segunda-feira, 2 de abril de 2012

NASCENTES DO AMAZONAS

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ESTUDOS CHOROGRAPHICOS

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AS REGIOES AMAZONICAS



CAPITULO I

A AMAZONIA



Sua POS19AO ASTRONOMiCA.— L1MITE8 DOS Dous EsTADOs DO Para e Amazonas com DIVERSAS
Na^oes e Estados do Brazil.— Clima, taboas meteorologicas. — Hydrographia do
Amazonas. — Bacia Amazonica, superhcie de suas aguas.— Sua grandeza e sua
riqueza. — Berco do Amazonas e seu curso no territorio brazileiro e for a d'elle. —
Seus di versos nomes, largura, corrente e profundidade, mares, volume de suas
AGUAS.— Enchente e vasante, variedade de epochas para umas e outras.— Divisao
das aguas, ilhas, delta. — Theorias geologicas. — CoMMUNiCA^oEs PELO Amazonas
com outros. paizes. — Orographu.



Ainda ha bem poucos annos, os nomes das duas entao
provincias amazonicas, Pard e Amazonas, eram senao igno-
radas, apenas conhecidas dos brazileiros e de alguns estu-
diosos que na Europa liam antigas chronicas e narracoes
de viagens; e e de notar que mesmo nos Estados do Sul
da Republica brazileira ellas eram imperfeit'amente conhe-
cidas, e a maior parte dos habitantes d'elles se affiguravam
estes dous Estados somente como serras habitadas por
hordas de selvagens bravios, como inhospitos e invios ser-
toes com poucos e mingoados povoados em que abundam
OS animaes e aves, das quaes tao lindas amostras Ihes che-
gam ds maos levados nos vapores que navegam desde o
Rio de Janeiro ate Mandos.

Na Europa nao poucas e inexactas apreciacoes tem sido
publicadas como o provam as obras de Emile Carrey e de






6 As Regioes Amapnicas

Biard, e outras de escriptores mais serios francezes e alle-
maes que ate em tratados escolares de geographia tern ins-
criptos verdadeiros erros. E por isso que n6s os filhos^ da
Amazonia, isto e os nascidos nos dous Estados banhados
pelo Amazonas, nao devemos pronunciar sem reconheci-
mento os nomes dos que tern escripto sobre ellas, sem to-
car OS extremos de uma ignobil maledicencia, ou de uma
benevolencia exagerada.

O verdadeiro conhecimento, a revellacao do que e a
Amazonia com excepcao dos estudos das commissoe geo-
graphicas portuguezas e muito moderna, os seus recursos,
a sua riqueza o seu brilhante futuro, so ha poucps annos
tern sido descortinado ao resto do mundo, chamando a at-
tengao do commercio e da industria, e este servico e quasi
exclusivamente devido aos que tem publicado nos jornaes
e nos livros aquillo que tem visto e estudado em suas via^
gens n'estas regioes distantes, como sao : Humboldt, Baen-
na, Wallace, Bates, Chandless, Brow & Lidstone, Maury,
Castelnau, H. Smith, E. D. Mathews, Tavares Bastos,
Agassiz, S. Coutinho, Ferreira Pena, Spix e Martius,
Edward, Wienner, e outros, alem da imprensa paraense
que nos ultimos annos tomou a si o fazer conhecer os pai-
zes, OS rios, os productos que guardavam os nossos exten-
sos territorios. As exposicoes nacionaes e mais ainda as
internacionaes e as conferencias e escriptos de alguns bra-
zileiros que a ellas concorreram acabaram a obra come-
cada, e hoje o rio-mar e sulcado por grande numero de
vapores que levam os nossos productos aos mercados de
todo o mundo.

A posicao astronomica dos dous Estados, e a seguinte :
o do Amazonas esta collocado entre 5® lo' de latitude
Norte e lo® 20' de latitude Sul, e entre i3® 40' e 32° de
longitude occidental.

Segundo os mappas levantados em differentes epochas
pelos portuguezes, e depois pelos brasileiros, este Estado
de Norte a Sul, entre as nascentes do rio Mahu e o Javary
tem uma extensao de 2400 kilometros, e de Leste a Oeste



Capitulo I — A Amazonia 7

desde as nascentes do Cumiary ate a embocadura do rio
das Tres Barras no Tapajoz 2:000 kilometros. E limitado
ao Norte pelas republicas de Nova Granada e Venezuella
e pela Guyana ingleza, ao Sul pela Bolivia e pela provincia
brasileira de Matto-grosso, por Leste, pelo Pard e pela
Guyana ingleza, e por Oeste pelo Peru e Nova Granada.
• A posicao astronomica do Pard se acha determinada
pelas posicoes de 4® 10' de latitude septentrional e 8® 40'
de latitude meridional; e quanto a longitude, demora entre
2° 10' e 1 5® 20' de longitude occidental.

E o Pard limitado ao Norte pelo Oceano atlantico, e
pelas Guyanas, Franceza, Hollandeza e Ingleza; pelo lado
de Matto-grosso pelos montes Gradaiis e pelos rios Fresco
e Caray que se lancam no Tapaj6z; de Maranhao e sepa-
rado pelo rio Gurupy, assim como de Goyaz o e pelo rio
Araguaya. A sua area calcula-se aproximadamente ser de
1.744:000 kilometros quadrados.

A area dos dous Estados reunidos tem sido calculada
ora em 3.o44.:732 ora em 4.617:360 kilometros quadrados,
mas o maior numero dos que tem estudado este assumpto
a suppoe ser de 3.o5o:ooo kilometros quadrados.

Sobre este assumpto que tao resumidamente ennunciei,
permitta-me o leitor que me alongue um pouco, nao so
quanto aos limites, como tambem que enumere e apresente
alguns apontamentos historicos a elles relativos, e final-
mente diga alguma cousa da navegabilidade do Amazonas
e sens affluentes.

Comecarei pela Bolivia. Nao foi sem difficuldade que o
tratado de 27 de Marco de 1867 veio por ponto d velha
questao de limites que nos ameacava de nunca poder aca-
bar, pela animosidade que parecia haver contra o Brazil,
a quem attribuiam vistas ambiciosas sobre o territorio da
Republica; e tambem porque ds adversarios do general
Melgarejo, lancavam mao do tratado como de arma poli-
tica contra o presidente que o celebrava.

Os folhetos, OS livros publicados n'esse sentido sao nu-
merosos, e como se taes meios nao bastassem, ainda as



8 As Regioes Amaionicas

nossas complicacoes com o Paraguay, e a guerra dos cinco
annos, vieram, como que, augmentando as sympathias da
Bolivia por uma nacao da mesma origem que ella, accres-
cer & md vontade contra o entao imperio brasiieiro.

Os adversarios do tratado de 1867, baseavam-se no
tratado de Tordesillas de 1777, e so ds suas disposicoes
attendiam para o desenlace da questao, entretanto qu^ a
guerra entre Portugal e Hespanha annulara tal tratado, e
a mesma Bolivia legislara em contrario ds disposicoes d'elle,
no que respeita a extradicao de escravos, authorisada pelo
artigo 19.°; e em i838 recusando-se d entrega de crimfnosos
ao Brazil, de novo infringira as disposicoes do mesmo trata-
do, ainda que com honra para a sua moderna legisla^ao.

Forca e confessar que o plenipotenciario brasiieiro Lo-
pes Netto apresentando a doutrina do uti-possidetis^ que
acabando com as difficuldades dos antigos tratados das me-
tropoles nos permittio terminar nossas questoes territoriaes
com varias potencias limitrophes, comprehendeu e bem
que aquelle principio nem por isso devia ser tomado como
barreira inquebrantavel para qualquer concessao que faci-
litasse um accordo equitativo, e deixando argucias que nao
constituem diplomacia, preferiu lev^r ao animo predisposto
do governo da Bolivia a conviccao das reciprocas vanta-
gens, e conseguiu a ultimacao do tratado de que fallamos,
.tendo dado posse a Bolivia nas lagoas Mandiore, Gaiba
Uberaba e Caceres, que com a Bahia-Negra, a constitui-
ram ribeirinha do rio Paraguay pela sua margem direita;
e ainda nos terrenos situados na parte oriental da serra de
Chiquitos, e nos terrenos situados entre Rio Verde e o Pa-
ragau ; concessoes que com a navegacao do Madeira abri-
ram d Bolivia horisontes amplos para o seu commercio ate
entao restricto ao porto de Cabija.

Por seu lado a Bolivia passando a linha do Madeira
para Oeste, tirada uma parallela na latitude S. de 10® 20'
ate o encontro do Javary, foi.equitativa para o imperio.

A grande vantagem para a Bolivia foi vSr o seu com-
mercio livre da imposicao que por um lado Ihe fazia o Peru



Capitulo I — A Amazonia 9

e por outro o Chile, pois que a navegacao do Madeira Ihe
da livre transito para o Atlantico e portanto com a Europa.

Este tratado felizmente, para muitos homens eminentes
da Bolivia teve o seu verdadeiro valor, e o consideraram
como uma era notavel para o futuro do seu paiz.

Sem me alongar sobre todas as disposigoes do tratado,
tocarei so no que disser respeito d descripcao geographica
das linhas que limita'm o territorio brasileiro.

« A fronteira entre o Imperio do Brazil e a Republica
de Bolivia, partird do rio Paraguay na latitude de 20° 10',
onde desagua a Bahia-Negra, seguindo pelo meio d'esta
ate ao seu fundo; e d'ahi em linha recta d lagoa de Cace-
res, cortando-a pelo seu meio ; ird d'aqui d lagoa Mandiore,
e a cortard pelo seu meio ; bem como as lagoas Gahiba e
Uberaba, em tantas rectas quantas forem necessarias, de
modo que fiquem do lado do Brasil as terras altas das Pe-
dras de Amolar e da Insua.

a Do extremo Norte da lagoa Uberaba, ird em linha
recta ao extremo Sul da Corixa-Grande salvando as povoa-
coes brazileiras e bolivianas, que ficarao respectivamente
do lado do Brazil ou da Bolivia ; do extremo Sul da Cori-
xa-Grande, ird em linhas rectas ao Morro da Boa Vista, e
aos Quatro Irmaos; d'estes tambem em linha recta ate ds
nascentes do Rio Verde, baixard por este no ate d sua
confluencia com o Guapore, e pelo meio d'este e do Ma-
more ate o Beni onde comeca o rio Madeira.

D'este rio para o Oeste seguird a fronteira por uma pa-
rallela tirada da sua margem esquerda na latitude Sul de
lo** 20' ate encontrar o rio Javary.

Se o Javary tiver as nascentes ao Norte d'aquella linha
Leste-Oeste, seguird a fronteira desde a mesma latitude e
por uma recta a buscar a origem principal do dito rio Javary ».

Houve reclamacocs da parte do Peru e da Columbia
contra este artigo, mas as do primeiro foram destruidas
pela Bolivia em um folheto do Sr. Jose R. Gutierrez inti-
tulado « A questao de limites entre o Brasil e a Bolivian
1868, publicado em La Paz.



10 As Regioes Ama:{ontcas

As da Columbia foram refutadas pelo sr. Azambuja,
nosso ministro, o qual mostrou peremptoriamente que to-
das as linhas estabelecidas no tratado se achavam exclusi-
vamente em territorios do Brazil e da Bolivia, e que ainda
mesmo concedendo aos Estados Unidos da Columbia o
maximo de suas reclamacoes, ate as que fundava nas
Reaes Cedillas^ ellas nao alcancavam os tcrrenos alludidos
no tratado.

Em relacao ao Peru tambem foi demorada a definitiva
solucao sobre os limites do Brazil, e aqui cabe louvar os
diversos ministerios que fizeram executar os trabalhos geo-
graphicos que nos deviam levar ao completo conhecimento
do rio Amazonas, seu curso e inflexoes, condieoes estas
indispensaveis antes da publicacao do decreto de abertura
do Amazonas ao commercio das diversas nacoes.

O ministerio que fez promulgar o decreto de abertura
foi presidido pelo Conselheiro Zacharias de Goes Vascon-
cellos sendo ministro de negocios estrangeiros Antonio Coe-
Iho de S^ Albuquerque. A data do decreto e de 7 de De-
zembro de 186G. No scguimento d'csta obra me occuparei
da abertura do Amazonas, agora porem so fallarei do que
respeita aos limites do Brazil com o Peru, que foram fixa-
dos da seguinte maneira no artigo 7." do tratado de 23 de
Outubro de i85i.

aPara prevenir duvidas a respeito da fronteira aludida
nas estipulacoes da presente convencao, concordam as al-
tas partes contractantes em que os limites do Imperio do
Brazil com a Republica do Peru, sejam regulados em con-
formidade do principio — uti-possedetis — , por conseguinte
reconhecem respectivamente como fronteira a povoacao de
Tabatinga, e d'ahi para o Norte cm linha recta a encontrar
o rio Yapura (') defronte da foz do Apaporis; e de Taba-
tinga para o Sul o rio Javary desde a sua conHuencia com
o Amazonas ».

Foram nomeados commissarios para dar comeco ds de-



(*) Japura ou Yapura.



Capitido I — A Ama:{onia 1 1

marca^oes, apresentando-se ocommissariobrasileirocapitao
tenente Jose da Costa Azevedo em 1861, ao passo que o
comissario peruano almirante Marialegui so em maio de
i863 compareceu, e nao tendo podido o governo do Brazil
concordar com as propostas d'este, foi elle substituido pelo
capitao de mar e guerra Carrasco, e pela parte do Brasil
outra vez mandado o mesmo official, tendo sido fixado e
reconhecido o Igarape Javary como ponto limitrophe, e a
linha que d'esse ponto parte em direccao ao meio da foz
do rio Apaporis e vae cortar a margem direita do rio Ja-
pura no logar em que foi plantado o marco, de cuja coUo-
cacao dou em seguida o termo de assentamento.

t Aos vinte e cinco dias do mez de Agosto do anno do
nascimento de N. S. Jesus Christo, de mil oitocentos e se-
tenta e dous, quinquagesimo segundo da Independencia da
Republica do Peru e quinquagesimo primeiro da emanci-
pacao politica do Imperio do Brasil, sendo chefe supremo
do Peru o Ex.""" Sr. D. Manuel Pardo, e governando o
Brasil como seu Imperador Constitucional e Defensor per-
petuo, S. M. o Sr. D. Pedro 2.®, reuniu-se na margem di-
reita do Japurd, no ponto que demora ao rumo verdadeiro
— 10® 20' 3o", 2 S. O. (dez graos, vinte minutos e trinta
segundos e dous decimos sudoeste) ao meio da foz do rio
Apaporis que Ihe fica em frente, a comissao mixta nomeada
por ambos os governos para demarcar a fronteira entre os
respectivos paizes, a qual se compoe dos seguintes senho-
res por parte do Peru F. F . . . e por parte do Brazil F.
F . . . Em virtude dos poderes de que se acham revestidos
e depois de todas as observacoes e calculos a que previa-
mente procederam, concordaram os ditos senhores commis-
sarios que a linha de fronteira estabelecida nos tratados
em vigor de 23 de outubro de i85i e 18 de outubro de
i858, partindo da nascente do Igarape Santo Antonio em
Tabatinga (ja solemnemente reconhecido por ambos os es-
tados como ponto limitrophe) e seguindo em direccao ao
meio da foz do rio Apaporis no rumo verdadeiro de 10°
20' 3b", 2 Nordeste, vem cortar a margem direita do rio



1 2 As Regioes Amaionicas

Japura no logar onde acabam de plantar este marco que
depois serd substituido por outro solido e definitivo na
mesma posicao e logar cujas coordenadas sao as seguintes:

Latitude iMi' 29", 5 Sul
Longitude 6cf 24' 66", 6 Oeste

E facil de encontrar em qualquer epocha este marco
porque do ponto em que esta coUocado demoram :

A ponta do Inhambii por 43°, 12', 3o" Sueste verda-
deiro, a ponta Nordeste da Ilha do Inhambii por 68® 19'
Sueste verdadeiro, e a ponta mais sul da Ilha do Veado
por 68** 19', 3o" Sueste verdadeiro, na distancia aproximada
de cem metros.



O marco e construido de (*)

Na face de Oeste tem a seguinte inscripcao:

ESCUDO DA REPUBLICA

LIMITE DO PERU

25 DE AGOSTO

1872

Presidente da Republica F



Na face leste, as armas do Imperio.

LIMITE DO BRAZIL

AGOSTO 25-

1872

Imperador do Bra\il
o sr. D. Pedro 2.^

Na face Norte Latitude i® 3i' 29", 6

Longitude 69** 24' 56",5

«Vem da vertente do Igarape Santo Antonio em Taba-



(') Este periodo omittido refere-se A madeira e forma porque
era construido o marco.



Capitulo I — A Ania\oma i3

tinga, atravessando o Rio lea, no ponto em que esta plan-
tado um marco identico.

N'esta occasiao sc fez adjudicacao das ilhas comprc-
hendidas n'esta parte do Rio,*de conformidade com as re-
gras estabelecidas, tocando ao Peru as de Sania, Piuirs,
Tambaqui e Acari, e ao Brazil as da Paxiuba, a do Veado
por cuja meia extensao passa a linha da fronteira que se-
gue d'alli ate d foz do Apaporis, pelo canal principal do
Japurd.

Para tornar mais solemne. . .(*)

Do presente termo lancado n'este livro serao tiradas
quatro copias, duas em castelhano e duas em portuguez,
as quaes depois de legalisadas com as competentes assi-
gnaturas do proprio punho, serao enviadas pelos commis-
sarios aos respectivos governos.

Com fe do que fica acima consignado, assignaram todos
o presente termo no mesmo dia e logar da cerimonia.

Manuel Ronan y Paz Soldan ...(*)

Antonio Luiz von Hoonholtz. . .(^)

Froylas Placido Morales.

Jose Candido Gurlobel.

Grcgorio Carlos Escardo.

Carlos Guilherme von Hoonholtz.

Dr. Luiz Carneiro da Rocha.

Bernardo Coronel. . .(*)

Carlos La Torre . . . (^)

Com a republica de Nova Granada foram entaboladas
negociacocs, que ficaram infructiferas, pois que as propos-
tas feitas pelo Brazil em i853 (25 de Junho) foram rccusa-
das, por isso cada uma das nacoes »tracou os seus limites



{}) O periodo omittido referia-se aos festejos e salvas dadas na
occasiao.

(2) Chefc da commissao peruana.
(^) Chefe da commissao brazileira.
(*) Commandante do vapor Napo.
(*) Immediato do vapor Napo.



14 As Regioes Amaionicas

conforme julgou ser do seu direito; e assim que segundo
a carta geral do imperio de i883 organisada pela commis-
sao de que era presidente o General Beaurepaire Rohan,
e o mappa minucioso do sr. Pontes Ribeiro, que muito es-
tudou o assumpto, temos as seguintes linhas para a demar-
cacao «da foz do Apaporis segue elle o curso d'este rio ate
a foz do Tarahyras ou Taraira, e por elle acima ate as
cabeceiras que ficao proximas a serra Aracuara, segundo
Pontes Ribeiro, ou Arara-Coara segundo Martius, e d'ahi
na direccao Leste ate encontrar o ponto em que comeca a
fronteira Venezuellana » .

Segundo o mappa columbiano, as linhas divergem bas-
tante das apontadas, pois que desde a foz do Javary, a
linha toma a direccao do curso do rio Amazonas ate o
furo Auati-parand por onde segue ate d lagoa Camapi;
d'ahi segue em rumo de Norte por uma recta que termina
na confluencia dos rios Negro e Cababuri, e por este segue
ate o serro Cupi, que faz parte da cordilheira que divide
as aguas entre os affluentes do Amazonas e os do Orinoco.
Mesmo para delimitacao completa com esta potencia seria
preciso resolver a questao pendente entre ella e Venezuella
sobre terrenos ao Oeste do Mamucht\ pois qiie sendo alte-
rada a fronteira que as divide, pode isso trazer uma com-
plicacao que o Brazil terd de resolver; prudentemente o
Brazil o que fez foi tratar com a potencia que estava de
posse d'aquellas terras, sem dar decisao antecipada sobre
OS direitos eventuaes de qualquer outra potencia, como em
seguida veremos pelo tratado ce^ebrado com Venezuella.
Pelo lado de Venezuella, o tratado em vigor de 5 de Maio
de iSSg prescreve em seu art.® 2.® a linha divisoria entre
as duas potencias pela forma seguinte: — Art.** 2." — i.® Co-
megard a linha divisoria nas cabeceiras do rio Memacht\ e
seguindo pelo mais alto do terreno, passard pelas cabecei-
ras do Aquio e Tomo, e do Guaiacia e Iquiare ou Issana,
de'modo que todas as aguas que vao do Aquio e Tomo
fiquem pertencendo a Venezuella, e as que vao ao Guia-
cia, Xie e Issand ao Brazil; e atravessard o Rio Negro de-



Capitulo I — A Amaiofiia i5

fronte da ilha de S. Jose, que esta proxima d pedra do
Cucuhy.

2.® Da dita ilha de S. Jose seguird em linha recta, cor-
tando o canal Maturacd na sua metade, ou no ponto que
accordarem os commissarios demarcadores e que divida
convenientemente o dito canal; d'alli, passando pelos gru-
pos dos morros Cupy, Imery, Guay e Urucuseiro, atraves-
sara o caminho que communica por terra o rio Castanho
com o Marari, e pela serra Tapirapeco buscara os cumes
da serra Parimd, de modo que as aguas que correm ao Pa-
daviri, Marari, e Cababoris fiquem pertencendo ao Brazil,
e as que vao ao Taruacd ou Yapa ou Hiaba d Venezuella.
3.** Seguird pelo cume da serra Parimd ate ao angulo
que faz esta com a serra Pacaraimd, de modo que todas
as aguas que correm ao Rio Branco fiquem pertencendo
ao Brazil, e as que vao ao Orinoco, a Venezuella; e con-
tinuard a linha pelos pontos mais elevados da dita serra
Pacaraimd, de modo que as aguas que vao ao Rio Branco
fiquem como jd se ha dito pertencendo ao Brazil, e as que
correm ao Essequibo, Cuyuny e Carony a Venezuella, ate
onde se estenderem os territorios dos dous Estados na sua
parte orientals.

E a mesma fronteira do tratado nao ratificado de 26
de Novembro de i852.

Foi por occasiao de se reunirem em 1879 as commis-
soes encarregadas de proceder d demarcacao da fronteira,
que o governo de Venezuella pretendeu que por um novo
tratado se rectifique a fronteira ajustada no anno de iSSg
de modo que o seu dominio se estenda por mais dous grdos
e meio a Oeste da nascente do Memachi, com o que o Go-
verno Imperial nao concordou. Na acta do levantamento
I do I." marco o commissario de Venezuella declarou nao

j abandonar elle o direito de tratar d'esta questao.

[ A linha estabelecida pelo tratado de 1869 nao foi so-

I; mente o resultado dos estudos dos brasileiros; uma aucto-

[ ' ridade de todos respeitada, a de Alex. Humboldt, que nos

* principios do seculo, depois de estudar a questao nas car-



i6 As Regioes Amaionicas

tas originaes de Portugal e Hespanha, a estudou nos pro-
prios logares, percorrendo os rios e territorios questionaveis,
voltando novamente a estudal-a em 1854 a pedido do mi-
nistro brazileiro Miguel M. Lisboa, expressa-se da maneira
mais formal sobre a proposta de limites offerecida pelo
Brazil, quando procurou celebrar negociacoes fixando as
fronteiras pelo tratado de 25 de Novembro de i832 que
nao foi rectificado.

Em uma extensa carta, M. de Humboldt felicita o Bra-
zil pela sua cordura em nao insistir em engrandecimentos
de territorios, e ter abandonado as incertezas que derivam
das expressoes vagas do tratado de 1777, adoptando o w/i-
posstdetis de 1810 e termina, depois de mostrar o bom
senso da convencao que depois constituiu o tratado de 1869,
dizendo: «Nada achei, senhor, em vossa convencao que seja
contrario ds no^oes geographicas que pude adquiriri>.

Quando um homem do valor intellectual do Barao de
Humboldt, depois de viajar por aquelles paizes, estuda a
questao uma primeira vez a pedido de Wellington, por oc-
casiao da paz geral, lavrando sobre ella uma memoria que
foi publicada na coUeccao diplomatica de School, e a estuda
segunda vez a pedido do Brazil por intermedio de seu ple-
nipotenciario, e conclue pela maneira que acima transcrevi,
quando elle n'essa memoria, alem do que estudou de visu^
apresenta outros testemunhos insuspeitos que confirmam a
sua opiniao, nao pode haver mais duvida de que as preten-
coes do Brazil eram justas e rasoaveis, e assim o entendeu
o governo venezuellano celebrando o tratado de Maio de
i85() rectificado pelo governo do Brazil em () de Setembro
de i85y c pelo de Venezuella em 3i de Julho de i860.

E se alguma coisa mais e precisa para justificar as pre-
tencoes brazileiras, serd a um distincto geographo vene-
zuellano que recorrerei, o sr. Codazzi, o qual sendo encar-
regado de tracar os limites do territorio venezuellano assim
se exprime;

aDeixamos detalhadas as fronteiras que uma longa e
pacifica posse entre nacoes limitrophes tem acostumado



Capitiilo I — A Amazonia 17



a respeitar, e n isto seguimos a opiniao do sabio Humboldt,
que assegura ter tido em suas maos os mappas manuscri-
ptos tracados em Lisboa e Madrid, e ter feito um estudo
particular da grande controversia diplomatica sobre as ope-
racoes intentadas pela commissao de limites; e por isso
que na demarcacao das frontciras politicas estd especifi-
cada toda a linha de accordo com os mappas e a obra
d'este celebre viajante, com excepcao somente quanto d
emboccadura do Repunune que tomamos por limite, pois
segundo as ultimas viagens de R. Shomburgk, alii estd a
serra de Maracapan de que falla Humboldt».

Em 1 855 foi commissionado o geographo venezuellano
Francisco Michelena y Rojas para fazer uma exploracao
official do Orenoco, Cassiquiari, Rio Negro e Amazonas,
trabalho que foi publicado em 1867, e tem valor real; infe-
lizmente na parte que respeita a limites do Brazil com to-
das as potencias limitrophes, ^ sua manifesta ma vontade
para com Portugal e Brazil, o fez ennunciar a proposicao
de que aem todos os tratados celebrados, o Brazil usando
de dolo, de md fe, ou de forca, arrancou a todas as nacoes
tratados a ellas nocivos, e so ao Brazil proveitosos»; quasi
toda a sua argumentacao se funda, na parte que respeita
a Venezuella, em querer tomar por base exclusiva de to-
das as negociacoes, o tratado de 1777 em vez do uti pos-
sidetis de 1810; e a sua argumentacao basea-se tambem
em negar as assercoes de Humboldt e de Codazzi dizendo
que nunca estiveram onde dizem ter estado, e em ter o
primeiro d'elles feito o trajecto em 75 dias, esquecido de
que as questoes previamente estudadas, e o fazer a viagem
depois de anteriormente disposta, podem com grande pro-
veito reduzir o tempo de navegacao effectiva a 75 dias com
muito mais proveito para a sciencia, do que aquelle que
colheram outros que menos instruidos e menos auxiliados,
viajaram durante annos por aquellas regioes.

Guyanas hollande\a e ingle^a. — Nem com uma nem com

outra d'estas potencias tem o Brazil celebrado tratado al-

gum de limites, e querendo ser verdadeiro parece-me pelo
3



1 8 As Regioes Amaionicas

que tenho lido e estudado que estd um pouco confusa a linha
de nossos limites. O que parece porem estabelecido em re-
la?ao a primeira e que, ou tomemos de conformidade com
o registro do forte de S. Joaquim datado de 1811 a fron-
teira brazileira seguindo o rio Repununi desde o rio Bacu-
ruil ate o Igarape Coatatd, ou acceitemos a linha menos
ambiciosa adoptada geralmente nas cartas brazileiras, de
ser designada a nossa fronteira pelas serras do Essar}'' ou
Uassary, Acarahy e Tumucuraque ou Tumucumaque, as
pretencoes inglezas marcando a sua linha pelos rios Su-
rurnii, e Tacutu entram largamente pelo territorio brazi-
leiro, e nao sao somente pretencoes pois que tratao de com
a posse afirmar ainda mais os seus direitos e assim o farao
se nos continuarmos a deixa-los socegadamente na posse
de tao grande porcao de terreno como o que abrange o
espaco entre as fronteiras que sustentamos e o rio Suru-
mu desde as vertentes da serra Pacaraim ate S. Carlos,
rio Tacutu acima ate d confluencia do Mahu e d'ahi ainda
seguindo o mesmo rio ate suas cabeceiras que elles repu-
tam ser as verdadeiras. Ja em i83() e i838 uma missao
dirigida por Roberto Xamburgue que por alii andou estu-
dando as localidades sem cmbaraco ou protesto algum, e
em i83c) um missionario methodista Thomaz Yond, esta-
beleceram uma missao nos campos que ficam entre o rio
Tacutu e as serras mais orientaes da Gordilheira, sendo
compellido a abandonar a missao por uma intimacao que
Ihe fez o carmelita Fr. Jose dos Santos Innocentes, missio-
nario no Rio Branco, por ordem do governo da provincia
que se transportou e situou na missao abandonada. Logo
depois appareceu um novo commissario mandado por Stenry
Light, governador de Dencerari, a cujas pretencoes ainda
o mesmo missionario brazileiro se oppoz, vindo ao Pard
dar parte das occorrencias ; a missao ingleza foi estabele-
cida na ilha chamada Camacari, perto do rio Pirarara, do
qual Ihe deram o nome, e proximo ao logar em que os ex-
ploradores portuguezes, geographos da exploracao manda-
dos em 1781, Ricardo Franco de Almeida Serra, e An to-



Capitulo I' 'A Ama\onia ig



nio Pires da Silva Porto encontraram facil passagem para
o Repunury ou Repununi, indo, das cabeceiras do Igarape
Pirarara pelos campos, ter ao outro Igarape Coatata de que
acima fallei, d'estc passando para o lago Jauaricarii de
onde seguindo as aguas sahiram no Repunury. E de notar
que annos depois em 1787 o illustrado governador da Ca-
pitania do Rio Negro, o coronel Manuel da Gama Lobo e
Almada, tao notavel pelos seus servicos como pelas ingra-
tidoes do governo que o levaram a deixar-se morrer, des-
cobriu outra passagem mais facil para o Repunurj^ pelo
Igarape Saraurii.

Nao quero discutir tratados, o que excederia os limites
que marquei a este livro, mas somente direi que tendo sido
por actos de 28 de Janeiro e 28 de Agosto de 1842 neu-
tralisado o territorio do Pirarara, o qual se estende para
muito longe d'este ponto, deve o governo brazileiro estar
prevenido de que a missao, estando coUocada dquem de 4**
de latitude Norte da cordilheira, limite natural que fora ad-
mittido, nao e observada a letra e o espirito dos tratados
anteriores. Ainda e de notar que, mesmo pelas plantas de
Xamburgue, nao estd precisada a linha de limites que a
Guyana ingleza quer, pois diversificao as opinioes entre o
limite marcado pel^ serra Pacaraima ou Pacaraina e Cuano-
Cuano e rio Parima do sr. Pontes Ribeiro, Parind das car-
tas da demarcacao de 1781. Qualquer que seja o adoptado,
ficara a missao do Pirarara dentro d'elle, o que e um ab-
surdo, pela sua posicao em opposicao aos limites admitti-
dos e que nos antigos tempos foram defendidos a custa do
sangue portuguez. Hoje alii existem, segundo ainda nao ha
muito fui informado, missionarios inglezes que cada vez se
vao mais adiantando pelo nosso territorio, e espaliiando o
uso da lingua ingleza.

Os nossos limites com a Guyana hollandeza estao ainda
por marcar, acceitando, sem acto que o assegure, as car-
tas do Imperio, hoje Republica, a serra Tumucuraque como
linha divisor ia.

Limites com a Guyana France\a, — Seria tarefa inter-



20 As Regioes Ama\onicas

minavel se eu quizesse aqui tratar dos nossos limites com
a Franqa ; e esta creio eu a questao de limites a mais an-
tiga das que existem sem solu^ao definitiva e sobre a qu^l
muitO'se tern escripto ('). O mappa official do Imperio
marca os limites de conformidade com os titulos e poste-
riormente com os tratados pela seguinte forma «a linha
divisoria pelo rio Oyapoc, Japoc ou Yapoc, ou Oyapock,
entre 4® e 5® Norte seguindo este ate suas cabeceiras, e
d'estas para a serra Tumucuraque. A Franca porem es-
tende as suas pretencoes hoje ate o rio Araguary; em
virtude da tenacidade de ambas as partes em sustentar
seus direitos aquillo que julgam de sua legitima proprie-
dade^ discussao que dura ha dois seculos e ameaca ainda
prolongar-se indefinidamente, os dois governos neutralisa-
ram o territorio contestado chamado do Amapi, mas nem
por isso tem deixado a Franca, com detrimento do Brazil,
de continuar por todas as formas a fazer sentir sua in-
fluencia n'esses terrenos.

Nao posso, sendo paraense e por isso mais do que os
outros brazileiros directamente interessado na questao, dei-
xar de dar uma succinta ideia d'estas discussoes. A obra
do sr. J. Caetano da Silva e o fecundissimo manancial em
que se encontra com a maior clareza e amplidao tudo
quanto a respeito se tem avancado ou escripto, mas nao
podendo estender-me muito, serd d memoria escripta pelo
conselheiro Tito Franco de Almeida em 1884, que e mais
concisa, onde irei mais especialmente buscar o resumo que
em seguida faco dos direitos do Brazil aos limites que sus-
tenta, de preferencia ao que eu mesmo escrevi sobre a



(*) Sobre este assumpto consulte-se a obra magistral do sr. J.
Caetano da Silva t^V Oyapoc y^) em que se encontra tudo o que se tem
escripto a respeito — Baena, memoria escripta em 1846 — Memoria pu-
blicada por A. de M. Vasconcellos de Drumond na Corographia de Mello
Moraes. — Uma memoria pelo dr. Tito Franco de Almeida, publicada
na revista Amazonica, Para, 1884 — Um protesto, folheto pelo Barao
de Maraj6, Lisboa, 1884, refutando as ultimas preten96es da P'ran^a
ennunciadas por Mr. Deloncle na Revue- Sud-Americaine.





Capitulo I — A Amazonia 21

materia em resposta a Mr. Deloncle, por me parecer que o
trabalho do sr. Tito Franco e mais methodico e completo
do que o meu que foi escripto d prcvssa dia a dia para res-
ponder aos artigos do citado auctor, e sem ter livros que
consultasse.

Na epocha anterior aos tratados encontra-se os titulos
que provam o direito do Brazil ao terreno contestado. O
primeiro titulo expedido, durante a dominacao dos Filippes
e de 14 de Junho de 1637; consiste elle na carta de doa^ao
feita a Bento Maciel Parente da capitania do Cabo do
Norte com 3o ou 40 leguas pela costa do mar contadas do
dito cabo ate o rio de Vicente Pinson, onde entra a re-
particao das Indias do Reino de Castella. «Este' rio chama-
do .pelos europeus Vicente Pinson, e o que os naturaes
chamam Oyapoc e demora a 40 legoas do Cabo do Norte ».

Em 9 de Julho de 1645, confirma D. Joao IV de Portu-
gal a doacao feita a Bento Maciel. Parente repetindo as
mesmas palavras.

A Franca por seu lado tambem em i633, em 1640 e
em 1 65 1 concede a diversas companhias que naufragam, o
territorio da Guyana toda com o nome de Franca equino-
cial; na ultima concessao, concedia ella a terra firme do
Cabo do Norte desde o rio Amazonas inclusive ate o Ore-
noco.

Em 1 665 a Franca reconhece pela bocca do governa-
dor de Cayena que a Guyana Franceza so tem 80 leguas
desde o Cabo de Orange ate o Maroni.

Em 1 700 a Franca e Portugal fazem o primeiro tratado
sobre as terras do Cabo do Norte entre Cayena e o rio
das Amazonas, com caracter provisorio e suspensivo, para'
evitar discordias em quanto se nao determinava definitiva-
mente o direito das ditas coroas.

Em 18 de Junho de 1701 um tratado, tornando defini-
tivo e perpetuo o que pelo de 1700 era provisional e sus-
pensivo; este tratado nada adianta quanto a questao terri-
torial, e a sua leitura mostra que dous nomes Oyapoc e Vi-
cente Pinson continuavam a ser dados a um mesmo rio.



22 As Regtoes Amaionicas

Em 1703, o tratado de allian<;a entre o Imperio romano,
Inglaterra e Paizes-baixos com Portugal estipula que elles
nao farao a paz com a Franca sem que ella abandone suas
pretencoes ds terras adjacentes ao Cabo do Norte, e aos
territorios Juntos ao Maranhao, os quaes ficam entre o rio
Amazonas e o de Vicente Pinson, nao obstante quaesquer
tratados provisorios ou definitivos.

E celebrado afinal o tratado de Utrecht em 1 1 de Abril
de 1 713 e n'esse documento se le que sua Magestade
Christ ianissima desistird para sempre como presentemmte
desistCj par este tratado^ pelos termos mats fortes e mat's au-
thenticoSy e com todas as claustdas que se requerem, de todo
e qualquer direito e pretencdo que pode ou poderd ter as
terras chamadas do cabo do Norte^ e situadas entre o rio
das Amazonas e o do Yapoc ou Vicetite Pitison.

No artigo 10.** ainda se encontra o seguinte: ^S. M.
Chr, reconhece pelo presente tratado que as duas margetts
do rio Ama\onaSy assim meridional como septentrional^ per-
tencem em toda propriedade dominio e soberania a S. M.
P,j e promette que nem ella nem seus descendentes^ succes-
sores e herdeiros^ farao jamais alguma pretenfdo sobre a
navegacdo e uso do dito rio com qualquer pretexto que seja.

No artigo ii.° €Da mesma maneira cede todo o direito
que podesse ter sobre algum outro dominio de S. M. P.^
tanto na America como em qualquer outra parte do muttdo,

Convem nao deixar esquecer, para se nao argumcntar
com prioridade de dominio, que havendo o tratado de 1713
reconhecido os limites marcados nos titulos de 14 de Julho
de 1637 e de 9 de Julho de 1646, o governador do Pard
mandou em Outubro de 1723 o capitao de infanteria Joao
Paes do Amaral, bem escoltado para descobrir o marco
ou padrao que o imperador Carlos V mandara collocar
na foz do rio Oyapoc.

Dous mezes depois voltou a expedicao, tendo encontrado
o padrao que era de marmore branco, tendo uma legenda
na parte immediata ao plinrto, datada de i543, que decla-
rava abalisar os dominios da Hespanha dos de Portugal ao



Capitulo I — A Amazonia 23

Oeste do meridiano da ilha de Santo Antao que e a mais
septentrional do archipelago de Cabo Verde, segundo a li-
nha de demarcacao determinada em Tordesillas no anno
de 1494, e confirmada pelo papa Alexandre VI.

Apesar de tao solemne reconhecimento dos direitos de
Portugal, em 1777 a Franca manda estabelecer uma mis-
sao em Mayacare na latitude Norte de 2®, 25'; e depois em
1778, o porto do Conani em 2**, 5o' de lat. N. ; e em 1782
o forte Vicente Pinson no Carapaporis lat. i^, 46'; e em
1783 o posto militar de Macari. De todos estes logares po-
rem forao os francezes desalojados.

Em 1797 novas tentativas diplomaticas sao feitas para
alterar OS limites marcados pelo tratado de Utrecht, to-
mando o Calcoene como divisa.

Em 1 80 1 um novo tratado e feito sob mediacao de Hes-
panha, pelo qual os limites sao o Arauary (Araguary). Isto
e, da parte acima do Cabo do Norte que escolhera em 1797,
passa agora para a parte abaixo do mesmo cabo, aproxi-
mando cada vez mais do Amazonas, seu final desideratum.

A 29 de Setembro do mesmo anno ajusta-se em Ma-
drid outro tratado em que era tomado como limite o Ca-
rapanatuba que se lanca no Amazonas ; ainda mais uma
vez o fim que a Franca teve em vista e bem claro : en-
trar no Amazonas como possuidora de uma de suas mar-
gens.

Depois temos o tratado de paz da Franca com a Ingla-
terra do r.** de Outubro de 1801, e e declarado no seu
art.^ 6." que os territorios de S. M. Fidellissima serao man-
tidos na sua integridadc ; mas em um artigo secreto se de-
clara que o art. 6.° nao impede ou poe obstaculo aos ajus-
tes da Franca e Portugal para os limites dos seus territo-
rios da Guyana, comtanto que esses limites nao excedam
OS do tratado de Badajoz de 6 de Junho de 1801.

