da primeira metade do século passado e tornou-se um ponto de
partida essencial tanto para os que concordam com seus ditames quanto para os que
discordam.
A teoria hipodérmica parte da idéia behavorista de que a toda resposta corresponde um
estímulo, pois não há resposta sem estímulo, ou estímulo sem resposta.
Os indivíduos são estudados e compreendidos de acordo com suas reações aos
estímulos recebidos.
É por demais conhecida a experiência de Pavlov com o cãozinho. À visão da comida, o
cachorrinho respondia salivando – uma reação do organismo preparatória para o ato de digerir
a comida. Pavlov passou a tocar uma sineta toda vez que alimentava o animal.
Por fim, tocava apenas a sineta. Mesmo não havendo comida, o cão respondia ao
estímulo (som da sineta) com uma resposta (salivando).
O esquema E – R (Estímulo – Resposta) é essencial para a Teoria Hipodérmica.
Assim, os meios de comunicação de Massa (MCM) enviariam estímulos que seriam
imediatamente respondidos pelos receptores.
A audiência é vista como uma massa amorfa, que responde de maneira imediata e
uniforme aos estímulos recebidos.
Os indivíduos são compreendidos como átomos isolados, que, no entanto, fazem parte
de um corpo maior, a massa, criada pelos meios de comunicação. Isso tornaria impossível a
emergência de resposta individuais ou discordantes do estímulo.
Ao enviar um estímulo – uma propaganda, por exemplo – os MCM teriam como
resposta o comportamento desejado pelos emissores, desde que o estímulo fosse aplicado de
maneira correta.
Não é por acaso que a teoria chama-se hipodérmica. Hipo é abaixo; derme, pele.
Agulha hipodérmica é a agulha do médico, que injeta o medicamento diretamente na veia do
paciente, assegurando um resultado imediato.
A mídia é vista como uma agulha, que injeta seus conteúdos diretamente no cérebro
dos receptores, sem nenhum tipo de barreira ou obstáculo.
Essa visão dos MCM como onipresentes e onipotentes foi corroborada por diversos
fenômenos midiáticos da primeira metade do século passado.
Um deles foi a transmissão radiofônica do romance A Guerra dos Mundos, de H.G.
Wells, levada a efeito pelo então jovem Orson Welles.
A transmissão foi realizada no dia 30 de outubro de 1938. Para dar maior realismo à
narrativa, Welles transformou a história em um noticiário jornalístico.
O resultado foi um pânico generalizado, pois muitos ouvintes ignoraram o aviso, feito
antes do início do programa, de que se tratava de uma ficção.
Diversos americanos saíram armados de suas casas, prontos a dar combate aos
marcianos.
Como resultado, Welles se tornou uma celebridade e a imagem de que os MCM tinham
poder irrestrito sobre as pessoas se generalizou.
Outro fator importante foi a utilização dos MCM, em especial o rádio e o cinema, feita
pelos nazistas com o objetivo de controlar a massa.
A utilização que os regimes autoritários fizeram da mídia iria povoar os pesadelos dos
autores de ficção do período.
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Em obras como Admirável Mundo Novo, 1984 e Farenheith 451, a mídia onipotente e
onipresente tem papel essencial na criação de uma massa idiotizada e manipulável.
Essa visão da mídia influenciou também os pesquisadores da comunicação. Correntes
de pensamento como o Funcionalismo e a Escola de Frankfurt, apesar das diferenças,
compartilham da idéia de uma mídia toda-poderosa.
Entretanto, desde a primeira metade do século passado, a hipótese hipodérmica tem
sido contestada por quase todas as teorias da comunicação.
As evidências demonstram que os indivíduos não são tão atomizados quanto criam os
primeiros teóricos da comunicação, ganhando importância a atuação dos grupos primários.
O funcionalista Lazzarsfeld, por exemplo, descobriu que os grupos com os quais as
pessoas convivem vão direcionar a leitura que elas têm dos meios de comunicação de massa.
Essa teoria foi chamada de Two Step Flow e prega que as mensagens midiáticas passam por
dois degraus. O primeiro deles é formado pelos formadores de opinião, que podem reforçar ou
anular as mensagens enviadas pelos meios de comunicação de massa.
Além disso, os estudos demonstram que a possibilidade de leituras dos meios de
comunicação não são limitados aos objetivos dos emissores. O filme Corpo Fechado, por
exemplo, mostra a possibilidade de uma leitura aprofundada das histórias em quadrinhos.
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CULTURA POP E INDÚSTRIA CULTURAL
INTRODUÇÃO
Desde a Escola de Frankfurt, o termo Indústria Cultural tem sido usado para designar
aquelas peças culturais que não são nem fruto da elite, nem da população menos favorecida,
configurando produtos veiculados através dos meios de comunicação de massa.
Entretanto, fatos recentes têm demonstrado que o conceito formulado por Horkheimer
e Adorno nem sempre se adequam aos produtos da mídia.
Por outro lado, começa a ser usado um novo termo para designar esses mesmos
produtos: cultura pop. O termo, embora de uso corrente, não mereceu até o momento uma
melhor análise por parte da comunidade acadêmica.
O nosso objetivo aqui é dar uma definição do termo cultura pop, trabalhando-o como
complementar ao de Indústria Cultural.
INDÚSTRIA CULTURAL
O conceito de Indústria Cultural foi veiculado pela primeira vez em 1947, por
Horkheimer e Adorno, no texto "A dialética do Iluminismo". O termo foi cunhado em oposição à
cultura de massa, que dava a idéia de uma cultura surgida espontaneamente da própria
massa.
Para Adorno, a idéia de que os produtos da Indústria Cultural vêm do povo é
equivocada, pois a Indústria Cultural, ao aspirar à integração vertical de seus consumidores,
não apenas adapta seus produtos ao consumo das massas, mas também determina esse
consumo.
O termo Indústria Cultural é mais adequado, pois deixa bem claro que tais peças
culturais são produtos fabricados para serem consumidos, assim como sabonetes e carros.
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É importante notar, como destaca José Marques de Melo, que as reflexões da escola
de Frankfurt foram feitas durante "a transição da sociedade industrial para a sociedade da
informação, tendo a emergente indústria cultural como protagonista hegemônico.
Adorno e Horkheimer partem da constatação de que a sociedade industrial não havia
realizado as promessas do iluminismo humanista. O desenvolvimento da técnica e da ciência
não trouxe um acréscimo de felicidade e liberdade para o homem.
Considerando-se, diz Adorno, que o iluminismo tem como finalidade libertar os homens
do medo, tornando-se senhores de si e liberando-os do mundo da magia, do mito e da
superstição, e admitindo-se que essa finalidade pode ser atingida por meio da ciência e da
tecnologia, tudo levaria a crer que o iluminismo instauraria o poder do homem sobre a ciência
e a técnica. Mas o que ocorreu foi justamente o contrário. Liberto do medo mágico, o homem
tornou-se vítima de um novo engodo: o progresso da dominação técnica.