Em 1808, declarada a guerra d Franca, manda o capi-
tao general do Parii Jose Narciso de Magalhaes e Menezes
uma expedicao contra Cayena que e tomada a 14 de Ja-
neiro de 1809 pelo coronel Manuel Marques.



24 As Regioes Ama^onicas

O tratado de paz celebrado em Paris em 3o de Maio
de 1 8 14 consigna a seguinte disposicao. «S. A. Real o
principe regente de Portugal e dos Algarves (art. 10.*^) em
consequencia dos arranjamentos feitos com os seus aliados,
e para a execucao do art. 8.", se obriga a restituir a S. M.
Chr., dentro do pra?:o adiante estipulado a Guyana Fran-
ceza, tal qual existia no i.^ de Janeiro de i792». Fazendo
o effeito d'esta estipulacao reviver a contestacao existente
n'aquella epocha a respeito d6 limites, fica convencionado
que esta contestacSo serd terminada por um arranjamento
araigavel entre as duas cortes, debaixo da mediacao de
S. M. Britannica.

Nao sendo porem ratificado este tratado pelo principe
regente, a sua attitude energica consegue que pelo i.® art.
secreto addicional ao tratado de Vienna de 22 de Junho de
181 5 seja estipulado o seguinte: «S. A. o principe regente
de Portugal se obriga a adoptar as medidas necessarias
para realisar immediatamente o art. 10.^ do tratado de Pa-
ris que estipula a restitui^ao da Guyana Franceza a S. M.
Chr.; e S. M. Britannica promette a sua mediacao segundo
o conteiido do referido artigo, para obter quanto antes, um
amigavel arranjo da disputa existente entre S. M. Real o
Principe regente de Portugal e S. M. Christianissima
quanto ds fronteiras de suas respectivas possessoes d'aquelle
lado, em conformidade do disposto pelo artigo 8." do tra-
tado de Utrecht.

Depois de novos esforcos para mais claramente serem
garantidos nossos direitos, e obtida a convencao de 1 1 e
12, de Maio em que se diz :

Art. 2.^ «Querendo S. A. Real manifestar do modo
mais evidente a sua consideracao para S. M. Luiz XVIII, se
•obriga a restituir, e dcclara que restitue d dita magestade,
a Guyana franceza ate o rip Oyapoc, cuja embocadura estd
entre 4 e 6 graos de latitude Norte, limite que Portugal
sempre considerou ser o que havia sido fixado pelo tratado
de Utrecht. A epocha para a entrega d'esta colonia a
S. M. Chr. serd determinada logo que as circumstancias o



Capitulo I — A Ama\onia -ib

permittam, por uma convencao particular entre as duas cor-
tes. Proceder-se-ha amigavelmente, logo que possa ser, &
fixacao definitiva das Guyanas portugueza e franceza na
conformidade do sentido preciso das estipulacoes do art. 8.®
do tratado de Utrecht».

Esta solucao e lancada no art. '107.° do acto geral do
congresso de Vienna de i5 de Junho seguinte.

Depois de muitas negocia96es, recusando a corte de Por-
tugal a entrega de Cayena sema fixacao de limites de ac-
cordo com a Franca, pois que a esse tempo jd o governo
francez dizia que os limites ultimamente indicados no acto
geral de Vienna eram provisorios, a energia do governo
portuguez alcanca a convencao de 28 de Agosto de 181 7,
em que e estipulado :

i.^ «Que S. M. F. achando-se animada do desejo de
por em execucao o art. 107.^ do acto do congresso de
Vienna, obriga-se a entregar a S. M. Chr., no prazo de tres
mezes, ou antes se for possivel, a Guyana Franceza ate o
rio Oyapoc cuja embocadura esta situada entre 4 e 5 graos
de latitude septentrional, e 322.^ de longitude a Leste da
Ilha do Ferro pelo parallelo 2° 24' de latitude septentrio-
nal 9.

2.® «Que ambas as partes procederao immediatamente
a nomeacao e expedicao de commissarios para fixar defini-
tivamente os limites das Guyanas portugueza e franceza,
conforme o sentido preciso do art. 8.® do tratado de Utre-
cht, e as estipulacoes do acto do congresso de Vienna; os
ditos commissarios deverao terminar os seus trabalhos no
prazo de um anno, o mais tardar, da data do dia de sua
reuniao na Guyana. Se expirado esse termo de um anno,
OS ditos commissarios respectivos nao conseguirem vir a
accordo, as- duas partes contractantes procederao amigavel-
\ mente a um outro arranjamento, debaixo da mediacao da

} Gra-Bretanha e sempre na conformidade do sentido preciso

f do tratado de Utrecht, concluido sob a garantia d'aquella

i potencia».

■ Excusado e dizer que apezar de tao clara e precisa de-

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26 As Regioes Ama'{onicas,

terminacao do Oyapoc, as coisas permaneceram no mesmo
estado, apesar de ser entregue a Franca a sua colonia.

De entao em diante comeca uma incessante propaganda
da Franca no sentido que sempre te ve em vista ; as memo-
rias succedem-se umas ds outras. Mr. de Larne em 1821,
Saint Amand em 1822, Dermont em i823, sustentam um
apos outro as pretencoes francezas.

A par das memorias escriptas, as tentativas para se
apoderarem de differentes posicoes, seguem-se umas ds
outras, apoiadas ate por declaracoes de difterentes minis-
tros ao parlamento francez, fazendo occupar o Mapd
(Amapa), no que e repellido pelo presidente do Pard em
uma nota clara e energica, nota que e respondida com ama-
bilidade, mas querendo sustentar os limites do tratado de
Amiens.

Os nossos diplomatas reclamam em i838 a evacuacao
do territorio occupado, mas sem resultado; ate que em 10
de Julho de 1840 e evacuado o forte do Amapd.

Em 1854 e declarado neutro o terreno litigioso como
declarara o nosso pouco digno de louvor ministro plenipo-
tenciario em Paris em 1841.

Em 1 855 e nomeado nosso plenipotenciario o visconde
de Uraguay, com plenos poderes para poder terminar a
questao, em que com infelicidade comeca por concordar
com o plenipotenciario francez. «Que o art. 107.® do tra-
tado de Vienna nao prejudica a negociacao, cuja base
accrescenta, assenta na interpretacao do tratado de Utre-
cht ».

Para nao ser prolixo, terminarei dizendo que o nosso
plenipotenciario nao chegou a accordo com o plenipoten-
ciario francez, isto nao obstante as concessoes de terreno
que proposera, taes que Portugal nunca as quizera acceitar
quando propostas pela Franca, e muito menos propor!

A propaganda de Mr. Carrey, Montravel, d'Avezac, Le
Roy e outros continua, chegando as pretencoes da Franca
a querer chamar a si toda a parte da margem esquerda
do Amazonas e costa do cabo do Norte, de modo a asse-



Capitulo I — A Ama:{onia 27

nhorear-se de todo o territorio desde Cayena ate o Rio
Negro.

A Franca nao manda ainda os seus commissarios, nao
obstante os commissarios brazileiros se conservarem nos
territorios contestados, por largo tempo, do que o governo
da conta as camaras em seu reiatorio de 1861, enumerando
as propostas feitas peio nosso plenipotenciario rfm i855,
de cessao de territorio.

Em 1866 e aberto o Amazonas a navegacao estrangeira;
a Franca pode livremente navegar o Amazonas, mas ate
hoje nao se tem apressado a fazel-o deixando que somente
a Inglaterra estabeleca carreiras regulares de vapores entre
a capital do Amazonas (Manaos) e Liverpool e New- York.

A propaganda nao tem porem cessado. Em 1874 e Mr.
Deloncle que a continua, concluindo seus argumentos pela
declaracao que aquelles territorios ricos e extensos assegu-
rariam d Franca um dominio florescente e proveitoso e que
cumpria pois tomar posse d'elles.

Em 1888 apparece a tentativa de uma minuscula repu-
blica de 5oo habitantes proclamada nas terras do Conani
no territorio contestado e debaixo da influencia franceza.
O facto e curioso: em 26 de Outubro de 1886, o capitao
nomeado pelo Brazil, e que se intitulava'chefe da Capita-
nia da Guyana independente, Trajano Cipriano Benito, em
seu nome e, dizia elle, em nome dos principaes negocian-
tes do Conani e da maior parte dos habitantes, apresen-
tou-se na mairie de Cayena pretendendo legalisar, ou fa-
zer reconhecer, a sua assignatura em um documento que
era escripto em papel sellado francez.

O documento entre outras coisas dizia que Mr. Julio
Gros, homem de lettras, domiciliario em Vanoes (Sena),
tinha sido proclamado presidente vitalicio da Republica da
Guyana independente, e que esta nomeacao tinha sido feita
por unanimidade em mais de dez reunifies publicas.

Este grupo de gente residente no Conani a principio
era formado por escravos fugidos, criminosos, desertores
com quem tinham contacto alguns regatoes; depois nao



28 As Regioes Amaionicas

sendo incommodados nem pela Franca nem pclo Brazil,
cresceu o seu numero, e alguns pequenos industriaes alii
abriram casas de venda; e calculado o numero dos habi-
tantes em 600 pessoas.

Na obra recente de Mr. Coudreau — A Franca Equato-
rial — elle assevera que estes habitantes do Conani que-
riam sen governados pela Franca; eu porem que conheco
OS nossos sertanejos tao bem como Mr, Coudreau, creio
que o que elles mais estimam e nao serem governados por
ninguem. A nomeacao ou eleicao de Mr. J. Gros, cujo
nome nao havia motivo algum que recommendasse d po-
pulacao do Conani, de certo foi lembrada A boa fe d'aquella
gente rustica; o mesmo Mr. Coudreau, estou inclinado a
crer que nao foi extranho d proclamacao republicana, pois
que em sua obra declara que em suas maos plebiscitaram
OS habitantes; e nao sou tao ingenuo que nao pense que
tendo elle ganho no Conani bastante influencia para ser
constituida urna plebiscitaria, nao desse n'este um ligeiro
empurrao em favor da Franca, creando o presidente Gros,
que, como este declara em seus escriptos, so cuidava de dar
uma possessao a Franca, que por seu lado se nao descuida
de manter sua influencia n'aquellas regioes, fazendo-as
visitar pelo sou prefeito apostolico^ que alii tem chrismado.

Ultimamente algumas correspondencias publicadas por
Mr. J. Gros no Boletim da Sociedade de Geographia Com-
mercial de Paris tem mostrado que o documento de que
acima fallo nao foi legalisado, mas uma copia foi tirada e
remettida para Franca ao ministerio respectivo, e o motivo
do nao reconhecimento foi nao ser Trajano cidadao fran-
cez. Tendo porem aquelles factos cahido no dominio do jor-
nalismo francez, tornou-se o Sr. Gros, os seus ministros,
as suas ordens honorificas, e a sua republica objecto de
rnonumental cacoada, gorando um contracto que M. Gros
queria fazer com um syndicato inglez que Ihe devia fornc-
cer fundo para o estabelecimento da republica. Segundo
porem assevera Mr. Gros, o vsyndicato, rompendo com elle,
nem por isso dcixou de mandar para o Conani homens



Capitiilo I — A Amaionia 29

armas e diiiheiro, e se isto e verdade nao me causard ad-
miracao o saber qualquer dia que alii estd desfraldada a
bandeira ingleza o que serd serio pois sabemos que a Gra-
Bretanha difficilmente larga aquillo a que uma vez lancou
a garra.

O actual governo da Republica brazileira cm maio de
1890 mandou aos territorios contestados uma commissao
de engenheiros estudar a questao da colonisacao da Guyana
brazileira.

Eis o estado das seculares discussoes dos limites do
Brazil com a Guyana Franceza.

Ve-se pois d'este resumo do muito que se tem escripto
sobre os limites do Brazil pelo Norte, com os diff'erentes
paizes que Ihe ficam proximos, que com a maior parte
d'elles, bem longe estd de ser definitivamente tracada a
linha que marca as respectivas possessoes, pois que com
o Peru e Bolivia ainda temos duvidas, que no futuro quando
definitivamente niarcados os limites, terao de ser decididas
ou com uma ou com ambas estas potencias. Tambem com
o Equador, Columbia e Venezuella existem pontos impor-
tantes a decidir, e com as Guyanas hollandeza e ingleza a
ausencia de tratados tem dado logar, especialmente com a
Guyana ingleza, a duvidas que se vao traduzindo mansa-
mente, e por suas missoes terem invadido grande zona de
territorio brazileiro.

Quanto a Franca a secular questao de limites parece
interminavel pela expansao cada vez maior que ella apre-
senta em suas pretencoes, e cabe aqui notar que ella que
se queixa de que a AUemanha em seus mappas incluia nos
territorios do Imperio allemao uma zona que constituia
parte da Franca, (isto antes de 1870) nao hesita usar com-
nosco de egual proccdimento, pois que em seus mappas
modernos indue no territorio francez, toda a parte contes-
tada e tornada neutra.

Recentemente, noticias chcgadas dos territorios do
Amapa e de outros pontos dizem-nos que no rio Calsoene
ou Carsevene, como Ihc chamam os francezcs, tem sido des-



3o As Regioes Ama\onicas

cobertos abundantes jazigos de ouro, e algum d'este metal
alli recolhido tern sido vendido na Vigia e no Pard;, este •
facto tern occasionado como em todos os pontos em que
se encontra ouro affluencia de gente de toda a qualidade.
Das informacoes que tenho obtido o numero de pessoas
que para alli affluiram e de cerca de trez mil, sendo a maior
parte gente de Cayena; mas alem d'estes tambem alli se
encontram inglezes e hollandezes, assim como brazileiros
dos que habitam aquella costa, ainda que em pequeno nu-
mero.

Das informacoes que colhi sube que nao sao propria-
mente minas de ouro que existem no Calsoene, o ouro
acha-se com a areia a grande distancia da costa, e parece
que com os trabalhos que alli tem feito a parte das areias
em que se encontrava o ouro apenas forma uma camada
pouco espessa que estd quasi esgotada. Fallam em um ou-
tro rio interior chamado Sirene ou Serene onde tambem
encontraram ouro mas tao insalubre que os que iam em
procura do ouro o abandonaram. De Cayena estabeleceram
jd para o Calsoene um servico de embarcacoes; mas tam-
bem brazi4eiros alli tem ido com barcos e tem negociado,
e o Governo do Para jd para alli estabeleceu uma linha
mensal de vapores. Convem porem dar maior incremento
aos elementos brazileiros alli existentes, emcompensacao
a maneira porque os jornaes Figaro e Debates publicados
em Paris tratam d'este assumpto, por forma que dir-se-hia
que taes terrenos sao propriedade exclusiva da Franca e
que nem mesmo Ihes e contestada.

Limites entre o Para e Ama^^onas. — Embora este meu
trabalho se refira a ambos os Estados Amazonicos nao
posso deixar, hoje que elles administrativamente estao se-
parados, de dar noticia de quaes os limites que actualmente
OS separam; e sao elles os seguintes:

O rio Nhamundd, Jamunda ou Yamunda, a serra dos
Parintins de onde parte uma linha recta ate a margem do
Tapajos em frente a contiuencia do rio das Trcs Barras
sao OS limites pelo lado do Para; e pelo lado de Matto-



Capitulo I — A Amazonia 3 1

Grosso o rio Giparana ou Manhado, affluente do rio Ma-
deira, o Tapajos desde a emboccadura do Tres Barras ate
A confluencia Uruguatds ou Oreguatus conforme a carta de
Martius, affluente da margem esquerda do Tapajos, e que
em algumas cartas mesmo portuguezas como em uma do
Brazil em 1816, embora exacta em muitos pontos, vem
marcado como affluente da margem direita do Madeira.

Estes limites sao os mesmos que eram dados d Capi-
tania de S. Jose do Rio Negro, quando eila fazia parte da
provincia do Pard.

O clima n'estas duas provincias pouca diflFerenca offe-
rece; ambas estao cortadas por um sem numero de rios
importantes offerecendo uma vasta superficie d evaporagao
de suas aguas e pbr isso um forte grdo de humidade que
entretanto nao da os resultados perniciosos que Ihe pode-
riam ser attribuidos, porque o calor do sol lanca logo para
as camadas superiores esses vapores que sao transporta-
cfos para longe pelos ventos dominantes de Leste e Nor-
deste.

Maury com sua aguda observacao e prolongados estu-
dos fixa bem as condicoes climatologicas da Amazonia e
as razoes que as determinao. Diz elle «que nao ha paiz
tropical algum que na regiao dos ventos geraes, tenha a
barlavento tao grande extensao de mar; assim as costas
dos Estados Unidos, da China, e a oriental da Nova Hol-
landa tem os ventos em direccao parallela d sua ; a costa
de Africa ainda que oflerecendo em sua disposicao alguma
analogia com a de que tratamos, nao tem uma tao grande
extensao de mares de onde Ihe venha uma grande massa
de vapores que possao alimentar rios poderosos, nem os
ventos geraes, que sobre ellas actuao, tem a duracaoc ons-
tante que tem na America do Sul; por estas consideracoes,
conclue o sabio geographo, ha sempre um tempo agrada-
vel, apesar de em certas epochas haverem frequentes
aguaceiros».

De facto a existencia de inumeros e importantes rios,
e suas cheias'periodicas mantem uma humidade que re-



3 '2 As Regioes Ama\onicas

fresca, e depois e attenuada pelo ardor do sol, que os ven-
tos geraes vem a seu turno modificar. As grandes cheias
fertilisam grandes porcoes de terreno em suas margens, e
a humidade que d'esses terrenos cobertos pelas aguas se
levanta impellida pelos ventos, vae refrescar os terrenos
mais elevados.

A saude publica nas duas provincias tanto quanto se
pode ajuizar em um paiz no qual quasi nao ha estatistica
de genero algum que possa servir de guia, e boa, e Baena
na sua muito util e ieteressante obra, Etisaio chorogt*aphico
sobre o Pard^ assevera que em i83i, as listas parochiaes
das villas de Ourem, CoUares, Oeiras, Arraialos, Maza-
gao, Pombal, Monte-Alegre, Santarem, Villa Franca, Obi-
dos, Souzel da comarca de Belem, da villa de Monforte
comarca da Ilha grande de Joanes, e das villas de Serpa,
Silves, Moura, Olivenca e dos logares de Manes, Villa
Nova da Rainha, Barra, Alvaraas da comarca de Rio Ne-
gro e das freguezias da cidade, de Bemfica de Abaete, de
Bojarii, do Capim e de Igarape-mirim, todas ofFerecem um
total de 36 homens e 3o mulheres cujas idades variam en-
tre 90 e 100 annos.

Sendo formado o primeiro grupo por 12 indios 11
brancos, 8 escravos pretos, 2 mamelucos, 2 carofuscas ou
carafuses, i mulato; o segundo grupo por i5 indias, 7
brancas^ 3 pretas, 3 mamelucas, 2 mulatas ; e no livro dos
obitos da Igreja de Cajari, filial da de Mazagao, se acha
consignado o obito de uma india com a edade de 200
annos.

Ora attendendo ao pequeno numero de habitantes que
entao tinham e ainda hoje tem a maior parte dos logares
indicados, nao deixam aquelles numeros de depor em fa-
vor da salubridade d'aquellas regioes, sem que comtudo
eu queira dizer que algumas localidades, devido isso talvez
as disposicoes peculiares d'ellas, sao mais ou menos insa-
lubres.

A fama que se tem espalhado especialmente no Sul do
Brazil do geral mau estado de saude no Pard me obriga a



Capitulo I — A Ama{oma 33

mais algumas palavras, e ao testemunho de Baena a que
acabo de recorrer accrescentarei os de H. Smith, Brown,
Lindstonne, Bates e Agassiz, que recentemente em suas
obras combatem essa infundada crenca.

Bates formula a sua admiracao pelo facto observado de
que nas proximidades de um estuario como o do Amazo-
nas, em um clima tropical, as doencas nao tomem muito
mais largas proporcoes, e adduz o testemunho de estran-
geiros que, diz eile, apezar de uma residencia, conservam as
suas boas cores; quanto ao calor, elle e forte mas todos e
eu com elles affirmam que nunca eile e tao opressor como
no verao em Nova York, e accrescento eu, que tanto tenho
via) ado, nem como os mezes de Janeiro, Fevereiro e Mar(;o
no Rio de Janeiro em que o thermometro marca 38*^ e 39°,
nem como Julho e Agosto em Portugal e Hespanha, onde
OS segadores cahem abafados pelo calor, em que mesmo
OS passaros cahem em seu voo e em que o thermometro
chega a 37® centigrados como observei em 1857 nomezde
Agosto.

Sustento, sem me deixar influenciar pela predileccao
que tenho por estas duas provincias, que se nao pode Ian-
car sobre ellas um anathema de insalubres por que alguns
pontos d' ellas apresentem effectivamente molestias persis-
tentes; e affiirmo-o por que vejo 10 ou 12 jornaes de to-
dos OS credos politicos afirmarem n'aquellas provincias que
taes molestias sao devidas mais ao pouco cuidado que tomam
as classes menos abastadas em algumas medidas hygieni-
cas elementares, e a pouca sollicitude dos poderes geral,
provincial e municipal em remover por meio de medidas
adquadas essas causas de insalubridade de todos conheci-
das, do que a insalubridade das provincias.

Da mesma forma no interior da provincia, as molestias
que mais communs se apresentam sao todas de origem
palustre e nao podem deixar de apresentar-se, attentos os
habitos da maioria da populacao.

Estabelece ella moradas que realisam o dito do poeta,

omnis ventis aperta^ collocam-nas d beira do rio sobre o es-
5



34 As Regides Ama\omca$

paco que na mare cheia e invadido pela agua, e que na
mare vasia com o calor, e um vasto local em que se deter-
minam fermentacoes putridas de materias organicas de ori-
gem vegetal e animal; eniretanto, a pouca distancia lem
terrenos seccos em que se nao reunem estas circumstancias
prejudiciaes. O costume de procurar habitar a margem do
rio, sobre e!!e ate se e possivel, e inherente a toda a nossa
gente do interior, especialmenle aos que rem sangue indio.
E inutil dizer-!he que os nevoeiros que se levantam de
nouie sobre o rio sao nocivos, que o excesso de huraidade
o e egualmente; o costume, a tendencia natural, podem
mais do que tudo, e as molestias que os acabrunham, por
sua culpa, sao lan^adas A coma de insalubridade do paiz.

Hebert Smith diz em sua obra: » Percorri o Amazonas
durante quatro annos e nunca tive uma febre, apanhei-as
porem em tres dias que estive no Ohio, nos Esiados Unidos* .

Em gera! pode-se affirmar que as provincias do Pari e
Amazonas nao merecem a fama de insalubres que Ihe tern
feito; somente nas proximidades dos terrenos baixos em
que a agua fica estagnada, ou d'aquelles espacos em que
a vasante annual dos rios deixa terrenos alagados com
muitos vegetaes em macera^ao, e que apparecem as febres
com caracter endemico, mas sua manifestacao raras vezes
toma o caracter pernicioso. Para as molestias que atacam
OS filhos ou habitantes d'estas provincias, concorrem alem
da pessima escoiha de local para residencia, o beberem
agua tirada ^s vezes de lagos, cujas aguas, cada vez dimi-
nuindo mais pela evaporacao e tendo muitos vegetaes em
fermenta^ao dentro de si, sao forcosamente uma causa de
doen^as, alem da md alimentacao que os nao fortifica.

As molestias dos pulmoes sao relativamente raras, e
nao poucos casos se apresentam de individuos tuberculosos
nos quaes as cavernas parecem ter estacionado ou cicatri-
sado e que vivem depois dez, quinze e vinte annos.

O Tapajos offerece a observacao de serem frequentes
em suas margens os casos de pessoas atacadas de mor-
phea, quasi sempre da que tem o aspecto leonino, havendo



Capitulo I' A Ama\onia 35

porem alguns casos da que chamam lepra secca, mas fora
d'este so poucos casos apparecem de tal molestia.

Na provincia do Amazonas uma outra molestia se apre-
senta em algumas nacoes de indigenas e que e conhecida
com o home de puru-puru, o que quer dizer pintado, e e
de notar como diz o sr. J. E. Wappaeus, que o estudo
d'esta singular molestia vem mostrar a identidade entre al-
gumas tribus indigenas do Amazonas, sob o ponto de vista
nosologico, e os antigos habitantes do Mexico, pois com-
parando-se a purii-puru, com a molestia que ainda hoje alii
existe com o nome de tnal del pinto e a que foi encontrada
pelos europeus no Mexico em epochas muito distantes (*);
ve-se ser ella a mesma que descreve Polanco no seu Dic-
cionario Encyclopedico, Mexico, 1760, e Hernandes na sua
De historia plantarum Novce Hispanice^ pag. 374. Nos
estados de Tobacco, e Chiapas, e charhado tinha^ e nos de
Michoacan e Jalisco Jiricua; na Columbia Ihe dao o nome
de carate e o doutor Leon a denomina Syphispyloria
thelodermica,

O meu comprovinciano o estudioso Dr. Francisco da
Silva Castro diz a este respeito em carta que dirigiu ao sr-
Dr. Jose Lourenco de Magalhaes, o seguinte : « O puni-
purii nao e mais do que uma alteracao do pigmento cuta-
neo. A pelle de amarellada que e entre os indios, vae-se
pouco a pouco tornando embaceada, acizentada, como suja,
ate que por fim fica cinzenta azulada. Isto. opera-se em
toda a peripheria do corpo, porem mais pronunciadamente
no rosto, pescoco, peito, maos e pes, geralmente nas par-
tes mais expostos ao ar, a luz e ao calor. A doenca nao
se manifesta logo nos primeiros annos. Dos quatro para
cinco annos comecam a pintar de cinzento ligeiras epheli-
des, ate que por ultimo, annos dcpois, ficam cinzentos, e
assim vivem sem incommodo algum apreciavel, nem ao
menos embaraco na? secrecao do suor».



{}) Todo este trecho e tirado da obra do sr. J. E. Wappaeus que
n'este ponto foi refundida como elle diz pelo sr. Dr. A. Marlins Costa.



I



36 As Regioes Ama:{onicas

Quando ella se vae tornando antiga, e is vezes mesmo
em comedo, depois de cinzenta torna-se a pelle branca al-
phoide, de preferencia nas maos, pes, pescoco e labios.

Pensam alguns que esta molestia e contagiosa, mas eu
creio o contrario. Tenho n'esta capital (Belem) observado
miiitos casos em casas de familia, onde tern existido indios
e indias domesticadas, com essa doenca e por muitos an-
nos, sem que todavia ella se tenha communicado a pessoa
jtguma. Quanta a mim, a transmissao na economia animal
faz-se por hereditariedade, e tanto isto deve assim acon-
tecer, quanto e sabido que os indios selvagens nao crusam
sua ra^a nem casam senao com os da mesma tribu, ou da
mesma maloca. Com os tripulantes das canoas, barcos e
\apores, que navegam pelo Amazonas e seus affluentes,
andam a bordo muitos indios domesticados, de pura raca,
affectados do purii-purii, sem que tenham contagiado seus
companheiros de embarcacao.

Nas minhas viagens pelo Amazonas tenho encontrado
alguns individuos, em pequenissimo numero, que, sem per-
tencerem dquellas racas ou tribus, (entre outros o meu
amigo capitao Firmino que esteve comandando a fronteira
de Tabatinga por bastante tempo) tinham contrahido esta
molestia, a qua! especialmente atacara este senhor nas
maos; e passados alguns annos o cncontrei curado della.

Chandless assevera que vira alguns indios de outras
iribus "e um viajante branco, que tinham contrahido o purii-
puru entre os Paumarys, mas observa que de certo nao a
ontrahiram com o contacto ordinario.

O beri-beri e a molestia que actualmente mais estragos
laz na populacao, supposto que vae sensivelmente decli-
nando, sendo de notar que nos bairros mais baixos de Be-
lem, e onde se apresentam mais numerosos os casos d'esta
doenca, assim nas quadras mais chuvozas do anno. O re-
medio quasi sempre proveitoso para ella e uma viagem
para fora da provincia,

Como complemento ao que deixo dito, apresento as ta-
bdlas das observacoes meteorologicas fcitas por mim desde



I

■ .

1



Sl



Capitulo I — A Amazonia 3 7

o mez de Fevereiro de i856 ate Marco de i858 para o
thermometro, barometro e udometro. Estas observacoes
foram deduzidas das observacoes feitas em quatro thermo-
metros centigrados as 7 horas da manhg, ds 2 da tarde e
ds 10 da noute, das quaes deduzi as medias. Nas obser-
vances thermometricas so houve interrupcao nos mezes de
Maio e Junho em que estive ausente de Belem; da'mesma
forma para as barometricas e udometricas.

Pelas observacoes do thermometro d sombra, se ve que
as medias nao chegam a 27° centigrados, numero que mui-
tos escriptores tem dado como media; e creio que a serie
de observacoes que eu apresento e a mais extensa das que
tem sido feitas n'estas regioes.

Quanto ds observacoes dos 2 barometros de Fortin, a
taboa dd o meio de poder tirar a media para quaiquer epo-
cha do anno e a quaiquer das horas escolhidas para ob-
servacao.

Notei que dividindo o dia em 4 porcoes de 6 horas ha
dous maximos e dous minimos; a amplitude d'estas va-
riacoes e muito pequena, mas extremamente regular como
observei em todo o mez de Dezembro*de 1866.

Quanto ds quantidades de chuva observadas no udo-
metro de Babinet, os numeros mostram bem que a antiga
regularidade das chuvas no Pard, tao repetida por muitos
escriptores, deixou de existir, e para o provar basta ver o
numero de dias e noutes em que choveu nos differentes
mezes, assim como a quantidade de agua recolhida.

E de notar que tao grande e a differenca do estado ac-
tual para o dc antigos tempos, que nao me parece bastante
para a explicar a razao que a muitos basta, das derruba-
das feitas em mattas nas cercanias da cidade, pois a varia-
cao entre as duas epochas e sobretudo notavel na regula-
ridade que mais nao existe, pois que a quantidade, antes
como hoje, e sempre consideravel.

Ainda aqui devo consignar uma observacao. Diz o
notavel meteorologista Kaentz que em uma so pancada de
chuva nunca cahem mais de 56 m/m. de agua e isto so-



38



As Regioes Amaionicas



mente na zona intertropical; entretanto eu tive occasiao de
marcar no dia 21 de Dezembro de i856, em uma s6 pan-
cada de agua, uma columna de 66^^^ 6 de altura; e no dia
6 de Marco de 1867, em uma s6 pancada que durou das 6
da manha d i da tarde sem interrup9ao, uma columna de



102



mm



■edlas meosaes dedaxldas de tres obsemfdes thermometrieas
feltas is 6 boras da manbl, 2 da tarde e 10 da noote em dons tbermometros



Anno 1856



Fevereiro
Mar^o. . .
Abril....
Maio
Junho

Julho

Agosto .. . .
Setembro .
Outubro. .
Novembro
Dezembro



26%36
26^67
26%57



Faltam



Janeiro . . .
Fevereiro .
Mar(;o ....

Abril

Maio

Junho . , . .

Julho .

Agosto . . .
Setembro .
Outubro . .
Novembro
Dezembro.



26^,89 j Media para o anno : 26^,77

27%52

27%07
27%6o
26%93
26'',3o

Anno 1857

26%54
26%36
26*^,29
26%74
26%64
26%6i
26%96
26%6o

27%74
28% 1 6

27%i8

26%76



/ Media para o anno : 26'' ,87



Capitulo I— A Ama:{oma



Janeiro 26" ,67 1

Fevereiro -i5%8o J Media do trimestre : 2()",36

Marco 26",62



I dedattdas das obsert&fSes de 2 baromelros







Anno 1866


Marco


media ds


7 h. 762"'",3

2 .762"™,! Media mensal: 762
10 » 762^,56


Abril




7 » 762™, o5 1

•1 » 76i""",89[Mediamensa!:762
10 . 762™",37)


Muio


faltam as


observacoes


Junho


idem




Julho


media As


7 h. 762"™,oo

2 » 76i'™',89 Mediamensal:76i
10 . 762""»,33


A^osto




7 » 76 1 """,67

2 J) 76i"""t4 Mediamensal:76i
,0 . 76i"»,7


Sctembro




7 , 76o-,2i

2 > 760"™, 1 7 Media mensal: 760
10 . 76o--,i7


Outubro




7 . 76i-,.ai

2 » 76o"'",2ojMedia mensal: 7()o
10 ■ 760"" ,60)


Novcmbro

1 ■




7 . 760™", 16

2 » 75ci'"'",7o Media mensal: 760
10 . 76i"",63


"




7 . 759"*,8o

2 » 759""" ,70 Media mensal: 759'

10 . 759-",8o



-,32



■,7(3



40



As Regioes Amaionicas











Anno 1857


Janeiro


media


ds


7


h. ySo'^^^goJ


B


»




2


9 76o™'"^o Media mensal:


S


»




lO


9 76o"",5o'


Fevereiro


»




7


9 760*" ,69]


»


»




2


9 76o'""',i4(Mediamensal:


»


»




lO


9 760"", 1 7)


Marco


y




7


9 76o"",59i


D







2


9 759*'",90 Media mensal:


»


»




lO


9 76o"'"*,3o^


Abril


»




7


9 76r"\io|


S


»




2


9 76o™",3o|Media mensal:


»


»




lO


9 76o"*",9o)


Maio







7


9 76i"^40j


»


9




2


9 762™™,o 1 1 Media mensal :


»


»




lO


9 76i™™,37)


Junho


»


»


7


9 76i"™'",6oj


»


»


»


2


9 759"™,6o(Media mensal:


»


9


9


10


9 76i"^%5o)


Julho


»


9


7


9 762""*, 10 J


»


»


9


2


9 76i"*™,5o|Media mensal:


»


))


9


lO


9 762'^^i3)


Agosto


»


9


7


9 763"^,o7l


y


9


9


2


9 762™™,38|Media mensal:


»


»


• 9


lO


9 763""",23)


Setembro


»


9


7


9 762™",4oJ


y


»


9


2


9 762'"'",o6>Media mensal:


»


»


9


lO


9 762"»™,54)


Outubro


»


9


7


9 76i"^S83


»


D


9


2


9 76i"™y4.o|Mediamensal:


»


»


9


10


9 76 1 ""'",70 )


Novembro


9


9


7


9 76i™'",ooj


»


»


9


2


9 76o*"'",7o|Mediamensal:


»


S


9


lO


9 76o™'",3o)


Dezembro


»


9


7


9 76i™"»,3oj


9


»


9


2


9 76o"*™,5o>Media mensal:


»


9


9


lO


9 76o"»"^,5o)



76o»""»,62



76o«»«^,3o



76o"'"\24



76o"«",76



761^,59



76o™"*,9o



76i™"*,9i



762'"'",89



762™",33



76r"™,64



76o™'",66



76o"»™,76



Capitulo I — A Amazonia



41



f

D



Fevereiro






Marco



»






Anno 1858

Janeiro medias ds 7 h. 76o"^,62J

» 2 » 760^,68 1 Media mensal 1760™'", 56
» 10 » 76o"™y4o)
7 » 76i"»'%6oi

2 » 761^,10 Mediamensal:76i™'",38
» 10 » 76i"^y4.6)
» 7 » 76o"",6oj

» 2 » 76o"™,6o>Mediamensal:76o'^"*y4.8
» 10 » 76o™™,5o)



»
»
»



Observafies udometrleas











AnnQ 1856














Dip


Noute


Marco

*


3o dias


3o


noutes .


. . . . 483™,54


l32""°y43


Abril


27


P


'9


»


i23"^,o4


io3"™»,6o


Julho


i3


9


i3


»


i24"»'",7


56"™,3o


Agosto


8


P




»


59™'",o


i9'™',8o


Setembro


6


P


6


p


20™,I0


33»"»,3o


Outubro

1


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P


3


p


. . . 47»-»,5


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Novembro


i5


P


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. . . . i47"»'",3


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Dezembro



16


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6


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IIIO°»^,28


5io'™°,73










Total . .
Anno 1)


1621'


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357




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Dia


Noute


Janeiro


i3


dias


9


noutes .


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92'™",5


Fevereiro


9


p


10


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8 1 '"'",6


Marco


17


p


9


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... i7i°",3


3o™»,7


4 Abril


i5


p


10


p


. . . . i37'»",6


i36'™»,2



62 2"""^^ 34o'"'",o



I



As Regides Ama^onicas







Transporte. .


622—4


340--,o


Maio


i6 .


10




ii8"-,5


85"-,8


Junho


■4 ■


10




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.27-,2


Julho


9 ■


lO




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.46™,8


Outubro


7 ■


2




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3"-,6


Novembro


4 ■


2




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3-,6


Dezembro


5 .


5




65--,2


26"-,o








Total...


io63-"',5


^J2~,^




■ 795-,5



N. B. No dia 6 de Marco uma so pancada d'agua me-
dio io2"'",5, das 6 da manha e i hora.



Janeiro 9 dias 5 nouies.

Fevereiro 23 j> 7 » ,

Marco 14 » 6 n .



Total..



9.i™,7 44™

357'»»,o 82™

357"-,o 161™



8o7"™,7 277™",9
io85™,6~



O professor M. T, Draenert, que observou por muitos
annos a dJstribuicao de chuvas no Brazil, calculou 'para di-
versas localidades a quantidade de chuva annual, e eis o
resultado a que chegou para a capital do Para:



Janeiro


165™^


Julho


82'™",o


Fevereiro


2Gt)°™,()


Agosto


77""',fi


Marijo


294™",4


Septembro


52™,3


Abril


3o7™,3


Outubro


.7-8


Maio


256-,4


Novembro


72»"",2


Junho


i33™",q


Dezembro


58'"'%6



A Reparticao de Obras Publicas, Terras e Colontsa-



rxiTtJi.






Capitulo I'-A Amazonia 43

cao do Pard, que ha pouco tempo comecou os seus traba^
Ihos, depara o anno de 1892, a partir do mez de Maio, os
seguintes resultados relativos d chuva e a evapora^ao:





Chava


Evapora^So


Maio


153™"


y,ran»


Junho


249™™


g^mm


Julho


228™"


I 19'"™


Agosto


91™"


109"'™


Septembro


jgQmm


loe"*"



N'estas regioes amazonicas pouco estudo se tem feito
de phenomenos meteorologicos, e por isso, apezar de me
nao ter na conta de meteorologista, devo aqui consignar
uma observacao que tenho feito e que s6 aqui tenho encon-
trado, e e a da coexistencia de duas trovoadas manifes-
tando-se na mesma localidade, mas uma d'ellas caminhando
rapidamente, como e commum, em uma dada direccao,
emquanto que a outra e estacionaria por um certo espaco
de tempo como meia hora, mais oumenos. Tenho observado
n'estas occasioes uma trovoada que se affasta rugindo, e os
trovoes tornando-se cada vez menos distinctos, e a outra
que persiste, tornando-se sobretudo notavel e sensivel pela
rapida successao de relampagos que se seguem de modo
a poder-se contar 40 ou 5o claroes por minuto. No dia 26
de Julho de 1886 este estado permaneceu cerca de 3 quar-
tos de hora sem cahir chuva, ate que uma forte pancada
de agua o terminou; no dia seguinte dizia-me um amigo
fallando d'este phenomeno, que tambem o impressionara,
que OS relampagos eram tao seguidos, que quasi se pode-
ria ler i luz d'elles.

A theoria geralmente seguida, que qualquer nuvem que
se transforma em chuva e uma origem de electricidade nao
me parece explicar satisfatoriamente este phenomeno. A
explicacao que tambem tem sido dada para a electrisacao
f das nuvens das trovoadas, de movimentos giratorios e de












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44



As Regioes Ama^onicas



.translacao que as acompanham, dando logar d precipitacao
continua do ar das camadas superiores para essa nuvem,
procura dar a razao do facto observado de serem as ca-
madas de ar superiores ao solo, de ordinario electrisadas
positivamente em relacao a elle.

Se houvesse chuva durante o largo espaco de tempo
de que fallei, poderia adoptar-se a explicacao que tem sido
dada para as trovoadas estacionarias acompanhadas de
chuva, que e o suppor-se que em uma nuvem de trovoada
cada gotta de chuva determina uma pequena corrente de
ar vertical, a qual e tanto mais forte quanto mais violenta
tambem e a chuva; assim cada pancada de chuva deter-
mina uma ventania descendente, de modo que se a zona
de chuva for consideravel e elevada, determinar-se-ha um
movimento, de cima para baixo, do ar d'essas zonas supe-
riores para as nuvens mais baixas; este movimento serd
acompanhado de uma certa quantidade de electricidade
que pela sua continuidade explicard a forte electrisacao po-
sitiva ; mas no nosso caso o phenomeno e diverso, durante
meia hora a tres quartos de hora, houve a conservacao de
uma carga electrica consideravel, denunciada pelo scintillar
intermittente dos felampagos quasi sem ruido, repetindo-se ^
5o vezes por minuto e trazendo, como me aconteceu, um
mal estar proveniente de certo de condicoes atmosphericas
tao anormaes em que me achava. No fim d'esse tempo co-
mecou a chover abundantemente por um consideravel es-
paco de tempo e cessaram os relampagos.

Declaro que nao sei explicar este phenomeno que varias
vezes tenho observado dar-se com maior ou menor inten-
sidade. Por ultimo : sabemos que os Estados Unidos da
America Ingleza, nao poucas vezes tem sido visitadbs por
torbilhoes aereos a que chamam tornados muito semelhan-
tes aos cyclones dos mares das Indias, especialmente na
sua parte central. Este terrivel phenomeno nao se tem feito
sentir '^as regioes de que me occupo; apenas me consta
que na Vigia passou ha bastantes annos uma tempestade
de tal violencia que na direccao que tinha derrubou uma



Capitulo I — A Amaionia 45

porcao da floresta annosa que existia, ate o mar. O Com-
mandante Jackson, que navega ha 3o annos para o Pard
fazendo ao menos 6 viagens por anno, me disse que n'esse
largo periodo apenas soffreu um furacao no mez de Setem-
bro, nao me recordo de que anno, o qual apresentava to-
das as apparencias de um cyclone, que na extremidade de
seu terrivel giro se fizera sentir nas proximidades da linha
equatorial onde fica situado o Para, isto e em regioes or-
dinariamente calmas.

Hydrographia, — No correr dos differentes capitulos
d'este trabalho, teremos occasiao de ver a importancia
d'estes paizes amazonicos sob differentes pontos de vista;
debaixo de nenhum porem elles se ostentam tao opulentos
como quando se Ihes estuda a hydrographia. Dissemos
atraz, que as dreas dos dous estados do Para e Amazonas
reunidos eram no minimo de 3.o5o:ooo kilometros quadra-
dos, a superficie calculada para o seu systema hydrogra-
phico e nao menos assombrosa, pois Ihe attribuem 100:000
kilometros quadrados, e d do principal rio s6mente a de
24:000 kilometros quadrados, pois so em territorio brazi-
leiro corre elle em uma extensao de 8280 kilometros.

Maury calcula a drea da bacia do Amazonas em
2.048:480 milhas quadradas; entre os grandes systemas
hydrographicos que apresenta o Brazil, como o do Prata, o
do S. Francisco, e outros, o do Amazonas se Ihes avan-
taja extraordinariamente, e nao so a elles como aos de todos
OS rios do mundo. Assim o Mississipi, o maior de todos,
tem apenas uma bacia de 984:000 milhas quadradas; todos
OS outros como o Prata, o Nilo, o Ganges Ihe sao infe-
riores.

O grande geologo e naturalista Agassiz quando em i865
percoqreu e$tas vastidoes, dizia em sua viagem scientifica:
•Estas mesmas aguas em que nos apenas encontramos
tres barcos em seis dias, no futuro os barcos a vapor e os
navios de todos os lotes as subirao e descerao, e a vida
e a actividade animarao estas margens hoje desertas*.
\ Quando aquelle homem notavel dizia isto, era o Ama-



I



46 As Regioes Ama\onicas

zonas apenasc ortado por doze ou quinze vaporcs; hoje, que
25 annos tern passado, e elle sulcado por mais de cem
vapores de todas as lotacoes, e as bandeiras de muitas
nacoes diversas tremulam em seus mastros, pois a nave-
gacao do Amazonas e seus affluentes, espontaneamente con-
cedida pelo Brazil a todas as nacoes, as tern convidado a
virem utilisar-se de suas riquezas inumeraveis. Entretanto
ainda podemos dizer que esta deserto o grande valle, pois
para que a navegacao de todos os rios da bacia Amazonica
esteja em um pe regular e harmonico com a extensao dos
territorios banhados, com os numerosos paizes a que por si
e por seus affluentes dd accesso, com o numero e riqueza
de seus productos naturaes, e com o desenvolvimento que
podem ter suas culturas, e preciso que os vapores se con-
tem por milhares e os habitantes por muitos milhoes.

E um problema digno da attencao de um philosopho o
prescrutar entre as brumas dos seculos vindouros qual o
futuro reservado a estas regioes, tendo em attencao sua ex-
tensao, as differentes nacoes que n'ellas tem parte ou en-
tre si communicam, a sua distancia dos grandes centros
populosos, as ideias politicas que parecem dominar na
America ('), as indoles das differentes racas. O problema
parece impossivcl de resolver, ha porem algumas conside-
ra0es que se ligam d propria grandeza e collocacao d' es-
tas terras e especialmente ds do Valle do Amazonas, que
por si e naturalmente se apresentam ao pensamento.

Que influencia, que poder nao estard ligado no futuro
a esta parte do mundo que mede 4.000:000 de milhas qua-
dradas e que offerece desde jd d industria, ao commercio,
d navegacao productos tao variados e abundantes que tem
causado espanto nas diversas exposicoes nacionaes e inter-
nacionaes. No reino mineral o ouro (^j a prata (^) o enxofre,



(') Isto foi escripto em 1R88 e apenas revisto em 1890.

(*) Km muitos pontes e em muitos rios, nas areias e em minas.

(') Perto da Prainha, no Estado do Para.



Capitulo I — A Amazonia 47

o carvao de pedra (*), os cristaes mais variados (*), os mar-
mores OS mais finos (*), as nascentes sulfurosas ('), nos
mais variados graos de composi^ao, o sal, os kaolins os
mais finos (J)^ as ardosias (*) o mercurio (3), e mil outros
productos mlneraes.

Se o reino mineral e rico, o vegetal o deixa a perder
de vista, as madeiras as mais numerosas, as mais bellas, as
mais resistentes, os leites ou gomas, os oleos, os fructos
OS mais variados, enriquecem suas florestas ainda hoje ex-
ploradas apenas nas proximidades das margens de seus
rios.

Sua fauna nao e menos rica do que a flora, e desde os
representantes das racas jd perdidas, desde as formas co-
lossaes ate aos mais infimos seres, ate ds organisacoes mais
imperfeitas, tudo se encontra em seus bosques seculares e
lagos enormes.

Mas se alguma coisa valem para aquilatar o que e o
extenso Valle do Amazonas as suas riquezas mineraes, ve-
getaes e animaes, aquellas que dimanam de sua hydrogra-
phia e orographia mais assombrosas ainda sao. Extensoes
enormes communicando por centenares de canaes que sao
outros tantos grandes rios, que deixam esquecidos o Rheno,
o Volga, o Danubio, o Tibre, o Tejo e os proprios rios da
China e a maior parte dos da America Ingleza, asseguram
em um porvir nao muito distante a possibilidade de um
desenvolvimento agricola e commercial, como nunca ainda
se tenha vis to.

Algumas consideracoes applicadas a differentes partes
d'este immenso todo, nos levaram d conviccao da verdade
do que acabo de asseverar, produzindo admiracao por esta
prodigiosa obra do creador.

Uma extensao de quatro milhoes de milhas quadradas
de terras proprias a todas as culturas, e offerecendo desde



(*) Em Monte Alegre, no Estado do Pard e outros pontos,
(2) Em Cametd e outros pontos.
{}) Em Cametd.




h^



As Reeioes Ama^otu'cas

jii uma multidao de producios naturaes de grande valor;
esta grandiosa lirea cortada por um canal magestoso que
se estende por 3:ooo milhas ou 5:556 kilometres; este rio,
rios, recebendo tributarios aos milhares caudalosos,
profundos, podcndo ser navegados por grandes vapores;
tudo estil indicando que esle valle seri um dos grandes
centros da civilisacao humana, que este send o emporio,
nao de uma so nacao, mas de muitas racas, cujas popula-
coes sc contaram por centenas de niilhoes, pois que a su-
perficic que occupa a bacia do Amazonas equivale a cinco
sextos da superrtcie total da Kuropa, isto e, calculando hoje
a populaciio europea em 3oo milhoes, s6 a bacia do Ama-
zonas poderia corner 25o milhoes de almas; devemos po-
rem advertir que este numero e inferior A verdade, pois que
na bacia Amazonica todo o territorio e favoravel A existcn-
cia humana, ao passo que a Europa contem immensos ter-
renes que pcla sua posicao proxima ao polio sac inhabita-
veis. Se ainda nos Icmbrarmos'que a Russia, a Scandinavia,
a Turquia, a Hespanha, a mesma Italia, tem uma populacao
muito pouco dciisa, c terrenos incultos, podemos, sem te-
mor de errar, atiirmar que os territorios da bacia amazo-
nica podem conter, sendo mediamente povoados, uma po-
pulacao superior a de loda a Europa e poderd attingir a
400 milhoes, que c hoje a populacao do Imperio chinez.

O berco d'estc gi^ante dos rios, segundo o testemunho
de Martius, Hcrndon, Wiener, e muitos outros explorado-
res, e a iagoa Lauricocha, nos Andes peruanos, a io"3o' de
latitude Sul e a uma altura de 3:5oo metros acima do ni-
vel do mar, dcslizaiido ate as boccas do Amazonas, pelo
Cabo do Norte ou pelo rio do Para, por uma extensao que
seg ndo uns, c no primeiro caso pela bocca do Norte de
3:288 kilometros, e no segundo b:b-]i kilometros; auctores
ha porem que elevaiii este precurso ate 7:000 kilometros.
(^)mprehende-se tiuc nem uns nem outros faltam A ver-
dade pois que a medicao varia conforme a navegacao que
tivereni feito por esti; ou aquelle canal mais ou menos
toriuosii.



Capitulo I — A Ama\onia 49

Da mesma forma varia a avaliacao feita pelos diversos
navegadores sobre o seu percurso em territorio brazileiro,
que uns elevam a 4:000 kilometros, outros somentea 2:880,
e a 3:i65 muitos, ate cada uma de suas boccas, deixando
para o espacjo percorrido antes de chegar d fronteira bra-
zileira em Tabatinga uma distancia avaliada em 2:400 kilo-
metros por uns, em 3:ooo por outros.

Antes de passar adiante, convem notar que se a origem
do grande rio e attribuida por varios e competentes escrip-
tores d Lagoa Lauricocha da qual sahe o pequeno rio que
depois toma o nome de Tunguragua, nao e comtudo esta
opiniao unanime, e transcrevefei um trecho do trabalho
feito pelo estudioso engenheiro Henrique de Santa Rosa,
em que no livro Estado do Pard^ publicado por occasiao
da Exposicao de Chicago em 1893, resume as differentes
opiniSes sobre a origem do Amazonas, diz elle.

Rio Amazonas. — E o maior rio do mundo. A opiniao
mais seguida sobre a sua origem e a dos que fazem-no
nascer na lagoa ou laguna de Lauricocha no districto de
Huanaco do departamento de Tarma em io*^3o' de Lat.
Sul, a 32 leguas N. N. E. de Lima.

Desde Christovao d'Acuna, que provou a improceden-
cia da supposi^ao de Humboldt em attribuir a formacao
do Amazonas d reuniao dos dois pequenos rios Aguami-
ros e Chavanillos, dando este como vindo do Lago Lauri-
cocha, tem sido esta origem a adoptada ^eralmente pelos
geographos. Com ella descrevem-no Bernardo Berredo,
Martinho de Albuquerque, Ayres do Cazal, Orbigny, Fran-
cis de Castelnau, James Orton, Levasseur, H. Smith,
Costa Azevedo, Maltebrun e muitos outros.

O illustrado viajante Consul Weiner faz a narrativa
d'esta nascente nos seguintes termos:

cTenho vis to em 1876 o lago Lauricocha nas alturas de
Huanaco-viejo, berco do rei dos rios. Ahi, sob o ceu incle-
mente de Puna, vi sair um delgado filete de agua de uma
fria lagoa, e atravessar serpeiando a alta planice de arbus-
tos definhados' e murchos. Mais para o Norte, vi-o sob o
7



6o As Regioes Ama'{onkas

nome de Tunguragua, ja torrenle, fertilisando o ridente
valle de Huantar. E via-o agora no Pongo, no ultimo de-
grilo d'essa gigantesca escada hydraulica, que de'sce das
aliuras inhospitas de 5:5oo metros a esses pianos exhube-
rantes de riquezas vegetaes. . .»

Outros, porem, attribuem ao Nupe a origem do grande
no, em resultado dos estudos e exploracoes do sabio natu-
ralista Antonio Raimondi, que procurou trectificar tama-
nho engano em que elle proprio cahJra annns antes, ^iado
pela escripta alheia>.

Eis o que a tal respeito diz H. Benites em sua Geogra-
phia del Perii: «A origem do Amazonas nao e o rio que sde
da lagoa de Lauricocha, sim o Nupe que vem de mais
longe e tern o seu comeco no Cordilheira de Huayhuash-
Na provincia de Huamalies juntam-se-lhe o Queropalca e
o Choula. Observando-se o seu curso e a sua reuniao com
o rio que ssie da lagoa, conclue Raimondi, o primeiro e
muito mais caudaloso que o segundo; i pels o Nupe, e nao
esie, que e a nascente do Amazonasi.

O seu primeiro nome ao sahir em suas cabeceiras ao
pc dos Andes peruanos, e o de Tunguragua, e logo depois
Maranou, tomando na fronteira brazileira o de Solimoes
qae conserva ate a sua confluencia com o Rio Negro; e
deste ponto ate o Oceano e chamado Amazonas, ou na
linguagem significativa dos indios hoje fugidos para longe
d'essas suas margens, a de Paranil-assu.

A sua largura e a sua profundidade e muito variavel, e
sendo segundo Wiener, no logar conhecido peio nome de
Porta do Rio np Pongo de Mauseriche apenas de 2b me-
tres, um pouco adiante em Bracamores ja apresenta 400
metros; em Tabatinga a sua largura e avaliada em 2:775
metros, e junto a bocca do Madeira 5:ooo metros; no es-
Treito de Obidos apenas mede i:<)ii metros, ou, segundo
as medidas tomadas culdadosamente pelo engenheiro J.
Sequeira Aguiar Lima, r.892 metros; nas proximidades de
(iurupi se espraia elle por forma a mais parecerum vasto
mar do que um rio.






Capitulo I — A Amazonia 5i

E cerca d'esta iiha de Gurupi que elle divide suas
aguas em dous ramos, o meridional e o septentrional; o
primeiro divide-se em numerosos canaes, vindo banhar a
parte meridional da grande ilhii dc Marajo, que separa os
dous bracos, indo depois desemboccar entre as pontas de
. Maguan' e Tijoca com uma largura de cerca de 70 kilome-
tros. O braco septentrional, que e o maior, ainda que o
menos frequentado, banha tambem a parte septentrional e
occidental da ilha de Marajo lan<;ando-a no Oceano em
frente as ilhas Cavianna, Mexiana e Frechas. E, vendo a lar-
gura das duas enormes bacias pelas quaes se lanca este
gigantesco caudal no Oceano, e o tamanho da ilha que as
divide, que se pode bem fazcr ideia de sua grandeza, pois
a distancia d'uma a outra costa, isto e a largura dos dous
bracos e da ilha esta avaliada entre o cabo do Norte e a
pontada Tijoca em 180 milhas.

Quanto a apreciai;ao da velocidade de sua corrente tern
ella variado segundo os differentes escriptores; nem podia
deixar de assim ser, desde que as avaliacoes foram fcitas
em epochas diversas e em differentes mezes do anno. Baena
calciila a sua velocidade em 4:645 bracas por hora, Lyell
suppoe-na de 5:553 kilometros a 200 milhas da costa, Na
obra ^A Ama^oiiia» publicada no jornal Gram-Pard pelo
fallccido Jose Gualdino, escripta somente por c|le, mas
ainda nao editada em volume, encontro alem de muitas no-
ticias e observacoes de muito val6r, por judiciosas a res-
peito d'este rio, uma citacao de Forshey, que vem aqui de
molde, e ella a seguinte, Segundo elle, a velocidade media
da corrente do Misstssipi, na superficie, excede a 2 '/i de
milha por hora, e os srs. Hamphry e Abott encontraram
em frente a Natchez a velocidade de 3 milhas por hora na
profijndidade de cinco pes. — Guardadas as proporcoes en-
tre o Amazonas e o Mississipi, computadas as massas de
aguas que ambos derramao no Oceano, a superioridade do
rio brasileiro accentua-se em todos os terrenos de compa-
racao, e se calculando pela espessura dos depositos foram
precisos 67 mil annos para a formacao do leito d'aqueile



52 As RegiSes Ama:{om'cas

rio, quantos mllhares de annos nao terao sido precisos para
a formaijao do mar de agua doce de Vicente Yancz Pin-
son ?

Herndon calcula a corrente d'esie rio em i ','* milha
por hora; quanto a mim porem a media de sua corrente
deve ser superior a isto, pois que entre Santarem e Monte
Alegre a umas cem legoas da bocca, na maxima for^a da
vasante, nunca achei menos de 3 milhas, e quando o no
esta inteiramente baixo, isto e na terminacao da vasante,
nunca encontrei menos de uma milha, e nem e para admi-
rar esta grande corrente, quando e facto comprovado que
a 3oo kilometres da bocca ainda as aguas amarelladas do
, rio abrem caminho atravez as verdes aguas do Oceano,
com tal violencia, que nas horas tranquillas da noute o ruido
da lucta de sua corrente com as aguas do mar que se Ihe
oppoem se faz distinctamente ouvir.

Ainda em sua profundidade e elle muito variavel, e a
simples inspec^ao dos mappas de Tardy, de Montravel e
outros o demonstra. N'esse bello trabalho assim como nos
da commissao dirigida pelo sr. Jose da Costa Azevedo, ve-
mos que o rio tern profundidade bastante para a navega-
cao de grandes vapores, pois seu fundo se encontra a 3o,
a 40, a Go e mesmo a 80 metros, como na garganta de Obi-
dos; e hoje a navegacao transatlantica que existe alii, con-
duz semanalmente vapores de 1:800 e 2:000 tonelladas em
qualquer epocha do anno. Ate Tabatinga mesmo podem
navegar vapores grandes, e Herndon aflirma que ahi ainda
ha uma profundidade de 20 metros.

O volume das aguas do Amazonas nao pode bem ser
determinado, e sempre haveri divergencia nos resuitados
obtidos conforme as epochas em que forem feitos os es-
tudos. Martins calcula ter a garganta junto a Obidos i9[ 1
metros, dando uma profundidade de i32"' no meio d'ella,
e de 44'" nas margens, e chega ao resultado, com uma vc-
locidade de corrente de 1 ,"'34 por segundo, de 18:734"" para
o volume de agua dispendido em cada segundo.

A influencia das mares, parece, que em vista da grande



Capihdo I — A Ama:{miia 53

massa e velocidade com que sao lancadas a penetrar no
Oceano as aguas do rio, pouco se deveria sentir; entretanto
assim nao acontece: o fluxo e refluxo do Oceano, auxiliando
e retardando alternativamente a corrente das aguas do
Amazonas, fazem que muito clara e periodicamente se faca
sentir o effeito da enchente e vasante da mare; mas esta
influencia e variavel segundo as epochas de enchente e va-
sante do rio.

Hebert Smith affirma que no tempo da enchente do
Amazonas elle reconhecia perfeitamente as mares no rio
Xingu, e eu durante tres annos em que seguidamente via-
jei no Amazonas, reconheci bem visivelmente na costa das
Cueiras, proximo ao Tapard, o fluxo e refluxo. Cumpre po-
rem observar que nem por isto as aguas se tornao salga-
das e nem mesmo salobras, apenas nas proximidades das
boccas do rio e que no verao as aguas doces se tornao
muito ligeiramente salgadas.

Um estudo ha que estd inteiramente imperfeito, e o das
enchentes e vasantes do rio. Nao e possivel obter a altura
media das enchentes senao por uma serie de observacoes
que comprehenda um certo numero de annos; so tendo esta
serie de observacoes se poderd estudar e marcar as varia-
coes maximas e minimas para as enchentes e vasantes. O
que porem e indubitavel, pois que os signaes que ficao nas
arvores o indicao, i que as subidas das aguas acima de al-
gumas vasantes chega ate 17 metros no Amazonas, como
Martius o observou pelo lodo que fica preso nas arvores
ate aquelia altura.

A epocha de enchente tambem nao e a mesma nos dif-
ferentes pontos do grande rio; o numero de sens affluen-
tes, a sua enchente mais on menos rapida em relacao ao
declive das serras de onde se alimentam, sao outras tantas
causas de adiantamento ou atrazo relativo na epocha de
enchente; assim observa-se que alem de Tabatinga a en-
chente tem logar de ordinario em Janeiro, ao passo que
na parte chamada Amazonas, em Marco ou Abril, seguin-
do-se a vasante.



54 ^5 Regioes Ama:{onicas

Este facto encontra, creio, natural explicacao nas epo-
chas diiferentes em que cahem as chuvas nos differentes
pontos que atravessa o rio em seu immense trajecto; as-
sim como tambem a maior ou menor quantidade de aguas
evaporadas e arrastadas pelos ventos para as regioes ele-
vadadas dos Andes e outras cordilheiras em que pela di-
minui^ao de temperatura se precipitam, vem influir n'este
complexo problema, e augmentar ou diminuir a enchente.

Tem este rio disposicoes muito especiaes que nunca vi
em algum outro rio, como seja a que se nota em grande
numero de seus bracos, que se dividem para a pouca dis-
tancia tornarem a unir-se, formando um espantoso numero
de ilhias; e tao grande o numero de canaes d'este facto ori-
ginados, que um mappa do Amazouas e de seus affluentes
tem semelhanca com uma rede de malhas irregulares.

Em suas ilhas tambem ha curiosas observacoes a fazer:
assim, umas parecem devidas a errozao das aguas em ter-
renos preexistentes, e quasi sempre estas sao de maior
extensao do que as outras que mostram ser formadas pelo
transporte de detritos efiFectuado pelas aguas. Nos logares
menos profundos basta que uma arvore desarraigada das
margens encalhe, para que as aguas venham transportando
novos despojos que, como formando um dique, dentro em
algum tempo se consolida e cobre de uma vegetacao es-
pecial de gramineas que com^suas extensas raizes prende
estes elementos uns aos outros, e que em pouco tempo avo-
luma e se cobre de arbustos e arv^ores cujas sementes fo-
ram trazidas pelo rio e, depostas sobre o lodo, germinaram.
Pastas agregacoes ou ilhas, como Ihes chamam, tem uma
grande influencia no regimen do rio, dando novas direccoes
ds correntes, formando rebojos e novos depositos de
lodo. Estas ilhas porem, nem sempre sao duradou-
ras, e nas epochas de grandes enchentes do Amazonas bem
como de outros rios, estes, violentados em seu curso, as
despedacam, arrastando as terras e a vegetacao que as ag-
gregava.

Acontece nao poucas vezes que a formacao de uma



Capitulo I — A Amazonia 55

ilha traz como consequencia que, desviada a corrente do
rio, encontra em um ponto do seu curse um fundo menos
consideravel, ou uma reslinga(') e alii se vao depositando
arvores, terras, areia, elevando-se um baixo ou augmen-
tando a restinga. D'isto temos tido lim exempio no rio do
Pari onde o desapparccimento de algumas ilhas fronieiras
a Val-de-caas e Penacova tem trazido a formacao de ban-
cos de areia, que pouco a pouco se elevado.

Para terminar esia breve noticia que tenho dado do
AiTiazonas, devo ainda dizer alguma cousa sobre ter ou nao
cste rei dos rios um verdadeiro delta; mas esta questaovai
ligar-se aos mais transcendentes problemas de geologia,
relatives d formacao do mesmo valle amazonico, e tao pou-
co completes sao os estudos feitos, que nao pude formar
opiniao segura a este rcspeito, Contentar-me-hei com apre-
serttar algumas consideracoes sobre as hypotheses que se
tem formado para explicar e historiar gcologicamente a for-
macao d'elle.

Agassiz pensa da seguinte maneJra sobre este problema
geologico. Subordina a sua theoria amazonica d sua theo-
ria geral das immensas geleiras, e tanto em sua obra
Village au Bresil como em uma conferencia que em Ju-
Iho de 1866 fez no Para, e da qual sendo eu um dos ou-
vintes formulei um extracto que publiquei pela imprensa
depois de visto por aquelle professor, se exprimiu pouco
m;iis ou menos pela seguinte forma: admittindo-se para
a Europa um inverno, um periodo glacial, o va!!e do Ama-
zoiias como o resto do globo, devia n'este periodo de frio
ter as suas geleiras enormes, preenchendo seu enorme va-
cuo, e cada vez augmentadas pelas neves que se accumu-
lavam nas cordilheiras e que vinhao para o valle pelos val-
Ics secundarios, os quaes se estendiam ate muito longe,
pois que a Amazonia segundo a theoria d'este professor se



('j Restinga — Baixio proximo as cosias, as mais das vezes em di-
recgSo transversal a ellas, a pouca profundi J ndc, mas coherir> pdas
3(;uas, o (juu as torna perigosas u navcjjncao.



56 As Regioes Ama\onicas

»

estendia a enorme distancia pelo Atlantico dentro, e os rios
do Ceara, Rio Grande do Norte e Parahyba, que hoje se
lancam no Oceano, eram entao tributarios do Valle Ama-
zonico.

O movim^nto d'esta incommensuravel geleira deve ter
sido determinado de O para E., jd pela impulsao das ne-
ves dos Andes, ja porque essa era a direccao do valle;
este movimento, arrastando, esmagando, triturando todas
as variedades de depositos, devia ter formado na extremi-
dade inferior uma morea coliossal, como um enorme dique,
gigantesca barragem obstruindo a embocadura da enorme
bacia.

Aqui a theoria de Agassiz se acha em perigo porque se
nao encontram os vestigios que acompanham a marcha das
geieiras, isto e, strias, superficies polidas etc; mas elle se
defende dizendo que hoje e Jmpossivel encontrar nenhum
d'estes vestigios quando a natureza friavel das rochas as
torna facilmente attacaveis jd pela accao ardente do sol, ja
pelas aguas quentes e torrenciaes d'estas regioes. Entre-
tanto julga elle ter encontrado vestigios indubitaveis d'este
transporte nas rochas que elle chama moutonnees e que em
varios pontos viu serem em tudo eguaes as da Suissa; as-
severa ainda o ter encontrado blocos erraticos nas monta-
nhas do Erere, junto a Monte-Alegre. Estas eu as vi tam-
bem e oiferecem analogia com os blocos erraticos da Eu-
ropa.

Ainda defende Agassiz a sua theoria pela analogia que
encontra nos materiaes do valle do Amazonas, cujo caracter
e em tudo analogo ao dos materiaes que se encontram no
fundo das geleiras. Ainda argumenta com a completa s«-
melhan^a entre o drift do Rio de Janeiro, que, segundo elle
julga, e incontestavelmente obra do pefiodo glacial, e a ter-
ceira formacao amazonica, a superior.

A destruicao d'este enorme dique ou barragem, da
passagem as aguas, precipitando-se impetuosas, e forma
essas espantosas denudacoes, que para uns sao devidas as
aguas de um enorme lago de agua doce que rompeu o seu



Capitulo I — A Amazonia 67

dique, para outros as do Oceano, cujo fundo se elevara
acima do nivel que as aguas tinham.

Gontinuando com a theoria do sabio professor sr. New-
Cambridge, teriamos que este mar de gelo, quando a tern-
peratura se foi tornando menos fria, se despegou do fundo
transformando-se em vasto lago tranquilo no qual nadavam
OS immensos pedacos de gelo e no fundo do qual comecou
o trabalho de accummulacao das materias, que se acharam
trituradas pela marcha das geleiras, dando uma estratifica-
cao regular. A estas causas e devida a primeira forma^ao
amazonica, que na parte inferior e formada por calhdos e
areias, e nas camadas superiores por argilla fina lamellar.

A forma^ao da segunda camada e explicada pela se-

guinte forma. Os gelos fundiram-se na maxima parte, e

esta collossal bacia servia *de recipiente aos vapores e or-

valhos que se precipitavam; esta grande quantidade de aguas

lancava-se para a parte mais baixa do rio, seguindo o seu eixo,

procurando o seu nivel e expandindo-se por uma superficie

muito mais consideravel do que a superficie actual, ate d

epocha em que, separada em rios diversos, constituiu diffe-

rentes leitos.

A collossal corrente arrastava comsigo uma massa de

materiaes assaz finos para serem transportados, os quaes
pouco a pouco se foram precipitando no fundo, formando
camadas horisontaes apenas interrompidas por uma strati-
fica^ao torrencial nos pontos em que os remoinhos a al-
teram.

Emquanto este era o estado das cousas acima do dique

formado na extremidade do valle pelo lado exterior d'este,

uma nova causa perturbadora se apresentava; era esta a

accao do mar, que, batendo a barragem constantemente,

com o perpassar dos seculos abriu n'elle uma brecha, pela

qual impetuosas sahiram as aguas accumuladas. Tambem

4 esta sahida podia ser determinada por qualquer accao in-

f terior violenta, ou ainda a elevacao successiva do fundo, a

I accumulacao cada vez maior de aguas, fizeram que es-

. tas transbordassem e abrissem uma brecha no dique que

8






m
4



58 As Regioes Amaionicas

cada vez maior se tornou; qualquer que seja a hypothese
preferida, a consequencia e sempre a mesma, a sahida vio-
lenta das aguas produzio a denuda^ao do valle, os deposi-
tos formados foram transportados para o mar e apenas
persistem hoje alguns monumentos para attestar a enorme
espessura do deposito que chega a 25o metros.

D'esta denuda^ao sSo provas incontestaveis as monta-
nhas de Monte-Alegre, Almeirim, Obidos, Cupaty.

Ainda para explicar algumas irregularidades da strati-
ficacao, julg^ Mr. Agassiz que esta precipitacao de aguas
se repetio mais de uma vez, jd pela accao do mar constan-
temente corroendo o dique, jd abaixado pelas precedentes,
jd porque as aguas novamente accumuladas determinaram
uma nova errup^ao contra o dique, arrastando n'ella uma
grande parte dos recentes depositos excavando-os ate o
gres subjacente, conservando-se depois tranquillos nos seus
leitos que elle suppoe pouco mais ou menos os mesmos
da actualidade. E ere elle achar a prova d'esta sua asser-
?ao, por ser n'esta argila cor de ocre, e tambem no gres
subjacente, que estao abertos os leitos nao so do Amazonas
mas tambem os dos seus tributarios, e Aos furos que ligam
seus ramos entre si.

O que se deduz da hypothese de Agassiz, como tam-
bem se deduz do aspecto que mesmo a distancia offerecem
as barrancas do rio na vasta extensao que vai das serras
de Almeirim ate ds da Velha-pobre, as barreiras do Cus-
sary, as barrancas do Madeira, as do Puriis, as collinas de
Tabatinga, e que a principal feicao, a que domina no fades
geologico do valle do Amazonas, e uma vastissima forma-
cao cretacea composta de rochas friaveis em todos os grdos
em que se encontram as argillas as mais variadas nas co-
res e nas granulates, os pudingues e as mdrgas, os gres
OS mais numerosos, formacoes estas que, parecendo que-
rer justificar a theoria do geologo suisso, se estendem ate
o extremo da ilha de Marajo, ao mesmo tempo que algu-
mas ilhas de alluviao bem distinctas por sua formacao e
vegetacao, vem dar a contraprova a hypothese formulada.



Capitulo I — A Amazonia Sg

Os c6rtes que se podem observar na llha de Marajd
mostram pela superposi^ao das camadas que esta grande
Htia quasi egual em area d do remo de Portugal, nao era
senao uma parte do valle principal; a mesma estratificacao
a mesma espessura e disposicao nas camadas mostra que
ella e formada pelos mesmos deposiros que tinham em epo-
ctias remoltas formado o que e hoje o continente; poste-
riormente a forca das aguas rasgou dois canaes que sao as
duas chamadas boccas que circundam por um e outro lado
a iiha de Marajo que poude resislir d forca errosiva das
aguas, e que se vao reunir depois e lancar no mar efn um
ponio situado mais ao Oeste do que aquelle em que em
outras epochas se fazia a junccao.

Diz Agassiz que na ilha de Marajo, no seu extremo, no
cone formado pelo rio chamado Igarapi-grande, encon-
trou elle as provas as mais evidentes para justificacao da
sua historia geologica do Valle Amazonico, assim como das
aci^oes do mar corroendo as costas, que elle julga como ]&
fica dito ter sido uma das causas que concorreram para a
denuda^ao do valle, ajudando e comegando talvez a des-
truicao do enorme dique que o separava do valle, pois que
ainda ella dura e se faz ver.

Eis suas palavras: «Dir-se-hia que o corte aberto no solo
por este curso de agua, o Igarape-grande, foi feito para apre-
sentar-se uma seccao geologica, tao claramente elle poe em
evidencia as tres formacoes caracteristicas do Amazonas.
Na sua emboccadura, junto a Soure, na margem opposta
junto a Salvaterra, podem bem ver-se, na parte inferior o
gres bem siratificado, sobre o qual estd deposta a argilla
finamente laminada coberta por uma crosta vitrea; mais
acima o gres muito ferruginoso com stratifica^ao torrenciai
com calhdos de quartzo disperses aqui e atli, tinalmente
acima de tudo isto, a argilla arenosa ou siliciosa ochra-
cea sem stratificacao, disposta sobre a superficie ondulada
do gr€s denudado, seguindo suas ondulacoes e cnchendo
suas depressoes. Abrindo assim o seu leito n'estas diver-
sas formates ate uma profundidade de 46 metros como



6o As Regioes Ama:^onicas

pude medir, o Igarape-grande, ao mesmp tempo abrio ca-
minho ds invacoes das mares, e a seu tumo o Oceano ga-
nhou espa^o sobre a terra, como de sobra o prova o corte
abrupto do leito do Igarape-grande, fazendo contraste com
a suave inclinacao de suas margens pelo lado do mar, de
de modo que a denuda^ao e feita nao por uma, mas por
duas causas combinadas.

Accrescenta 8 sabio geologo, ainda para provar a accao
do mar, que elle encontrou uma floresta submergida n'es-
tes terrenos pantanosos, a qual evidentemente crescia n'es-
tes logares em que a inundacao e constante, pois que en-
tre suas raizes e troncos se acha a turfa alluvial disposta
como o feltro, tao rica em materias vegetaes como em
humus, o que caracterisa estes terrenos. Ora esta floresta,
cujos fragmentos de troncos ainda subsistem de pe na turfa,
foi destruida nos dous lados do Igarape pelas mares do
Oceano e nem Ha negar que isto seja obra do mar, quan-
do observamos que as pequenas depressoes e indentacoes
da turfa estao cheias de areia do mar, e uma franja de
areia deixada pelas mares separa a floresta destruida d'a-
quella que ainda hoje vive. Ainda mais: em frente a Soure
no outro lado continental do rio do Pard, na Vigia, onde .o
rio encontra o mar, egual facto e observado, uma turfeira
com innumeraveis raizes e invadida pela mesma forma pelo
mar e suas areias. E bem visivel: infalivelmente estas duas
florestas formaram uma so que cobria todo o espaco que
occupa hoje o braco do Amazonas chamado rio do Pari.

A theoria do Sr. Agassiz, engenhosa como e, compro-
vando os vastos conhecimentos do talentoso observador,
nem por isso deixa de offerecer algumas difliculdades, es-
pecialmente em elle dar como causas efficientes a ac9ao do
Oceano e a errozao produzida pelas aguas de um immenso
deposito, quando o dique que o separava do Oceano foi
aberto. Sem ter habilitacoes para apresentar uma theoria geo-
logica, parece-me comtudo que na formacao amazonica deve
tambem ter sido um agente poderoso a accao volcanica, que,
talvez ao mesmo tempo que as causas apontadas, produ-



1^



Capitulo I^-A Amazonia 6i

ziu nao menores efFeitas, e d'isso encontramos testemu-
nhos nos granitos que em muitos pontes surgem elevan-
do-se alem das regioes occupadas pelas florestas continuas.

A existencia do granito no valle do Amazonas se torna
muito mais digna de nota, porque elle e encontrado em
quasi toda esta immensa formacao. Darwin e Gardner o en-
contram no Brazil, no Prata e no Chile. O principe Adal-
berto da Prussia o achou no Xingii; as montanhas da
Guyana abundam n'elle, e na parte superior do Rio Negro
elle se apresenta. Sao de notar as formas originaes que oflfe-
recem estas rochas graniticas, contendo'mica e quartzo em
quantidade, as vezes purissimo; outras vezes na mesma ro-
cha se encontrao granitos de varias cores.

As escorias volcanicas sao tambem encontradas em
Baiao no Tocantins, nas proximidades da bocca do Tapa-
jos, em Villa-nova, no Rio Negro e no Uaupes. O Sr. Pinks,
que bastante se demorou no Amazonas especialmente
no rio Madeira, diz em uma memoria publicada na Revista
da Sociedade Geographica do Rio de Janeiro de 1887:
«As cachoeiras do Madeira e Mamore sao exclusivamente
formadas por filas ou blocs emergentes de rochas feldspa-
thicas primitivas ou metamorphes.» Em Sa?ito Antonio e
MonHnhos pode observar-se um granito bem accentuado
com caracter porphirico. . . No Caldeirdo do Inferno appa-
rece um granito porphiroide.

No Tocantins na parte superior abundam as rochas cris-
tallinas stratificadas, os conglomerados volcanicos e as
ardozias de grao mui fino; e nas cachoeiras abundam
as ardozias metamorphicas, na serra de Monte Alegre os
quartzos conglomerados, as rochas cristallinas quartzozas
conhecidas pelos inglezes com o nome de Sandstone^ ds ve-
zes de cor amarella ds vezes vermelha. Estas formacoes

*

ou leitos parecem primitivamente terem sido horisontaes,
e depois fendidos, partidos verticalmente; sao alternativa-
mente duros ou brandos, e pela sua desigual desagre-
gacao formaram essas pedras penduradas que Wallace des-
creve.



62 As Regides Ama^onicas

Diz este intelligente escriptor, que a impressao que
causa o aspecto geral do paiz, € que elle estdpassando
pela ultima phase de uma formacao, que tern durado em
todo o periodo da eleva^ao dos Andes e das montanhas do
Brazil e Guyana. No comeco d'este periodo a maJor parte
do valle do Araazonas, do Orenoco, e do Prata fez parte
do Oceano, separando-se em grupos de ilhas que estas
terras elevadas formaram em sua primeira appari^ao.
As rapidas correntes deslisando ao longo das vertentes das
montanhas trouxeram sedimentos que encheram a parte in-
ferior e a mais irregular d'este mar, que sao os vastos de-
positos aliuviaes que se encontrao nos logares em que acha-
mos OS granites. Ao mesmo tempo, as for^as volcanicas em
accao trabalhavam, como o mostram os picos graniticos que
sobresahem como ilhas no pleno mar da verdura florestal,
porque os seus pequenos declives e os valles intermedia-
rios foram cobertos com deposiios sedimentares. Este ef-
feito simulraneo da ac^ao volcanica e da accao aquosa, de
correntes raarinhas, e de tremores de terra, nivellando a
massa sedimentar, produzio essa maravilhosa regularidade
de superficie, em gradual e quasi imperceptivel declive que
se nota em tao enorme superficie.

Continua ainda Mr. Wallace, Nos pontos de uniao das
montanhas da Guyana com as ultimas vertentes dos An-
des, tornam-se ainda mais salientes os effeitos volcanicos,
e parece ter feito especialmente sentir a sua ac^ao fazendo
surgir as numerosas montanhas de pequena grandeza, como
a de Curicuriari, Tumihay e as pequenas montanhas do
Uaupes de formacao granitica, formando a terra alta que
hoje divide as aguas do Orinoco e Amazonas. Na parte
Sul do continente acontecia o mesmo; aqui as montanhas
do Brazil e as ultimas linhas montanhosas dos Andes boli-
vianos pelo lado de E. deram-se a mao, e o deposito sedimen-
tar parece n'esta parte ter sido elevado debaixo das aguas,
fixando os liraiies da bacia amazonica pelo lado do Sul. Em
vista d'este phenomeno geologico, o valle do Amazonas
devia entao formar como um golpho enorme, ou um mar



Capitulo I — A Amazonia 63

interior de cerca de duas mil milhas em comprimento e
oitocentas em largura.