Ao invés do libertar a humanidade, o progresso da técnica acabou por escravizar o
homem, alienando-o.
Os meios de comunicação de massa, resultado direto de desenvolvimento da técnica,
tiveram papel importante nesse processo de escravização da massa.
Segundo os pensadores frankfurtianos, a reprodutibilidade técnica tirou tanto da cultura
popular quanto da cultura erudita o seu valor real. O resultado, a Indústria Cultural, não conduz
à experiência libertadora da fruição estética.
O próprio princípio da reprodução deformaria a obra, pois ela seria nivelada por baixo,
evitando sempre que possível aqueles elementos que poderiam interferir no seu caráter de
produto.
Exemplo disso podemos ver na adaptação da Disney para o clássico “O Corcunda de
Notre Dame”, de Victor Hugo. A história foi "adocicada" para se tornar mais palatável ao
consumidor...
Assim, a Indústria Cultural pretende alienar, e não conscientizar; acomodar, e não
incitar.
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Para os frankfurtianos, os produtos da Indústria Cultural teriam três funções:
A. ser comercializados;
B. promover a deturpação e a degradação do gosto popular;
C. obter uma atitude sempre passivados seus consumidores.
Como são feitos para serem vendidos, os produtos da Indústria Cultural jamais devem
desagradar os compradores. A produção é homogeneizada e nivelada por baixo.
Para Adorno, a visão crítica por parte do expectador não é possível dentro da Indústria
Cultural, pois "A transformação do ato cultural em valor suprime sua função crítica e nele
dissolve os traços de uma experiência autêntica".
Embora seja fundamental para a análise dos meios de comunicação de massa, em
especial na primeira metade do século passado, a noção de Indústria Cultural tem sido objeto
de diversas críticas.
Martellart, por exemplo, desconfia que Adorno e Horkheimer estigmatizaram a Indústria
Cultural em decorrência de seu processo de fabricação atentar contra certa sacralização da
arte: "Na verdade, não é difícil perceber em seu texto o eco de um vigoroso protesto erudito
contra a intrusão da técnica no mundo da cultura".
Para Calazans, a teoria frankfurtiana, embora seja pertinente para personagens como
Capitão América e Tio Patinhas, não consegue explicar outros produtos da Indústria Cultural,
tais como Druuna e Ranxerox.
Além disso, as idéias da escola de Frankfurt, mesmo atacando o conformismo,
acabaram se tornando um discurso conformista, de pessoas que, confortavelmente em suas
poltronas ou empregos, apenas criticam a indústria cultural, sem, no entanto, apresentar
qualquer opção.
CULTURA POP
O termo cultura pop tem sido usado indiscriminadamente para designar diversos
produtos da Indústria Cultural. Fala-se em música pop, pop rock, quadrinhos pop e, finalmente,
cultura pop.
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Mas o que é cultura pop? O que caracteriza algo como pop? Que tipo de cultura é
essa, denominada pop?
Uma resposta interessante para a pergunta está no ponto de vista daqueles que
colocam a cultura pop como uma alternativa para a cultura oficial.
Em um virulento editorial da revista General Visão, número zero, Rogério de Campos
ataca o imobilismo cultural daqueles que criticam a Indústria Cultural por comodidade:
"Essa revista surge para, entre outras coisas, chatear essa gente. Nosso objetivo é
mergulhar nas imagens criadas pela tal cultura pop e provocar mais imagens. Desenhos de
shapes de skate, games, ilustrações, brinquedos estranhos, capas de discos, roupas, flyers,
cartazes, filmes, tatuagens, fanzines, desenhos de sites, desenhos animados, fotografias,
histórias em quadrinhos e até pinturas e esculturas. Criadores que vivem além das fronteiras
das imaculadas galerias ou apenas inconvenientes, fora do lugar "correto", fora do tempo,
contraditórias, infinitas imagens elétricas para ofuscar as imagens oficiais. Não siginifica ficar
deslumbrado pela Indústria Cultural, mas, ao contrário, enfrentá-la com ações e visões
críticas".
Daí percebe-se o conceito de cultura pop como algo que nasce da Indústria Cultural,
mas não se limita às regras suas acríticas e homogenizantes. Ao contrário, a cultura pop está
muito mais próxima da subversão que da ideologia. Ela, constantemente, quer incomodar o
receptor, ao invés de acomodá-lo.
O trabalho do autor britânico de histórias em quadrinhos) Alan Moore se encaixa
perfeitamente nesse padrão. Sua produção de quadrinhos tem sido subversiva e inquietante:
do “herói” anarquista em “V de Vingança” à denúncia da moral vitoriana, na história
incrivelmente detalhada de Jack, o Estripador, “Do Inferno”, recentemente transformada em
filme.
Quando achou que os leitores estavam acomodados à sua produção mais intelectual,
Moore, para provocá-los, dedicou-se a fazer histórias de super-heróis para a editora Image.
Essa produção crítica e provocadora não se encaixa em absoluto no conceito de
Indústria Cultural.
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Muito antes de Alan Moore, a editora americana E.C. Comics já fazia quadrinhos que
estavam mais próximos do conceito de obra aberta do que de Indústria Cultural.
São inúmeros os outros exemplos (de)produções que estão mais próximas da entropia
que da redundância que, teoricamente, deveria caracterizar a Indústria Cultural.
No cinema, há diretores como os americanos QuentinTarantino (, de “Cães de Aluguel”
e “Tempo de Violência”) e Terry Gillian e, mais recentemente o indiano M. Night Shyamalan,
(de “O Sexto Sentido” e “Corpo Fechado”)que não se encaixam no jeito americano de fazer
filmes.
Na música há bandas que rompem com os ditames do stablishment: Beatles e suas
experimentações, o incorfomismo de Raul Seixas, Pato Fu e a crítica à TV (na música
“Televisão de Cachorro”)...
Por outro lado, há toda uma leitura crítica por parte dos receptores que foi totalmente
ignorada pelos frankfurtianos, assustados com a idéia de uma mídia toda-poderosa, derivada
do conceito de agulha hipodérmica.
A leitura de uma história em quadrinhos, de um seriado de TV, de um filme, pode
evoluir desde a fruição pura e simples até uma análise semiótica aprofundada.
Embora os meios de comunicação de massa tenham como objetivo a leitura e a fruição
rápidas, isso não significa que todos os leitores estejam “amaldiçoados” a fazerem sempre
leituras superficiais.
Alguns leitores discutem os quadrinhos da mesma forma que um crítico de arte o faria
com um quadro, ou um crítico literário com um romance.
Por conta dessa leitura, alguns produtos da indústria cultural acabam se tornando
cultura pop. É o que acontece, por exemplo, com o seriado Jornada nas Estrelas ou com as
histórias clássicas de Jack Kirby e Stan Lee para a Marvel.