As montanhas com suas- aguas torrenciaes, assim como
OS rios derramando-se por todos os lados, pouco a pouco
tendiam a encher esta enorme bacia, e a accad volcanica,
ainda hoje tao visivel nas escorias do Tapaj6s e Tocantins,
e nas rochas de Monte-Alegre, foram outras tantas forcas
combinadas em nivellar a vasta area, e em determinar os
leitos dos diiferentes rios. Este trabalho lento, mas inc^s-
sante no decorrer dos seculos, trouxe como consequencia
o estreitamento d'este mar interior, ate pouco mais do que
o espaco que hoje chamamos igapo ou terras baixas. . .

Esta maneira de ^xplicar a formacao do valle amazo-
nico, tal como o vemos, salva duas difficuldades que se en-
contram na theoria de Agassiz, e a primeira nao entrar na
questao da epocha glacial que e preciso admittir com a
theoria que elle acceita; e a segunda que a theoria do pro-
fessor de New-Cambridge quer que durante o incommensu-
ravel numero de seculos, que devia decorrer para se forma-
rem os enormes depositos, cuja espessura elle mesmo ad-
mira, a acgao volcanica se nao fizesse sentir: seria preciso
admittir que em uma tao vasta regiao em que os estudos
vao mostrando a parte consideravel com que tem contri-
buido para o seu estado a accao volcanica, esta estivesse
morta, nao se manifestasse nem perturbasse a grande ope-
ra?ao sedimentar.

Convem porem lembrar a seu turno que a theoria que
acabo de apresentar tambem nao se concilia facilmente com
a accao do mar que tao palpavel e inegavel e, como Agas-
siz bem claramente mostrou de maneira bem clara nas pro-
ximidades de Soure, Vigia e Igarape-grande.

Agora que mais ou menos tenho dado ao leitor conhe-
cimento do Amazonas, e da formacao da grande ilha de
Marajo que Ihe occupa a bocca, poderia elle formar a sua
opiniao sobre a existencia de um delta amazonico, se nao
fosse a circumstancia que se dd n'este rio, e e que sendo
pouco mais ou menos na situacao da ilha de Marajo que o



As Regioes Ama^otiicas

delta devia achar-se, ve-se pelo estudo geologico que eHa
nail pode ser considerada como tal; mas nem por isso se
pnde dar como resolvida a questao, pois que a exisiencia
de urn enorme numero de ilhas, muitas de recente forma-
cao, separadas entre si por inumeros rios c canaes, desde
Breves ale As ilhas do Vieira-Grande, Vieira, Porcos, Ja-
buroi e um grande numero de outras, formadas pelos ca-
naes do Itiscura, Tajipurei e suas bifurcates, fazem lem-
brar a hypothese provavel de que eslas regioes cstao ainda
cm um estado de transi^ao, e que um verdadeiro delta se
csta formando atraz e aos lados da grande ilha de Marajo.

Este ligeiro estudo sobre a historia geologica d'estas
regioes, occupadas pela bacia amazonica, talvez a mais
vjista do giot)o, mostra as grandes difficuldades que n'ella
se encomram e hao de encomrar alnda para a constituir.

No 2." volume do Archive do Museu Nacional do Rio
de Janeiro, de 1877, em uma bella memoria escripta pelo
sr. Orville A, Derby, companheiro do chorado professor C.
Kr. Harn, de certo aquelle que maior luz lancou sobre o
asMimpto de que me occupo, encontro o seguinte irecho
piiblicado pelo sr. Hartt em New- York no 8." volume do
Juunial of de American Geographical Society:

lOvalle do Amazonas, ao principio appareceu como
um largo canal entre duas ilhas, ou grupos de ilhas, das
iquaes uma constituiu a base e o nucleo do planalto brasi-
leiro, e a outra ao Norte do planalto da Guyana. Kstas ilhas
appareceram no principio da idade siluriana, e um pouco
depois d'eila. N'aquella epocha os Andes nao existiam ainda.

"N'este canal foi depositada utna serie de camadas re-
prcsentando os terrenos siluriano superior, devoniano, car-
bonifero, e cretaceo, as quaes apparecem successivamente
de um e outro lado, em terra firme, estreitando assim a
passagem entre as duas ilhas. O levantamento dos Andes,
c posterior A deposicao d'estas camadas.

u Antes da apparicao dos Andes, continua o professor
Hartt, o valle do Amazonas consistia simplemente em dous
golphos unidos por estreito canal. Os Andes irromperam



Capitulo I — A Amaionia 65

na entrada do Oeste, convertendo-o em uma verdadeira
bacia, posto que com sahidas tanto ao Norte como ao Sul.
Todo o continente foi depois deprimido de modo tal, que
as aguas cobriram amplamente os planaltos da Guyana e
do Brazil, e as camadas terciarias foram alii depositadas,
variando em espessura e constructura, conforme as condi-
coes em que foram formadas.

a E de suppor que estas camadas se tivessem adaptado
em nivel, com o fundo sobre que tenham sido depositadas,
conservando-se mais altas nas mais baixas margens da ba-
cia e emergindo das margens para o centro.

aQuando o continente surgiu outra vez sobre as aguas,
primeiramente levantaram-se os planaltos, nivelladbs por
sua nova acquisicao de depositos; porem logo depois, os
actuaes divisores das aguas, ligando os grandes planaltos
com OS Andes, vieram aeima da aguai, e o valle do Ama-
zonas tornou-se um mediterraneo, communicando a Leste
com o Atlantico por um apertado canal. As camads^s ter-
ciarias da provincia do Para, sendo pouco coherentes, fo-
ram rapidamente desnudadas pela accao do mar, durante o
levantamento do continente. Provavelmente, emquanto a
Guyana existiu como uma ilha, o Amazonas sentiu a accao
da corrente equatorial que muito devia ter influido nos
transportes dos detritos de desnudacao. No fim, as camadas
terciarias foram varridas sobre uma immensa extensao de
territorio, conservando-se a serra do Para, e as montanhas
semelhantes, ao Norte, como monumentos de sua existen-
cia. ¥.m Monte-Alegre, em Santarem e perto do Alter do
Chao (no Tapajos), os monticulos largos, arenosos e arre-
dondados, parecem representar hoje nada menos que res-
tos das collinas terciarias que foram derrocadas e em parte
reestratificadas, ate que appareceram como enormes ban-
cos de areia. Emquanto o man to terciario se desnudava,
as correntes das terras altas foram rasgando por si mes-
mas numerosos valles atravez das camadas, e estes for-
mando estuario, dilataram-se em maior extensao do que te-
ria sido possivel fazel-o as proprias correntes. Durante esta

lO



6(1 As Regioes Ama^om'cas

epocha de desnudacao, foram deixados varios depositos
nao so no fundo do mar interior, mas tambem no golpho
em que elle se abria, a Leste.

•Continuando a sublevacao, o mar interior, agora pouco
fundo em virtude da deposicao de muito sedimento, e ao
mesmo tempo salobro pelo tributo de ijiiihares de corren-
tes, estreitou-se rapidamente quanto li sua area, e o rio
Amazonas que antes desaguava em um lago, ao pe dos
Andes, come^ou a estender o seu curso, seguindo as aguas
que se retiravam. Por fim, o canal que communicava com
a bacia interior foi-se estreitando entre a linha de montes
que se estende de Obidos a Almeirim, e os altos do |ado
de Santarem, em uma distancla de nao menos de trinta a
quarenta milhas. Este ponto foi o que mais se estreitou.
Devo accrescentar que o curso do rio acha-se apertado pre-
sentemente em Obidos, pcia extensao das planicies alluviaes
no lado Sul.»

Ksta exposicao da theoria apresentada pelo sr. Hartt
estd de accordo com um facto que se dii no Amazonas e
e, que as tres seccoes do rio, a que os indios ou os primei-
ros navegadores deram os nomes de Marafion, Solimoes
e Amazonas, pouco mais ou menos cotncidem gcologica<
mente com tres seccoes do valle distinctas por seus caractercs
phisicos e que parecem differir em sua riistoria geologica.

Do que tenho dito resulta que apenas as primeiras pa-
ginas estao lidas dos estudos geologicos da Amazonia, e
nem e para admirar que em tao extensas regioes, em que
a solidao domina, para estes inumeros e exiensos rios af-
fluentes em que so navega a ubd do indio, ou a montarra
do regatao, e so de dias a dias se ouve o sibillar dos va-
pfires, nao bastem trinta ou quarenta volumes de algum va- ■
lor escriptos por homens de sciencia, como Wallace, Hum-
boldt, Hartt, Martius, Herndon, etc., que se nao conten-
tam em narrar episodios, ou factos e tradicoes, mal obser-
vados, mal comprovados, como as obras de Emile Carrey,
Biard, etc., que rivalisao na imaginacao inventiva com oca-
valheiro de Monkauscn.



1



Capitulo 1 ~- A Ama^om'a 67

Antes de concluir o que jutguei dever dizer sobre o
Amazonas, e passar a tratar dos seus pnndpaes tributa-
rios, permitra-me o leitor algumas reflexoes geraes sobre as-
regioes banhadas por aquelle canal, que terao em vista
mostrar que os territorios que constituem os estados do
Pari e Amazonas desde jd deveriam comeijar a chamar a
attencao dos emigrantes, e entretanto sao elles dos mais
desconhecidos e abandonados, e isto devido tanto a igno-
rancia no estrangeiro, como ii culposa indifterenca dos na-
turaes e tk dos povos limitrophes, que pela sua posicao geo-
graphica tem inreresse no desenvolvimento da Amazonia.

Aonde se encontrard um trato de terras de todas as
composicoes com um decljve tao suave, com tantas e tao
abundantes riquezas naturaes, que como este offereca uma
superficie computada cm cerca de 4.000:000 de milhas qua-
dradas cortadas pelos rio mais consideraveis do mundo que
facilitao a navegaijao ate os extremes limites, e concorrendo
todos com suas aguas a formar um canal gigantesco, essa
communicacao internacional destinada a transportar quasi
de um a outro oceano a's produccoes da Kuropa assim como
a levar a esta as produccoes inumeras e immensas de to-
dos os ponios da America central e do Brazil, para forne-
cer OS productos das frigidas encostas dos Andes c das ar-
dentes planuras das Guyanas? A extensiio deste canal ava-
iia-se, e a sua importancia comprehende-se, vendo que eile
tem um curso de 3:ooo milhas a contar de Pongo de Maus-
seriche ate o Oceano, e que pode ser navegado por qual-
quer navio.

Se porem os terrenos que elle domina com os seus tri-
butarios espanta pela extensao, nao menor admira<;ao causa
pela variedade e nqueza de productos em qualquer dos
reinos da natureza; assim alH encontramos o cacao, o cafe,
o algodao, o memdobim, a borracha, o sassafras, os oleos
diversos, mais de 400 espccies de madeiras utilisaveis, o ou-
rucii, o cauchu, a coca, o marfim vegetal, o cumaru, o
umiri, o milho, o feijao, as farinhas, os grudes, as casta-
nhas de tantas especies, as feculas, o cravo, a canella, a



68 -45 Regioes Ama\onicas

quina, a copahyba, as resinas variadas, o guarana, as fi-
bras desde a estopa Ss que sao eguaes a seda mais fina,
as painas quasi impalpaveis, a ucuiiba para vellas, os vc-
nenos mais energicos, a par de medicamentos preciosos que
Spix e Martius consignaram em seus escriptos.

Mas se tudo isto nao bastasse para demonstrar a these
que enunciei, ella tern a sua completa prova no estudo
d'essa sede de rios que se crusam, cortam, enredam, tra-
zendo todos as suas aguas para um centre commum, e pro-
mettendo um futuro desen\iolvimento commercial para o
interior d'estas regioes quando habitadas como em nenhuma
outra parte vemos. A uberdade parece ser a partilha de
todas as terras regadas por estes rios, desde os Andes pe-
ruanos ate ^ sua entrada no Oceano.

As cheias periodicas inundando largas extensoes em to-
das as suas margens, n ellas depoem os nateiros que dao
a abundancia das colheitas.

A facilidade de communfcacoes fluviaes ainda vem ro-
bustecer mais a these que enunciei; assim tanto nos terri-
torios das nacoes visinhas como no do Brazil, estas estra-
das que se movem, cortam as vastas extensoes, e sem per-
tender enumeral-as todas, enumerarei algumas como o Ual-
laga ou Guallaga a ii** N. e 75** long. O. com 600 mi-
Ihas de curso, o Ucayalle com 1 1400, o Morona navegavel
por mais de 3oo milhas, o Gavary situado a mais de 600
legoas do Atlantico com um curso de 38o milhas, o Ju-
tahy, o Jurud correndo parallelos, um com um curso de
perto de 400 milhas, o outro com mais de 700; o Puriis
com um curso proximo a i :ooo milhas^ o Madeira com um
curso desempedido de obstaculos ate perto de 480 milhas
de sua foz, e tao cxtenso e elle, que se nao fora o obsta-
culo das cachoeiras, elle, levaria o viajante ate os pontos
mais centraes da Bolivia, pois tem o seu /erwmws junto as
serras nevadas do Sorata.

Muitos outros poderia enumerar como o Tigre, o Pas-
taza e o Napo, que nos levam ao Equador, o Japurd e o
Caqucta, que nos conduzem a Nova Granada, o Rio Ne-






Capilttlo I — A Ama\onia 69

gro que percorre a Nova Granada, Venezuella e Brazil,
tendo tributaries como o Uaupes, Padaviry, e Branco,
comum curso de i:5oo milhas, navegavel em mais de 1:600.

Para que enumerar os centenares de outros affluentes
que cada vez comprovariam mais a admlravel divisao de
tantos canaes, dos quaes o maior numero e superior ao
Rheno, Rhodano Tibre, Danubio, por aquella superficie de
4.000:000 milhas quadradas, divisao que permitte, que pro-
mette, que assegura, o mais facil e collossal commercio en-
tre todas as nacoes, que mediata ou immediatamente com-
municam com o Amazonas?

Esta disposicao unica, singular no mundo inteiro, devia
assegurar a imigracao, a facil colonisacao, a uniao politica,
e estreitar as relacoes sociaes, facilitar o conhecimento, es-
tudo e uniao de toda a America Meridional, e entretanto
esta uniao, este desenvolvimento commercial, esta frater-
nidade americana, nao passa de ser um sonho, e de tudo
isto nada existe senao os elementos dados por Deus, que
tanto deviam surgir se a intelligencia hum^na viesse fecun-
dar este mundo morto e inerte.

O sr. Rojai no seu importante trabalho sobre o Norte
da America do Sul, melhor do que eu tracou em um qua-
dro synoptico as communicacoes que fariam de toda a Ame-
rica meridional um todo grande e poderoso ligado pelos
seus rios. Diz elle: «0 negociante do Pard tomando a direc-
cao Norte sobre o rio Negro, penetra nos valles do Orinoco
pelo Cassiquiari, ou pelo isthmo de Pimichim, baixa pelo
Atabapo ate o Orinoco, e ^eguindo depois seu curso, ou
chega ate Angustura, ou ate o Atlantico; ou subindo o
Apure ou o Guarico, visitando as provincias interiores de
Venezuella, ou tomando pelo Meta, chega ate o interior da
Nova-Granada, ate Bogotd; e pelo Casanave ou pelo Meta
acima chegard ao Rio-Negro. Ao que vier de Demerara ao
NE. n'aquelle continente, subindo o Esequibo ate Repu-
nuni, limite com Venezuella, e o Avaricurii, tributario, d'este
atravessando o isthmo que communica os valles, baixa ate
o Pirarara, tributario do Rio Branco, e todos que se Ihe



70 As Redoes Ama^onicas

juntam ate o Amazonas. Se quizer percorrer os paizes do
Oeste, ird ate Cuzco pelo Ucayalle, ate Pasco cLimapelo
Huallaga, ate Quito pelo Napo, e pelo Madeira e seu tributa-
rio Mamore ate a propria capital da Bolivia (Chuquisaca).

a Para completar a communicacao fluvial interior com
todos OS pontos do continente, dirijamo-nos agora ate os
estados do Prata, tao admiravelmente situados para pode-
rem alcancar seus respectivos governos, d sombra de insti-
tuicoes regulares, um alto grdo de prosperidade e um bem
estar invejavel, (•) e examinemos ao mesmo tempo a possi-
bilidade de communicar aquelles valles com os do Amazo-
nas, Orinoco e Esquibo.

«Cumprindo este proposito, indicaremos primeiro as lo-
calidades por onde precisamente existem essas vias de com-
municacao, e direi o que ate agora consta acerca de sua
praticabilidade.

fEntre 8^ e 21^ lat. Sul, e 44^ e 65*^ long. Oeste, existe
uma cordilheira de montanhas situadas de Leste a Oeste,
a qual atravess^ aquelle espaco fazendo grandes inflexoes,
desde Piranga, em Minas Geraes, ate quasi encontrar o rio
Madeira na lat. 8.® Sul. Esta serra com diflFerentes nomes,
segundo suas inflexoes, ora e chamada Serra Marcella, ora
Tabatinga, Pirineos, Sacco, Campos do Parecis, semelhante
a Serra Parimd, ao Norte, que separa os valles do Orino-
co dos do Amazonas ao NO., e dos do Esequibo ao NE., que
dd aguas por sua vertente septentrional ao Orinoco e Ese-
quibo, e pela meridional ao Amazonas por intermedio
do rio Branco e outros mais 'a Leste, exercendo as mes-
mas funccoes que esta, repartindo as aguas N. S. e for-
mando com ellas os grandes rios que cahem no Amazonas,
o Madeira, o Tapajos, o Xingu, Araguaye Tocantins, e ao
S. OS principaes que levam as aguas ao Prata, Paraguay e
Parana.

«Pois e n'esta serra, toda pcrtcncentc ao Brazil, que
podem operar-se as communicacoes entre as aguas do Ama-



(>) Isto era escripto em 1867.



Capitulo I — A Ama:{onia 71

zonas e as do Prata, Paraguay e Parand, e aperfeicoar-se
as que existem ainda em seu estado natural, particular-
mente entre as latitudes i3^ e 16^ S., e as longitudes 5o°
e 60" O., situadas nas provincias do Matto-Grosso e Goyaz.

cQuatro sao ate agora os pontos indicados para reali-
sar tao importante uniao, pelos rios Sumidouro e Avinos,
tributarios do Tapajos com o Paraguay, tributario do Prata;
com o Avinos egualmente por meio do Cuyabd, tributario
do Paraguay; pclo Xingu, tributario do Amazonas, com o
mesmo Cuyabd; e em quarto logar finalmente pelo Pilohibo,
tributario do Araguay, com o Piquiry, tributario do Cuyabd,
OS tres primeir6s nas serras dos campos dos Parecis, o ul-
timo na serra do Sacco.

•Das communicacoes indicadas, a mais facil e aquella
que, subindo o Tapajos ate quasi a sua origem, toma por
um outro de scus tributarios, o Avinos ou Sumidouro, que
nasce por 1 3*^40'; este caminho e o mais frequentado por
estar situada, um pouco acima da bocca do Tapajos, uma
povoacao importante (Santarem).»

Se eu tivesse os conhecimentos precisos, ou tivcsse os
materiaes necessarios para um estudo desenvolvido da es-
tructura geologica do Brazil, seria aqui o logar apropriado
para tratar da sua orographia mas nao os possuo nem o
quadro que tracei a este meu trabalho comporta um tal
desenvolvimento; estes meus estudos limit2fm-se aos cs-
tados do Pard e Amazonas, e so do que a elles disser res-
peito me occuparei.

Poucos sao OS estudos feitos sobre este ramo de conhe-
cimentos applicados ao Brazil, Humboldt, d'Orbigny, Agas-
siz, Martius, A. S.' Hilaire, e um ou outro mais, sao os que
d'elle se tem occupado, e com razao diz H. Smith, que
quanto d geologia, bem como d geographia, o valle do Ama-
zonas apenas em um ou outro ponto foi prescrutado.

Os que o tem tentado, tem reconhecido a natureza geo-
logica das diversas formacoes amazonicas na direccao a
que os levou o seu piano de viagem, mas nao poderam re- ^



;



72 -45 Regioes Amaionicas

/

conhecer nem a extensao nem os limites d'essas formacoes;
assim os grSs, os schistos argilosos, sao os que mais appa-
recem simultaneamente com as rochas metamorphicas; a
formacao devoniana, assim como a carbonifera sao larga-
mente represeritadas, e d'Orbigny as referiu d idade car-
bonifera; mas por outro lado temos que a stratificacao da
epocha secundaria que se apresenta na linha divisoria das
aguas do Tocantins forma tambem uma parte da planura
amazonica; no planalto Guyanez tambem o gr^s figura em
largflt escala e na sua margem meridional as rochas cris-
tallinas se apresentam inferiores a estas fachas sedimen-
tares.

Vemos pois quantos elementos de estudo faltam para o
conhecimento perfeito da orographia amazonica.

Na obra publicada no Diario do Gram Para com o ti-
tulo Ama:^onia, como devida a tres cavalheiros, mas que ao
certo, a primeira parte, a unica publicada, e so devida ao
talentoso escriptor Jose Gualdino, encontrei reunidos sys-
tematicamente muitos elementos sobfe este assumpto, co-
Ihidos como elle diz em uma serie de numerosos e exten-
SOS documentos publicados em diversas epochas. E d'este
trabalho pois que tirarei parte do que se segue, lamentando
que um trabalho tao rico de estudos fosse interrompido
pela morte do auctor (1890). Alem d'este, tenho consultado
muitos outros auctores para este meu trabalho, a elles irei
buscar muitd do que escrever, referindo-o com lealdade.

Divide elle o systema orographico brazileiro nas seguin-.
tes cordilheiras com diflferentes inclinacoes de S. a N. A
principal, Cordilheira central^ tambem chamada da Manti- '
queira ou do Espinhaco, que se estende do 10® ao 28" pa-
rallelo, atravessando as provincias da Bahia, Minas-geraes,
S. Paulo, e a extremidade septentrional da de S. Pedro do
Sul, terminando na do Rio de Janeiro. N'esta cordilheira
tem suas vertentes os rios S. Francisco, Jequitinhonha e
Parand.

Cordilheira Oriental — Demora em uma direccao pa-
rallela d costa e em uma extensao comprehendida entre 16**



r



Capitulo I — A Amazonia 78

e 3o® de lat. Esta linha de montanhas e geralmente conhe-
cida pelo nome de Serra do Mar; atravessa as provincias
do Rio Grande, Parahyba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe,
Bahia, Espirito Santo, Rio de Janeiro, S. Paulo, S. Pedro
do Sul, e e ligada d serra do Espinhaco pelas montanhas
das Esmeraldas, Negra e Escavada. N'esta cordilheira tem
sua origem o Parahyba do Sul, Tiete, Parand-panema,
Uruguay.

A Cordilheira Occidental — Estende-se desde a fron-
teira meridional do Ceard ate a extremidade occidental de
Matto-Grosso, descrevendo um enorme semi-circulo que
corta as provincias de Piauhy, Pernambuco, Minas, Goyaz,
Matto-Grosso, com os nomes de Serra Ibiapaba, Tabatinga,
Arara, Pirineos ou das Vertentes, de S.** Martha dos Bo-
roros, dos Parecis e Urucumaque. A serra Borborema e um
braco que sahe da das Vertentes na parte que e chamada
Serra Ibiapaba e atravessa a Parahyba, dirigihdo-se ao Cabo
de S. Roque. A O. da zona das Vertentes, a contar da
serra Tabatinga., nota-se uma serie de montes que, dirigin-
do'se ao Norte e ramificando-se para Este, separam as
aguas que regam o Maranhao das dos affluentes orientaes
do Tocantins. Entre muitos outros rios o Tocantins, Ara-
guaya Parnahyba, Xingii e Tapajos tomam a sua origem
nas serras Negra, dos Cristaes, da Canastra e Marcella
que se unem com a cordilheira occidental.

Cordilhei^-a Septentrional — Esta e constituida pela se-
rie de montanhas que, seguindo-se umas ds outras nao for-
mam uma verdadeira cordilheira, pois entre si sao separa-
das por grandes planuras e extensas florestas; e a linha
d'estas montanhas que separa no grande continente a parte
que constitue as Guyanas Franceza, Hollandeza, e Ingleza,
e a Columbia e ainda uma parte que e do Brazil.

Os principaes de entre os numerosos rios que tomam
suas aguas em uma ou outra das vertentes d'estas monta-
nhas, sao o Orinoco, o Maroni, o Esequibo, o Surinam, que
desaguam no mar, e todos os outros que trazem suas aguas

ao Amazonas e Rio Negro na outra vertente.
10 #



74 -^ Regides Amaimticas

As serras mais notaveis sao a Tumucuraque, Acaray,
Pacaraind, que se vao ligar a serra Parimd, e a primeira
d'ellas vem perder-se proximo ao mar pelo lado do cabo
de Orange, e esia serra, que em uma de suas raraificaijoes
vai constituir a serra do Pard e as pequenas serranias de
um caracter original pelo seu isolamento, conhecidas com
OS nomes do Velha-pobre, Almeirim, do Paru, do Ouleiro,
e as do Paiiuna, Tajury e Erere, junto a Monte-AIegre.

A altitude media do' systema diminue de N. a S. de
7^6 ate 400 toezas; a dos pontos maximos de 1 ;35o a 1 :ooo
e a 900 toezas. A cadfia mais elevada e a do littoral de Ve-
nezuella, que se liga aos Andes. Se estudarmos o Norte, en-
contramos nas Americas Gentraes {lat. 12° e 3o°) e boreal
(lat. 3o" e 70") a E. dos Andes de Guatemalta do Mexico,
da Alta Luiziania, a mesma regularidade -de abaixamenio
que se nota no Sul.

Nao me alongarei mais, acompanhando a obra que ci-
lei, em seus desenvolvimentos; o meu fim foi dar facilidade
aos que bem quizerem conhecer a bacia amazonica, em se-
guir o contorno das serranias, tanto na Cordilheira Occi-
dental como na Septentrional que formam as grandes ver-
tentes em que vao tomar origem os principaes affluentes
do Amazonas.



[



CiPITULO II
OS TRIBUTARIOS DO AMAZONAS

MARGEM DIREITA



HUALLAGA. — UCAYALI.— JavARY. — JaNAIATUBA. — CoMATIA. — InIATE.— AcURUL— PaTIA.—
MaTURA.— JUTAHY.--ICAI>l£. —MUJUITIBA. — MaNARUA.— PURUINl.— GURUMATI.— CaMPINA.
— UmANAPIA.— CaYARAS.— JuRAHV.— JuRUA.— ACARICUARA.— TEFrf.— CATAMi.— JiTICA-
PARANA.— CaTUA.—COARY.^MaMIA. — QuENARU.— CaMARA. — PuRUS E SEUS AFFLUEN-

TES.— Uautas.— Madeira e seus affluentes.— Tapajos b seus affuentes.— Andira.—
CuRUA.— Uruara. — Aquiqui. — Xinou.— Tajipuru.—Anapu.—Pacaja.— Jacunda.— To-
CANTiNs e beus affuentes.— Capih.—Guama.—Guajara.



Nao tenho a presump^ao de enumerar e menos descre-
ver todos os affluentes do Amazonas, e nem isso me seria
possivel porque de grande parte d'elles apenas se conhece
a embocadura e o nome, ignorando-se portanto se elles se-
rao rios distinctos ou ramifica^oes de um mesmo tronco
com diversas sahidas e indo ligar-se ds vezes bem longe;
alguns nao ennumerarei pela sua pouca importancia, nao
tendo quasi curso algum, outros um pequenissimo volume
de agua nao passando de ribeiros ou riachos pelos quaes
nao se p6de estabelecer navegacao, e contentar-me-hei em
Ihes indicar os nomes.

Dos mais importantes, a proporcao que d' elles for tra-
tando, direi o que souber sobre seus affluentes e condicoes
favoraveis que ofiFerecam para communica^oes com as dif-
ferentes nacoes visinhas ou com outros estados da Repu-
blica.

O titulo que dei a este livro parece que me nao obriga



•76



As Regioes Ama:{onicas



a fallar de alguns grandes affluentes do Amazonas que
n'elle desembocam em territorio que nao e brazileiro, taes
como o Huallaga, o Ucayalle, na margem direita, e o Mor-
mo Pastaja, Tigre, Yacii, Hambira e Napo na margem es-
querda, mas tratando do grande rio, parece-me que este
trabalho ficaria incompleto, se d'elles nao dissesse alguma
coisa sendo importantissimos pelo volume de suas aguas
e pelo seu extenso percurso, e por isso os encontrareis nas
seguintes paginas enumerados.

Huallaga — Tambem conhecido com o nome de Gual-
laga. Os quatro viajantes que mais estudaram este rio fo-
ram Th. Haenke, em 1790, Smith, entre 1810 e 1820, o te-
nente americano Herndon, em 1857, e o viajante Charles
Wiener, em 1879.

O volume de suas aguas, a extensao de sua carreira
fizeram que antes de ser melhor explorado muitos o to-
massem pelo tronco principal do mesmo Amazonas. A
primeira seccao do seu curso e cortada por corredeiras e
cachoeiras, que talvez sejam as ultimas ramificacoes das
serras em que elle toma origem nas vertentes orientaes
dos Andes.

Segundo Herndon o ponto de onde comeca a navega-
cao do Huallaga, e em Tingo-Maria; e n'essa encosta que
mais abunda a coca, essa planta de tao notavel accao no
systema nervoso; so n'esta quebrada sao colhidas annual-
mente 700 cargas de coca, ou 182:000 libras; d'este ponto
(Tingo-Maria) para baixo o rio comeca a ofiferecer m^ior
fundo e e desimpedido dos obstaculos que ate ahi apre-
sentava.

Tingo Maria, que e o ultimo ponto navegado a vapor
n'este rio, dista 610 kilometros de Tabatinga e 3:387 kilo-
metros de Belem, segundo Herndon. Alem de Yurima-
guas, o Huallaga so e navegavel a canoas ate Tingo-Maria.

Nas dififerentes obras que consultei, assim como nos
mappas e roteiros, nada encontrei que me desse as distan-
cias parciaes entre estes dois pontos; so pude colher os
seguintes dados:






Cop.*' 77— Trib.^' do Ama\onas^ M. Direita 77

Distaneia no rio Hu^aga de Tabatinga a differentes pontes

Loreto g leguas

Camucheros 21 »

Peruate 27 »

Maucallacta 3o »

Cochiquinas 32 »

Pebas. 38 »

Corocoche 5i »

Pisco-AIpa 55

Tinicuro 57

Iquitos 62

Omaguas 70

Nauta • 75

S. Regis 81

Parinari q3 »

Urarinas 119. »

Distaneia de Lima a Tingo-Haria

De Lima a Cliiclocaio ^ 18 milhas

» Cliiclocaio a Sant'Anna 10 »

» Sant'Anna a Surco 18 »

» » a San Mateo 18 »

» » a Achalmasco i3 »

» » a Morocoche 12 »

» » a Oroia 17 »

» » a Tarma 16 »

» » a Palcamaio : 1 5 »

» » a Junim 18 »

» » a Carhuamayo 1 5 »

• » » a Cascamarguilla 1 5 »

» » a S. Rafael i5 »

» » a Ambo 20 »

» » a Huanuco 1 5 »

» » a Acomaio 14 »

249 milhas




As Regioes Ama^onicas

Transporte 249 milhas

Dc Sant'Anna a Chinchao 16 »

■ » a Chihuangalla 20 >

» )) a La Cueva 20 i

» p a Tingo-Maria 10 »

3i5 milhas

Ksta distancia pode ser encurtada de 28 milhas, vindo
dircctaraente de Lima a Serro de Pasco em vez de virpor
Tarma. As ultimas 3o milhas sao feitas a pe, por nao ha-
ver caminho aberto para mulas.

Diz Herndon que de Tingo-Maria ate Chacuta, pontes
cm que no ate A sua foz pode ser navegado mesmo na
cpocha da vasante per barcos dednco pes de calado de
agua, contou tresentas e vinte cinco milhas, e de Chacuta
ale u foz ainda se contam 285 milhas, ou total de extensao
navcgavel 610 milhas, com uma inciinacao de seu leito de
quatru pes e vime ceniesimos por milha.

Kste rio que pasce na provincia de Janin, perio de Hua-
nico, 56 toma o nome de Huallaga em Muna, sendo ate ahi
conhccido pelo nome de Huanico.

Herndon gaba muito os terrenos por elle banhados, nao
so por saas numerosas produccoes, como pela boa quali-
dade d'ellas.

O UCAYALI

Na obra do Sr. Jose Gualdino se faz mencao do no
Lameria, e diz elle que, segundo o que a respeito escreve
Carlos Wienner, tern um curso por elle navegado de cerca
dc 400 kilometres com affluentes consideraveis, e e rico em
Hevacas ('). Entretanto Herndon que percorreu estas pa-

(') Hevaca guxanensis, uma das arvores com euja seiva e feita a
borracha que entra no commercio, Como ella, u Syphonia elastica, .1
.lairnpha elaslica, ii Syphoniii cabuchit, a Syphenia rythidqcarpa, ser-
vem para o fabrico de borracha; as melhores porem sao obiidas de
Hev;ik:a gujanensis e da Syphonia elasiica, peculiares ao Yalle do Ama-



Cap,^ II— Trib,^ do Amd^onas^ M. Direita 79

ragens nao em lancha a vapor mas em canSa, lentamente,
estando em demorado contacto com os habitantes", infer-
mando-se com elles, nem uma palavra diz sobre elle, nem
com um traco o assignalou em seu mappa; pela mesma
forma, Martius no seu atlas, que e um dos melhores, o nao
marca. Acredito porem a asser^ao de Wienner, pois que de
muitos outros rios importantes n'estas regioes sei que ainda
nao foram navegados, sendo porem para admirar que a
Geographia do Perti^ de Paz Soldan, tratando miudamente
do Ucayali e do Huallaga, nao falle d'elle.

Feita esta observacao, para que me nao chamem leviano,
tratarei do Ucayali.

De todos OS rios que concorrem no' Peru para formar
o Amazonas, e este o. mais importante, e tao importante
que ainda hoje se dividem as opinioes entre ser elle ou o
Maranon que dd origem ao Amazonas. Os geographos Paz
Soldan e Raymondi opinam que deve ter esta honra o Ma-
rafion; entretanto parece a outros erronea esta opiniao, fun^
dados nas seguintes fortes razoes: o Maranon tem menor
extensao, traz menor volume de agua e nao pode ser na-
vegado em todo o anno, o Ucayali porem trazendo maior
massa de aguas, pode ser navegado em todas as epochas
por barcos de 600 toneladas, como o vapor Morona^ ate
uma distancia muito maior, isto eni todo o anno como se
acha confirmado pelo ^iario das duas expedites feitas
pelo tenente Raygada. O Ucayali tem a sua Origerii nos
Andes, nas montanhas de Sica, departamento de Cusco, aos
10^-40' de latitude Sul e ao 74^-40' de long. Oeste de Pa-
ris; e desde a sua junccao com o Maranon, a cinco milhas
de nauta, que o Amazonas se torna verdadeiramente o col-
losso dos rios. Este ponto de junccao em que ternlina a ba-
cia superior Amazonica, dista da foz do Huallaga 180 ki-
lometres, e 420 de Pongo de Mauseriche.

Tem elle numerosos affluentes dos quaes os principaes
sao o Sant'Anna ou Urubamba, o Apurimac, o Pachitea,
alem de outros. O seu curso e aproximadamente de 2:400
kilometres. Entre os affluentes que notei, merece especial



8o As Regioes Amaionicas

men^ao o Pachitea, pelo seu affluente o Mairo, que e nave-
gavel ate Mairo a loo legpas do Pacifico e a 180 de Iqui-
tos, no Amazonas.

O Ucayali e de suprema importancia para o Peru, pois
por si e por seus affluentes leva o commercio e a vida so-
cial a enormes distancias. O Peni ve-se obrigado a dar
seus productos ou a vapores que levam a navegacao ao
longo da costa dobrando o cabo de Hornos, ou entrando
no Estreito de Magalhaes, ambos os caminhos arriscados,
e indo ate o Rio de Janeiro e d'ahi para a Europa; ou se-
guindo o isthmo de Panamd e sendo baldeado duas vezes,
o que OS deteriora e sobrecarrega com despezas. Ao passo
que ficando os ultimos pontos navegaveis pelo Ucayali e
seus affluentes a distancias relativamente pequenas de mui-
tos pontos productores, por este rio os productos teriam
facil conduc^ao e animariam este transito as industrias que
se Ihe tornariam inherentes, ficando o dinheiro e o resul-
tado do seu giro no paiz.

Quando tratarmos do Madeira e da Bolivia, onde elle vai
buscar parte de suas aguas, veremos uma questao analoga,
mas como ella diz respeito ao Brazil, eu serei mais extenso
do que n'esta, que e particular ao Peru.

JAVARY

O Javary fica situado, segundo os mappas do Sr. J. da
Costa Azevedo, a 4^-1 5' de lat. S. e a 26®-46'-24" de long.
O. do Rio de Janeiro. D'este rio, assim como de todos
aquelles a que o commercio nao tenha dado especial atten-
cao, como acontece com o Madeira, Purus e lea, as no-
coes que tenho nao sao satisfatorias; direi porem aquillo
que a respeito pude colher. Este e um dos pontos que, como
jd atraz fica dito, foi reconhecido como fronteira, e d'ahi
deve partir a linha divisoria a encontrar o Japurd ou Ya-
purd; e nao so por isso, como porque na parte hespanhola
ate o Javary, tem o grande rio o nome de Maranon, e d'ahi
aguas abaixo ate d confluencia do Rio-Negro e chamado



^ — -



. Cap.° II — Trib.^^ do Ama:{onas^ M. Direita 8i

Solimoes e deve despertar a attencao como formando o
termo de uma das duas grandes seccoes que atraz enumerei.

As nacoes indicas, que percorrem estas regioes, eram no
tempo e segundo a narrativa de Christoval da Cufia, Chamitd,
Chimaaud, Colino, Maraud, Momaud, Pano, Tapaxana, Tu-
cuma, Uaraicu, Yames e Mayarunas; em 1768, jd o padre
Dr. Jose Monteiro de Noronha, vigario geral da capitania
do Rio Negro, occupando-se das nacoes de indios, que ha-
bitam este rio, nao falla nas nacoes Colino, Momaud, Ta-
paxana, e Tucuna, e em nossos dias quasi que so se falla
dos ferozes Mayrunas, aos quaes por corrupcao chamam
Mangeronas, que parecem ter adquirido o quasi exclusivo
dominio d'estes logares, conservando-se bravlos, e dando
provas de que nao querem o contacto dos brancos, aos quaes
attacam, como fizeram a expedicao exploradora de que fa-
ziam parte como chefes, o distincto hydrographo da mari-
nha brazileira Soares Pinto e o escriptor e geographo pe-
ruano Paz Soldan, perecendo o primeiro a frechadas dos
indios, e o segundo tendo perdido uma perna que Ihe foi
amputada; alem de outros mortos e feridos. A causa d'este
morticinio e attribuida a terem os exploradores, para faci-
litar a marcha dos escaleres, cortado as pontes formadas
por grandes arvores, que os indios tinham lancado de uma
a outra margem, o que elles tomaram como uma aggressao.

Poucos dados encontro para com exactidao marcar a
extensao de seu curso e sua direccao; assim Herndon ape-
nas percorreu n'elle uma extensao de i83 kilometros, Cas-
telnau da-lhe um curso de 270 milhas, e como direccao dd-
Ihe a de Leste-Oeste; outros dao a de N. E.

Segundo a carta citada por Castelnau em sua obra e
que elle suppoe levantada pelos commissarios portuguezes,
subiram estes o rio pelo seu ramo principal, o Jacarand,
210 milhas em linha recta; elle e comtudo, segundo affirma
Castelnau, em extremo sinuoso c tanto que elle calcula a
sua extensao seguindo as sinuosidades de seu curso em
525 milhas.

Possuo um mappa d'este rio, que foi de meu pae, que
II



82 As Regioes Ama:{onicas

por muitos annos fez parte da ultima commissao portugueza;
esse mappa e dos primeiros commissarios de 1778 e da a
linha N. E. como a direc^ao do Javar\'; nao traz porem se-
nao uma parte de seu curso.

O valle em que corre o Javary nao ofiFerece a largura
d'aquelles em que correm o Jurud e o Purus, e comtudo
mais agradavel pois que as suas margens nao sao tao bai-
xas e alagadas; e rico de produccoes naturaes, taes como o
cacdo e a salsa parrilha.

Acontece que a margem peruana d'este rio e pouco
abundante das arvores que produzem a borracha, ao passo
que na margem brazileira ellas crescem numerosas; entre-
tanto a maior parte da goma elastica d'estas regioes
vem apresentar-se nos mercados de Mandos e Pard como
vinda do Peru, gracas d criminosa conivencia das autori-
dades brazileiras que auxiliam este commercio em vez de o
fiscalisar; quasi toda a borracha que n'aquellas proximida-
des se fabrica em territorio brazileiro, atravessando o Ja-
vary, vai baptisar-se peruana na outra margem com a be-
nevola assignatura de funccionarios brazileiros. Em uma das
occasioes em que tive a honra de administrar as provincias
amazonicas, remetti ao governo central uma guia em branco
]i assignada pelos funccionarios que a deviam legalisar, an-
tes de se inscrever os generos a que ella se referia, e o func-
cionario, em vez de ser castigado, foi removido para melhor
logar.

Dizem as chronicas de tempos passados que os indios
Ma3airunas usam uma coroa aberta no alto da cabe^a, tern
furos nos beicos que ornam com penas de cores, mettidas
n'esses furos; eguaes ornatos, contas e conchas usam pen-
dentes das orelhas e labio inferior. Dos seus costumes, di-
zem que sao mui barbaros, sendo mesmo authropophagos
nao so para com os inimigos, como para com os de sua
propria na^ao que estao doentes ou muito velhos, tomando
parte nos banquetes os proprios filhos e paes dos que fo-
ram mortos. Isto tem sido repetido pelos chronistas e via-
jantes fundados na affirmativa dos que os precederam. Que



Cap.° II — 7rib.°' do Ama:{onaSj M. Direita 83

elles sao ferozes, que matam seus inimigos sem perdao e
que com OS ossos das canellas fazem ornamentos, nao ha
que duvidar, pois que as viagens feitas pelos commissarios
peruanos o tem provado, e eu j^ tenho tido em minhas
maos alguns d'estes ornamentos, mas quanto a canibalismo,
ainda nao obtive provas para mim indiscutiveis, antes em
contrario para esta e outras nacoes de indios.

Este foi o local escolhido pelo missionario Samuel Fritz
para uma das aldeias, que, come missionario da coroa de
Hespanha, tratou de fundar, ate que em i6gi foi preso por
ordem do governador geral Antonio de Albuquerque. Este
missionario bastante illustrado e o auctor de um trabalho
sobre o rio Amazonas intitulado: El gran rio Marabou e
Amaionas, em que discrimina a questao do territorio das
Guyanas que tao discutido tem sido. Esta obra existe, se-
gundo affirmam diversos e entre elles Joaquim Caetano da
Silva, em original na Bibliotheca Nacional de Paris, (vide
rOvapoc no § 20o5).

Segundo o dizer do J. Caetano da Silva e a assercao
de D. Antonio de Ull6a, o jesuita veio ao Pari em 1689,
tendo descido o Amazonas; ahi foi retido, nao como espiao,
mas por ter fundado missSes hespanholas nos territorios a
Leste do Javary, e permaneceu no Pari 32 mezes e d'ahi
partiu a 8 de julho de i6gi no tempo do governador geral
do Maranhao, Albuquerque, O jornal de Fritz, lido por La
Condanime, attesta que o mappa foi organisado no Paril,
e gravado depois em Quito. O trabalho foi corrigido em
1693 pelo seu auctor, e publicado em 1707.

BIO JANAIATUBA

D'este rio apenas e conhecida a embocadura, nunca tendo
sido objecto de uma exploracao.

No mappa de Spix e Martius, em seguida ao Javary
descendo o Rio, se acham designados os rios Gapacete,
Jurupary, Tapera, Manapura (segundo Baena, Macapuand),
Pacuti, e so depois e que se encontra o Jandiatuba; se-



84 As Regioes Ama:{ontcas

gundo Baena porem na enumeracao dos tributarios do
Amazonas do seu Eiisaio Corographico^ em seguida ao Ja-
vary se encontra o Janaiatuba, e depois d'este e que elle
enumera o Jarupary, Tapera, Macapuand e Pacuty, todos
de muito pouca importancia. Segundo o testemunho do Dr.
Jose Monteiro de Noronha, o Pacuty e um riacho. e a meia
legoa de distancia d'elle foi estabelecida a povoacao de Oli-
venca depois mudada para outro logar.

Por estes logares vagavam os indios Umacas ou Cum-
bebas, Tocunas, Passes e Turis. O Padre Noronha, que e
minucioso bastante, falla do Jandiatiba mas nao do Janaia-
tuba.

CAMATIA

Pequeno rio nao explorado . habitado por indios Coli-
nos; e gabada esta situacao pelo contraste que ofFerecem
suas margens uma alta outra baixa. Para aqui foi mudada
a povoacao de Olivenca com o nome de Aldeia de S. Pedro.

So encontrei este rio marcado na carta de Spix e Mar-
tius, com um curso bastante grande e desembocando acima
da povoacao de Castro de Avelans, que no mappa de Mr.
de La Condamine e apontada com o nome de Kviratiba, e
por outros com o mesmo nome na margem septentrional do
Amazonas, pois que esta povoacao por algum tempo alii per-
sistiu, e depois nos outros logares: um proximo ao riacho
e outro entre os riachos Maturd e Maturapaca; depois junto
Aruti, ao Tonantins ou Caiana*na margem Norte; e fi-
nalmente onde hoje esta seis leguas acima da bocca do
lea, sendo em i833 elcvada a freguezia com o nome dc
Matura.

ACURUl OU GORDI, PATIA E MATURACl'PACA

Todos de pequeno curso e pequeno volume de aguas;
habitadas suas margens ate o fim do scculo passado por
indios Uaraicii^ Maraud^ Colihos e Cayiuncenas, D'estcs
tres pequenos rios o primeiro e o que tern maior curso.



Cap.^ 11— Trtb.^ do Amaionas^ M. Diretta 85

MATURA E COPATANA

Junto ao primeiro d'estes rios esteve uma missao das
que fundou o Padre Samuel Fritz de que atraz fallei e que
em lySo foi elevada a cathegoria de Logar de Castro Ave-
Idas. E n'esta missao que se deu o facto de que, sublevan-
do-se OS indios Cayuvicenas contra o seu missionario Fr.
Mathias Diniz, religioso carmelita, o trucidaram, abando-
nando a aldea, mas o governador do Para M. de Souza
poz em seu alcance uma forca commandada pelo capitao
Freire, Jose R. Santarem, que os alcancou e puniu.

O Capatana e um insignificante riacho.

JUTAHY OU HYUTAHY

E um dos principaes rios d'esta seccao amazonica, nas
quaes, como pondera Heb. Smith, se nota que os tres gran-
des rios da s a parte inferior, o Tocantins, o Xingii e o Ta-
pajos, sao cortados a cada passo, ja por correntezas impe-
tuosas, jd por verdadeiras cachoeiras, que difficultam e in-
terrompem a navegacao; depois d'estes appareceu Madeira,
como limite entre os planaltos de Matto-Grosso, e a vasta
e interminavel planura occidental que conserva o mesmo
aspecto por centenares de milhas.

O Madeira ja navegavel francamente ate Santo Anto-
nio, so oflferece a sua zona encachoeirada d'ahi em diante,
tendo depois espacos coMsideraveis de navegacao livre.

Os quatro grandes rios porem da parte superior do
Amazorias, isto e, o Javar}^ o Jutahy, o Puriis e o Jurua
offerecem todos elles, um caracter especifico, commum e
em tudo correlativo com a disposicao do terreno que elles
regam. Toda esta immensa regiao plana, na qual nem um
accidente de terreno, parece vir alterar a monotonia de um
constante e quasi completo nivellamento, tem nas aguas
dos seus rios quasi a mesma imobilidade da fraquis-
sima corrente; os barcos e vapores os percorrem sem ter
que receiar outra cousa que nao seja algum baixio na sua



86



As Regioes Ama:{atiicas



parte extrema, ou algum tronco cravado no fundo; o seu
percurso e geralmente sinuoso e nao se encontra o pitto-
resco de uma margem abrupta que parece ir cortar a pas-
sagem ao rio; aqui e sempre a margem alagada por largo
espaco, formando o extremo das terras com seus canaes e
lagos pouco profundos, as aguas argilosas, amarelladas ou
esbranqui^adas, correndo sem ruido. Eis o aspecto geral
d'este grupo de rios.

O Jutahy, podemos dizel-o, ainda nao foi explorado
scientificamente; o que d'elle se conhece e o que tem mar-
cado OS seringusiros (fabricantes de borracha), e esses tra-
zem para o commercio a prova da sua riqueza, na borra-
cha e salsa que alii abundam. A excursao que por elle fi-
zeram Brown e Lindstone, navegando em uma lancHa a va-
por mais de 700 kilometros, nao teve caracter scientifico; e
apenas uma descripcao de viagem, pobre de observacoes
geologicas, botanicas ou zoologicas. A bocca d'este rio e
situada, segundo Baena, a 2®-36' lat. Sul e 3io**-46'-3o" de
longitude. Seu curso tortuoso tem como tributarios os rios
Upid, Mutum, pela margem direita, e Coroem e Maca-
rary pela margem esquerda.

O sr. Barrington Brown em sua narrativa diz que via-
jou durante dez dias a vapor desde a sua foz, que elle col-
loca a 2° 43' 24" Jat. Sul e 66®, 43', 39" Oeste, e que apre-
senta i Vs niilha de largura. A duas milhas de distancia da
foz, j4 o rio tem s6 uma milha de largura, e vai esta gra-
dualmente diminuindo ate a 424 milhas da foz, ponto
extremo a que elle chegou; na parte inferior apresenta 6,7
ate 10 bracas de fundo.

No espaco que percorreu achou os seguintes afBuentes
importantes:

Upid que se une ao Jutahy pelo lado SSE. a cerca de
i5o milhas da foz, com uma largura egual d do Jutahy,
cerca de Va de milha com cinco e meia bracas de fiindo. -

O rio Mutum que conflue pelo rumo SE. a 3oo milhas
da foz com duzentas jardas de largura e 5 V* bracas de
fundo.



Cap.*^ II — Trib.^ do Amas^onas^ M, Direita 87

O Coroem, a cerca de 424 milhas com 100 jardas de
largura e 6 bra^as de fundo.

Foi elle informado por um sertanejo morador no Jutahy
que a E. ha um outro affluente com o nome de Flecha ou
Frecha, e antes d'este um outro bastante grande chamado
Euajd cujas aguas sao pretas.

Ate o rio Mutum a navega^ao e facil, com fundo para
um vapor de 200 a 3oo tonelladas, e d'ahi para cima s6
tem duas bracas na estacao da secca; a navega^ao torna-se
incommoda pelas muitas tortuosidades.

Apenas encontraram indios das tribus Marawds, Cata-
quinos e Bauds, mas foi informado de que no alto Jutahy se
encontram as sete seguintes tribus: Moxarimas, Periquitos,
Jucanas, Caiararas, Macacos-pregos, Porcos e Bauds, as
quaes sao quasi selvagens.

No seu percurso encontram-se. barreiras c6radas de
branco e de cor de rosa, de pouca altura acima das aguas
na epocha de cheia; no tempo da vasante tomam bastante
altura, assim aquella que chamam barreira alta^ entre to-
das as mais elevada, offerece a medida de 120 pes; e de
cor branca na parte superior, mudando para cor de rosa
na parte inferior ate tocar a agua.

Estes depositos, segundo Brown, sao de recente for-

macao.

»

Segundo Christoval de Acuna as nacoes que habitavam
este rio eram denominadas Tepumas, Guamuriis, Oruands,
Moruds, Naunas, Canonv)nas, Mariands.

Em 1762 sao citadas como habitando aquelle rio as na-
coes ou tribus Tapaganas, Uaraicii, Marands (talvez os
mesmos que Acuna chama Moruds.)

A sua foz e de pouco mais de milha; ate onde vai elle
buscar suas origens, com certeza nao e sabido, sabe-se en-
tretanto que quasi parallelamente ao Jurud, vai com suas
ramificacoes ate perto de Curco.

Acuna falla em uma tribu de indios chamados Oma-
guas que ornavam as orelhas e nariz com enfeites de ouro,
e eram poderosissimos. Jd em meio do seculo passado os



88 As Regioes Amaionicas

navegantes nao fallam n'ella, e hoje egualmente nem d'ella
fazem mencao os regatoes que sobem aquelle no.

Diz-se que foi por este rio que Pedro Orsua passou do
Peru ao Amazonas; Pedro Simon porem affirma que foi
pelo Huallaga e Ucayali que elle fez sua descida; pelo Ju-
tahy parece ter elle passado ao Jurua. Em epochas remo-
tas diz a tradiccao que por elle descera um jesuita hespa-
nhol, o qual depois subiu pelo Amazonas.

MUJUITIBA, ICAP6, MAMARUA, PURUINI,

GURUMATI, GAMPINA, UMANAPIA (OM AMAMAPIA) CAIARAS

(OU CAIARAHY, DE SPIX E MARTIUS) E JURAHY

Todos sao riachos de pouca importancia. No rio Icapo
estiveram aldeados os indios Tecumas, depois mudados
para o ponto designado por La Condamine, isto e, duas
legoas abaixo do Jutahy. O riacho Campinas toma o seu
nome da extensa campina em que elle se espraia.

O JURURA OU HYURUA

Nao e muito o que poderei dizer sobre este rio, por-
que assim como acontece a tamos outros, nem elle nem
seus tributarios estao devidamente estudados, apenas tern
sido explorados pelos fabricantes de borracha; sem um
estudo regiilar foi feito o seu precurso, e ainda menos
tem sido estudadas suas riquezas botanicas, zoologicas ou
mineralogicas.

A sua foz esta situada a 2° 43' lat. Sul e 3 11" de long.
Segundo as cartas das exploracoes portuguezas, a bocca
d'este rio tera meia milha de largura, e em frente a ella
no Amazonas, existe uma ilha bastante grande que e mar-
cada por Herndon sem Ihe dar nome, mas parece dever
ser a que na carta de Jose da Costa Azevedo (Barao de
Ladario) e marcada com o nome de Taiassutuba, alem da
qual otterece ainda o rio largo canal; a sua corrente mar-
cada em Dezembro era de i ^'4 de milha por hora, e sua



Cap.^ II— Trib.^* do Ama^onas^ M. Direita 89

profundidade era de (>6 pes. Segundo as informa^oes co-
Ihidas dos que como negociantes tem percorrido o rio, pode
ser navegado por uma extensao de 700 a 800 milhas e pa-
rece communicar-se com o Jutahy; pelo menos, affirmam
que as canoas no tempo da enchente passam facilmente de
um para outro.

Sobre a extensao d'este rio diz Castelnau que um indio
que residia no rio Tarauacd, affluente do Jurud, trazia pen-
durado ao pescoco uma medalha que elle reconheceu por
um quarto de peso hespanhol.

O Jurud, a pouca distancia acima do Tarauacd, divide-se
em dous bracos, o principal que e o da esquerda tem as
aguas de uma cor branca, e os indios que o navegam, affir-
mam que perto das cabeceiras d'elle existem aldeias de
brancosv E' n'este rio que Baena e o Vigario-geral Noro-
nha, que percorreu estes logares em 1768, affirmam ser alii
cren^a geral a existencia n'este rio de uma na9ao de indios
cuja altura nao excedia cinco palmos, conhecidos pelo nome
de Canands, e outra conhecida pelo nome de Uginas ou
Coatdtapuias que ainda mais notavel se tornava pelo ap-
pendice caudal que tinham estes indios, com 2 a 3 palmos
de comprimento. Noronha, homem illustrad'o, diz que alem
da affirmativa geral dos que por alii transitavam, o missio-
nario Fr. Jose de Santa Thereza Ribeiro, residente em
Castro de Avellaas, logar proximo, Ih'o declarou e affir-
mou por escripto sob juramento de sacerdote.

Castelnau repete o mesmo, sem comtudo ter vi'sto taes
indios, e accrescenta, assim como Noronha, que tal facto era
attribuido a copula dos macacos Coatas com as indias, e
Castelnau accrescenta que perto de Fonte-Boa (nao muito
distante d'estes logares) tendo visto um enorme coatd em
casa de uma india, Ihe'o quizera comprar, mas que ella
recusou rindo ds gargalhadas, e que outra india Ihe dissera:
«Nao teime que ella nao o vende, que e o seu marido.»

Apesar d'estas affirma^oes, eu que conhego o Amazo-

nas desde mens mais verdes annos, que tenho fallado com

milhares de pessoas que teem via j ado por estes rios que
12



90



As Regioes Ama^onicas



hoje estao devassados pelos regatoes ate seus extremos,
nunca ouvi um so d'elles affirmar a existencia de taes ano-
malias, affirmando comtudo a existencia das tribus com
aquelle nome, como se encontra no mappa de Martius.

Nem as indias nem os Coatds se acabaram, e navegando
Castelnau estes rios em 1847, desde esse tempo que foi
tambem aquelle em que subiu o Amazonas pela primeira
vez ate hoje, nunca ouvi referir taes factos. Ainda mais:
meu pae, tenente de artilheria, tendo antes pertencido A ma-
rinha, viveu nove annps na entao Capitania do Rio Negro,
empregado nas commissoes demarcadoras, ou governando
diversos pontos militares, convivendo com os differentes
commissarios como Victorino da Costa, Simoes e outros
por largos annos, fallando-me continuamente de suas via-
gens no Amazonas, Madeira, Puriis, Rio Negro, e seus
affluentes, de seus indios, de seus habitos, nunca me refe-
riu estes factos que forcosamente deveriam, se existissem,
ser d'elle sabidos ao menos por tradicao d'aquelles explo-
radores, que tao ate o intimo prescrutaram e estudaram
todos estes rios, todas estas regioes, seus habitantes e seus
costumes.

Dos moderAos via j antes do Amazonas o que mais estu-
dou o Jurud foi Chandlers, que muito conheci e tratei em
casa de meu tio Campbell onde esteve doente, e que deu
no Journal of Geographical Society^ i86j^ a descripcao
d^elle.

As nacoes de indios que percorriam o Jurud antiga-
mente eram muito numerosas; das seguintes tenho noticia:



Cauaxi


Uacaraud


Maraud


Catuquina


Urubd


Gemid


Dachinara


Matid


Chibard


Bauari


Arauary


Mutunid


Marnuacii


Carindo


Paroco


Paipuma


Baibiri


Buibagud


'I'oqueda


Puplepd


Pumacaa


Guibana


Buge


Apenari



Cap.^ II — Trib.^* do Ama\onas^ M. Direita 9 1

Suta Canamari Ariina

Yochinaua Chiribd Cauani

Sarridanay Uginas ou Goatatapuias

Abaixo da foz do Jurud conta-se que houve uma pode-
rosissima na^ao India mais civilisada do que as outras, a
que a qual domina uma extensao enorme; chamavam-lhe
OS Curiciaris. Conta-se que primavam em obras de ollaria;
a primeira parte de seu nome o parece indicar, pois curi e
um barro fino vermelho que dd a cor encarnada que os in-
dios empregam em seus artefactos.

Alem da bocca principal por onde lanca suas aguas no
Amazonas, tem este rio outros tres canaes que tomando
origem no rio, Vao desaguar mais abaixo na ordem se-
guinte: Furo Guard, Furo. Araricoara, Furo Comadre; este
ultimo communica e creio que forma o lago Cupacd, que
tem o seu desaguadouro no Amazonas logo abaixo dos
tres mencionados furos ou boccas. D'estes, o Araricoara e
descripto por Baena como independente do Jurui, mas as
explora^oes modernas e frequentes teem mostrado que e
elle um dos canaes pelos quaes o Jurud escoa suas aguas.
Sao em verdade notaveis os canaes ou furos, que, tomando
origem em um ponto do rio, terminam em outro as vezes
hem distante no mesmo rio; d'estes os mais importantes
sad o Furo Berea, Furo Tucuman, F^uro Comadre; ao Ju-
rud affluem os rios Mii, Gregorio, e o Taruacd, a mais
importante, o Ghimana, o Banana Branca, Banana Pixuria
e Jaraqui. O Tarauacd recebe as aguas dos rios Jatua-
rand-Parand, e Embira, cujo curso ainda se prolonga bas-
tante.

Na parte superior do seu curso, entre as boccas do Ta-
rauacd e do rio Gregorio, estd a moderna povoagao de Ma-
rary.

Foi por este rio que Pedro Orsua subiu para a capital
do Peru, sendo n elle morto.



92 As Regides Ama^onicas

TEFFE, CAYAM^, JETICAPARANA,
CATUA, COARY, MAMIA, QUEMARU E CAMARA

Na Europa seriam grandes rios todos os que acima enu-
mero, na America do Sul elles merecem ser collocados em
terceira ou quarta grandeza; entretanto alguns pelas suas
riquezas nao deixam de ter alguma importancia.

O Teffe tem a sua foz segundo os exploradores portu-
guezes a 2** 16' So" latitude Sul e na longitude de 3 12^ Sg'
apresentando i5o bra^as de largura e uma profundidade
do 4 bra^as e meia, sendo navegavel ds canoas grandes
por um espaco que ellas percorriam em dous mezes,
mas d'esse espaco para deante ainda sao navegaveis por
uma grande extensao a canoas pequenas. A sua direc^ao
geral e do Sul para o Norte; sua corrente tem a velocidade
de I milha por hora, as aguas sao negras mas com praias
de alvissima areia. E em suas margens que estao situadas
as duas povoac6es de Nogueira e Ega, esta a legoa e meia
da sua foz na margem oriental, aquella na margem occi-
dental a duas legoas e meia da embocadura. Os indios que
habitam suas margens, e eram mais ou menos aldeados n es-
tas povoa^oes, pertenciam ds tribus Uayupi, Coretii, Sorri-
mao, Coeruna Arubua, Yauand, Cyru, Uarupi, Catauixi,
Mariarama. Do Teffe se pode passar no tempo da enchente
ao Amazonas por um canal que fica ao Norte de Nogueira
e sahe entre a barra do Teffe e o logar de Alvaraes abaixo
Oeste.

Cayami — Cerca de cinco legoas abaixo do Teffe, cau-
daloso e dizem que muito abundante.

Jeticaparand — Pequeno rio de pequeno curso quasi pa-
rallelo ao precedente.

Catud — Rio bem situado entre risonhos outeiros, nos
quaes abunda a salsa parrilha; nada a respeito d'elle en-
contrei que possa illucidar o leitor; e situado entre os ri-
beiros Cuanu e Tarud.

Coary — E um dos rios reputados mais abundantes do
Alto Amazonas, sua foz e situada a 4® ,3' latitude Sul e na



Cap,^ II— Trib.^* do Ama\onas^ M. Direita gS

longitude3i4%i8';corre de S. ao Norte; alem da foz, cuja
posi^ao indiquei, tern uma outra um pouco mais acima e de
menor largura. Logo nas proximidades da bocca e bastante
largo, pois Ihe dao perto de duas legoas; estreita porem ra-
pidamente; e navegavel em canoas por mais de um mez;
e n'este rio em uma planura elevada da sua margem di-
reita, quatro legoas acima da foz, que esta situado o po-
voado de Alvellos; junto a este logar o rio forma uma bella
bahia na qual desaguam tres rios. D'estes, o mais oriental
e a continuacjao.do Coary, o segundo e o Urucuparana, e
o terceiro e o Uraua ou Araua ou Cuame, pois pelos tres
nomes e conhecido; suas terras abundam em salsa, oleo de
cupahyba, as suas aguas sao piscosas e suas praias das
mais abundantes em tartarugas.

Outrora foi habitado pelos indios Catauixis e lumas,
hoje porem os indios que mais abundam sao os Muras e
OS Miranhas; muitos dos ultimos se empregam em servicos
diversos.

A sua extensao ainda nao e bem conhecida, nem as
suas nascentes; teem alguns regatoes caminhado em canoas
por 40 dias e calculam a extensao percorrida, ate dquelle
ponto ao qual podem chegar igarites, em cerca de noventa
legoas.

Ate o ponto a que teem chegado, e livre de cachoei-
ras, e dizem os indios que em suas cabeceiras ha bellas cam-
pinas na ipargem direita; parece provavel que estas Campi-
nas sejam aquellas que os exploradores do Purvis noticiam
existir muito no interior a 63 legoas, mais ou menos da foz.

Rio Mamid — Tem um curso extenso, ainda que me-
nor do que os do precedente e do Teffe; corre quasi pa-
rallelo d parte inferior do Purvis, formando a alguma dis-
tancia da bocca uma grande bacia; abunda em cacdo, salsa
e cupahyba.

Nao mui distantes da bocca se encontram algumas ilhas
importantes onde habitaram outrora os indios Jurimanas
que muito bom acolhimento fizeram a Pedro Teixeira na
sua volta de Quito ao Pari.



94 ^^ Regioes Ama\onicas

A foz d'este rio e na enseada do Paricatuba entre os
rios Coary e Camard,

Quemaru e Camard — Dous rios proximos*Qm do ou-
tre; lan^am-se ambos no Amazonos na enseada do Camard;
o curso do segundo e muito maior do que o do primeiro,
embora nao sejam muito consideraveis,

purOs

Incontestavelmente e este um dos mais importantes
affluentes do Amazonas ou Solimoes, como e chamada esta
parte do grande rio, e foi percorrido em parte pelos com-
missarios de Portugal e mesmo antes d'elles; s6 foi porem
estudado em quasi toda a sua extensao, por W, Chandless,
nao tendo porem chegado ate ds nascentes; posteriormente
a elle s6 me conta que fosse visitado pelo practico Manuel
Urbano, um dos nossos mais atrevidos sertanejos. Estas
viagens noticiaram que alii abundavam a Haevea guya-
nensis^ a siphonia elastica de que e extrahida a gomma
elastica, e tanto bastou para que milhares de emigrantes
cearenses, fugidos is seccas do Ceara, fossemreunir-se aos
fabricantes amazonenses e paraenses alii existentes. O rio
dentro em pouco estava povoado; o que ao principio fazia
a necessidade, o interesse pecuniario continuou, e hoje este
rio conhecido, habitado e explorado ate alem do ponto que
alcangara Chandless, tanto quando explorou o ramo prin-
cipal como quando viajou pelq affluente Aquiri (por corrup-
cao Acri, ou Acre) conta mais de cincoenta mil moradores,
tendo elles obrigado nao sem luctas e morticinios os pobres
indios a ceder-lhes o campo. D'esta emigracao tem resultado
a creacao de muitos centos de populacao como Berury, Am-
man, Boa Vista, Arimari, Canotana, Nova Colonia, Labria,
que e a mais importante no Purus propriamente dito, e alem
d'estas, outras menos importantes nos affluentes: Pauimim,
Ynauinim, Hyuacti, Aquiri, Sepatinim, Seruynim, Curiuha
etc. Hoje que cartas e roteiros mais modernos do que o
de Chandless, de Ra}TTiundo Nery etc. e descripcoes mais



I

Cap,° II— Trib.^ do Ama:{onas^ M. Direita gb

minuciosas permittem conhecer bem as sinuosidades do rio,
parece elle em verdade um caminho da natureza com suas
voltas e tortuosidades duplas e triplas, que fazem que is
vezes, depois de longo caminho percorrido, em vez de ter
ayangado se acha o viajante em realidade mais atrazado
quanto i sua posi9ao geographica pois que as curvas do
rio em sehtido inverso i primeira o fizeram por assim dizer
desandar.

Ainda outra particularidade oflFerece este rio, e que sem
Ihe ser exclusiva e digna de nota: e a existencia de esten-
SOS canaes largos e navegaveis, tendo a sua entrada e sa-
hida em pontos do rio muito distantes, de modo que quem
n'elles navegar, estando separado do rio por largas exten-
soes de terra, acompanha comtudo os que seguirem peio
rio propriamente dito.

Nao e menos digno de reparo o grande ntimero de la-
gos que se iigam ao Funis; avaliam o seu numero em cerca
de quinhentos, alguns muito grandes. Os principaes sao os
lagos, Ananaz, Berury, Cand, Yapii, Paricatuba, Pyraiauara,
Jary, Tapyra, Macaco, Supid, Taud-mirim, Ariman, Ma-
guary, Mapixi, Paripy, Macaca-pod, Jamandud, Madabiry,
Janary.

Ainda farei mais uma vez notar que a semelhanca en-
tre este rio e os outros tres que pertencem a esta seccao
do Amazonas e muito notavel, como affirmam os que
OS conhecem; todos ofFerecem analogas differencas entre a«
epochas de enchente e vasante que chega a 60 pes, o que
dd bem idea, attenta a largura d'este, assim como dos ou-
tros e o seu curso, da grandeza do valle em que serpen-
teiam. Esta consideravel differen^a entre as duas epo-
chas de enchente e vasante permitte n'esta ultima fa-
zer um estudo geologico sobre as diversas formac6es en-
tao bem patentes.

Ao viajante, ainda aquellas duas epochas offerecem d
vista uma difFeren(;a saliente, e e que na vasante sao nu-
merosos os barracoes, e cabanas em que habitam os fa-
bricantes de borracha, assim como tijupares (casas de pa-



96 As RegiSes Ama\onicas

Iha) dos indios, que se sustentam de alguma mesquinha
roca, e da abundante caca e pesca; ao passo que na epo-
cha. de enchente do rio, cobrindo as aguas quasi todo o es-
paco occupado por aquellas construccoes, ellas desapare-
cem. A inunda^ao, cada vez augmentando, chega quasi a
terra firme; grande numero de legoas parecem ter entao
desapparecido, e so se encontra de uixi e outro lado a in-
terminavel linha de arvoredo, cuja parte inferior se banha
no no. No tempo da vasante, e o quadro um pouco mais
variado em sua constante uniformidade, como bem o des-
crevem Brown e Lindstone em sua obra: Quince mil mi-
Ihas no Ama\onas. Resumindo o que elle escreveu, direi
que a largura do rio, que a principio e de cerca de '/4 de
milha ou 760 bracas, vai pouco a pouco diminuindo, ate que
a uma distancia de 1:000 milhas do Solimoes tern dimi-
nuindo a ponto de nao ter mais de Ve de milha ou 166 bra-
cas. A largura media do vaile parece nao ser menor de 20
milhas, e o canal por onde corre o rio em suas tortuosida-
des, ora e junto a um dos lados, ora junto ao outro.

Durante a esta9ao da cheia, elle tem uma elevacao de
60 pes mais do que na epocha do rio baixo, o que dd idea
do volume de aguas na enorme enchente, e tambem da es-
pantosa quantidade de chuvas n'estas regioes; n'esta epo-
cha, toda ou quasi toda a largura do valle e occupada pe-
las aguas, e as marcas de sua maxima altura ficam impres-
sas nos troncos das arvores 5 e 6 pes acima do solo. Na
epocha da vasante, estc assim como os outros rios seus con-
generes, oiferece o mesmo aspecto, nas suas curvas na
parte convexa, ve-se uma barreira ou parede de base de
argila de 40 ou 5o pes de altura, e sobre ella um muro
perpendicular formado pela floresta de cetca de 100 pes de
elevaijao. No lado opposto, com uma forma de crescente,
um banco de areia, uma praia, atraz da qual seguem as li-
nhas regulares de determinadas especies de arvores como
OS amieiros, e atraz d'elles as cecropias, succedendo-lhe a
sombria floresta enorme com a sua constante linha quasi
nivellada; em um 6u outro raro ponto acontece que a bar-



Cap.° II— Trib,^ do Amaionas^ M. Direita 97

reira vem ate A margem da praia ou que uma casa de se-
ringueiro anima a paisagem quebrando sua constante mo-
notonia. As vezes um enorme estrondo echoa em todo o
valle, sendo acompanhado de uma vasta oiidulacao das
aguas: e um grande pedaco da barreira que se despren-
deu da massa, arrastando comsigo uma larga parte de ar-
voredo que o coroava indo lancar-se no rio.

Eis o aspecto geral d'este grande affluente do Amazonas.

O Puriis lanca-se no Amazonas por cinco boccas; a pri-
raeira ou principal que estd a 3® 46' de latitude Sul e 3i6**
3o' de longitude fica duas legoas acima do logar chamado
Guajaratiba. A segunda chamada do Paratary fica duas le-
goas acima do rio Manacapuru na margem ou costa fron-
teira. A terceira chamada Cochindra, que e affastada seis
legoas da primeira; este canal e semeado de pedras. A
quarta do Coyuand, oito legoas distante da barra principal.
O quinto canal chamado Aruparand situado na enseada do
Gamare.

D'estas cinco barras a principal fica a 90 kilometros ao
N. de Manaos e 65 da confluencia do Rio-Negro. Gomo
jd disse, ainda nao estd estudado, entretanto e um d'aquel-
les sobre o qual maior copia de conhecimentos ha, gramas
aos trabalhos de Gibbon, Bates, Orton, Browm & Lidston,
Ghandless e o nosso compatriota Labre, e pena e que so-
bre a sua ligacao com o Madre de Dios, bem como sobre
o ponto em que comeca o seu curso nao se tenha dito a
ultima palavra, nao obstante muitos dados jd obtidos.
Ghandless, a quem irei buscar o que disser sobre a parte
superior do seu curso, dd como provavel que suas nascen-
tes nao estejam em um nivel inferior a 1:088 pes acima do
mar, em uma latitude de doze graos (ri**), visto que ate
ii**-2' Sul, chcgou aquelle viajante.

Outros como Macklan, davam o Madre de Dios como
a origem do Puriis, o que, dizia Ghandless, Ihe nao parecia
provavel, e com razao, pois os rios que dariam essa liga-
cao OS quaes elle viu, teriam um volume muito pequeno
para crear um tao poderoso caudal. Esta previsao de
i3



yS As Regioes Ama'^oukas

Chandless acha-se complelamente verilicada. A uniao do
Madre de Dios com o Beni e depois com oMamorc, dando
origem ao Madeira, hoje ja nem e discutido, c com razao
le-se em uma memoria escripta pelo sr. J. Pinkas o sc-
guintc: « Hydrographicamenic pois, tern o Madeira suas ca-
beceiras nos affluentes do Madre de Dios para o qual a de-
nominacao de Alto Madeira devia pro!ongar-se, sendo-Ihe
tribuiarios o Beni e o Mamore, que lopographicamente
conserva essa denominacao.

O curso d'este rio e em verdade espantoso. Chandless
o percorreu pelo espaco de 3:140 kliometros e supp5e que
elle ird ate 3:5oo kliometros. Junto a foz do Aquiry isto e, a
1:753 kliometros da foz, ainda elle e bastante largo, e diz
Chandless no seu relatorlo sobre o Aquiry que e o maior
affluente do Puriis, trabalho este muito curioso, que a con-
Huencia da-se a f>5H milhas da sua foz na latitude de 8''43'
Sul e longitude de 24" i(i' Oeste do Rio de Janeiro; alguns
o julgaram egual em curso e largura ao Purus, mas isto nao
c exacto.

() estudo geologico de suas barreiras mostra serem de
formacao crelacea, encontrando-se ossos fosseis que, segun-
do aflirma Agassiz, comprovam aquella opiniao. Encontram-
se como que lages de barro endurecido, e muita pedrana;
comtudo a sua formacao primitiva apresenta algumas diffe-
rencas d'nquella que se encontra no rio Puriis entre o Aquiry
e o Hyuacu (por corrupcao moderna Yaco). Encontra-se
abundante sal efflorescente de que o explorador Manuel
Urbano trouxe boas amostras.

A tribu de indios Hypurintis, que e a mais poderosa do
Purus, tambem se encontra ate 10 dias de viagem pelo
Aquiry; esta offerece a singuiaridadc de que ate o paral
lelo de 11" Sul nao temos a contar de sua bocca um
affluente na margem direita, nem mesmo um grande iga
rape, o que com razao fez suppor a Chandless que as aguas
fl pouca distancia da margem do Aquirv, cahem para al'
gum outro rio, que beni pode ser o Ituxi a juigar pela sua
posicao relativa.



1



Cap."^ II— Trib,^^ do Ama\onas^ A/. Direita oo

Acima de 9" 45' de lat. S. dominam os indios Gape-
chumas, que se acham situados muito no interior; em vez
de canoas usam de jangadas em geral de taboas, segundo
Manocl Urbano; sao de bella estatura e guerreiros. Refe-
rem os indios Hypurimas que na parte superior do Aquiry
se cncontram os indios Canamarys que dominam no rio
Hyuacii, o que parece mostrar que estes dous rios se apro-
ximam.

No Purijs cm pequcna quantidade, no Aquiry emgrande
proporcao, se cncontra o tabaco silvestrc; c a Hora d'estes
dous rios a proporcao que por clles se sobe, se vai tor-
nando diflcrente da do Solimoes, e assemelhando a da Bo-
livia em palmeiras que n'csta sao communs. (3 Aquiry c
pouco piscoso, em compensacao suas margens sao aoun-
dantes cm caca.

Da foz do Aquiry ate cerca de 260 milhas a navega-
cao e franca; acima do Rio das Pontes, lat. io^-3b' S.; cinco
ou seis milhas, o rio Aquiry se torna estreito; depois alarga,
tornam-se maiores suas praias e mais numerosas, mas
como c natural, o rio se torna razo c na vasante de diffi-
cil navegacao por causa dos paos encalhados e cravados as
vezes por extensoes de 200 e 3oo bracas.

O que n'estes logares substitue a pedra e o barro en-
durecido; em alguns logares encontram-se como umas la-
ges formadas pela aglomeractlo de ar^ia, muito semelhan-
tes ds pedras chamadas de amolar, tambem se cncontram
os mesmos pseudo-conglomerados que se acham no Alto-
Puriis, e os fosseis que Chandless encontrou, os suppoe
exististir n'estes conglomerados, que dcsmanchados pela
agua, OS poe a descoberto; tambem no Purus, Chandless
observou o mesmo e uma tartaruga fossil que elle trouxc
do Aquiry trazia ossos dentro do casco.

No parallelo de 1 1'' S. se cncontram rnalocas de indios
de mais dc uma nacao, timidos, mas que com pouca diffi-
culdade vcm ter com os brancos; na sua linguagcm fazem
soar quasi indistinctamcnte as ultimas syllabas, pelo que c
diflicil julgar as letras dc que se serviram; a pronuncia e



loo As Regioes Ama:{(micas

um pouco gutural. Nao roubam nem tentam roubar; usam
ubas (especic de canoas) feitas de pachiuba ('). As frechas
tern pontas de osso e usam para sua defeza de taquaras. (*)

Um pouco acima cncontrou Chandless o rio que cha-
mou das Pragas, que parece ter */3 da largura do Aquiry,
mas entrando n'elle o achou tao obtruido de pdos que nao
poude proseguir.

Em uma tribu que encontrou na long, de 27® do Rio de
Janeiro achou outra na^ao de indios mais civilisados, me-
nos altos, cultivando, como os da parte baixa do rio, a
canna de assucar, a mandioca, o mamao, a banana, o ai-
godao, o milho, e alem d'isto o tabaco que usam como
rape. Os dous chefes usam camizolas e capuz como os Ma-
netenerys do Alto-Purus, com os quaes negoceiam pas-
sando por terra para as cabeceiras do Araca, e U se en-
contram com elles. Estes indios conduziram Chandless
para uma outra maloca em um novo affluente, mas estava
deserta e do conunercio com os Manetenerys obtem clles
alguns objectos de fcrro.

D'ahi em diantc, o rio estreita bastante c tcm pequenas
cachoeiras na vasante, de tres e quatro palmos;-mas to-
mando Chandless a largura do rio na enchente e por isso
no nivel mais elevado e mais largo, apenas achou* setenta
e dous palmos inglezes de largura e seis palmos mais dc
agua para o rio na enchente acima da que cncontrou, que
era apenas de palmo e meio escasso.

Pelas observacoes de Chandless, d'este ponto que foi
o ultimo de sua exploracao, nao so pelas difficuldades que
offereciam as differentes cachoeiras e pela falta de agua
como pelo estado em que estavam as tripulacocs, maltra-
tadas pelos ferimentos produzidos nos pes pela argila en-
durecida do Icito do rio— suppoe elle haver apenas a dis-
tancia de 60 milhas ate A margem do Puriis; c Ihe parece



(') Palmcira de madeira muito rija: Iriartea e.vorrhiza.
(2) Frecha comprida cuja ponta tem a forma em ponta de lanca,
mas comprida e cortante por ambos os lados, feita de um bambii.