Importante notar que, embora não tenham uma postura tão crítica ou provocadora quanto
outros exemplos de cultura pop, tanto Jornada quanto as histórias clássicas da editora
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americana de quadrinhos Marvel (dona do Homem-Aranha, Capitão América e X-Men) têm
duas características em comum:
A. Eles apresentam inovações significativas com relação ao modo de fazer as coisas
dentro daquele gênero ou mídia (ou seja, são mais informativos que redundantes). A
Marvel inovava, e muito, ao mostrar o lado humano dos heróis (o melhor exemplo
talvez seja o Homem-aranha, sempre envolvido com gripes, perseguições da polícia e
brigas com a namorada), sem falar na estética expressionista de Jack Kiby. Jornada
nas Estrelas inovava ao introduzir nos seriados de ficção um vivo manifesto pacifista e
ao dar um grande valor aos roteiros bem elaborados.
B. Eles se destacam por seu caráter mítico. Não são poucos os autores que admitem o
caráter mítico de Jornada nas Estrelas e de personagens como o Surfista Prateado. A
mídia estariam, nesse caso, resgatando algo que havia se perdido com a quase total
extinção dos chamados contadores de histórias que, nas sociedades de
desenvolvimento tecnológico menos desenvolvido, são os principais divulgadores dos
mitos.
CONCLUSÃO
O conceito de cultura pop surge não para substituir o de indústria cultural, mas
complementá-lo. Ele é aplicado onde justamente as teorias da escola de Frankfurt falham: nos
produtos da indústria cultural que não conformam, mas provocam, não acomodam, mas
incentivam uma leitura crítica da realidade.
A cultura pop surgiria ou de uma vontade de se contrapor à indústria cultural num
movimento "de dentro", ou daquelas peças que ganham uma nova dimensão em decorrência
de sua carga arquetípica.
Assim, a cultura pop teria as seguintes características:
A. ser inovadora com relação aos seus congêneres, tanto em termos de forma quanto de
conteúdo;
B. apresentar uma leitura crítica de mundo;
C. ter um conteúdo arquetípico;
D. ser provocadora.
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Tais características fazem com que, embora passe pelos mesmos mecanismos de
reprodutibilidade técnica, a cultura pop se diferencie da média do que chamamos de indústria
cultural.
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A CIÊNCIA DOS SIGNOS
Certa vez fui a uma livraria procurar o livro O Signo, de Isaac Epstein. A moça da loja
se espantou: “Você é o segundo professor que vem procurar esse livro. Por que vocês estão
tão interessados em astrologia?”. O caso demonstra a compreensão que a maioria das
pessoas tem da palavra signo. É uma visão limitada. Na verdade, em nossa sociedade, quase
tudo é signo de algo. Certas roupas são sinais de que a pessoa está na moda, certos carros
são símbolos de status... é impossível realizar a maior parte de nossas atividade diárias sem o
auxílio de símbolos. Até para ir ao banheiro precisamos interpretar símbolos (caso não
corremos o risco de entrarmos no banheiro errado).
Na verdade, os signos foram uma das mais importantes e mais geniais invenções do
ser humano. Antes dos signos, para nos referirmos a uma pedra, precisávamos mostrar a
pedra. Imagine como seria incômodo levar várias pedras consigo para poder mostrá-las toda
vez que fosse necessário se referir a elas. É mais prático dizer a palavra pedra, não é mesmo?
Os signos são isso mesmo: um substituto para as coisas. Eles estão no lugar das coisas, as
representam. Claro que, além de falar pedra, eu também posso desenhar uma pedra ou tirar
uma foto. São outras formas de representar a coisa pedra.
Os signos sempre fascinaram os pensadores e são estudados desde a Grécia antiga,
passando pela Idade Média e pelos filósofos iluministas. Mas uma ciência dos signos só foi se
firmar no final do século XIX e início do século XX. Foi nessa época que Charles Sanders
Pierce nos EUA e Ferdinand de Saussure na Europa começaram a produzir uma ciência dos
signos. Os partidários de Pierce chamaram essa ciência de semiótica. Os adeptos de
Saussure a chamaram de semiologia. A corrente saussureana se notabilizou pela análise dos
signos lingüísticos, enquanto os pierceanos abriram sua análise também para outras formas
de representação.
Pierce diz que signo é aquilo que está no lugar de outra coisa. A palavra pedra está no
lugar da coisa pedra. Podemos dizer também que signo é tudo aquilo que representa uma
coisa que não seja ele mesmo. Uma pedra é apenas uma pedra, um objeto, mas se uma
empresa de construção convencionar que a pedra é seu símbolo, ela passa a ser um signo.
Mas afinal, como funciona um signo? Como podemos nos referir a uma coisa sem a
termos por perto? Muitos pensadores se debruçaram sobre essa questão e a maioria concluiu
que um signo tem uma característica triádica, ou seja, é dividido em três partes. É o chamado
triângulo semiótico.
Pierce chamou os três pontos da pirâmide de signo (a palavra pedra), imagem mental
(a imagem da pedra que se forma em nossa mente) e objeto (a coisa pedra).
Outros autores (entre eles Bordenave) têm utilizado as expressões significante (a
palavra pedra), significado (a imagem da pedra que se forma em nossa mente) e referente ( a
coisa pedra).
O significante é o aspecto sensível do signo. Se estamos falando, são os sons que
formam a palavra pedra. Se estamos escrevendo, é o conjunto de sinais gráficos que formam
a palavra pedra.
O significado é a compreensão que temos da mensagem. É a imagem que se forma
em nossa mente quando ouvimos uma frase.
O referente é aquilo ao qual estamos nos referindo. Se dizemos a palavra pedra, o
referente é a coisa pedra. Se dizemos praia, o referente é a coisa praia.
Há situações em que um significante tem mais de um significado. É o que acontece
com as palavras que têm dupla interpretação (polissemia). Por exemplo, a palavra bala pode
ser de revólver ou de comer. Manga pode ser fruta ou pode ser manga de camisa.
A poesia é essencialmente polissêmica. Quando o poeta diz “Tinha uma pedra no meio
do caminho, no meio do caminho tinha uma pedra”, cada um de nós vê um significado na
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palavra pedra. Para uns podem ser as dificuldades da vida. Para outros pode ser uma pedra
mesmo...
A polissemia é que permite os trocadilhos, um recurso muito usado pelos humoristas.
Quando digo que a Rússia invadiu a Chechênia, essa frase pode ter tanto um significado
político quanto sexual.
Por outro lado, pode haver erros de interpretação: o emissor está pensando em um
referente, mas o receptor interpreta a frase com outro significado. É o caso de dizermos pedra
e a pessoa entender Pedro. Esse fenômeno é chamado de ruído e é estudado pela teoria da
informação.
Um aspecto importante da semiótica é a necessidade de intérprete. Só temos signos
quando há pessoas para interpretá-los. Qual o significado de uma árvore caindo em uma
floresta deserta? Nenhum, pois não há ninguém ali para interpretar esse fato.
Por outro lado, os signos podem ser primários ou secundários. Signos primários são
criados pelos homens para serem signos: palavras, desenhos, símbolos, sinais de trânsito...