* ■ <



Cap,^ II — Trib.^^ do Ama\o}ias^ A/. Direita loi

provavel que os rios Aquiry, Aguacii c. Acare nascam na
mesma terra alta. : : :--. • . ' " .: ^*

Em seu regresso, tendo chegado a' um panto.deKnpJ-_. ^-^
nado por ii®-2' de Lat. S. c 24^-47' 'l.T>iT^.e O; •interncu-se
Chandless pelo matto viajando iima semana ao rumo do
sol, encontrando porem matto, muito sujo voltou, calculando
a distancia percorrida em 25 milhas, e nao muito menos
cm Hnha recta, abundando o matto em seringueiras, ca-
coeiros silvestres, castanheiros. A 6 ou 6 milhas da mar-
gem do Aquiry sc atravessa uma terra alta que natural-
mente divide as aguas d'este rio das de' algum outro.

Lamerita Chandless o nao possuir na epocha de sua ex-
ploracao o mappa do Peru que depois alcanqou e conforme
o qual elle, continuando sua explora<;ao outro tanto espaco
no mesmo rumo, teria cortado o rio Madre de Dios.

Do seu relatorio tiro os seguintes dados:

Disktancias Altura

da sobre o nivcl

foz do Aquiry do mar

Milhas Palmos

Rio Endimary 28

» Mariape 1 20 43o

» das^Pontes 214 —

Igarape grande (Long. 2r)"35').. 263 —

Rio das Pragas 341 ()So

» do Eclypse 366 i :o96

Ponto extremo da viagem 406 1 :338

Ainda em seu relotorio se encontram as seguintes po-
sicoes gcographicas no Puriis.

Barreira do Umahan no ponto mais

acima 5"-36'-i3" lat. S.

Rio Mamoria Grande 7^-3o'-52"

Rio Panquim (foz) i''-35'-5o"

Igarape Anamy i^-36'-5o"

Rio Inanquim i''-57'-io"

Rio Aquiry (Acre) i**-37'-3"



102



As Rcigides Ama:ioincas



A distancia que pode haver entre as duas posicoe^ do
no Aquin/n^'tpb^Jc ser maior dc 2 milhas, o que cm Ion*
.^tudcp9J4CQ e,' [ s
. :-';No-Aq''uir}i3cfercrjrtinou as seguintes posicocs:

Rio das Pragas... Lat. S. nf-bii'-^o" Log. O. i'*-45'-43"
» dos Kclypses . » » io®-53'-3o" » » i''-47'-i3''
D daMaloca. .. » » uM'-iy'' » * i'^-48'-35''

Costumam dividir o Purus cm tres seccoes, o baixo, o
medio, e alto Purus. O baixo comprehendc da foz ate ao
rio Tapaua ou ()35 kilometros, o medio vai do Tapaua ate
ao rio Mamorid-Assu, comprehendendo 71D kilometros, o
alto Puriis finalmente do Mamoria ate 'as cabeceiras, dis-
tancia que e aproximadamente avaliada em 1:000 kilome-
tros ou na totalidade seu curso tera 2:65o kilometros, me-
nos do que suppunha Chandless.

Os affluentes mais notaveis da margem direita sao:



Parand-Pixina . .

Jacarc

Mucuim

Marv

Pacia ou Paciha

Ituxi

Sepatinim

Aycuinan



milhas inglczas



»
»



»

»



3ot) Seruimim

36o Aquiry .

5()o Hiacii . .

653 Araca . .

665 lapaba..

t3<)2 Urbano .

762 Patos . . .
875



951
1:104
1:241
1:445

1:745
1:785



D'estes os mais importantcs sao o Hyacu, Aquiry, Se-
patinim, Ituxi e Mucuim.

Da margem esquerda os principaes sao os seguintes:



Tapaua


milhas


inglezas


5o5


Tarauaca . 1 :4(4


Mamoria-mirim.


»


»


74^


Richala. . . 1:618


Mamoria-assu . .


»


»


S70




Pauinim


»


))


(178


Corinaha.. 1:1)48


Inauvnim


»


»


1:073


Corimaahu 1:660



Cap."^ II — Trib,"^ do Amaiouas^ M. Direita io3

D'estes, os principaes sao, o Pauidim, Inauynim e Ma-
morid-assu.

Este immenso rio tern sido conhecido por dift'erentes
nom'es, que tern cedido o passo ao de* Puriis pelo qual e
geralmente conhecido; assirti os indios Pamary Ihe chamam
Wainy, outros Pacaya e Cuchiquara, nome que da Ch.
d'Acuna e que ainda e conservado a um dos canaes por
onde communica com o Solimoes; hoje e elle um dos de
mais importancia commercial do Estado do Amazonas, e
conta mais de cincoenta mil habitantes espalhados ate aos
pontos mais longiquos do seu curso e dos seus affluentes
Aquiry, Puinim, Ituxi e outros; o seu producto commercial
de mais importancia e a gomma elastica.

O numero de ilhas semeadas na vasta facha de agua oc-
cupada, e enorme, mas nao s6mente sao muitas em numero,
mas tambem pela sua grande drea, algumas d'ellas sao im-
portantes, e para nao cancar o leitor apenas mencionarei a
maior d'ellas, a Ilha Uajaratuba, que com uma largura media
de quatro milhas, offerece a extensao de i8 a 20 milhas.

A epocha da cheia e da vasante nao e exactamente
a mesma em toda a sua extensao, mas aproximadamente
pode dizer-se, que ella comeca em Outubro e attinge o
maximo em Marco, pois que a estacao mais abundante
em chuvas e em chuvas torrenciaes, e a dos mezes de Ja-
neiro, Fevereiro e Marco. A baixa das aguas comeca em
Abril e vai ate Setembro. Alii so se distinguem duas es-
tacoes, verao c inverno, conhecidas pela presenca e ausen-
cia das chuvas. O fluido electrico se faz muito sensivel na
athmosphera especialmente no comeco e fim da enchente
pelos inumeros relampagos e trovoes. Ha frequentes ne-
voeiros n'estas paragens, o thermorhetro desce ate 17^ Va
cent, no dia, e de noute vai a 16" cent.

Os indios conhecidos nao excederao nove ou dez mil
divjdidos nas seguintes nacoes:

Mura Huamandahv

Pamarys ou Paumarys Camijos



ro4 As Regioes Ama^onicas

Catanixi Carumady

Caripuna Cipos

Hypurinaa Canamary

Manatenerv Pamands

Itatapyaia Caxarary

Estudando o Purus no relatorio de Chandless que o
percorreu na extensao de 1:620 milhas geographicas, con-
tadas da foz ds barreiras de Hyutanahan, segundo Chan-
dless 705 e segundo o engenheiro J. da Silva Courinho
713, encontram-se preciosas informacoes. Da foz do Pu-
rus ao ponto extremo do Aquiry o limite navegavel fica a
i:o58 milhas; seguindo porem o Purds propriamente dito,
a navegacao estende-se ate 1:620 milhas.

O Purus, ate e desembocadura do Corumba, que desa-
gUa na margem esquerda na distancia de 1:4^0 milhas da
foz, tem largura de (k) a 100 bracas com 2 a 2 * « de pro-
fundidade, d'ahi para cima nota-se que a sua corrente to-
ma grande velocidade em consequencia da consideravel
diiferenca de nivel, pois que entre esse logar e aquelle em
que o rio se divide, a i25 milhas de distancia a difterenca
de nivel e de 470 palmos, isto e mais de 3,5 palmos por
milha de declive; notando-se que a altura das aguas no
ponto de bifurca^ao attinge a 1:088 pes acima do nivel do
mar; esta forte inclinacao explica a rapidez com que o rio
enche por occasiaa de fortes chuveiros; foi Chandless tes-
temunha de um chuveiro que comecou ds 8 '/« horas da
manha e correu rio acima; ds 2 horas da tarde comecou
o rio a encher, ds 2 '/s crescia 4 palmos por hora; mais
tarde a forca da corrente se tornou tal, que nao permittia
o navegar. No dia seguinte pela manha comecou a vasante
e ao meio dia tinham as agusrs baixado de 12 a i3 palmos;
de tarde estava o rio tao baixo como antes, sendo ds ve-
zes preciso arrastar as canoas.

A consequencia a tirar d'este facto e que os aguas do
Purus vem de terrenos muito elevados, embora Chandless
pense que elle nao vem. dos Andes,, baseando esta sua



Cap.^ II — Trib.^^ do Ama\onas^ M. Direita io5

cren^a em nao encontrar em seu leito ou em suas margens
peda^os de rochas graniticas ou volcanicas, ou mesmo de
schistos silurianos.

Ainda tira como consequencia que sendo o rio que elle
seguiu indubitavelmehte o Puriis (o que hoje estd plena-
mente confirmado) nao pode elle ser o Madre de Dios 'que
com maior probabilidade parece sahir para o Madeira. (')

Que o rio que Ghandless seguiu e o verdadeiro Funis,
e provado, nao so pela differenca das aguas, pois que as
do Aquiry sao mais frias e claras, como tambem pelo pe-
queno percurso d'este que termina a i:o58 milhas da foz
no Amazonas, emquanto que o Puriis, seguido por Ghan-
dless como sendo o verdadeiro, vai ate i :62o milhas; esta
differenca de 562 milhas exclue toda e qualquer duvida.

De Hyutanahan em diante o rio estreita e suas curvas
se tomam menores e mais numerosas.

A grande extensao de igapos, (^) especialmente no baixo
Funis, mostra quao grande terti sido a mudan^a do leito
do rio mesmo em tempos recentes. A varzea mal fesiste
d forca das correntes nas enseadas, alem d'isto as aguas su-
perficiaes da varzea alagada penetram no tempo da vasante
ate is camadas estratificadas de barro pouco permeavel
e por isso passam sobre ellas para o alveo, e vao erroindo
e desprendendo grandes massas de terreno com vegetacao
de pe que ficaram excavadas pelas aguas; assim o rio vai
sempre augmentando as praias ate chegarem pela sua ele-
va^ao a altura propria d vegetacao, e se convertem em
igapos, com o que vai augmentando a tortuosidade do canal.

Segundo Ghandless, a forma^ao geognostica d'esta re-
giao do Funis, pertence d epocha terciaria. Em geral as
barreiras em que se pode observar a disposicao das cama-
das, mostram na parte superior abaixo de uma camada de
terra vegetal (humus), uma camada poderosa de barro co-



(1) Esta assercao estd hoje plenamente confirmada.
(') Terreno baixo e alagado, geralmente coberto de matto pouco
forte.
M



io6 As Regioes Amaionicas

rado, em verdadeira estratifica^ao regular, abaixo d'esta e
ordinariamente abaixo da linha superior da enchente do rio
camadas diversas de areia e barro estratificacio. Na base
das barreiras nos regos abertos pelas aguas, encontram-se
ds vezes peda^os arredondados de quart\o^ mas nunca en-
controu Chandless rochas de origem ignea.

Jd atraz fallei de uns pseudo-coriglomerados compostos
de concrecoes de barro em que se encontram pedacos de
madeiras petrificadas, e tambem ossos fosseis; nao consta
porem terem alii sido encontradas conchas fosseis o que
seria de muito auxilio para o estudo geologico d'este ter-
reno.

Acima de Itabiturid, encontra-se a ultima maloca da tribu
india Jubiry. A grande tribu Hypurina estende-se pelo Fu-
nis e mais ou menos por todos os seus affluentes desde o
Sepatinim ate ao Hyuacii em um prolongamento de 25o
milhas nao contando as voltas do rio. Entre o Mamorid-
Grande e o Pauynim, vivem nao muito distantes do rio os
indios* Jamamadis, na margem direita so dominam os Hy
purines, mas estes mais amigos da terra do que da agua,
tem as suas malocas no interior das mattas, mesmo os
que o sertanejo Manoel Urbano conseguiu habituar ao con-
tacto dos brancos, vivem a mais de meia legoa da mar-
gem do rio.

Vem porem todos ds praias nas epochas em que as tar-
tarugas alii vao desovar. Guerreiro, nunca anda sem
as suas armas, e tem frequentes guerras; mas nunca ata-
ca OS brancos; e de um caracter cavalleiroso, docil e de-
licado.

A polygamia que em muitas outras tribus e so permit-
tida aos tuxanas (chefes das tribus) nos Hypurinds e geral.
A sua catechese seria de grande importancia nao so pelas
suas boas qualidades como pelo seu grande numero. Do
rio Hyacii ou Yaco em diante, sao os indios Manetenerys
que habitam, encontrando-se a seis ou sete dias de viagem
por aquelle rio a estrada por onde elles passam para o rio
Jurud, ou segundo a etimologia india Hyurud, que desem-



Cap.^ II— Trib.^ do Ama^onaSy M. Direita 107

boca no rio Solim6es (alto Amazonas); a mesma travessia
tambem elles fazem pelo pequeno rio Tarauacd.

Esta tribii habita mais tempo nos rios, nas suas can6as,
do que em terra, onde comtudo tern algumas culturas; an-
da em quasi continuados passeios, colhe a salsa e o al-
godao, fia e tece este com admiravel delicadeza, tin-
gindo-o de diversas cores, e fabrica com elle as camizo-
las que usa e os capuzes com que resguarda as cabe-
cas, o que tudo parece mostrar que os antigos missiona-
rios alii entraram. Vendem os seus productos de ferro que
muito apreciam. Dao-se bem com os brancos que procuram
com alegria, sao mesmo mais mansos do que os Hypuri-
nds, mas mais prevertidos do que estes, pois sao ladroes,
e mercadejam sem escrupulo com suas mulheres.

Pelo que diz Chandless, verificou elle que e erronea a
supposicao de Manoel Urbano, de pelo Purus ter chegado
ds proximidades de Sarayaco, pois a determina^ao geogra-
phica dos dous pontos torna impossivel essa assercao.

Refere Chandless que viu e fallou com um velho indio
Manetenery que Ihe disse que gastava dous dias em passar
as canoas, e que navegava dez dias rio abaixo pelo Ucayale
ate Sarayaco, onde conhecera o Padre Antonio, e vira fa-
zendas de gado.

Do rio Coryud ate o Rixala nao se encontram indios,
d'este ultimo rio em diante se encontram os Canamarys, de
muito boa indole, menos activos do que os Manetenerys,
mas mais doceis e.moralisados; a raca nao e bonita, sao
tao industriosos como aquelles, usam tambem camisolas,
mas nao capuzes e sim ornatos de pennas. Entre elles o
Puriis e conhecido com o nome de Pacayd.

Alem da bocca do Camaha existem os indios Catia-
nds em tudo parecidos com os Manetener}'s, cujos trajos
usam; sao porem de menor estatura, e a phisionomia nao
e parecida com a d'aquelles; cultivam o algodao, fumo,
milho, fabricam borracha a qual acceza Ihes serve de
facho.

D'este ponto em diante encontram-se aquellas extensas



io8 As Regioes Ama\(micas ^

regioes completamente deshabitadas, supposto que parece
que no interior das terras Qutras tribus existem que nao
vem ao rio, senao quando ha grandes seccas a buscar agua.
Esta supposi^ao parece comprovada pelos trilhos que se
encontram e que se internam pelas mattas.



UAUTAS

Pouco pude encontrar escripto sobre este rio, mas do
que achei concluo que este rio tao pouco conhecido, e en-
tretanto digno de nota por algumas particularidades; com-
munica com o Amazonas ou Solim6es por duas boccas;
uma, a inferior, dista apenas duas legoas mais ou menos da
bocca do Madeira, pela sua parte occidental, a outra a 28
legoas da primeira.

Este segundo canal acha-se pelos mappas e memorias
e escriptos que consultei, ligado ao lago Maraquiry que ali-
menta. Acima da Villa de Borba, no Madeira, no logar em
que o rio se liga com o grande lago Autdz ou Uautds, d'este
parte um canal chamado Furo dos Autdz que o poe em
communicacao com o rio Madeira, ligando-se tambem este
lago pelo rio Paratary com o lago Paratary, que a seu turno
por dous canaes se liga ao Amazonas. O mappa recente
da provincia do Amazonas pelo sr. Raymundo A. Nery
traz esta disposi^ao que eu conhecia pelos escripjos, bem
patente.

Os que tem percorrido aquellas paragens, mfestadas
pelos selvagens Muras, referem que no espaco que vai do
Puriis ao Madeira ha um grande numero de vastos lagos
dos quaes o rio Uautds ou Autdz e o desaguadouro.

« A estas paragens, segundo diz o Diccionario Historico
e Geographico de Araujo Amazonas, levou Antonio A5Tes
Bararoa toda a gente de Manaos capaz de pegar em armas,
e alii deixando-a, e voltando sobre a villa, somente com a
gente de sua parcialidade, com intencoes que ainda hoje
se interpretam horrorosamente, foi em um dos ditos lagos



Cap.^ II — Trib.^' do Ama^onas^ M. Direita 109

surprehendido pelos cabanos(^) que o assassinaram com a
mais revoltante barbaridade».



RIO MADEIRA

Se nao temesse que as minhas expressoes fossem attri-
buidas a um mal entendido amor as provincias que me fo-
ram ber^o, diria que n'este mundo amazonico aos espantos
de um dia segue-se maiores espantos nos dias seguintes,
as maravilhas de- hoje sao eclypsadas pelas maravilhas de
amanha, a um rio immense succede um outro ainda mais
coUossal; no nosso caso as grandezas do Puriis cedem o
passo as magnificencias do Madeira que a sessenta milhas
da foz do Rio-Negro se lanca no Amazonas, depois de um
curso de 2:000 milhas, com uma forca e abundancia de
aguas que parece a quem encara a sua foz nao ser inferior
ao proprio rei dos rios.

Quatro enormes caudaes, alem de centenares de outros
de menor volume, reunem suas aguas para formar o Ma-
deira; sao elles o Beni, o Madre de Dios, o Mamore e o
Guapore ou Itenez, um partindo das longinquas regioes do
lago de Titicaca, o segundo das proximidades de Curco c
Potosi, o terceiro indo ate quasi ds nascentes do Paraguay,
e o ultimo espraiando suas aguas pelas vastidoes de Mat-
to-grosso formando innumeros rios.

O que vou dizer d'este rio nao e trabalho meu, antes
na sua maior parte serd emprestado do trabalho alheio;
pouco serd devido a mim, a nao ser o ter lido muito e exa-



(*) Cabanos — Insurgentes que em i835, na provincia do Para ainda
nao separada da do Amazonas, se tinham revoltado contra o governo
regular do Imperio, e que sustentaram uma lucta que ensanguentou a
provincia durante dous annos, tendo assassinado logo em comeco o
presidente Lobo, e posteriormente o coronel Felix Glemente Malcher,
o qual, ficando a presidencia da Provincia acephala, tomara conta d*ella
e contrariando em parte as vistas dos revoltosos d^elles foi uma das
victima^. O general Andreas s6 com uma repressao violenta poude
terminar a insurrei^ao.



no ^45 Regides Amaionicas

minado memorias mappas e roteiros que de meu pai obtive
assim de suas conversacoes com que desde menmo me ac-
costumei, e levaram aos quinze annos pela primeira vez ao
Amazonas com meu pai que me serviu de guia e piloto,
indo depois mais quatro vezes ao Rio-Negro, ao Solimoes,
e ao Madeira. Este rio foi particularmente visitado por meu
pai, que acompanhava os exploradores J. J. Victorio da
Costa e Simoes, e que, como official de marinha, tomava
parte nos trabalhos. D'elle e um trabalho descriptivo que
transcrevo sobre as cachoeiras.

Aos trabalhos do meu amigo sr. J. Maria da Silva Cou-
tinho, ao relatorio sobre este rio, do conego F. Bernardino
de Souza, aos artigos publicados no Pard pelo sr. Jose
Gualdino que leu e reuniu quasi tudo que no Para, no Im-
perio e no estrangeiro se tem escripto sobre o assumpto,
ao diario dos demarcadores de 1781, e outros auctores fui
eu buscar os materiaes para este meu trabalho pois que
n'estas materias nao se pode inventar nem dar largas A
imaginacao.

A foz do Madeira, segundo as observacoes do sargento
mor de engenheiros, Ricardo Franco de Almeida Serra,
acha-se a 3% 23', 43" de latitude Sul e 319®, 62' de longi-
tude E. cinco legoas acima da villa de Serpa, e a 275 de
distancia do mar. A sua largura por uns elevada a 4:5oo
bracas, por outros a 1:000, parece, segundo o maior nu-
mero dos observadores, dever ser avaliada em 2:000 bra-
cas. A sua profundidade junto a bocca e ate 26 legoas para
dentro d'ella, regula por 6 bracas, d'ahi ate ao logar da al-
deia dos Muras 5 bracas; a velocidade de sua corrente e
de 3 Ys milhas, isto junto ao lago dos Baetas onde o rio
tem 200 bragas de largura, e de i milha junto a Borba.
Com estes elementos se pode fazer idea do enorme
volume de aguas que este rio lanca no Amazonas; se-
gundo OS. practicos, a profundidade ate a cachoeira Santo
Antonio conserva-se a mesma, senao maior, nas proximi-
dades.

O rio divide-se em tres partes bem distinctas: a i.*



Cap.^ II— Trib,^* do Ama^onas^ Af . Direita 1 1 1

desde a foz ate i cachoeira Santo Antonio que e a pri-
nieira; — a 2.* sec^ao que e a parte dominada pelas 17 ca-
choeiras ou segundo outros, 18, ou ainda na opiniao de al-
guns 1 5 cachoeiras e tres corredeiras; — a 3.* finalmente a
regiao acima das cachoeiras.

A bacia d'este. rio e uma das maiores do mundo. Gib-
bon na sua obra: Exploration of the walley of the Ama-
•{on^ a avalia em 960:000 milhas quadradas de superficie,
o que, como bem diz o sr. Jose Gualdino, a torna eguai d
bacia do Nilo e superior d do Danubio. Tomando o rio na
sua altura media entre a enchente e a vasante, pode sup-
por-se que elle lan^a 14:642 metros cubicos de agua por
segundo, com a inclinacao de '°*/i640o.

l\oT)icci\)nario Topographico da comarca do Amazonas
pelo capitao tenente Araujo Amazonas encontro o seguinte
resumo historico-geographico do rio de que trato, e que
achei digno de ser transcripto, e que comega em 17 16,
supposto que o rio jd.era conhecido desde a existencia das
Bandeiras de resgate por occasiao da subida de Pedro Tei-
xeira ate Quito.

«Em 1 7 16, uma expedicao sob o mando do capitao-mor
do Pard, Joao de Barros Guerra, subiu o Madeira ate ao
rio Mahiei em perseguicao dos indios Tords, cujas reliquias
se encorporareim d missao de Abacaxis.

«Em 1726, outra expedicao sob asordens de Francisco
de Mello Palheta, mas s6 no intento de explorar o rio, su-
biu-o ate a foz do Beni, e d'esta ainda ate d povoa^ao hes-
panhola Exaltacdo.

«Em 1737, estabeleceram os jesuitas uma missao nas
immedia^oes da primeira cachoeira, a qual assim como d
missao chamaram de Santo Antonio, e subindo ate d con-
fluencia do Mamore, e n'elle entrando, passaram a tratar
com OS sens correligionarios do Peru.

tEm 1743, o aventureiro Manoel de Lima, desceu de
Matto-Grosso pelo Guapore e Madeira ate ao Amazonas,
entregue d discre<;ao da corrente, e ignorante do termo
que levava sua derrota, tempo este em que o mercador do



112 As Regioes Ama\onicas

Pard, Joaquim Ferreira subia pelo Amazonas, Madeira e
Mamore ate Exaltacao.

tEm 1748, o cuyabano iosi de Souza Azevedo, tendo
descido pelo Arinos,' Tapa)6s e Amazonas ate ao Pari,
voltou a Matto-Grosso pelo Guapore e Madeira, e ao mes-
mo tempo effectuavam egual viagem os mercadores mara-
nhenses Manoel da Silva e Gaspar Barbosa, o que tomou o
Madeira e o Guapore mais conhecido itinerario do que o
Tapajds e Arinos, a despeito do excesso de i5o legoas.por
aquelles.»

Cumpre accrescehtar ao que copidmos do sr. Araujo
Amazonas que no seculo vi, de i56o mais ou menos em
diante, era conhecido o rio de que fallo ; davam-lhe porem
anteriormente o no'me de Cayari, segundo affirma o Padre
Juan Patricio Hernandez, pois por elle descera n'essa epocha
Nuflo de Chaves, indo sahir no Oceano, tendo vindo de
Santa Cruz de la Sierra, e descido pelo Baures e Ma-
more.

Desde a expedi^ao de Palheta em 1725, e que, causan-
do-lhe admiracao a quantidade de madeiros que o rio tra-
zia era sua corrente, Ihe comecaram a dar o nome de rio
da Madeira, ou rio Madeira, que conservou.

Em 1760, o capitao general governador de Matto-
Grosso Luiz de Albuquerque Pereira Caceres, que em J752
visitava o Guapore, fundou no logar em que pouco antes
existia a missao hespanhola dc Santa Rosa, um forte, a
que Deu a invocacao de N. S. da Concei^ao, o qual achan-
do-se em 1766 bastante arruinado foi substituido pelo forte
chamado do Principe da Beira, talvez a melhor fortifica^ao
da fronteira que possuimos, comecado em 2 de Junho de
1776 e acabado em agosto de 1783.

E construido em uma collina com declive suave para
todos OS lados, coUocado na margem direita do Guapore,
livre das inundacoes que alii crescem ate 45 palmos de al-
tura, e proximo a uma lagoa que apenas dista 27 bracas
da extrcmidade da explanada.

Apresenta elle uma fortificacao regular, quadrangular



Cap." II — Trib,'" do Ama^onas, M. Direita 1 13

com 60 bra?as de frente, do systema Vauban, com fosse,
esu-ada coberta, quatro pra^as d'armas e explanada; cada
uma das quatro monta 14 pe^as de artilheria; a sua posi-
i;ao astronomica i de 12", 23', 47" lat. Sul e 21% 17', 19"
long. Oesle do Rio de Janeiro, posl^ao tomada do ba-
luarte "N. O.

Durante a construc^ao do forte, sendo os petrechos de
guerra transportados pelo Madeira e Guapore, tomou este
itinerario grande desenvolvimento, que se alimentava com
OS generos de consumo geral, como sal, lou^a, obras de
ferro, bebidas que alii obtinham prompta venda; que de-
tenninou a crea9ao de algumas pequenas povoa^Ses por
aquellas margens. Era finalmente por aquelle itinerario
que tinham logar as communicates com o govemo de
Lisboa.

De 1780 a 1790 foi o IVtadeiras explorado scientifica-
mente por uma commissao de engenheiros e astronomos
mandados pelo governo portuguez que para ella escolheu
alguns dos seus mais abalisados mathematicos, como Jose
Joaquim Victorio da Costa e Jose Simoes de Carvalho.

A commissao composta da 3," e 4.* partida, assim de-
nominadas por que a i.' e 2.* tinham egual inoimbencia
no Sul do Imperio, entao colonia, eram compostas da se^
guinte maneira: General Plenipotenciario Joao Pereira Gal-
das, governador e capitao general de Matto-Grosso; Com-
missario subalterno o tenente-coronel de ardlheria Theodo-
sio Constantino de Chermont, A 3.' partida, para operar
em Matto-Grosso, era composta dos engenheiros Ricardo
Franco de A. Serra e Joaquim Jose Ferreira, e dos astro-
nomos Antonio Fires da Siiva Pontes e Francisco Jose de
Almeida e Lacerda. A 4.' para trabalhar no Rio Negro
formada do commissario Chermont, dos engenheiros Hen-
rique Joao Wilkens, Euzebio Antonio Rizeiro, Pedro Ale-
xandrino Pinto de Souza e dos astronomos Jose Sim5es de
Carvalho e Jose Joaquim Victorio da Costa, isto alem de
um secretario e um provedor, e officiaes de officio e du-
zeotos homens de tropa com sua ofBcialidade.



114



As Regioes Ama\onicas



Ao engenheiro Ricardo Franco coube a exploracao do
Madeira, para a qual, aproveitando e corrigindo antigos tra-
balhos e addicionando-Ihe novos, organisou o trabalho mais
completo que a tal respeito existia; rectificando o erro en-
tao introduzido Jose Gon^alves da Fonseca que o Madeira era formado
pela confluencia do Guapore com o Mamore, (erro que se
acha ate no tratado de 1760 e de 1777) reconhecendo que
era o rio Beni que devia ser considerado como berco do
Madeira, que era a continuacao d'elle.

Modernamente tern sido explorado por muitos geogra-
phos e via j antes entre os quaes merecem ser collocados em
primeira linha, Orton com o seu trabalho The Andes atid
the Atna\on^ L. Gibbon, Exploraiion of the walley of the
Ama:{oii^ Chandless com os seus numerosos trabalhos pu-
blicados em opusculos sobre o Puriis e o Madeira nos
jornaes geographicos inglezes, e Joao Maria da Silva Cou-
tinho com seus relatorios minuciosos e veridicos escriptos
em 1861.

Se compararmos os mappas antigos, ou mesmo o ex-
cellente mappa de Spix e Martius, publicado em Munich
em 1826 com os modernos mappas de Paz Soldan, de
Edward D. Mathews Up the Amazon and Madeira rivers^
vemos que hoje o rio estd devassado e percorrido no inte-
resse do commercio pelos regatoes ate quasi seus ultimos
recessos, achando-se resolvidas muitas duvidas sobre pon-
tos em relacao aos quaes ainda ha poucos annos nao havia
opiniao assentada.

Como atraz disse, o rio divide-se em tres sec^Ses e
por isso come^arei pela mais inferior, isto e pela que vai
da foz ate d primeira cachoeira. Esta seccao offerece uma
extensao de 186 legoas de 20 ao grdo, segundo Ricardo
Franco, o que corresponde a i :o33 kilometros, e estd o ul-
timo ponto a uma difFeren9a de 260 pes de nivel do mar.

Como todos OS rios affluentes do Amazonas, e que to-
mam suas origens nas terras mais elevadas do Peni e Bo-
livia, ate ds escarpas dos gigantescos Andes, as suas aguas



Cap.^ II— Trtb.^ do Amaionas^ M. Direita 1 1 5

tomam enorme elevacao na epocHa de encherite, em que se
espraiam por uraa ou duas legoas por cada lado para o in-
terior das terras que na baixa ofFerecem um aspecto muito
different e.

Entre as curiosidades que o Madeira tanto ou mais do
que o Amazonas offerece, sobresahe a das ilhas fluctuan-
tes. Durante o decrescimento das aguas vao ficando enca-
Ihados por nao pequeno espaco junto ds margens um gran-
de numero de grossas e annosas arvores mortas de ha muito,
outras recentemente arrancadas pelas ultimas enchentes, e
por entre este amontoado de pdos vao correndo as aguas
das beiras da terra menos impetuosas que os grandes cau-
daes, transportando pequenos arbustos, plantas herbaceas,
e sememes, que, detidas pelas madeiras encalhadas quando
as aguas baixam, dao logar a uma vegetacao em que pre-
domina a chamada canarana que com suas multiplas rai-
zes enlaca, amarra e liga estes pdos todos, e com sua vi-
rente vegetacao encobre as arvores e troncos que Ihe ser-
vem de esqueleto; durante todo o periodo das vasantes .
crescem as plantas, dep6em-se novas sememes que germi-
nam sobre aquelle solo ficticio, ate que de novo vem a en-
chente, e quando em toda a sua forca esta levanta as ma-
deiras e as despega das margens, ilhas enormes ou divididas
descem pelo rio abaixo, e por tal forma estd ligada e entran-
cada aquella vegetacao toda.. e tao vi^osa e ella, que as ca-
noas que transportam gado ds vezes se encostam a ellas
e mandam gente que, andando sobre estas ilhas, cortam os
olhos da canarana para alimento do gado. Estas ilhas flu-
ctuantes, encontrando ds vezes barcos a vapor pela sua
massa, Ihes detem a carreira.

E curioso no tempo da vasante ver o rio aqui e alii co»
berto por numerosas ilhas todas invariavelmente correndo
rio abaixo e partindo-se em alguma ponta de terra, ou en-
calhando em alguma restinga, girando sem avancjar em al-
gum remanso junto ds margens.

Este rio,, que das madeiras que transporta, cedros mui-
tas vezes seculares e outras, tomou o nome, offerece este



ii6



As Regioes Ama\(micas



espectaculo em. elevado grdo; assim tambem em alguns lo-
gares em que as costas offerecem menos fiindo, vemos lar-
gas extensoes occupadas por troncos encalhados emara-
nhados uns nos outros e encravados np (undo, para onde
algum desvio da corrente os leva constantemente, ofFere-
cendo grande perigo para os barcos que alguma trovoada
contra elles atire. No Amazonas tambem isto se encontra,
como na costa do Catau, em frente ds barreiras do Cussari.

A primeira sec^ao do Madeira offerece um crescido nu-
mero de ilhas, rios e lagos, e para dar d'elles uma idea se-
guirei senao rigorosamente, ao menos proximamente a or-
dem estabelecida pelo engenheiro J. M. da Silva Coutinho
no seu relatorio. Enumera elle na margem direita do no os
seguintes:

Lago do Sampaio^ distante meia legoa da margem. Em
uma carta do Amazonas recentemente publicada, encontro
este lago figurando na margem esquerda o que decerto e
erro.

Furo ou canal Uararid ou Tupinabaranas^ que, sahindo
da margem direita do Madeira no rumo de Oeste, vai lan-
^ar-se no Amazonas a uma grande distancia muito abaixo
da foz principal d'aquelle rio, jd abaixo de Villa-Bella; este
canal ou rio como Ihe chama Martius, forma a ilha de Tu-
pinabaranas, muito extensa, pois se calcula seu compri-
mento em mais de 290 kilometros. Desde o Madeira desa-
guam n'este furo do Uararid ou dos Abacaxis, como Ihe
chamam Spix e Martius, os seguintes rios enumerados por
J. M. da Silva Coutinho: Canuman, Macaxis, Paracury,
Apocuetaua, Maues, Andird e Mamurii. Em alguns outros
mappas antigos, como o de Martius, modernos, como o de
Nery, encontro mais os rios Maues-mirim, Macary, Apiu-
quirib6, Maguaraddd, e o rio Tupinabaranas propriamente
com cujo nome designam esta bocca inferior do Ma-
deira.

A maior parte d'estes rios tem um curso bastante ex-
tenso, pois alguns so no fim de 20 dias de navega^ao se Ihe
encontra a termina(;ao em vastas campinas; entre elle os



Capj^ II— Trib.^ do Amaionas^ M. Direita 1 17

de menor curso sao os rios Paracury e Apocuetaua. Nas
cachoeiras do Canuman, Abacaxis, Paraucry e Apocuetaua
vagavam os indios Mundurucus, e nos rios Maues, Andird
e Mamuni os indios Maues; todas estas tribus estao extin-
ctas ou muito reduzidas.

Os Mundurucus em geral dao-se bem com os brancos;

05 Maues tambem commerceiam com os negociantes da lo-
calidade. No principio do nosso seculo, alem dos indios que
mencionei, se encontravam os indios das tribus Sapupes,
Comauy, Acaricuara, Brauard Uarupa, Muturucii e Guri-
tid hoje extinctas.

Lago do Anuman ou Canuman.

Lago Guariba.

Lago, Cauintau.

Lago Taboca.

Lago Macacos,

Lago do Jacare,

Lago Caud.

Lago Matamatd.

Rio Aripuand — Segue no rumo do Sul; na foz e tao
largo como o Madeira, mas estreita pouco acima, e vai com
5o a 60 bracas de largufa ate ds cachoeiras que sao cinco
e distam da foz 40 legoas; em canoa sao precisos mais de

6 dias para as alcancar; o seu curso ainda se estende ate
muito mais longe, e pode ser navegado durante seis du
oito mezes do inverno por barcos de 8 a 10 palmos de ca-
lado d'agua. Abunda em copahybeiras; ainda segundo o es-
cripto de Coutinho, ha poucos annos alii habitavam os in-
dios Araras, assim como outras tres tribus, denominadas
Hyaxaretes-tapui, Anera-tapui e Matanaris, que alguns pra-
ticos suppoem que sao ramificacoes da primeira.

Rio Mariaipaud que supponho ser o mesmo que em al-
gumas cartas encontro com o nome de Ariupand, que fica
a 53 legoas da foz do Madeira, tendo 3o bracas na bocca;
foi jd navegado em montaria por quinze dias, o que Ihe dd



1 1 8 As Regioes Ama\onicas

3o legoas (') de curso pois a viagem foi um pouco demo-
rada; a agua d^este rio e preta, e elle abundante em cas-
tanha e copahyba.

Rio Ma/^wra— Segue no rumo de S. V4 de S. O., tern
quarenta bracas de largura e dd navegacao a barcos de
oito palmos de calado d'agua. Diz Serra em seu diario que
este rio se communica com o rio Canuman; os practicos a
quem J. da S. Coutinho consultou a tal respeito, em nada o
puderam exclarecer; diz elle que Ihe parece isto pouco pro-
vavel, pois seria preciso que as cabeceiras do Canuman
fossem tao distantes que ficassem alem das do Aripuand.
Esta objeccao porem nao me parece importante, pois
OS conhecedores d'aquelles logares concordam todos que
tanto o Mataura como o Canuman tem um extenso curso
de mais de iSo legoas, e ambos tem identicas produc-
coes, e as mesmas dos rios jd descriptos.

Anhangatini — Hoje dao-lhe vulgarmente o nome de
Uangatiminga^ pequeno rio de agua preta, sete legoas aci-
ma do Mataurd a 67 legoas da foz do Madeira.

Rio Manicord — Demora este rio a sete legoas de dis-
tancia do precedente, tem cerca de 5o bracas de largura,
e tambem de agua preta, com um extenso curso, sendo a
primeira parte de cerca de 25 legoas, livre de obstaculos,
e a superior, que e a mais extensa, toda cortada de ca-
choeiras.

Lago Morncutuba — De mediana grandeza, abundante em
peixe e tartarugas, tambem e conhecido pelo nome de Lago
Murucututii (Diccionario topographico). A carta levantada
pelo sr. R. Nery chama-lhe L. Manicutuba Lat. 6," 3' S.

Rio dos Marmellos — Tambem chamado Araxid, situado
na mesma margem direita e a io5 legoas da foz do Ma-
diore segundo Aran jo Amazonas, a 90, segundo S. Coutinho;



(') Nao me parece isto exacto pois daria para a navega9ao em
moniarias, canoas pequenas e ligeiras, em um dia so duas legoas>
quando eu sem exforco tenho feito 4 e 5 legoas de caminho n*estas pe-
quenas embarca^oes.



Cap.^ 11-^ Trib,^ do Ama:{onas^ M. Direita 1 19

tern 80 bracas de largura, e no inverno da passagem a bar-
cos de 20 palmos de calado de agua; no verao porem ape-
nas tern de 4 a 6 palmos de agua. Logo d distancia de 3o le-
goas da bocca se encontram cachoeiras em numero de 7,
uma das quaes em tempo de enchente ofFerece uma queda
de 5o palmos; as outras dao uma passagem mais ou me-
nos facil. Acima das cachoeiras, a nao grande distancia das
margens, se encontram serras de pequena altura. Depois o
rio entra em grandes campos com pouca vegeta^ao e que
se estendem pela direita e esquerda. Esta informacao, assim
como as notas que colhi sobre a vegetacao d'estes campos,
concordam com o que me tem sido narrado sobre os cam-
pos da parte superior do Tapajos, Canuman, Aripuand,
Abacaxis, e isto parece mostrar que na parte mais interna
d*estes territorios se encontram extensos campos. As cabe-
ceiras d'este rio sao pouco conhecidas, pois a existencia dos
indios Turas, Muras, Matanaris, e sobre tudo da nacao
guerreira dos Araras tornam perigosas as expedigoes. As
produc^oes vegetaes sao as mesmas dos rios jd descri-
ptos.

^o Uruapidra — Desemboca no Madeira junto a duas
ilhas conhecidas por ilhas Uruapidras. Diz Silva Coutinho
no seu relatorio que o que desemboca no Madeira nao e
propriamente o rio Uruapiara mas sim o lago d'este nome
formado ou alimentado pelo rio Uruapiara. O lago fica a
4:5oo bracas de distancia da margem do Madeira e prolon-
ga-se parallelamente a elle por uma distancia de quatro le-
goas; communica-se com outros rios, o que torna suas pro-
ximidades humidas e abundantes em seringueiras. Em suas
margens vaga a indomavel e feroz tribu dos Parintintins
que tantas vezes tem atacado os brancos e obstado d na-
vegacao dos ultimos bracos d'estes rios.