Signos secundários são coisas que foram transformadas em signos. O arroz, por
exemplo, é só um alimento. Mas no casamento, quando é jogado sobre o casal, ele representa
a fertilidade. O automóvel é apenas um meio de transporte. Mas uma BMW é um símbolo de
status, de que seu ocupante é uma pessoa rica e poderosa. Um pombo é apenas uma ave,
mas nas manifestações pacifistas ele se torna um símbolo da paz e da liberdade.
Um dos signos mais famosos de nossa sociedade é um signo secundário. Trata-se da
cruz. A cruz, originalmente, era só um instrumento de tortura. Com o tempo, ele tornou-se o
símbolo da religião e da fé cristã. Esse processe de transformação de coisas em símbolos é
cultural e arbitrário. De repente alguém decide que algo vai representar tal coisa. Se pegar,
aquilo passa a representar algo além dele mesmo. No início do cristianismo, por exemplo, o
símbolo da fé cristã era um peixe. Foi um símbolo que acabou não pegando e os cristãos
acabaram ficando com a cruz.
Segundo Pierce, existem três tipos de signos: os ícones, os índices e os símbolos.
Os índices, talvez os primeiros signos utilizados pelo homem, têm uma relação com
contigüidade com a coisa representada. Ou seja, como sempre vemos um e outro juntos,
passamos a associar uma coisa a outra. Por exemplo, como vemos sempre fogo e fumaça,
logo associamos que onde há fumaça, há fogo. A fumaça virou índice do fogo.
Os detetives trabalham essencialmente com índices: a pegada no barro e a impressão
são índices de que o ladrão fugiu por um determinado local. A pegada também pode ser um
índice do tamanho do ladrão (uma pegada grande é índice de um homem alto, uma pegada
pequena é índice de um homem baixo).
A seguir, temos os ícones.
Os ícones são signos que guardam uma relação de semelhança com a coisa
representada. São o tipo de signo mais fácil de ser reconhecido. Não é necessário qualquer
tipo de treinamento para identificar uma foto de um cachorro. Basta ter já visto um cachorro
antes. Exemplos de ícones são fotos, desenhos, estátuas, filmes, imagens de TV. Um tipo
especial de palavras também é considerada ícone: as onomatopéias, que representam os
sons das coisas e dos animais.
Os símbolos são signos muito mais complexos. Imagina-se que eles só tenham surgido
em uma fase mais avançada da civilização humana. Os símbolos não guardam qualquer
relação de semelhança ou de contigüidade com a coisa representada. A relação é puramente
cultural e arbitrárias. Para compreender um símbolo, é necessário aprender o que ele significa.
As palavras, por exemplo. Para compreender que o conjunto de sinais PEDRA significa a
coisa pedra, preciso ter sido alfabetizado, ou seja, passado por um treinamento.
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Conta-se a história de um monge budista que, ao entrar em uma igreja católica, ficou
chocado com aquela imagem de um homem sendo torturado. Ele codificou a cruz como um
instrumento de tortura, e não como símbolo da fé cristã.
São exemplos de símbolos as palavras, os símbolos matemáticos, os símbolos
químicos, as bandeiras de países e clubes. Já se falou de coisas que podem ganhar o status
de símbolo. É o caso do Tucano, que representa o Partido da Social Democracia Brasileira
(PSDB), ou a estrela, que simboliza o Partido dos Trabalhadores (PT).
Os símbolos são criados no momento da criação do código. É o código que diz os
sinais que são válidos e os que não são. É também o código que nos diz como os símbolos
devem se relacionar entre si.
Às vezes um signo pode ter mais de uma classificação. É o caso da cruz. Ela é um
ícone (de um homem sendo torturado), um símbolo (da fé cristã) e pode ser um índice (quando
chegamos em uma cidade e queremos saber onde fica a igreja).
Por outro lado, é possível que um símbolo tenha características de ícone. É o caso de
uma poesia sobre a chuva em que as letras vão caindo como gotas de chuva.
As logomarcas das empresas normalmente são símbolos que apresentam
características de ícones. Isso é feito para que a compreensão da mensagem seja mais rápida
e funciona tão bem que até mesmo crianças que ainda não foram alfabetizadas conseguem ler
logomarcas. Elas lêm visualmente.
As letras da Coca-cola, por exemplo, procuram reproduzir as curvas da garrafinha. A
rede Globo tem, na sua logomarca, o famoso símbolo visual que é um globo no formato de TV
com um globo dentro. Ou seja, o planeta dentro da TV.
Também acontece de um signo contaminar o outro e passar suas características para
ele. Essa contaminação pode ocorrer por similaridade ou contigüidade. Dois signos
semelhantes podem transferir seu significado um para o outro. Ao ver uma foto de um tigre,
uma criança pode achar que se trata de um gato, devido à semelhança dos dois.
A contigüidade ocorre quando colocamos dois signos próximos um do outro. A foto de
um político encimada pela palavra LADRÃO dará a entender que o político é desonesto. Fotos
de pessoas junto à palavra FELICIDADE darão a entender que essas pessoas são felizes.
21
O FILÓSOFO DA CONTRACULTURA
Hebert Marcuse é um dos mais importantes filósofos da chamada Escola de Frankfurt.
E também um dos que mais se distanciaram do pensamento apocalíptico que caracterizou
essa escola. Enquanto Adorno chamava a polícia para reprimir os jovens revoltosos de 1968,
na Alemanha, Marcuse era o líder intelectual da garotada que pretendia fazer uma revolução
baseada em princípios de liberdade e beleza. A influência de Marcuse na década de 60 era
tão grande que se dizia que a juventude seguia três Ms: Marx, Mao, Marcuse.
A crítica à racionalidade técnica irá direcionar toda a sua obra. Para ele, a
instrumentalidade das coisas tornava-se a instrumentalidade dos indivíduos. Em outras
palavras, o ser humano era visto como uma coisa, como um instrumento, e não como um
indivíduo. Ao invés do homem dominar a máquina e tecnologia, como previa a utopia
iluminista, era o homem que estava sendo dominado pela máquina e pela tecnologia. As
pessoas são transformadas em coisas, reproduzidas em seqüência, massificadas, como
produtos saindo de uma linha de montagem.
Marcuse denunciou a criação do chamado homem unidimensional: um indivíduo que
consegue ver apenas a aparência das coisas, nunca indo até a sua essência. O homem
unidimensional é conformista, consumista e acrítico. Ele se acha feliz porque a mídia lhe diz
que ele é feliz e, quando se sente triste, vai ao shopping, fazer compras.
Para Marcuse, as mudanças só ocorreriam se houvesse a liberação de uma nova
dimensão humana. Um princípio básico deveria permear essa nova revolução: a liberdade.
A nova sociedade, que surgiria das ruínas da sociedade consumista, deveria ter uma
dimensão estético-erótica e, no lugar do consumismo, do conformismo, da competição,
surgiriam os valores da felicidade, da paz e da beleza.
À pergunta de Adorno “É possível fazer poesia depois de Auschwitz?”, Marcuse vai
responder positivamente. A arte ainda é possível, desde que seja uma arte revolucionária, que
denuncie a sociedade unidimensional e leve aos receptores os novos valores. Curiosamente,
Marcuse vai encontrar justamente em um produto da Indústria Cultural, tanto criticada pela
Escola de Frankfurt, um exemplo dessa arte revolucionária: as músicas de Bob Dylan.
Segundo o filósofo, “A arte só pode cumprir sua função revolucionária se ela não fizer
parte de nenhum sistema, inclusive o sistema revolucionário”. O artista deve não consolar,
mas instigar o seu público e fazê-lo rever seus valores. A trajetória de Bob Dylan demonstra
bem isso. Quando achou que seu público estava acostumado com suas músicas políticas, ele
lançou um disco não político.
No campo dos quadrinhos, o melhor exemplo talvez seja o roteirista britânico. Suas
histórias sempre apresentaram uma dimensão crítica, seja do sistema (em V de Vingança),
seja da potencialidade destrutiva da ciência, representada pela bomba atômica (em Watchmen
e Miracleman). Quando seus fãs se acostumaram com seu trabalho mais intelectualizado, ele
passou a fazer histórias de super-heróis para a editora Image.
Assim, para Marcuse, a nova arte não seria uma peça de museu, mas algo vivo, a
expressão de um novo tipo de homem. Em alguns momentos, a recusa da obra de arte
poderia ser uma forma de fazer arte.
Esse pensamento influenciou o movimento da contracultura, com seus fanzines,
revistas alternativas e rádios livres. Outra conseqüência foi a anti-arte, um movimento que, em
sua versão mais branda, procura demonstrar o equívoco da arte como ornamento, como peça
de museu. Um exemplo disso foi o barquinho pirata colocado pelo estudante de jornalismo
Cleiton Campos no meio de obras famosas durante a última Bienal. O quadro de Cleiton não
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tinha qualquer valor artístico, mas valor de atitude. Colocar em dúvida o aspecto sacramental
da arte pode, também, ser um tipo de arte.
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MARSHALL MCLUHAN - O PROFETA DA ALDEIA
GLOBAL
Alguns filósofos têm idéias tão independentes que é absolutamente impossível
encaixa-los em uma corrente de pensamento. É o caso do canadense Marshall McLuhan. Um
dos pesquisadores de comunicação mais criticados de todos os tempos, e também um dos
mais influentes, McLuhan criou teorias que delinearam nossa visão de mundo e nos fizeram
ver com outros olhos os Meios de Comunicação de Massa. Seu pensamento pode ser
resumido em três teorias: os meios de comunicação como extensões do homem, os meios são
as mensagens e aldeia global.
Para McLuhan, o homem age sobre a natureza criando extensões de seu próprio
corpo. Uma metáfora disso nos foi apresentada no filme 2001 – uma odisséia no espaço, de
Stanley Kubrick. Vários antropóides estão guerreando quando um deles tem a idéia de pegar
um osso e utiliza-lo como arma. Rapidamente ele percebe que aquela extensão de seu braço
era mais eficiente do que o braço em si. Ao final da cena, ele joga o osso para cima e este se
transforma em uma nave espacial.
Kubrick queria dizer que o mesmo princípio unia tanto o osso quanto a espaçonave:
ambas eram extensões do corpo humano. Se o osso era extensão do braço, a nave era uma
extensão do pé. Isso mesmo: o pé. Qualquer forma de transporte, seja um cavalo, uma
carroça, um navio ou um avião, nos ajuda a nos movimentarmos e, portanto, é mais eficiente
que simplesmente andar.
Da mesma forma, quase tudo que temos à nossa volta é uma extensão de nosso corpo
ou de nossos sentidos. A roupa é extensão da pele, a faca é uma extensão dos dentes, o livro
é uma extensão de nossa memória. Assim, todo meio de comunicação também é uma
extensão: o rádio da boca (para quem fala), do ouvido (para quem ouve), a televisão dos olhos
e do ouvido, o computador de nosso cérebro, etc.
Outra teoria importante de McLuhan foi expressa na frase “os meios são as
mensagens”. McLuhan queria dizer que não fazia sentido estudar os conteúdos do rádio, da
televisão ou da internet. O importante é que todo meio de comunicação modifica a psicologia a
forma de organização social das pessoas que o utilizam.
Para McLuhan, “a mensagem de qualquer meio ou tecnologia é a mudança de escala,
cadência ou padrão que esse meio ou tecnologia introduz nas coisas humanas”.
Para exemplificar, é possível voltar à época em que o homem se organizava em
pequenas aldeias. Nesse período, a comunicação era predominantemente oral. As pessoas
recebiam informações pelo ouvido e olho era um sentido a mais que nos permitia, por
exemplo, captar o gestual de quem falava. Havia um contato direto entre o emissor e o
receptor. Além disso, era uma comunicação com envolvimento e voltada para a prática. Ao
ensinar o neto a pescar, o vovô não gastava horas falando sobre os aspectos teóricos do
pescar. Ele pegava anzol, caniço, isca e, ao mesmo tempo em que falava, mostrava para o
garoto como se fazia, e este, em seguida, repetia a ação.
O tipo de comunicação utilizado não permitia que as pessoas se organizassem em
grupos muito grandes, pois a aldeia, segundo definição de McLuhan, é o grupo de pessoas
que consegue ouvir o líder. De fato, entre os indígenas brasileiros, quando um agrupamento
se torna muito grande, ele se divide em duas aldeias.
A invenção da escrita mudou tudo. Com um novo e eficiente meio de comunicação, foi
possível criar grandes agrupamentos humanos. Além disso, os líderes, que até então tinham
poder relativo, tornaram-se reis com poder absoluto. Através da escrita eles podiam enviar
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suas ordens a todos os súditos. Por outro lado, através dos escribas, o governante podia
controlar a produção de riqueza e instituir impostos. A escrita inventa também o universo
classificador, em que todas as coisas definidas pelas classes nas quais se encaixam. Esse
universo trabalha com categorias mutuamente excludentes e hierarquicamente organizadas.
Assim, um gato, no universo classificador, é um animal, vertebrado, mamífero, felídeo, etc...
Antes da escrita havia apenas os universos relevante (em que as informações são
definidas pela importância que têm para cada pessoa) e relacional (em que as informações
são definidas pelas suas relações com as outras coisas. Por exemplo, para o universo
relaciona, o gato é o animal que caça o rato.
O universo classificador criou condições para o surgimento da burocracia e do exército,
com sua hierarquia.
Nova revolução ocorre quando é inventada a imprensa. Com essa nova forma de
comunicação, as informações se popularizaram e agora cada pessoa podia ler o seu livro ou o
seu jornal sozinho (antes era mais comum que as pessoas lessem em grupos). Com isso
surge a idéia de individualidade e de direito autoral. Como os impressores achavam mais
rendoso publicar nas línguas nacionais do que em latim (já que o público era bem maior), a
imprensa também acaba criando a idéia de nação e de nacionalismo. A popularização da
informação tira dos mosteiros o papel de detentores da informação. Tudo isso enfraquece o
poder do Papa e cria condições para o surgimento das monarquias absolutas e do
protestantismo.