Lago Miriti — A meio legoa da margem e de pequeno
curso*, de inverno communica-se com o Uruapidra.

Lago do Antonio grande — Situado a 200 bracas do rio
Madeira.

Lago das Tres Casas,



120 As RegiSes Ama:(om'cas

Logo da Pupunha.

Lago do Ret.

Todos estes lagos sSo grandes e piscosos, e em geral
a uma distancia de cerca de 25o bracas da margem do Ma-
deira.

Lago Maid — Formado pelo no do mesmo nome, onde
existem aldeias de indios Parindntins.

Rio Machado — Tambem chamado Giparand, com uma
iargura de i3o a 140 bracas na foz; a seis legoas de dis-
tancia d'ella tern de 400 a Soo bracas e bastante fiindo.
Foi explorado por muito tempo quasi que s6 na pri-
meira parte do seu curso cerca de 3o legoas; hoje tern sido
todo ou quasi todo percorrido. E cortado per numero-
sas cachoeiras. Estas regioes sao percorridas pelos in-
dios Turds, Arararas, Matanauis, Murucu}as, Parintindns,
Araras, e Acard-pirangas. A pouca distancia de sua foz, a
existencia de uma ilha forma dous canaes. A distancia de
3 kilometros recebe o rio Preto; diz-se que e este um dos
mais ricos em drogas. Elle separa as provincias do Pari e
Amazonas em duas regioes mais inlernas: Mundurucania e
Juruema, a primeira pertencente ao Pard, a 1.* a Matto-
Grosso. Esti a foz d'este no cerca de 22 legoas abaixo da
I.* cachoeira chamada de Santo Antonio. Em sua foz foi
a 3.' situacao da povoaijao de Araretaraa de onde foi trans-
ladada para Paraxiaii.

Lago Murure — Que parece ser o mesmo que Serra no
seu diario denomina Jacar4 desaguando em um igarape; o
lago dista meio legoa do Rio.

Lago Curicaca — Este desagua por um canal que Serra
denomina Macacipi, erradamente, na opiniao de S. Cou-
tinho.

Lago Tucunar4 — Coutinho diz que Ihe nao deram no-
. ticia d'este lago, mas que o menciona na sua obra por vir
elle consignado no minucioso diario do Major Serra; accres-
centarei que em recentes trabalhos, como o de Nery, vem
designado o lago Tucunare na posicao indicada por Serra,
e communicando <;om o Madeira por um canal ou rio do



Cap." n — Trib."' do Ama^onas., M. Direita m

mesmo nome, e no mappa de Spix e Martius de 1895 en-
contro o rio Tucunare formando a pouca distancia do rio
Madeira um lago que se denomina Lago Tamandufl.

^10 Hyamarj' ou Jamary — Maior do que o dos Mar-
mellos; muito fundo, pois de inverno tem de 35 a 40 pal-
mos de agua com um curso que tem sido percorrido em
can6as ate grandes distancias, encontrando-se aos doze dias
de viagem grandes campinas, Martius o figura como indo
ate ds faldas da cordjlheira geral e serra dos Parecis, bi-
furcando-se em dous rios chamado das Candeias um, e o
outro Camarare; este tra^ado concorda com a asser^ao de
Baena de que este rio vai terminar proximo ds vertentes do
rio Mequem tambem figurado no mappa a que me refiro,
e que desagua no Guapore.

Os que tem penetrado ate suas cabeceiras affirmam que
per duas vezes alii tem sido encontrada uma tribu de in-
. dios de cdr clara e cabellos ruivos, que nao se dao nem
com OS oulros indios e sao em extreme bravios.

Os afHuentes da margem esquerda do Madeira sao a
contar da foz os seguimes:

Furo do Auta\ ou Uautds — Canal que liga o Madeira
com o rio Autaz de que \A fallei e cuja foz esti situada a
duas legoas ao Oeste da foz do Madeira. Este rio deriva
de um grande lago do qual, alem d'este, dimanao outros ca-
naes que tambem vao ao Amazonas e ao Puriis. O canal
de que fallo afHue ao Madeira cinco legoas acima de Ara-
retama (Borba). Na carta na provincia do visconde de Vil-
liers, este lago estd marcado com o nome de La^ dos
Araras; no mappa de Martius vem com o nome de Lago
dos Autds ou Calanixis com as particularidades que enu-
merei. Apresenta este canal quarenta braijas de largura
e durante a vasante e reduzido a pequena profundidade.

I^go Arary — A trinta e quatro legoas da foz segundo
Nery.

jLiigo Hyaury.

Rid das Araras — ^Com 14 bra(;as de largura e pequeno
curso.



122 As Regides Ama^onicas

Lago Mat apt — A 86 legoas da foz. Nao o encontro em
varias cartas.

Lago Marassutuba — Pela distancia de 7 1 legoas da foz
a que o collocam, parece-me ser elle o mesmo que na carta
de Spix e Martius e chamado Miura-Paraxia. E' de notar
que entre o Canal do Autas ou Uautas e o lago de que es-
tou fallando, Martius figura oito lagos bem clarameute, e
encontro acima d'este lago que elle chama Murassutuba um
outro denominado Cayaa. Eu dou grande credito a esta
carta de Martius porque quando andei em 1843 pela pri-
meira vez pelo Amazonas ainda fallei com muitas pessoas
que o conheceram e me narraram quaes os bastos recur-
sos de que elle estava provido e dispunha, e o numero cres-
cido de annos que elle empregou n'este seu trabalho.

A quem conKece os pilotos e vaqueanos do Amazonas,
nao deve causar admiracao nao enumerar Silva Coutinho
alguns lagos, pois a sua viagem nao foi de grande demora;
alem d'isso aquelles practicos, se nao sao interrogados miu-
damente, nada dizem.

Rio Capanam — E' de agua preta, tern cincoenta bracas
de largura, e um fundo de dez palmos. O major Serra
affirma que este rio communica com o rio Puriis ao cabo
de uns doze dias de viagem.

No mappa de Martius encontro este rio com a commu-
nicacao mencionada por Serra, e no mappa recente de Ner)^
o encontro com o nome de Cupana; em ambos estes map-
pas vejo figurado a grande distancia da bocca um lago
do qual vai uma communicacao com o Funis, de onde re-
sulta, como diz Araujo Amazonas no seu diccionario,
o espaco encanado pelo Madeira, Purus, Capanam e Soli-
moes com 65 legoas de N. a S. e 5o de E. a O.

Supponho ainda que esta discripcao que fa<;o e exacta
por que na copia que possuo do mappa de 1778, que alias
e falto de muitos rios e lagos indicados em mappas mo-
demos, encontro com o nome Capana um canal com
um lago no meio e communicando com o Madeira e Funis.

O sr. Coutinho, fallando d'este rio e suas communica-



Cap.*^ II^Trib.^* do Ama^onaSy M. Direita lii

coes, se occupa da possibilidade de haver communicacao
breve e sem obstaculos entre o Madeira e o Puriis alem
das cabeceiras d'aquelle e aquem das d'este, e opina que
istD e impossivel porque o terr^no a partir do Amazonas
se eleva para o interior; embora desigualmente distribuido,
a differenca de nivel sempre existird; e, diz elle, «o braco
que do alto Madeira vem confluir no Puriis, sendo franca a
navegacao d'este ate il foz, ha de forcosamente correr so-
bre um piano inclinado tanto quanto e o do Madeira na ex-
tensao das cachoeiras com pouca differenija. A queda tor-
nar-se-hia insensivel, se por ventura o caminho percorrido
fosse muito grande, e n'esse caso nada se ganharia com a
navega(;ao do Purus. A distancia entre elle e o Madeira,
pelo contrario, e pequena, segundo alguns practicos, e pelo
que se pode concluir da disposicao hydrographica d'esta
parte do valle do Amazonas; por consequencia para che-
gar-se ao ponto superior das cachoeiras do Madeira tem-se
de veneer mesmas difficuldades, quer por um, quer porou-
tro lado.»

Posso porem atfirmar que meu pai que esteve durante
<) annos n'estas regioes Jd ao servico das ultimas demarca-
coes, e depois como governador ou commandante militar
em differentes pontos d'esta capitania, me affirmou sempre
que havia uma localidade a que davam o nome de Tra-
jecto do Puriis pelo qual em poucas horas se passa de um
para os affluentes do outro.

Modernamente, em 1887, o sr. A. R. P. Labre tentou
estabelecer uma communicacao entre os dous rios pelo
Acre ou Aquiry, e o trajecto seguido foi o que vamos ver.

O tenente-coronel Labre entrou pelo Madeira, passou
ao Beni e ao Madre de Dios ate ao ponto chamado Mara-
vilha^ depois por terra foi ao rio Orton no ponto Budha e
seguiu o mesmo rio por terra por uma distancia de &3 ki-
lometros, mas no tracado que elle indica do Madre de Dios,
ao Aquiry ou Acre, encurta toda esta parte qu6 e desne-
cessaria e traca o caminho Capa no Rio Orton ao rio Acre com o rumo de SSE. a



124 ^ Regides Ama^onicas

NNO. com variaijoes. O porta Capa e situado 13 kilome-
tros abaixo da foz do rio Manuripi. Foi elle alcan^ar o
Acre ou Aquiry no logar Flor do Ouro.

Resumindo, eis o que elle diz:

no dia 10 do precitado outubro, percorri em oito mezes uma
circumferencia de 5.002 kilometres, em grande parte arros-
tando perigos e difiiculdades superados pela fort;a da von-
tade.

(E' assim delineada, por pantos, a linha de excursao:

•Da Flor do Ouro i bocca do Acre, 36o kilometros; da
bocca do Acre A foz do Funis, 3. 000 kilometros; da foz do
Funis, descend© o Amazonas, i bocca do Madeira, 5oo ki-
lometros; da foz do Madeira A confluencia do Beni e Ma-
more, 1 .400 kilometros; da bocca do Beni d foz do rio Ma-
dre de Deus, 104 kilometros; da barra do Madre de Deus,
subindo sua corrente ate- ao porto Maravilha, 260 kilome-
tros; ate aqui a linha fluvial; e a terrestre, do porto Mara-
vilha, do rio Madre de Deus, ao porto Ffor do Ouro, no
rio Acre, 278 kilometros.

cSegundo se v£ do itinerario terrestre, a projectada es-
trada tem uma extensao de 378 kilometros.

• Asseguro, porem, que nao excederi de 186, assiin des-
criminados: 161, do Acre a Orton, porto Capa; de Orton
a Madre de Deus, em porto Amipo, 25 kilometros; ao todo
186 kilometros; tiradas as curvas e melhorada a direccao
de viabilidade, poderd ficar com uma extensao de 149 ki-
lometros, com duas pontes: uma, no rio Abund; e outra,
no rio Orton.

« A ponte d'este rio podera ser dispensada por uma barca
de passagem, emquanto nao se tizer uma linha ferrea, ou
quando um grando transtto commercial nao o exigir.>

Lago Hyanarj'.

Lago dos Baetas, a 99 legoas da foz, uma legoa abaixo
da aldeia dos Muras. No mappa de Martius vem designado
o rio Jabahyra entre o Baetas e o Crato. No mappa re-
cente de Nery encontro figurado o lago Jurupary-pira.



1



Cap.^ II— Trib.^ do Amaionas^ M . Direita 1 25

Lago Acard^ a loo legoas da foz.

Lago da Rei.

Lago Jurud.

Lago Carapanatuba.

Lago Purtis.

Lago Jodo Behem^ que dista 200 bracas do rio c e
graride; a povoacao do Crato fica entre elle e o Puriis.

Igarap^'Mirary.

Lago Conikahim,

Lago Capitari,

Lago Tamatidud,

Lago Jatuarana.

No mappa de Nery do anno de 1886, em que o Ma-
deiria contava mais de 40 mil habitantes, em que i5 ou 20
vapores sulcavam suas aguas, encontro designados os dous
lagos do Punca e do Tamandud proximos d cachoeira de
Santo Antonio. No diccionario de Araujo Amazonas encon-
tro mencionado o i .® com o nome de Pemcao, na margem
esquerda do Madeira e proximo -A cachoeira de Santo An-
tonio immediatamente abaixo, entre os rios Maparand e
Ipanamena; do primeiro d'estes rios assim como do lago
encontro mencao no mappa de Mathews.

N'este mesmo mappa encontro o rio Arraias. e Macas-
sipe; do ultimo nao achei outra mencao; do primeiro porem
encontro noticia no diccionario de Araujo Amazonas na se-
guinte forma: «Rio da margem esquerda do Madeira abaixo
do Giparand entre o rio Mangaramy e o lago Uanany» Tam-
bem o mappa de Martius o aponta na posicao indicada, mais
ou menos, pois o colloca mais distante da cachoeira de Santo
Antonio do que indica o diccionario.

No mappa de Martius ainda encontro entre o rio dos
Baetas e a primeira cachoeira, os seguintes rios Mogu-
Tany, Cuyand, Auard, Yaruvd, Aponid, Extarai, Cacheary,
Chaurary; de todos estes rios apenas faz mencao o diccio-
nario de Araujo Amazonas do Aponid, e pela seguinte for-
ma: nAponido^ Ribeira do Solimoes na margem esquerda
do Madeira entre o rio Ipanema e a Ilha do Tucunare, aci-



126



As Regioes Ama^onicas



ma da foz do Gi-parand. Foi o primeiro assento da actual
freguezia de Araretama com invocacao de Santo Antonio;
do qual se trasladou para proximidades do Jamary.t

Nao devem causar admiracao estas faltas de designacao
em muitos mappas, nao so pelo numero enorme de rios,
como sobre tudo pelos diversos nomes que dao ao mesmo
rio, iiha ou lago.

Continuando a seguir a memoria escripta pelo sr. Cou-
tinho, apresento a lista das 52 ilhas que elle encontrou en-
tre Santo Antonio e a foz, e transcrevo o quadro que no
mesmo escripto encontro.

Reia(lo nominal das ilhas do Rio Madeira



Numeros



Grandeza



Diblaiicia a foz



2
2



Gapitary

Urucurituba

Sebastifio

Rosario

Valentim

Maraca

Aximim

Mangericao

Goiaba

Trucana

Borba

Guajara

Mandiiiy 3:ooo

Carapanatuba 200

Sapucaia ou Jacare 3oo

Jose Joao 80

Aripuana 70

Araras 12:000

Urud 4:5oo

Miriti i :5oo

Genipapo 3:ooo

Matapiri 3:ooo



ignorada
100 bracas



i:doo

600

100

1:200

1:000

5o

100

200

450

70



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Cap.^ II — Trib,^ do Ama^onas^ M. Direita 1 27

Numeros Grandeza Distancia a foz

1 Murassutuba i :5oo bra^as

2 Jacuarana i :5oo >

2 Oncas 200 »

I Jurard 100 »

I Marmellos 4:000 »

I Uruapiara 2:5oo »

1 Baetas 9:000 •

I Muras i :5oo » 9(3 legoas

3 Santo Antonio 1 :5oo »

1 Page ignorada

I Periquitos »

I Pirahyandra »

1 Pirahybas »

3 Arrraias »

1 Frechas »

3 Sem Nome »

. 2 Puncan »

I Mariahv »

I Guaribas »

I Mandiahy »

Popoacoes do rio Madeira — O Madeira, hoje, segundo
as informa^oes, notas de generos alii consumidos, conta pelo
menos 70 mil habitantes em suas margens, mas os seus ha-
bitantes nao estao como era de esperar dissiminados for-
mando pequenas povoa0es, mas sim espalhados em nu-
merosos pequenos grupos isolados. Centros de populacao,
apenas podem ser contados Borba e Manicore como impor-
tantes.

Borba, conhecida por muitos escriptores com o nome de
Araretama, antiga freguezia de Santo Antonio na margem
oriental do rio, 25 legoas acima da foz, teve a sua origem
em uma missao creada em marco de 1728, pelo jesuita
Joao de Sampaio, perto da bocca do lago Aponiao abaixo
da cachoeira Santo Antonio. D'este ponto foi ella mudada
para a foz do rio Jamary on Hyamary, perseguidos os



128 As Regioes Afna\onicas

moradores pelos indios Muras foi mudada para Baeta onde
teve o nome de Trocano(*) Alguns ainda dao a este logar
o nome de Borba-Velha; d'alli e que, trasladada para a
foz do Araretama, tomou d'elle o nome que depois em 1753
foi mudado no de Borba quando a aldeia foi elevada a ca-
thegoria de Villa; contava entao 65o fogos.

Os jesuitas fizeram grandes exfor^os pelo engrandeci-
mento d'este local e ainda hoje os vestigios do seu passado
engrandecimento sao visiveis, tiveram alii uma ollaria bem
montada, e ainda estao patentes os robustos alicerces para
a igreja que tencionavam alii elevar. Tambem ainda exis-
tem OS restos de dous canos de esgoto subterraiieos que
partiam do antigo hospicio, e parece, segundo diz o diccio-
nario topographico de Araujo Amazonas, que alii queriam
fortificar-se, pois em 1756 se encontraram duas pecas de
artilheria em cujo mane jo eram adextrados os indios. Foi
n'este logar que residiu a terceira partida de demarcadores
em 1781.

O clima de Borba, no dizer de todos os que alii tern ha-
bitado, e salubre e agradavel, e bem como em quasi todo o
Madeira, nao e tao quente como se devia esperar. Infeliz-
mente em outros pontos deixa o Madeira a desejar quanto
a salubridade, por isto se torna notavel a povoacao de S.
Joao do Crato, fundada em 1802 d distanciade 3o legoas
da foz na sua margem esquerda; antes fora situada por oc-
casiao da sua fundacao em 1 797 com degradados poruigue-
zes na foz do rio Jamary. Estd situada actualmente entre os
rios Baetas e Arraias, proximamente ao ribeiro Maguarani
e o igarape Purus; esta nova situacao porem parece ainda
peior do que a primeira.

Em 1828 foi abandonado, largando o destacamento ao
retirar-se fogo, ao que ainda restava, pois parecia ser alii
o foco de todas as molestias, como ictericia, camaras de



{}) Trocano d o instrumento de guerra de que usam parte dos
indios bravios do Amazonas para convocar sua gente.



Cap."^ II— Trtb.^ do Ama\onas^ M. Direiia 129

sangue, febres intermittentes, erupcoes de pelle, escorbuto,
devido quasi tudo ii pessima agua que bebiam.

Em notas que me deixou meu pai, encontro ainda que
esta colonia de S. Joao do Crato, com um forte destaca-
mento, foi creada nao so para livrar os moradores das cor-
rerias dos indios Jumas, pois tao repetidas eram, que os
homens moradores n'ella nao eram como os das outras po-
voacoes chamados a servico, mas tambem porque era alii
que se achava estabelecido o registro do ouro para as ca-
noas que desciam de Matto-Grosso. Este destacamento, as-
sim como outros espalhados em dififerentes rios da provin-
cia, serviam para fazer, como correios, chegar as ordens
do governo ate Matto-Grosso, pois nao s6 por este rio como
por outros e em diversas direccoes, eram pelos comman-
dantes militares transmittidas quaesquer ordens ou provi-
dencias. AUi, diz meu pai que em uma das tres vezes que
subiu o Madeira, estava estabelecida um grande deposito
de sal e outros generos, formado por negociantes do Pard
para abastecimento da populacao de Matto-Grosso que des-
cendo o rio alii vinha comprar o que Ihe era preciso.

Com desintelligencias havidas entre o governo do Pard
e do Amazonas, e com a retirada do destacamento tudo
feneceu e os habitantes se retiraram.

Outro ponto de alguma importancia outrora e muito im-
portante hoje e a Villa de Manicore, cabeca de comarca
do Rio Madeira, creada por lei de 14 de Outubro de 1878
tendo logar sua installacao em 1881 no mez de Dezembro.
E' situada na margem direita entre os rios Manicore e Ma-
taurd, junto d foz do primeiro. Segundo refere Jose Gualdino,
teve predicamento de villa nos tempos coloniaes, em 1756.

Mas embora estes dous, Borba e Manicore, sejam os
mais importantes dos centros de populacao do rio, em que
as boas edificacoes comecam a ostentar-se, outros ha de
menor importancia que sao: Camema, Sapucaia, Tabocal,
Santa Rosa, Baetas, Junas, Tres Casas, Missao de S. Pe-
dro, Crato, Missao de S. Francisco, Cavalcante, Jamary e
Santo Antonio.
>7



i3o As Regioes Ama^onicas

Alem dos i5 logares que tenho enumerados e nos quaes
OS vapores das duas linhas subsidiadas pelos governos pro-
vincianos sao obrigados a tocar tanto quando sobem como
quando descem o rio, ha muitos outros pequenissimos cen-
tres, formados cada um d'elles por um negociante que alii
cstabelece o seu barracao com suas mercadorias, ao qual
concorrem os scus freguezes, onde habitam seus familia-
res, iripulacoes das canoas cm que vai negociar. AlH siio
estabclecidos depositos de generos e na epocha da collicita
da borracha, os vapores tocam niio cm quinze logares mas
em oitenta ou noventa.

Santo Antonio abaixo da cachoeira do mesrao nome,
e junto A foz do rio Jamary ou Hiamarj' a 164 legoas da
bocca do Madeira, tcm tornado grande incremento, pois
sendo o logar era que pode dizer-se termina a navegacao
do baixo-Madeira e comeca a navegacao da regiao encai-
choeirada, alii o deposito de cargas que vao ou vem, e o
numero de vapores particulares ou fretados que navegam
aquelle rio jU e bastante consideravel para que anime aquelle
ponto de espera.

A populai^ao espalhada por este rio ate a primeira ca-
choeira sobe a 70 mil pessoas; so o municipio do Manicore
tem 3:5oo almas nas quaes se encontram 700 estrangeiros;
de modo que se o numero de habitantes do Madeira po-
de estar dividido em oito ou dez localidades, isto reprcsen-
taria alguma cousa, mas espalhados em mais de trezentos lo-
gares nao so na orla do rio principal como nas de seus mil
affluentcs, o rio olVerece um aspecto de solidao e de tristeza.

F.ntrctanto a sua populacao cresce rapidamente, e hoje
differe muito do que era em 1861 quando foi visitado pclo
sr. Coutinlio; cntiio elle computava-a em 20 mil, e em
375:000 kilogrammas a gomma elastica alii manufacturada.
Hoje a populacao tem mais do que triplicado, e a produccao
de borracha varia entre i,5oo:ooo e ■2.000:000' de kilogr. o
que da um coefficiente de perto de 3oo^~■ooo reis, isto i su-
perior dquelle que e dado pelos paizes mais ricos e mais
abundantes em matcrias primas.



Cap,° II — Trib,^' do Ama:{onas^ M, Direita i3 1

O Puriis, cuja populagao ainda mais rapidamcnte tern
crescido, ofFerece ainda maior riqueza; sao estes dous rios
as grandes arterias da vida commercial da provincia do
Amazonas. Pela descripcao que tenho feito, pclos seus nu-
merosos affluentes pelos canaes que communicam uns com
OS outros, e de ver quanto sera difficil a fiscalisacao
administrativa; o derramamento da instruccao publica e en-
tretanto e com prazer que consigno que o estado do Ama-
zonas e um dos que mais rapidamente tem progredido e
continua a crescer.

O sr. Coutinho, ja em seu relatorio, conhecendo bem a
Amazonia lembra em 1861 a conveniencia de crear um forte
destacamento militar junto ao rio Baetas a 96 legoas da
bocca, no centro da zona manufactureira da borracha. A
vinda por occasiao da secca do Ceard, em 1879, de muitos
milhares de cearenses, que nao eram de certo a melhor
parte dos habitantes d'aquella provincia, para estes rios, to-
dos desejosos de ganhar com que possam regressar rapi-
damente a sua patria, tem trazido ao Madeira e ao Puriis,
especialmente onde a grande parte da populacao e d'estes
emigrantes, as lutas d mao armada por causa de terras
onde existe a preciosa planta, o que tem por muitas vezes
ensanguentado aquellas margens. O destacamento militar,
como elemento de forca proximo aquelles logares, acaban-
do com as frequentes desordens, ao mesmo tempo servi-
ria para reprimir e intimidar a audacia de algumas tribus
de indios como o Parintintins, os mais audazes de todos
OS que vagam entre o Madeira e o Purus. Com excepcao
d'estes e dos Araras tao indomaveis como clles, os esfor-
cos de bons missionarios, como o foi Fr. Kgydio de Garc-
zio, poderiam attrahir aos aldeamentos grande numero de
tribus, pois a catechese, quando bem conduzida, tem dado
bons rcsultados como vimos no Xingu, e em Itaituba, no
grande aldeamento Bacabal, no qual foi preciso que viesse
um missionario tao discolo como Fr. Pelinio de Castro
Valva, auxiliado pelas decisocs iniquas do governo central
garantindo-lhc a posse pacifica do que roubara aos indios.



i32 As Regides Ama:[om'cas

para que tudo se desmembrasse fugindo os indios a quem
queriam ter como em escravidao, e hoje nada existindo. O
sr. Siiva Coutinho em sua constante solicitude pelo servico
publico, indica os logares que elle julga mais conveniemes
para pequenos centros de colonisacao, que, depots de estn-
belecidos com menos difficuldade, encontraria um grande
numero de povoadores, e scrviriam de nucleos para a grande
emigraijao. Sao elles os seguintes:

Sapucaia-oroca a 14 legoas de Borba e a Sg da inz

Barreiras do Aripuana. 26 » » 5i »
Barreiras em frente A.

iiha dos Araras 28 » b 53 •

Barreiras em frente A

ilha do Urud 3 1 » » 56 »

Barreiras do Anhanga-

tini 42 " » 67 •

Barreiras do Manicore . 5o » " 75 »

Barreiras do Capanan.. 57 i> n 82 1

Barreira dos Marmellos 65 » b 90 «

Barreira do Uruapiara.. 68 » n <)3 «
Aldeia dos Muras, i le-

goa acima da foz do

lago Baetas 71 1 g6 i

A alimentacao n'esta parte do Madeira e o peixe secco
charaado piraruai, algum peixe fresco c as tartarugas;
alem d'isto recebem do Pard e de Manaos carne secca, ba-
calhau, bollacha, pao lorrado, conservas, feijoes, farinha e
bebidas diversas.

Na epocha do comeco do inverno appareceoi its vezes nos
moradores incommodes intesiinaes, febres intermittcntes,
devidasem grande parte a estarem as aguas do rio n'essas
epochas carregadas de materias vegetaes mais ou menos
decompostas, inconveniente este que com alguns cuida-
dos seria facil diminuir ou extJnguir, fazendo pocos em que
ella penetrassc filtrada naturalmente ou usando-sc dcpois



Cap." II — Trib."' do Amaionas, M. Direita i33

de fervida ou filtrada, e sobre tudo tendo mais cyidado em
suas moradas e mais cautella nos excesses a que se en-
tregam.

A taboii meieorologica seguinte, que e copia da que for-
muiou o sr. Coutinho, otferecera interesse aos curiosos.



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Cap.° II— Trib.^' do Ama^onas^ M. Direita i33



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1 36 As Regioes Ama\onica$

Obsemties feitas na aldeia das luras, logar dos Baetas



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2.3

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3.3

3.4
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4.6
4.3
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Temper.*
d'agua



25. 6



Aspccto do Ceu e vento



26. O



Encoberto, calma.



SO regular.



Pouco nubl. em cirrus, SE fr. '
1 em cumulus, SE •



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24.
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Limpo, SE fresco.

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25 • I I Limpo, vento S. fresco.

SE, fresco. Bello dia.
em casa
23. 4



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calma.



SE. fresco,
calma.



25. o ] Encoberto, calma.






Cap.^ II— Trib.^ do Ama\onas^ M. Diretta lij

A existencia de grandes campos proprios & creacao de
gado aponta qual o meio de melhorar a alimenta^ao e jd
em campos em diversas localidades existem algumas pe-
quenas fazendas; e de esperar que assim como a extrac^ao
da borracha se vai tornando cada vez menos nomada, as-
sim como a cultura e fabrico da farinha vai cada vez mais
augmentando, tambem a creacao de gado se desenvolverd.

Tem-se notado uma grande mudan^a n'este rio. No
tempo em que alii estiveram os demarcadores, era aquelle
rio tao mortifero que me contava meu pai nas suas conver-
sas sobre o Amazonas e seus aflfluentes, que com cin-
coenta annos de intervallo ambos tinhamos percorrido,
que quando pela primeira vez n'elle penetrou, o vigario em
Mandos Ihe aconselhou que fizesse o seu testamento. Quan-
do em 1 86 1 ou 1862 alii entrou com a sua gente uma se-
nhora, D. Victoria, que, ficando viuva com grande familia,
e querendo pagar seus debitos d pra^a do Pard, resolveu
ir alii explorar a borracha, e tentar com arrojo varonil o
restaurar sua fortuna, ainda, segundo ella me contou, era
difficil habitar aquelle rio nao so pelas muitas febres, como
pelos indios que vinham atacar a intrepida pioneira. Entre-
tanto o seu exemplo e a bravura com que alii se sustentou,
batendo-se com os indios, com as molestias e as feras, ani-
mou outros a tentar o desbravar o rio ate pontos distantes;
e hoje que o rio tem cerca de 70 mil habitantes, que as
margens estao mais ou menos arroteados, que jd n'elle se
encontram alguns confortos, e elle considerado sadio. Va-
gueando os indios a grandes distancias, e muitos d'elles
tendo-se tornado mansos, negociando com os brancos, de-
vemos confessar que por vezes as atrocidades praticadas
per elles, sao nascidas nas crueldades, exaccoes, enganos
e injusticas, que com elles praticam os regatoes e os sirin-
gueiros, raca cupida e grosseira que so quer o lucro, e que
nao contente de roubar aos indios a terra que elles olham
com razao como sua que e, os maltrata, roubandb-lhe as
mulheres e escravisando-lhes os filhos.

Regido das Cachoetras — Esta sec^ao do Madeira tem

18



1 38 As Regioes Ama:(onicas

o seu comedo em Santo Antonio e estende-se ate d ca-
choeira Guajard-Mirim, sendo em numero de 17 segundo
Baena, e de 18, segundo outros, conforme consideram ou nao
as duas quedas de uma cachoeira como duas cachoeiras
distinctas, Tambem nos nomes se encontra alguma diver-
gencia: assim a cachoeira a que Baena e outros chamam
Girdo, Jose Gualdino e alguns outros chamam Giao.

Os primitivos nomes eram, subindo: Aroaya, Gamon,
Natal, Guard-assu, Cuati, Arapacod, Paricd, Maiari, Ta-
mandud,, Mamorini, Uainumii, Tapioca, Tijuca, Javalis,
Papagaios, Cordas, Panella. Estes nomes foram abandona-
dos pelos que Ihes deram os demarcadores, que ate ao anno
de 1790 trabalharam na organisacao do mappa da provin-
cia e suas fronteiras; estes nomes sao os que n'este meu
trabalho indico.

O espaco occupado pelas cachoeiras, segundo o major
Serra e Baena, e de 70 legoas, segundo outros 76; J. e F.
Keller attribuem-lhe uma extensao de 66 legoas, segundo
a corda tirada entre os dous extremos da curva que faz o
' rio n'esta parte. Orton calcula em 180 milhas este espaco,
que por Church, que estudou minuciosamente estas dis-
tancias para o projecto da estrada ferrea que devia salvar
a regiao encachoeirada, foi estimada em 229,38 milhas.
Esta medigao que se approxima da que dd o demarcador
Serra parece-me merecer credito.

A cachoeira Santo Antonio, a primeira subindo o rio,
estd, segundo as observacoes dos demarcadores portugue-
zes, na Lat. de 8.*^ 5o' Sul e 3i3® 49,'3o de Long.

Segundo os mesmos exploradores, teremos:

Latitude o- ^?"S' ^*

Rio de Janeiro

Cachoeira Santo Antonio 8*^,49', 2" 21^,29', 8"

» Guajard-Mirim io^y^4',32" 22% 3'42"

DiflFerenca i%65',3o" o%34',347'



Cap.^ II — Trib.^ do Ama^onas^ M. Direita iSg

Os seguintes dados sao devidos aos trabalhos do coro-
nel Church.



Cachoeiras

I .* Guajard-mirim

2.* Guajard-assii

3.* Bananeiras

Parte superior

Parte central . . .

Parte inferior

4.* Pdo-grande

5.* Lages \ . . . .

6.* Madeira

7.* Misericordia

8-* Ribeirao

Sal to principal

I.* corrente a baixo.



Altura
da queda

3,94 pes.
5.58 » .



a



2.

3^ »

4.* »

9.* Periquitos

I o.* Araras

Corrente abaixo

Na foz do Mund. . . .

I I .* Pederneiras

Corrente abaixo ....

12.* Paredao

Salto

I.* Corrente abaixo.



2.* » »

3.* » »

i3.* Tres irmaos

I.* Corrente abaixo



2.'
3.



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9
9



Total



3,93
19,68
4,92
6,56
8,20
8,20

1.97
13,46

8,86
2,95
4,92
2,62
4,59
1,64
3,60

2,95

5,58

4.92
3,93

1,64

1197
0,98

1,64

2,29

136^3



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fti^tenslo de agna
quebrada

4920 p£s
1476 »



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1640

4920

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2460
2952

328

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902

3280
820

2962

984

2296

820
820

1 148



1804
2460
2296

820
492
229,6
492 »

656 »
45.903,6 »



9
9

9
9
9

9
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9
9
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9
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9
9
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As Regioes Amaionicas



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Cachoeint

Transporte • . .
14.* Girao (Giao)

Salto principal

I.* Corrente abaixo

2.* • »

1 5.* Caldeirao do infemo

I.* Corrente abaixo



Altura
da queda



Ejctensfio da agua
quebrada



2.*

3.*

4.*
5.«



9
»
»
»



»
»



16.* Morrinhas

I.* Corrente abaixo



2.»

5.*



»

1



1



17.* Salto do TTieotonio
I.* Corrente abaixo
2.* • (Macacos

18.* Santo Antonio.. . .



Total



)



A totalidade das quedas
nas partes limpas e na-
vegaveis do rio entre os
pontos quebrados pelas
cachoeiras e de



1 36^3 pes.. 45.903,6 pes



26,24

1^97
7,22

6,23

2,29
1,3 1
1,64
0,98
3,60
0,98
1,3 1

»'97
0,98
2,3o

24,60

0,98

148

3,93

228,41



43,95

272,36



2296
656
656

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3837
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492

988
393,6

1476

393

328

820

196

492

984
984

492
984

64.505,2








E esta a diflferen^a de nivel entre a primeira e a ultima
cachoeira.

A extensao total do rio na seccao encaixoeirada

e de 1.218:127 pes ou em milhas 229,38



Cap.^ II— Trib.^ do Ama^onas^ M. Direita 141

Transporte 229,38

A extensao das aguas quebradas ao longo da

linha e de 64.5o5 em milhas 12,2 1



217,17



Isto 6217 milhas de um canal perfeitamente navegavel
com uma corrente no meio, de cerca de uma milha por hora
e profundidade de 10 a 120 pes em aguas baixas. A va-
riacao na altura das aguas e de 10 a 23 pes.

/.* Cachoeira^ Santo Antonio — Esta cachoeira e for-
mada de pequenos ilhotes que se acham proximos a mar-
gem orientel do rio, sendo o ultimo formado de penedos
soltos, bem como o immediato; o que se acha mais no cen-
tro do rio, e formado de penedos muito'maiores, e entre
estas ilhas e as grandes pedras se tem formado dous ca-
naes por onde se.navega, um dos canaes proximo d mar-
gem quasi que evita os riscos d'esta navega9ao, o outro
porem, passa pelo meio das pedras e s6 a altura das aguas
serve de regra aos praticos para preferirem este ou aquelle
caminho.

Diz o relatorio da commissao do Madeira pelo conego
Francisco Bernardino de Souza que mesmo transporta esta
cachoeira, e navegada.uma legoa no rumo SO., se encon-
tram uns grandes penedos que embaracam o rio chamado
Macacos^ formando violentas correntezas que e difiicil ven-
eer, caminhando-se depois ate uma extensa praia onde se
descanca, a duas e meia legoas de distancia da cachoeira
Santo Antonio.

2.^ Cachoeira^ Salto do Theotonio — Lendo os dififeren-
tes auctores que modernamente tem escripto sobre este as-
sumpto, sinto prazer em ver a exactidao da descrip^ao
d'esta navegacao feita por meu pai, empregado por muito
tempo na commissao das demarcacoes, a qual copio. Diz
elle: «E muito grande esta cachoeira, o seu aspecto e im-
ponente; e ella formada por uma corda de penedias que
atravessam o rio, nao obstante ter elle ahi cerca de uma mi-



142 As Regioes Ama\
Iha; poT entre essas penedias, jorra a agua por quatro ca-
naes com uma altura de cerca de 40 palmos.»

A queda das aguas e tao forte e violenta, que forma
cachSes e remoinhos horrorosos, levantando-se constante-
mente um nevoeiro que de longe parece fumaca. Alem
d'esta primeira fila de penedos encontra-se uma outra, e
ainda que mais baixa tambem toma toda a largura do rio,
ficando este ericado de cachopos. Diz o dr. Severiano da
Fonseca: «Uma saliencia de um morro, form^ a ponte em
que sao aliviadas as canoas, e transportadas ate onde ja
nao'dominam as penedias; o morro, terd uns i5 metros de
altura, e o vasadouro uma extensao de 55o metros. »

Passada a cachoeira, se navega com proa de Sul encon-
trando a uma legoa de distancia muitos penedos dispersos
na largura do rio o que difficulta a viagem e a torna enfa-
donha. A tres legoas de navegacao se encontra a cachoeira
dos Morrinhos.

3.* MorrmAo5 — Sao algumas ilhas lan^adas entre pe-
nedias que formam esta cachoeira, estando a maior ilha no
centro do rio; existem tres canaes dos quaes o do meio e
geralmente preferido pelos navegantes; passada a cachoeira
ainda ficam duas fortes corredeiras a passar, diz o Relato-
rio da Commissao(*). Deixando esta cachoeira e navegando
uma legoa cohi proa de O. e mais tres e meia com proa
de SO., encontra-se uma grande ilha, e em suas proximi-
dades fortes correntezas, e na qiargem oriental do Madeira
a bocca do rio Yassy-parana; d'ahi em diante toma o rio a '
direccao de O; navegando um pouco mais, se encontram
tres ilhas conhecidas pelo mesmo nome do rio, e proximas
novas correntezas; finalmente continuando a navegar, a dez
legoas da cachoeira dos Morrinhos, se encontra a cachoeira
do Caldeirao.



(*) Este relatorio da commissao do Madeira e muito interessante
em si, e relativamente ao Madeira muito mais, pois transcreve o dia-
rio astronomico da commissao portugueza de 1781 do qua! copio o
que accrescento ao manuscripto de meu pai.



Cap.^ II— Trib,^ do Amaionas^ M. Direita 148

4^ Caldeirdo do Inferno — Esta cachoeira e formada
pela ilha chamada dos Padres, e alem d'esta, por outras
que nao tem nomes; tem tambem muitos penedos e ds ve-
zes com rumos oppostos; ha uniyentre todos mais saliente
a que chamam Caldeirao pelo enorme rebojo que alii for-
mam as aguas; tem esta cachoeira tres correntezas ou cor-
redeiras de quasi uma legoa de extensao. O rio junto a esta
cachoeira teip uma forte inflexao sobre a direita, espraian-
do-se muito, de modo que offerece uma largura muito mais
consideravel do que aquella que trazia; as quatro ilhas que
formam o grande embaraco do rio, estao quasi em perfeita
linha. Segundo o dr. Severiano da Fonseca, e formosissimo
o quadro que offerece esta queda, ainda mais bonito pela
marcha de ilhas de plantas que vivem a flor de agua e que
as correntezas fazem descer no rio, ao passo que os reman-
sos e rebojos as fazem subir e girar no mesmo logar. Esta
cachoeira, para ser transposta, e preciso que os barcos ou
botes s6jam aliviados ate meia carga. O canal que prefe-
rem e o do meio, apesar de o denominarem: Dos perdidos.
O canal junto a margem esquerda do rio, quando as aguas
tem baixado muito e ha pouca agua sobre a lage enorme
que forma o canal dos perdidos^ ofiFerece boa passagem,
mas cumpre ser em descarregados os botes.