McLuhan chamou Galáxia de Gutemberg a esse mundo criado pela imprensa.
O pensamento linear, que já se delineava no mundo da escrita, torna-se o padrão na
Galáxia de Gutemberg: todas as coisas devem ser organizadas de forma que haja uma
relação de início, meio e fim, como, aliás, acontece com os livros.
McLuhan percebeu que em sua época (década de 60), uma nova revolução estava se
delineando motivada pelos novos meios de comunicação de massa, em especial a televisão.
Para ele, a TV e o rádio estavam devolvendo o ouvido ao homem, que havia caído em desuso
na Galáxia de Gutemberg.
Por outro lado, a TV, por ser um meio frio (de baixa resolução), levava a um maior
envolvimento por parte do receptor, da mesma forma que ocorria na época em que vivíamos
em aldeia.
Para o filósofo canadense, a TV e as canções pop estavam novamente unindo
pensamento e ação. Isso podia ser percebido nos protestos contra a guerra do Vietnã. O fato
de a TV mostrar as atrocidades cometidas pelos soldados norte-americanos levou a população
dos EUA a se mobilizar contra a guerra. O exercito norte-americano sabe muito bem dessa
força da imagem televisiva, tanto que na Guerra do Golfo impediu as emissoras de TV de
mostrarem detalhes do conflito.
Com a criação da internet um novo mundo começa a se delinear. O surgimento de uma
rede de comunicação impossível de se controlar, na qual os emissores também são
receptores, muda muita coisa. Recentemente li uma matéria sobre um grupo de pessoas em
diversos países que distribui pela internet informações que são ignoradas ou distorcidas pela
televisão e outros meios de comunicação.
Isso nos leva a outra teoria de McLuhan: a idéia de aldeia global. Se, nos primórdios da
humanidade, uma aldeia era definida pela quantidade de pessoas que podiam ouvir o líder,
hoje o mundo todo pode ouvir as comunicações de uma liderança. Da mesma forma que na
aldeia todos sabiam todos os acontecimentos de forma quase instantânea, hoje se sabe de
tudo a velocidade incrível.
Os atentados terroristas que demoliram os Word Trade Center demonstraram isso bem.
O mundo parou para ver esse fato. Para se ter uma idéia do alcance do acontecimento, no dia
seguinte, na capital do Camboja, houve uma cerimônia budista pelas almas das pessoas que
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morreram nos atentados. Uma foto dessa cerimônia mostrava uma garotinha cambojana
segurando uma bandeira dos EUA.
Os atentados de 11 de setembro mostram que McLuhan estava certo: o mundo é cada
vez mais uma aldeia e cada vez mais as fronteiras nacionais deixam de ser importantes.
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EDGAR MORIN – AS ESTRELAS E OS MITOS
Edgar Morin é, talvez, o mais importante filósofo vivo. Suas idéias influenciaram os
mais diversos campos de saber, da metodologia científica à educação. Um reflexo de sua
importância é o surgimento, em várias universidades, de núcleos de pensamento complexo,
grupos que pretendem repensar a forma como vemos a ciência e educação. Mas Morin é
também um apaixonado pela sétima arte e, como não poderia deixar de ser, dedicou um livro
à sua paixão. A Estrelas – mito e sedução no cinema pretende analisar e compreender o
fascínio que os grandes astros de Hollywood exercem sobre seu público.
Morin parte da idéia de que o cinema é o atual difusor de mitologias.
É muito comum ouvirmos pessoas que usam a palavra mito como sinônimo de algo
irreal, falso: “Isso é mito, não aconteceu de verdade”. Esse ponto de vista é equivocado. Os
mitos são realidades psicológicas que vivem em nosso inconsciente coletivo. São como vírus
de computador. Da mesma forma que um vírus precisa, para sobreviver, infectar outros
computadores (através da internet ou de disquetes), os mitos precisam passar de uma pessoa
para outra para continuarem existindo. Antigamente isso era feito através das narrativas orais.
A tribo se reunia ao redor da fogueira e uma pessoa, geralmente um ancião, contava a
história. Essa história apresentava ideais humanos de beleza, coragem, amizade, amor.
Enquanto ouviam essas narrativas, os jovens entravam nelas e viviam como seus heróis.
Ouvir histórias era como ter também um pouco das qualidades de seus ídolos.
O desenvolvimento da sociedade de massa tornou esse tipo de encontro para contar
histórias uma raridade. As pessoas simplesmente não tinham mais tempo para esse tipo de
coisa. Os mitos, então, encontraram uma outra forma de se difundir: os meios de comunicação
de massa. Hoje os mitos podem ser encontrados em filmes, novelas, histórias em quadrinhos
e até na internet.
Morin vai se preocupar em analisar especificamente os mitos cinematográficos.
Ele percebe que ao redor das estrelas se instala um culto (como aliás, havia um culto
aos deuses antigos. Hollywood é o novo Olimpo). O culto aos atores toma às vezes caráter de
religião. Há papas (presidentes de fã-clubes) e até cerimônias em que os fiéis entram em
estado de êxtase, como se estivessem de fato em um ambiente religioso (basta lembrar a
reação histérica das meninas nos shows do Beatles).
Da mesma forma que fiéis faziam oferendas aos deuses antigos e, em troca, faziam
pedidos, os fãs fazem as mais diversas ofertas e os mais diversos pedidos para seus ídolos.
Morin assinala alguns pedidos mais curiosos: o papel usado para limpar o batom da estrela,
pedaço de chiclete mastigado, ceroulas autografadas, guimbas de cigarro, um pedaço do rabo
de cavalo e até um cheque em branco para fazer supermecado.
As oferendas são igualmente estranhas: onze páginas com I Love you escrito 825
vezes; uma pulga que reconhece o nome da estrela... no Brasil são famosas as calcinhas que
a senhoras jogam no palco durante os shows do cantor Wando...
Os fãs fazem de seus ídolos a razão de viver e, muitas vezes, interferem até mesmo
em seu cotidiano. Morin conta a história de um ator que não cortou o bigode por pressão das
fãs.
Outros sabem tudo sobre seus ídolos. Há uma história curiosa sobre isso,
protagonizada pelo ator William Shatner, o Capitão Kirk, do seriado Jornada nas Estrelas. Ele
estava em um programa de auditório quando uma pessoa da platéia lhe perguntou quantas
ovelhas havia em sua fazenda. Shatner respondeu, ao que o outro retrucou: “Mentira, nasceu
uma hoje”. Ou seja, o fã sabia mais sobre a vida de seu ídolo do que ele mesmo.
O roteirista britânico Alan Moore (autor das graphic novels Watchmen e V de Vingança)
conta que certa vez recebeu um telefonema de uma amigo parabenizando-o pelo noivado da
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filha. A notícia já estava correndo a internet e a filha nem havia comunicado o noivado a
Moore.
Também característico dessa situação são os fãs que não conseguem distinguir o ator
do personagem. Essa situação pode ser tão sufocante que o ator Leonard Limoy chegou a
publicar um livro, na década de 70, com o título Eu Não Sou Spock.
Mas qual é a origem psicológica dessa idolatria, às vezes doentia, aos mitos de
cinema, TV e até do futebol?
Segundo Morin, a base está num processo de projeção-identificação. O fã se identifica
com seu ídolo e, ao mesmo tempo, projeta nele seus desejos, o que ele gostaria de ter ou de
ser.
Assim, uma pessoa de vida monótona se projeta em um personagem que vive em meio
à ação e ao mistério. Uma pessoa recatada sexualmente se projeta em uma atriz de
sexualidade exacerbada, como a Madona.
Na verdade, esse processo ocorre toda vez que assistimos a um filme. Nós
escolhemos um personagem com o qual nos identificamos e “vivemos” com ele as situações
ocorridas no filme. Quando ele corre perigo, nós corremos perigo junto com ele, quando ele
ama, nós amamos junto com ele.
O ídolo é sempre um referencial para o seu fã. Ele se encontra acima dos mortais, em
um Olimpo de beleza e perfeição.
Mas não basta a projeção. As estrelas precisam ser também um pouco humanas para
que seu público possa se identificar com elas. O Super-homem é um belo exemplo disso. O
herói era tão perfeito, tão olímpico, que era impossível se identificar com ele. Assim foi criado
seu alter-ego, Clark Kent, um repórter tímido, que sempre é passado para trás por sua colega
Lois Lane. Nós nos projetamos no Super-homem, mas nos identificamos com Clark Kent.
Segundo Edgar Morin, a Indústria Cultural se aproveita dessa necessidade do homem
de se projetar em mitos e transforma isso em mercadoria. É a estrela-mercadoria.
A estrela vende tudo que tenha seu nome. A começar pelo próprio produto no qual ela
está. Um filme com Tom Hanks é sucesso garantido de bilheteria. Uma novela com Tarcísio
Meira é sucesso garantido.
Além disso, a estrela vende qualquer produto que se associe a ela. Adriane Galisteu
vende sandálias, Pelé vende refrigerante, Xuxa vende batom. A figura da estrela agrega valor
ao produto, pois, enquanto toma determinado refrigerante, o fã de futebol se identifica um
pouco com Pelé.
Toda a estratégia de marketing das Havaianas tem como objetivo único convencer os
consumidores que jovens atores globais usam essas sandálias.
Até a vida da estrela é um produto. Revistas como Caras, Quem e Contigo não vendem
nada além da vida da estrela. Através de revistas como essas o leitor se identifica um pouco
com seu astro, pois ele bebe café como todos nós, mas o leitor também se projeta, afinal a
estrela não toma um café qualquer, e sim um capucino de 20 dólares a xícara.
Claro que a estrela só interessa para a Indústria Cultural enquanto estiver dando lucro.
Uma estrela que não faz mais sucesso, que não vende mais produtos, é uma estrela morta.
Nesses casos, é melhor a morte física. Estrela que morreram jovens ou em situações trágicas
viram mito puro e se eternizam, pois é possível projetar qualquer desejo ou qualquer história
em uma estrela morta. Renato Russo e Raul Seixas vendem muito mais discos hoje do que
quando estavam vivos. Nesse sentido tem toda razão quem diz que Elvis não morreu. Para a
Indústria Cultural ele ainda está mais vivo do que nunca.
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TEORIA DO CAOS
Caos é uma palavra subjetiva. Um quarto de uma adolescente pode ser caótico para a
empregada doméstica que tenta arrumá-lo, mas certamente não é para o jovem. Se
perguntarmos por qualquer item ele certamente saberá onde se encontra. Uma estante
organizada por autor é caótica para quem está acostumado a organizar seus livros por
assunto.
Embora muitos autores considerem que toda ciência é uma tentativa de colocar ordem
na natureza, a primeira corrente científica a se preocupar com o caos foi a cibernética. Autores
cibernéticos, como Norbert Wiener, chamaram caos de entropia e estudaram suas
características.
Filha da cibernética e da teoria da informação, a teoria do caos surgiu na década de 50
com as pesquisas do metereólogo Eduard Lorenz, firmou-se na década de 60 com as
elaborações do matemático Benoit Mandelbrot a respeito da economia, mas ganhou destaque
no início dos anos 80 com um grupo de alunos da Universidade de Santa Helena (EUA) que
se auto-denominaram coletivo de Sistemas Dinâmicos.
Os trabalhos de Lorenz, Mandelbrolt e dos jovens estudantes começava nos limites da
ciência clássica, que era extremamente influenciada pela invenção do relógio. O relógio
simbolizou, para muitos autores, a ordem do universo. Seus movimentos são totalmente
previsíveis. Para saber como funciona um relógio, basta desmonta-lo e compreender como
suas peças se encaixam. Da mesma forma, para compreender a natureza, bastava desmontála,
descobrir como funcionam suas partes e tudo se revelaria com espantoso determinismo.
Essa visão de mundo ganhou uma metáfora no Demônio de Laplace. O cientista
francês propôs que, se uma consciência soubesse todos os dados de todas as partículas do
universo e fosse capaz de fazer os cálculos necessários, teria condições de prever o seu
funcionamento com perfeição. O Demônio Laplaciano teria diante de si o passado, o presente
e o futuro.
No campo das ciências humanas, essa forma de pensamento foi a base da sociologia.
Se alguém entendesse como funciona a sociedade, com as pessoas se relacionam entre si
para formar uma comunidade, seria perfeitamente possível prever o andamento dessa
sociedade.
Para demonstrar a crença na determinação, característica da ciência clássica,
podemos imaginar o trânsito de uma cidade. Imaginemos que o departamento de trânsito
saiba todas as informações possíveis: o mapa da cidade, o tempo de todos os semáforos, a
média de velocidade de cada carro, a origem e o destino de todos os carro, o tempo de
partida... Diante de todos esses dados e, com um computador potente o bastante, seria
possível prever todas as situações possíveis e manter o fluxo de carros perfeitamente
ordenado, sem engarrafamentos.
A situação pode funcionar na teoria, mas na prática isso não ocorre. Um único
motorista que se distrai olhando para uma garota na calçada pode provocar uma acidente, que
provocará outro acidente, que provocará outro acidente... e no final teremos um
engarrafamento monstruoso.
A maioria dos sistemas não pode ser determinado em decorrência da chamada
dependência sensível das condições iniciais, ou efeito borboleta.
A expressão efeito borboleta é usada para denominar um fenômeno no qual uma
borboleta, batendo suas asas na muralha da China, pode provocar uma tempestade em Nova
York. Parece brincadeira, mas não é. Fenômenos em que um pequeno fator provoca grandes
transformações são mais comuns do que se pensa.
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No campo da economia, por exemplo, teóricos do caos têm estudado a importância de
boatos nas bolsas de valores.
Os jornais têm anunciado casos de pessoas que, em decorrência de um pequeno
atraso na hora de sair de casa, perderam o ônibus, o que levou a um atraso no metrô e, no
final não conseguiram pegar o avião, e o avião caiu. Um segundo de atraso foi a diferença
entre a vida e a morte para essas pessoas.
Em termos filosóficos, a Teoria do Caos nos dá uma interessante perspectiva a
respeito do destino. O destino existe? Essa questão tem inquietado pensadores desde a
origem da humanidade. A ciência clássica, com seu determinismo, dava abertura para a
aceitação do destino. O demônio de Laplace podia prever o futuro, mas não podia intervir nele,
pois todos os acontecimentos já estavam previstos. “A inteligência suposta por Laplace seria
onisciente, mas impotente para provocar qualquer modificação no curso dos eventos. Restaria
a ela um olhar entediado sobre o porvir, pois nada poderia acontecer que não tivesse já
previsto”, diz Isaac Epstein, no livro Teoria da Informação.
A Teoria do Caos, por outro lado, propõe que o sistema é determinista, mas não
sabemos o que ele fará a seguir. Ou seja, há uma determinação, até o ponto em que um efeito
borboleta incida sobre o sistema. Assim, podemos dizer que o destino existe, mas nós o
modificamos toda vez que fazemos determinadas escolhas que vão influenciar nossa vida.
Visualmente, isso pode ser imaginado como uma estrada com diversas bifurcações. A cada
bifurcação, a escolha daquele que caminha, muda o caminho e, portanto, o seu destino.
Para compreender os fenômenos dinâmicos (não deterministas), os teóricos do caos
foram buscar na teoria da informação a base científica. Eles chegaram à conclusão de que
não existe caos, mas padrões de diferente níveis de complexidade. Um padrão mais complexo
é mais caótico, um padrão mais simples é ordenado.
Um exemplo. Imagine a seqüência abaixo:
1,2,3,4
É um padrão simples. É fácil perceber que o número seguinte será o 5.
Um padrão um pouco mais complexo pode ser visualizado na seqüência seguinte:
2,4,6,8
Embora seja um pouco mais imprevisível, não há grande dificuldade em perceber que o
padrão é pular os números ímpares. Assim, o próximo número seria o 10.
Um padrão bem mais complexo poderia ser visualizado na seqüência abaixo:
2,4,8,10, 14
Qual seria o número seguinte? Uma análise detalhada da seqüência demonstraria
que a regra é pular dois números e, em seguida, pular quatro. Assim, o número seguinte seria
16.
Um padrão totalmente complexo, ou caótico, seria demonstrado pela seqüência abaixo:
1, 7,10, 49,579,3400, 2, 5013
Eu a construí digitando números aleatórios no teclado. Embora a seqüência seja
aleatória, ela provavelmente tem um padrão determinado pelo meu inconsciente, ou pela
limitações de meus dedos. É possível que sejam necessários 500 ou mais números, mas em
um determinado momento o padrão vai se repetir.
Para a Teoria da Informação, a primeira seqüência (1,2,3,4) é totalmente redundante,
tanto que é muito fácil prever o número seguinte. Já a última seqüência seria a mais
informativa, pois traz mais variedade.
Os teóricos do caos concluíram, portanto, que a ordem é redundante, enquanto o caos
é informativo.
Fenômenos como a vida humana e o trânsito de uma cidade são essencialmente
caóticos. Isso influenciou Edgar Morin a construir a teoria do pensamento complexo. Em uma
frase autobiográfica, ele demonstra como o caos (ou complexidade) envolve nossas vidas:
30
“Quando penso na minha vida, vejo que sou fruto de um encontro muito improvável entre
meus progenitores. Vejo que sou produto de um espermatozóide salvo entre cento e oitenta
milhões que, não sei por sorte ou infortúnio, se introduziu no óvulo de minha mãe. Soube que
fui vítima de manobras abortivas, que deram resultado com meu predecessor, mas ninguém
saberá dizer porque escapei à arrastadeira (...) E cada vida é tecida dessa forma, sempre com
um fio de acaso misturado com o fio da necessidade. Sendo assim, não são fórmulas
matemáticas que vão dizer-nos o que é uma vida humana, não são aspectos exteriores
sociológicos que a vão encerrar no seu determinismo”.
Uma parte importante da Teoria do Caos é a chamada geometria fractal. Enquanto a
geometria clássica, euclidiana, se preocupava com as formas perfeitas (círculos, quadrados,
retas, cones), que são altamente redundantes, a Geometria Fractal vai se preocupar com as
imperfeições das formas que encontramos na natureza. Enquanto a geometria clássica, ao
estudar uma montanha, a transformava em um cone, para a nova geometria, o que interessa
são justamente as irregularidades da montanha. Um raio não é definido como uma reta, mas
em suas sinuosidades.
A geometria fractal, criada pelo matemático Benoit Mandelbrot, ficou famosa pelos
gráficos criados para representar fenômenos caóticos: os fractais. Esses gráficos, na maioria
muito belos, têm uma característica curiosa: quando ampliamos uma parte do desenho, ele se
revela muito parecido com a imagem maior, mas com mais detalhes, mais informação. Uma
outra característica dos fractais é que a mudança de um único número muda todo o desenho.
É a Dependência Sensível das Condições iniciais, também chamada de Efeito Borboleta.
A Teoria do Caos tem influenciado os mais diversos campos do conhecimento. Na área
da comunicação, essa teoria tem sido usada para descrever filmes, programas televisivos e
até histórias em quadrinhos que apresentam características caóticas.
Um exemplo recente é o filme Cidade de Deus. Nele podemos encontrar todos os
aspectos da comunicação caótica: fatos fragmentados, muita informação em pouco tempo,
padrões estéticos complexos, dependência sensível das condições iniciais, padrões mais
complexos à medida em que nos aprofundamos nos fenômenos e na vida dos personagens...
A Dependência sensível das condições iniciais pode ser percebida, no filme Cidade de
Deus, por exemplo, no momento em que o personagem Busca-pé tenta praticar um assalto. O
fato do assalto dar errado vai evitar que ele entre no mundo do crime e, portanto, molda o seu
destino. Como esse, há vários outros Efeitos Borboletas no filme.
Como num fractal, à medida em que nos aprofundamos nos personagens, percebemos
uma maior complexidade. Para quem observa apenas superficialmente, o Trio Ternura é
apenas um grupo de bandidos. À medida em que os conhecemos melhor, percebemos toda a
complexidade que envolve cada um dos personagens, inclusive em termos de contradições.
A teoria do caos também tem sido usada para explicar porque as novas gerações têm
uma capacidade maior de captação de informação. À medida em que o mundo e as
comunicações se tornam complexos, caóticos, nossa mente se expande para acompanhar
esse desenvolvimento. Por outro lado, o aumento da capacidade de captar informação faz
com que surjam cada vez mais obras caóticas, tais como Cidade de Deus, Matrix e, nos
quadrinhos, Watchmen.
31
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