5.* Salto de Girau — Antes de chegar a esta cachoeira
em distancia menor de meia legoa, se encontra uma fortis-
sima corrente, e logo depois comeca o rio a estreitar tanto
que as suas aguas se lancam perceptivelmente por um salto
bastante alto por diversos canaes, e d'esse ponto em diante
uma espantosa quantidade de penedos e muitas ilhas cons-
tituem diversas correntezas todas trabalhosas para serem
vencidas. Toma-se preciso descarregar as canoas e trans-
por um varadouro de cerca de 400 bracas, alem de esca-
broso na subida e descida. Acrescenta o dr. Severiano da
Fonseca, em concordancia com o que levo dito, que na mar-
gem esquerda do rio se elevam quatro ou cinco collinas, e
outras duas 4 direita; na direita do rio e que existe a maior
d'ellas, e acima e abaixo e que estao collocados os dous pon-



144 ^ Regides Ama{onicas

tos que servem de varadouros ou portos. Este e de perto
de 800 metros, aspero e difficil na subida, perigoso na des-
cida. As embarcacoes tern de ser descarregadas e pucha-
das a sirga.

N'este varadouro encontram-se vestigios de antigas al-
deias, como a de Balsemao, creada em 1768 com indios
pamas por Luiz Pinto. Seguindo da cachoeira rumo SO.
por duas leguas, vencendo-se fortes correntezas, e depois
seguindo por mais cinco e meia, no rumo de S, encontra-se
a cachoeira chamada.

6.^ Tres Irmds — Esta cachoeira tem pouco mais ou
menos meia legoa de extensao, e e precedida por duas for-
tes correntezas que tem de ser vencidas A sirga; a cachoeira
propriamente dita e formada por successivas penedias que
surgem i flor d'agua, a partir da margem austral, defronte
de uma ilha com o mesmo nome. Esta cachoeira ofiferece
dous aspectos complectamente differentes, pois se no tempo
da vasante pouco differe a corrente d'ella da corrente ordi-
naria do rio^ no tempo da enchente e inteiramente diversa.

Passada ella para chegar a outra cachoeira denominada
do Paredao, temos de andar 4 legoas com o rumo de O.
pelo rio acima, o qual aqui se estreita bastante, sendo a
margem Sul formada por collinas, cuja inclina^ao vem ter-
minar nas margcns, ao passo que a margem Norte e toda
de terras altas, e navegando, nao obstante novas e incom-
modas correntezas formadas pelos penedos que aqt* i e alii
emergem das aguas, chega-se d 7.* cachoeira distante da
precedente segundo o dr. Severiano da Fonseca 40 kilome-
tros, e segundo o Diario Astronomico cinco legoas e meia,
ou 3 1 kilometros approximadamente.

7.* Paredao — O aspecto d'esta cachoeira e o de uma
velha muralha. Tem duas pontas de pedra, uma encostada
i margem direita, outra ao lado esquerdo na extremidade
de umas ilhas, umas maiores, outras menores, por onde se
formam dous canaes onde a impetuosidade das aguas nao
di passagem is canoas; esta cachoeira pelo lado esquerdo
tem uma linha recta de penedos, que terd umas 14 bracas



Cap.^ II— Trtb.^' do Ama^onas, M. Direita 145

de extensao. Junto ao paredao que como disse representa
a muraiha de que acima fallo, vai um canal de uns 20 pal-
mos talvez de largura, pelo qual entram as can6as d for9a
de bracos vencendo a correnteza impetuosa. Diz o dr. Se-
veriano da Fonseca que e em extreme semelhante ds duas
cachoeiras seguintes de Pederneiras e Araras, que e a mes-
ma crista de penhascos atravessando o rio, a comecar da
grande lage da direita que vai quasi ate meio rio; na mar-
gem opposta elevam-se bem fronteiros & cachoeira dous
morretes. A grande lage da margem direita apresenta uma
largura de 126 metres e e um dos mais magnificos speci-
mens de rocha com suas camadas sobrepostas reveladoras
do estado de liquefagao em que foram ahi depositadas, se-
melhando assim, humidas do rio^ a um grande derrama-
mento de mel espesso e quasi a cristallisar, que vai lenta-
mente escorrendo em largos pannos sobre camadas jd sa-
lidificadas, o que parece revellar ou que a cristallisa^ao foi
muito rapida ou mui demorados os jorros de materia em fu-
sao. Mais proximo do rio perde este aspecto, e em vez de
sua lisura e polimento torna-se geralmente anfractuosa; so-
bre ella elevam-se diques de diorito, penhascos de 3 a 6
metres, emquante que proximo afundam-se abismos, ou pa-
tenteia a rocha errozoes largas e profundas, que serao bens
canaes quando as aguas as cubram sufficientemente. A ls[ge
termina no rio per um d' esses rochedos de 4 metres de al-
tura que a vao orlando em teda a sua extensao.

Na por^ao vasada encontram-se os caldeiroes circula-
res, com um metro e mais de diametro e de fundo, e as
pequenas excava^oes ell)^ticas observadas em eutras ca-
choeiras. Algumas das lages sao coradas de vermelho lu-
sente, talvez devide ao tritoxide de ferro; eutras negras lu-
sidias, devendo sua cor ao oxide d'aquelle metal, ou ao pe-
roxide de manganez. Apparecem aqui e alii bloces fendi-
dos lengitudinalmente e guardando um parallelismo neta-
vel entre as faces da fenda, onde as saliencias de uma cor-
respondem ds reentrancias da eutra.

Abaixe da cachoeira uns 5o metres, menciona o mesmo
>9



146 As Regioes Ama\onicas

via j ante, um paredao formado de rochas sobrepostas de
gneiss e de grez, affectando a forma de trapps com tanta
naturalidade que se assemelha a uma velha muralha em
ruinas^ a textura do seu gneiss assemelha-se a do basalto,
mas a fractura e mais conchoide. Naturalmente e esta li-
nha de rochas que evocou em meu pai a mesma compara-
^ao e talvez fosse ella que deu o nome de Paredao a esta
cachoeira. Vencida esta cachoeira, navega-se com rumo de
O. ate d oitava cachoeira.

8^. Pedemeiras — Dista esta cachoeira tres legoas da
precedente. Sao infinitas as pedras que a compoe de um a
outro lado do rio, quasi todas cobertas de agua, e por entre
ellas fazendo-se sentir espumosas correntezas tao variadas
e entrecortadas entre si, que diflficil senao impossivel e re-
conhecer um canal. As canoas tem de ser descarregadas.
e as cargas levadas por terra cerca de 25o bracas.

Dd comeco a esta cachoeira, formada por uma crista de
penedos que vai de um a outro lado do rio, uma grande
lage na margem direita; diz o dr. Severiano que nas aguas
baixas passa esta queda por perigosa; entre o canal do cen-
tro e o da margem encostado d lage, a passagem parece
ser preferivel.

A navegacao da cachoeira d'ahi em diante e feita com o
rumo de SSO, deixando na margem occidental distante
quatro legoas a bocca do rio Abund ou Rio-preto, do qual, se-
gundo uma nota do manuscripto a que me tenho referido,
e considerada a foz como o ponto mais occidental do rio
Madeira; d'este ponto em diante segue-se o rumo SE.,
e tendo vencido 4 V* legoas chega-se d nona cachoeira.

p.* Araras — Por alguns e chamada Figueira. A dis-
tancia d'esta i precedente e de nove legoas, e ella formada
de muitos ilhotes de pedra, entre os quaes se precipitam
as aguas com forca, formando diversos canaes susceptiveis
ou nao de ser navegados conforme a quantidade de agua
que leva o rio. A posicao astronomica d'ella, segundo Kel-
ler, e de 9®-55'-5",8 de lat. e 22°-i5'-2o" de longitude.

Deixando-a, encontra-se a cachoeira do Ribeirao, a 27 ki-



Cap.^ 11— Trib.^ do Ama\orias^ M. Direita 147

lometros, segundo o dr. Severiaho, ou a tres legoas, se-
gundo o n^iario Astronomico.

10.* Ribeirdo — Antes de chegar a cachoeira propria-
mente dita, a uma distancia de uma legoa, jd se encontram
numerosas as penedias e correntezas, sendo principalmente
de notar quatro d'ellas; as tres primeiras vao-se vencendo
a sirga com as canoas carregadas; a quarta, porem, que pode
ser considerada, s6 ella, como uma forte cachoeira, s6 pode
ser transposta, descarregando as canoas e levando as car-
gas por terra por um espaco de tres mil passos. Passado
este ponto, deitam-se as canoas mais para o meio do rio,
por entre muitas correntezas, ilhotes e penedias, sustentan-
do-as com sirgas, ate que vencidos estes obstaculos, se
chega d extremidade do varadouro, onde de novo sao em-
barcadas as cargas nos barcos, e sao estes levados d forca
de braco e de varejao nas corredeiras menos fortes, ou
com as espias de piassava, que sao preferiveis aos cabos
de linho nao so porqu^ se nao ensopam como estes, que
por isso se tornam pezadissimos, como porque se nao cor-
tam tao facilmente, e mais do que tudo porque a espia de
piassava e mais elastica, condi96es estas muito para atten-
der em trabalhos feitos sobre penedias que sao sempre
mais ou menos cortantes.

Depois d'este primeiro trabalho rude e enfadonho, se-
guem-se duas grandes corredeiras que so se transpoem e
difficilmente d sirga, e outras menores, ate chegar ao Ri-
beirao, onde se descarregam pela segunda vez as canoas,
passando as cargas por terra, por um trecho de cerca de
3oo passos, emquanto as canoas sao levadas d sirga e
ao varejao ate terem transposto o que chamam a cabeca
da cachoeira, acontecendo nao poucas vezes que as mes-
mas canoas tem de ser levadas por terra. Esta cachoeira
do Ribeirao e de todas as d'esta navegacao nao so a mais
trabalhosa, como uma das mais perigosas, tanto pelas qua-
tro correntezas dc que primeiro fallei e que sao por si ca-
choeiras respeitaveis, como sobretudo pela quinta. N'este
logar cstava estabelecido um destacamento onde havia um



148 As RegiSes Ama^oiiicas

certo numero de soldados dos chamados pedestres, os
quaes desde que as candas se aproximavam d'esta cachoeira
ajudavam a passar cargas e candas. Diz o sr. Severiano
da Fonseca que esta cachoeira e & margem direita, sendo
a parte de cima d esquerda de um morrete. E dividida cm
cabe^a e cauda, aquella formada por grandes lages cober-
tas de blocos de dtorito soitos, outros formando dikes, al-
guns parddos, outros prismaticos. Nota-se ahi a existencia
de caldeirdes e buracos ellypdcos de que jd tenho fallado.

Nao dd passagem em tempo algum, havendo serapre
necessidade de varar as canoas; mas nao se torna difficil a
opera^ao, pois com dez homens e em outras tantas horas
foi realisada na viagem de que tiro estes apontamentos.

Passava este logar antigamente por aurifero, e sem du-
vida foi esta a razao que levou Caetano Pinto a n'elle es-
tabelecer em 1799 um posto militar destacado do forte do
Principe, e tamb^m um aldelamento de indios e escravos
da coroa, talvez para plantar e fornecer mantimentos aos
navegantes e garanrir o recebimento dos quintos do ouro.
Era este destacamento chamado de S. Jose do Ribeirao, e
durou ate i832; vem consignado em alguns mappas, como
no Atlas do senador Candido Mendes, mappa de Ponte
Ribeiro, e mappa de Mardus. Ricardo Franco demarcou o
comedo da cachoeira aos lo^-ii' S. e a cauda em io''-io'.
Da cabeca d cauda gastam-se perto de quarenta minutos,
pois fica tres kilometros abaixo d'aquella; as cargas tarn-
bem passam por terra.

Segundo o Diarto Astronomico,, esta cachoeira tern duas
legoas de comprimento; logo pordra d distancia de meia le-
goa se encontra a 11.* cachoeira.

//.' Misericordia — E de pequena extensao esta queda,
e formada por um grande penedo que estd junto a terra
no lado oriental; tem defronte outros tres penedos por en-
tre OS quaes e a extremidade do penedo de que primeiro
fallei, passam as can6as; e mais pengosa durante a cheia
do rio do que na vasante, pois ha o risco de ser levado so-
bre OS tres penedos menores.



Cap.^ II — Trib.^' do Ama\onas^ M. Direita 149

Diz Severiano da Fonseca ser tal sua impetuosidade nas
enchentes que ha risco de as canoas serem precipitadas
pela corrente na outra cachoeira, como tem acontecido.

A da Misericordia apresenta-se como uma enorme lage
a margem direita^ estendendo-se triangularmente para o
rio, onde se entremetia quasi ate ao seu meio. Na margem
fronteira existe outra menor.

O rio vai perfeitamente canalisado entre ambas, a nosssa
gente so teve que forcar o remo e raspar duro para aguen-
tar a rapidez da corrente e os balancos dos bauseiros. Esta
cachoeira pouco menos terd do que meia legoa de exten-
sao, e oflferece alguma semelhanca d do Ribeirao; faz-se '
conhecer por uma grande corredeira e salto, e alem d'isto
tem outras duas sirgas; tem de ser feita a descarga das ca-
noas, tendo o caminho por terra cerca de 3oo passos, de-
pois continiia a viagem ate dobrar uma ponta que e onde
acaba a cachoeira. Diz o dr. S. da Fonseca; « Esta cachoeira
e na margem direita; entre uma ilha chamada da Confluen-
cia e o porto superior da cachoeira, fica um canal que passa
entre duas ilhas, nos porem passdmos por fora da mais ex-
terna, tomando a face N. do morrete que avisttoios de
Guajard junto d qual e o porto.

«A cachoeira occupa toda a largura do rio desde a en-
trada do Mamore, e segue por mais de meia legoa. Nos
pedregaes de syenite notam-se buracos ovaes e ellyptico de
um palmo de longo em grande numero, ds vezes em grupos.

t As rochas d'esta cachoeira sao de forma^ao plutonica,
e revelam d primeira vista a sua formacao volcanica, mo-
dificada talvez pelo metamorphismo; difficeis algumas de
classificar, pelo duvidoso dos signaes de apresentacao, em
outras o^c/esmineralogico designava-as satisfactoriamente.
As grandes lages trachiticas, de cor ferrea ou de negro lu-
sidio de alcatrao, sao formadas em muitos logares de ca-
madas sobrepostas mais ou menos onduladas, com rebor-
dos curvilineos, como se proviessem de uma materia em
fiisao, espessa e derramada em grandes jactos, formando
len0es, os quaes esfriavam antes de alcancarem os ultimos



i5o As Regioes Ama^onicas

espaco em que os primeiros se estenderam. Grandes pe-
nedos uns prismaticos, outros arredondados, ora dikes de

diorite e de elvan, ora blocos soltos

do mesmo modo que grandes caldeiroes, boracos perfeita-
mente redondos abertos na lage, cuja existencia se explica
pelo attrito de seixos roHados em pequenas depressoes, as
quaes com o corner dos seculos e movimento das aguas
vao augmentando.

•Nao e porem tao facil achar explicacao para os bora-
cos ellypricos de algutnas d'essas lages, todos das mesmas
dimensoes e quasi dispostos em direccoes uniformcs, uns
apos outros em duas ou tres fileiras

tEssas lages, apezar de como que envernizadas pelo at-
trito das aguas, e brilhantes dc negro polido metallico, nao
sao difficeis de classificar pela sua textura e aglutinacao. Sao
porphiros amphibolicos, obsidianas, syenites, peirosilices,
todas rochas feldspathicas. Nos grandes caldeiroes a secco,
nao sao raros os conglomerados de seixos dioriticos, espe-
cialmente de diorite negra, pequenissimos e que parecem
aglutinados a ajudas do hjdrato de ferro.>

Vadeada que seja esta cachoeira, diz o Diario Asl-ono-
mtco, do S. ate A bocca do rio Mamore que fica duas le-
goas acima da cachoeira, se prosegue dvante com o mesmo
rumo de S. ficando por bombordo um pequeno rio de agua
negra, meia legoa superior A decima terceira cachoeira,

O rio Madeira, como jd disse, e formado pelo concurso
das aguas do Beni e Mamore reunidas. O Beni e um cau-
dal muito abundante ao qual attribuem um curso de i :20o
kilometros, e que a seu turno e formado pela confluencia
do rio Madre de Dios ou Amarii-Mayu com o Beni, pro-
priamente dito; o primeiro destes tern as suas origens nas
proximidades de Cuzco, recebendo em seu curso pela mar-
gem esquerda os rios Cuetraras, Muj'ana, Pini-pini, Me-
rury, Babasoti e Tonno, e pela direita o Avuyana, Muypa-
na e Ynambary, e quando se une ao Beni tern uma
largura de cerca de 800 metros, com mais de treze de pro-
fundidadc; estc rio por muito tempo se suppoz ser a con-



Cap,° II — Trib.^ do Ama^onas^ M. Direita 1 5 1

tinuacao do Purus ou do Hyutahy. Estas supposicoes
foram partilhadas por alguns dos viajantes que tem escri-
pto sobre o Madeira; com as exploracoes mais modernas
e com as viagens dos regatoes que tem penetrado ate aos
mais intimos recessos d'estes logares desconhecidos, sa-
be-se muito mais sobre este rio que e formado, como jd disse,
pelo concurso de outros rios menores do departamento de
Cuzco, e confunde suas aguas com as de Paucartambb e
toma o nome de Mano ou Marcapatd, (Paz Soldan, Geog.
do Peru). Gibbon, que o percorreu desde Cuzco, determi-
nou em 12® 82' latit e 70° 26' OW. o ponto do seu curso
ate onde chegou. Paz Soldan julga que elle corre en-
tre i3",5o' e.i2^ de latitude S. a leste do departamento de
Cuzco, a leste do valle de Paucartambo, e nao Ihe dd a
continuacao alem de 12° de latitude Sul. A cerca de 200
kilometros de Cuzco perde suas ramificacoes nas florestas
virgens. Ate onde chegou Gibbon o rio largo e profundo
ofiFerecia accesso facil ate ds fraldas dos Andes ds mais al-
terosas embarcacoes empregadas na navegacao fluvial.

Antenor Vasques o navegou ate 3oo kilometros de sua
foz no Beni; e mais consideravel do que este, que a seu
turno rola em seu leito maiores massas de agua do que o
Mamore e o Guapore reunidos.

Entre o curso inferior so recentemente conhecido, c a
parte superior d'este rio minuciosamente explorado, entre
o valle do Amazonas e as planuras do Titicaca, fica uma
regiao de opulencias lendarias por onde se dilatava o im-
perio de Manco-Capac, em que a natureza accumulou a
maior parte dos seus dons fabulosos e que as populacoes
de Bolivia e Peru vao palmo a palmo conquistando.

O outro rio, o Beni, e formado pela reuniao do rio La
Paz com o Altamarchi; recebe muitos affluentes, como
sao, pela margem esquerda, o Tambopata, Tiquijd, Tuich,
Apocobamba, Cacd e Huamai, e pela margem direita, o Al-
tamarchi e o Negro, desaguadouro do Lago Rogagua. Dao-
Ihe uma extensao de 1.200 kilometros, e suas aguas por-
tanto provem das abas dos Andes, junto a Potosi, Cuzco e



1 52 As Regioes Ama:((micas

e Ilimani. Sua confluencia com o Mamore tem a posicao
geographica de lo'* 22' 3o" de latitude e 312° 10' 3" de lon-
gitude da llha do Ferro; sua foz, segundo Keller, e de
1:000", mas Southey dii-lhe 800 bra^as.

Na confluencia dos dous rios ha uma iiha que tem sido
citada pelos que tem escripto sobre estes rios, sob o nome de
llha da Confluencia da foz do Beni, e segundo os jrmaos Kel-
ler sua posicao e a 10° 20' de lat. e 22" 12' 20" de longitude
do Rio de Janeiro, a uma altura de 122,45 metros sobre o
nivel do mar; a extensao d'ella e superior a 600 metros.

Supposto que o trabalho que me propuz escrever se re-
fira s6mente aos estados do Pari e Amazonas, o leitor des-
culpard se alguma cousa disse sobre territorio que Ihes e
extranho mas que Ihe e Intimamente ligado, e que quasi
preciso era dizel-o, para que se fizesse mais completa idea
de um espaco que seria dominado peia via que foi proje-
ctada para salvar a regiao das cachoeiras e da qual adiante
me occuparei. Contlnuemos porem com a descripcao das
cachoeiras que ]i pertencem ao Mamore.

1 3. Lage — Nao e grande esta cachoeira nera e das
mais perigosas, mas e bastante trabalhosa na occasiao da
baixa das aguas, e na enchente tambem nao deixa de o ser,
pois s6 A sirga pode ser vencida; tem uma iiha junto d mar-
gem oriental e canal passa costeando essa iiha.

Segundo o dr. Severiano da Fonseca, esta cachoeira
apresenta-se como uma corredeira de cerca de i :5oo metres,
incada de penhascos e lagedos, e, conforme o grao da va-
sante e da enchente, assim varia o canal, de modo que e
preciso sondal-o antes de ian^ar a canoa; estas sondagens
sao feitas pelos pilotos, saltando pedrouijas, galgando pe-
nhascos, atravessando logares difficeis,. ora ajudando-se de
yma vara, ora de uma corda passada na cabe^a de ura pe-
nhasco segurando ambas as pontas, uma das quaes soltam
puchando a outra a si quando jd nao precisam firmar-se
n'ella, trabalho este difiicil e perigoso.

Passada esta cachoeira, proseguindo por espaco de le-
goa e meia, encontra-se a cachoeira seguinte.



i



■I



Cap.^ II— Trtb.^ do Ama:{onas^ M. Direita 1 53

14.^ Pan Grande — Tem ella meia legoa de extensao,
e ainda sendo das menos perigosas, e uma das que mais
trabalho dd obrigando a descarregar as candas, sendo as-
sim mesmo difficultosa de passar.

O caminho que e precise percorrer por terra levando
as cargas ds costas nao e de menos de 36o metros; encon-
tra-se »na visinan^a o canamby (phyllantus) narcotico em-
pregado pelos indios, e o jambii (spilanthus oleracea) tao
preciso para a confeccao do tucupy{^) conhecido tambem
com o nome de agriao do Pard, apezar de com esta planta
nao ter semelhan^a alguma.

Na distancia de duas legoas encontra-se, navegando rio
acima, a cachoeira das Bananeiras.

/5.* Bananeiras — Esta cachoeira reune tudo quanto a
pode fazer temida, pois e muito extensa, muito trabalhosa,
e perigosissima; gastam-se aiguns dias para a passar, tendo
de ser descarregados os volumes e varadas as canoas, taes
sao as difRculdades das correntezas, as dos canaes, e as
dos saltos que se encontram.

A descripcao feita no livro do dr. Severiano da Fonseca
e muito mais completa que a que e feita por meu pai em
seu manuscripto; eis como aquelle descreve a descida d'esta
cachoeira.

cAs 7 horas e 40' passamos por dous pequenos arroios
d direita e d esquerda, aos quaes foram dados os nomes de
Clemente e Jose Pires, em honra dos nossos excellentes
auxiliares, o piloto e o proeiro manejador do rSmo grande.
Uma hora depois, com uma velocidade de nove milhas por
bora, aborddmos ao porto superior da cabeca da cachoeira
a 3 V« legoas do Guajard.



(1) Tucupy — ^Mdlho usado no Para e Amazonas para n'elle por de
ensopado os assados, como leitoes, patos, pacas, gallinhas, etc; e feito
com a manipuera ou succo da raiz da mandioca, o qual depois de ex-
posto ao calor do Sol ou do fogo, alem de perder pela evapora^ao
suas qualidades venenosas, ^, sendo convenientemente temperado com
pimenta jambu e outros condimentos, um dos mais saborosos molhos
que conhe^o, senao o mais saboroso.
20



i54 As Regioes Ama:{onicas

parada por um pequeno trato despido de rochas e parcei?,
o que a fez considerar como uma so, distinguindo-se as di-
visdes com o nome de cabeca e cauda.

•Ricardo Franco demarcou a cabei;a (isto 6, o porto da
pane superior aos io''-37', e o porto inferior aos io°-33' S.)
Keller dd-lhe a altura de i37,'"3 acima do mar.

€E a cachoeira das Bananeiras, uma formidavel corre-
deira com saltos e passos difHcilimos umas vezes, e outras
impossiveis de transp6r; na cabeca ha necessidade de va-
rar as embarcacoes, isto e de conduzil-as por terra do porto
superior ao inferior, A cabeija da cachoeira, qualquer que
seja o estado do rio; e a Cauda lambera offerece muita dif
ficuldade, sendo todavia vencida quasi sempre i strga.i

O varadouro da cabeca tern 220'" de extensao, o da cauda
e um pouco maior; segundo o Diario Asironomt'co, esta ca-
choeira e a do Ribeirao sao as mais escabrosas de veneer.

Vencida esta cachoeira, navegando no rumo de Lcstc
durante uma legoa e com rumo de Sul durante legoa e meia,
chega-se i 1.* cachoeira.

16.' Guajard-assu — Tern pequena extensao, mas e for-
mada por umas grandes penedias que estrelrando rauito
OS canaes, dao grande violencia as aguas; e ordinariamente
preciso alivlar as canoas de meia carga, e passni-as A
sirga emquanto as cargas descarregadas vao pelo vara-
douro que tem uns 5oo passos.

Segundo o dr. Severiano da Fonseca, a distancia a trans-
por para chegar i ultima cachoeira e de 9 kilometros.

77.* Guajard-mirim- — E esta uma cachoeira pequena e
fadl de transpor, mas e muilo variavel o seu l^egimen; o
dr. Severiano exprime-se pela maneira seguinte sobre esta
cachoeira:

cE esta uma das que mais variam, desapparecendo
quando as aguas do Mamore se avolumam.

fO seu trajecto e breve mas perigoso, por ser o canal
muito estreito, e fica este & margem esquerda logo encos-
tado a grande lage que a borda.



X^ap.^ II-— Trtb.^* do Ania\onas^ M. Direita 1 55

Uma parte das cargas tem muitas vezes de ser des-
carregada e levada por um camingo de 25o passes. »

Poderia entrar agora em uma descripcao minuciosa do
Mamore^ mas nao e esse o meu intento por ser elle um con-
fluente do Madeira. Apenas em geral tratarei d'elle, assim
como do Guapore.

O Mamore — ^Vem das vertentes dos Andes dos departa-
mentos de Oruro e Cochambamba e no territorio que per-
corre antes de chegar d fronteira brazileira e conhecido por
nomes differentes d'aquelle que o Brazil Ihe dd; e denomi-
nado Guapahy e Rio Grande no curso superior da enorme
curva que descreve e na qual recebe dififerentes affluentes,
entre os quaes os mais notaveis sao, pela margem direita
ou meridional, o Ibare, Soterio, e Pacahas Novos, correndo
ou confluindo o Ibare na parte em que o Mamore jd nao
e brazileiro; a direccao dos outros dous faz suppor que
tem elles suas origens nas vertentes das serras dos Pa-
recis.

. Na oiitra margem, a esquerda ou septentrional, o nu-
mero dos affluentes e mais consideravel, sendo os princi-
paes o Pirahy, o Japacani, o Ximare, o Xapore, o Secure,
o Tramuxy ou Tijamuxy, o Apere, e o Yacuman.

O Guapore ou Itene\ — Que limita o Brazil com a Bo-
livia, conflue com o Mamore, segundo as mais modernas
observa^oes dos commissarios brazileiros, aos ii^-54'-i2",83
de Lat. e 2i^-3'-6'',45 de Long. O. do Rio de Janeiro. Ao
lancar-se no Mamore traz a largura de 700", ao passo
que o Mamore o recebe em suas ondas violentas apenas
tem 140 metros de largo. Entretanto o volume de suas
aguas e muito mais consideravel, devido isto d sua grande
profundidade que e decupla da do Guapore, cujas aguas re-
prime mudando-lhe a direccao por mais de cem metros.
Os srs. Kellers dao a altitude de i5o metros acima do ni-
vel do mar ao local d'esta confluencia.

Este rio, que entra pela provincia brazileira de Matto-
Grosso, tem um grande curso, e tao grande, que quando
passa pela cidade de Matto-Grosso, jd tem 25o kilometros



I B6 As Regioes Ama:ionicas

de curso. O principio de sua carreira dista poucas legoas
de Jauni, e tern o nome de Mequenez, aos i4°-4o' de Lat.
S. e a 3 18'- 39' de Long, do meridiano occidental da Ilha
do Ferro; logo em seu inicio corre na direc^ao O. e de-
pois de NO-; recebe varios affluentes dos quaes o princi-
pal antes de chegar a Matlo-Grosso e o rio Alegre, nave-
gavel, e depois de passar por Matto-Grosso, tomando a di-
rec^ao NO. e depois a do O. recebe pela margem esquerda
o Paragahii; toma entao a direc?ao que tern ate chegar ao
Mamore, isto e a de NE.

Nao sao porem s6mente estes os seus affluentes, pois
que o Sarar^, o rio Verde, o Baures e o ItunamA tambem
n'elle vem precipitar-se.

A accreditar-se nas descripcoes is vezes apaixonaJas
dos viajantes, o Guapore em quasi todo o seu curso e de
uma belleza excepcional, augmentada ainda pela tranquilli-
dade de sua corrente e pela limpidez de suas aguas; o seu
nome diz-se ser o de uma das numerosas tribus que vaga-
vam por suas margens. Sao ellas povoadas por muitas na-
coes de indios, sendo as principaes as dos Baures, dos Mo-
jos e dos Cayobas, e na pane inferior acima e abaixo de
suas cachoeiras, ainda nao ha muitos annos vagavam os
Araras, Ariquenas, Baetas, Catuxis, Jumas, Muras e To-
rds, alem das tribus de Amicores, Aponarias, Curuaxiis,
Itatapuias, que hoje parecem estar extinctas, e for^a e con-
fessar pelo que se ve hoje que a parte hespanhola tern sa~
bido ou podido rirar mais proveito d'estas tribus do que a
parte occupada pelo Brazil, onde nada se tern feito qu:into
a catechese e civilisacao dos indios, e onde os pOucos pon-
tos em que pequenos nucleos de indios domesticados se
apresentavam, tem sido abandonados, depois de com dies
se ter gasto crescidas sommas, como aconteceu no Xingii
e em Itaituba.

A enumeracao, ainda que imperfeita, que tenho feitu do
Madeira, e dos differentes rios que, como o Beni, Mamore
Guapore e Madre de Dios e seus affluentes, concorrem
para avolumarem, tornando-o o maior dos affluentes do



Cap.° II— Trib,^ do Ama:^onas^ M. Direita i Sy

Amazonas, o rei dos rios^ com as enormes distancias a
que levam suas aguas, e as consideraveis extensoes que
sem embara<;o podem ser percorridas em barcos a vapor
de maior ou menor porte.^ — tem de certo dado uma approxi-
mada idea da extensao territorial a que estes caudaes po-
dem levar as riquezas e os productos de que ate hoje tem
estado privada, trazendo em troca os generos que expon-
taneamente se encontram n*estas vastidoes, que pela sua
solidao e silencio incutem ao mesmo tempo curiosidade e
pavor aos que as prescrutam.

As suas aguas vem de uma distancia aproximadamente
de 2:000 milhas, ou, por outras palavras, as aguas d' estes
rios com as do Amazonas banham, dando navegacao desim-
pedida, uma superficie que occupa 1 5 grdos de longitude e
10 de latitude.

O Beni leva-nos ate o lago de Titicaca, banhando fer-
teis territorios, como os de Apollo, e chegando a L^ Paz,
Potosi e lUimani. O Madre de Dios leva-nos ate Cuzco, a
vetusta capital da monarchia dos Incas, por territorios em
que abunda a gomma elastica, o cacao, a quina, a casta-
nha, o sassafraz e o ouro; o Mamore, que lanca suas aguas
ate pequena distancia do Paraguay e o Guapore ou Itenpz,
levando-nos pela provincia de Matto-Grosso, por essa' im-
mensidade tao pouco estudada, pela sua outra margem, poe
o Brazil em intimo contacto com grande parte da Bolivia,
que perde seus productos por falta de consummo e de
communicacao.

Este rio que tem uma bacia de perto de 960:000 kilo-
metros quadrados, quasi egual a do Nilo, que lanca na epo-
cha do seu nivel ordinario 16.000:000 de litros de aguapor
hora no Amazonas, so por isto mostra sua importancia.

O sr. J. Maria da Silva Coutinho, tao cedo roubado
,pela morte aos seus constantes estudos, calcula a superfi-
cie occupada pelo Madeira e seus principaes affluentes pela
seguinte forma, em legoas quadradas:

Do Guapore e seus bracos 12:000



1 58 As Regioes Ama\onicas

Transporte 12:000

De todo o Mamore 8:000

Do Beni ds cabeceiras do Mamore 8:000

Do Madeira ate d foz 16:000

44:000



Do que levo dito deduz-se quanto interessa a solucao
de uma facil navegacao d'estes rios ao Brazil e a Bolivia
e particularmente aos Estados de Matto-Grosso, Amazo-
nas e Gram Para.

Os estadistas bolivianos, como os brazileiros, bem o tern
comprehendido, e por isso, ligados por um commum inte-
resse, um e outro governo se exforcaram, mdo grado as
difficuldades que se tem apresentado, em chegar a resol-
ver o problema que merece ser estudado sob os pontos de
vista commercial, politico, administrativo e estrategico, e
que todavia foi abandonado com detrimento de uma grande
parte dos Estados da Republica, entao Imperio.

Jd atraz disse qual a vasta area comprehendida pelo
sector que abrangesse os pontos a que mais directamente
se refere a influencia d'esta estrada: envolveria a Bolivia no
centro o Brazil a E., o Peru ao O.; a primeira com seus
departamentos de Santa Cruz, Beni, Cochambamba, Chu-
quisaca e La Paz; o Brazil com o seu vastissimo estado
de Matto-Grosso e parte do Amazonas; o Perii com os de-
partamentos de Puno e Cuzco. Mois de um milhao e qui-
nhentos mil habitantes povoam estas regioes remotas, em
que se encontram todas as temperaturas, desde os gelos nas
altas cumiadas das montanhas, ate a media temperatura
de suas faldas e a ardencia tropical na zona mais inferior.
Dos seus productos, inumeros podem ser aproveitados, pois
com tao diversas temperaturas, todas as culturas podem
ser utilisadas, isto alem dos productos espontaneos de cada
uma, das quaes jd tenho fallado.

Todos estes recursos, todas estas riquezas, podem ser
transportados aos centros industriaes, agricolas e manufa-



Cap.^ II— Trib.^' do Ama:{onas^ Af. Direita i Bg

ctureiros; uma vez que esta estrada ferrea, que salve a re-
giao encachoeirada do Madeira, permitta a livre navega^ao
e transporte dos productos que jd hoje accodem, com muito
maior quantidade affluirao entao elles ds margens dos qua-
tro rios Beni, Madre de Dios, Guapore e Mamore, tornando
necessaria uma esquadrilha de vapores que da ultima ca-
choeira os transporte ate ds margens do Atlantico.

Nao sao vaas estas promessas que aqui exponho, nao;
as produccoes e as condicoes de navega^ao e populacao,
sao as mesmas que existiam nos sertoes do Pard e Ama-
zonas, quando se creou a Companhia de Navegagao do
Amazonas; entao a totalidade do giro commercial entre as
duas provincias era representado em i85i por 5 mil con-
tos,em i864subiaa i5 mil, ehoje sobe a talvez loo mil con-
tos em seu valor official. Em i85i apenas tres pequenos
vapores de commercio sulcavam as aguas do rio mar; em
1 860 este numero subia a 12; hoje e talvez superior a cem
de todos OS tamanhos, pertencentes a duas companhias bra-
zileiras e a particulares; afora estes temos os grandes va-
pores da linha brazileira que vai ate o Rio de Janeiro em
numero de 4 por mez, e as duas linhas inglezas de Booth
e Red-cross com sede em Liverpool, e transportam os pro-
ductos da Amazonia a Lisboa, Havre, New- York, e Liver-
pool; tres vezes por mez cada uma d'ellas.

A linha ferrea, que ha annos foi come<;ada, tinha um de-
senvolvimento de 829,6 kilometros, e o seu custo foi or-
^ado em 8.736:716^312 reis, e seus juros em 624:200^978
reis, e se o baixo Madeira na epocha dos estudos para a
estrada com os seus 25 mil habitantes tinha um commer-
cio representado por i5 mil contos, a quanto nao ascende-
ria a produc^ao pelos exforcos de i.5oo:ooo habitantes? E
se nao bastam estas consideracoes para mostrar a vanta-
gem, e direi necessidade indeclinavel, d'aquella estrada, lem-
bremo-nos de que a superficie territorial da Bolivia entre
OS Andes e o Amazonas eleva-se a 400:000 milhas quadra-
das; e a dos districtos peruanos, que pelos affluentes do Ma-
deira depen dem tambem d'esta estrada, attingem a 1 5o:ooo



i6o As Regi6es Ama\onicas

milhas quadradas, e que a esta immensa extensao para
facilitar o commercio e a industria a generosa natureza
prouve conceder 60:000 legoas de rios navegaveis que a
cortam e fertilisam.

No que tenho dito no decorrer d'este trabalho, tenho enu-
merado as riquezas do Brazil; agora tomarei a liberdade
de transcrever de um trabalho de um distincto diplomata o
que elle disse a respeito das da Bolivia:

«Na vasta zona das terras que se extende entre o Ma-
deira e OS Andes, ate As orlas do Oceano Pacifico estao
reunidas todas as riquezas da natureza, riquezas mineraes
e vegetaes. Ghegam a ser lendarias as minas de ouro,
prata, cobre, estanho, chumbo, mercurio, da Republica: as
minas de prata do Potosi e Caracoles produziram s6 cm
1872 sem machinismos que methodisassem a explora^ao,
feita do modo mais grosseiro, e portanto improductivo, a
enorme sonuna de ^6.750:000, ou i3.5oo:ooo^ooo reis, ao
cambio par. De Janeiro a Agosto de 1881, entraram na al-
fandega do Rosario, procedentes da Bolivia, 817:000 kilo-
grammas de mineraes, dos quaes o valor official, alids in-
ferior ao real, elevou-se a 4.200:000 patacoes ou reis
8.4oo:ooo;j?)Ooo. Nao e menos importante a riqueza vegetal;
no Beni ha cerca de 3 mil pessoas empregadas no fabrico
da borracha que produzem 25:ooo arrobas d'este genero,
transportadas em batelloes ate o ponto de Santo Antonio
(Baixo Madeira) ao frete de 4 pezos ou 8^000 reis. So
n'isto estao 5o por cento do capital que for invertido na es-
trada ferrea. Nao e possivel prever e indicar o ponto cul-
minante de um commercio, que tem para alimental-o, alem
do producto das minas, alem da borracha, a quina, o cafe,
a canna, a coca, o tabaco, o milho, a copahyba, a la de
lama e alpaca, o algodao, a cera, o cacdo, a castanha, o
cumarii, etc.

«Todo este commercio ha de ser feito pelo Amazonas.
Apezar das cachoeiras passam todos os annos da Bolivia
para o Amazonas 700 tonelladas de carga, que represen-
tam um valor de 6.000:000 de pezos, somma que, como diz



Cap,^ II— Trib.^^ do Ama\onas^ M. Direita i6i

Gibbon, serd, uma vez aberta a estrada com as facilida-
des de communicacoes, elevada a 75.000:000 pezos ou reis
1 5o.ooo:ooo^ooo em moeda brazileira ao par.

«Para levar seus productos a Europa ou aos Estados
Unidos, tern a populagao cisandina da Bolivia de fazer
o seu trafego pelos Andes, transpondo a altitude 18:000
pes (o mais alto pico do Monte Branco apenas tem 16:700
pes) sobrecarregando os generos de seu commercio com
pesadas commissoes pelos portos de Arica e Tacna, com
a difficuldade de subirem o difficil passo de Sorata para
descerem ate d bacia do Titicaca. Nao e menos difficil o
trafego pelo Paraguay. Noventa dias de viagem e frete
de reis i:o32;3f)ooo por tonellada metrica, e o que custa
actualmente pelo Mamore, Guapore, Cochambamba, ou
pelo cabo do Hornos, Pacifico, Arica, La Paz, cada expe-
digao para a Europa: vencidas com uma estrada de ferro
as cachoeiras do Madeira, ir-se-ha do centro da Bolivia a
Europa em 16 dias e o frete de cada tonellada metrica nao
excederd 265i3!f)ooo reis.

«Nao ha na America estrada de ferro com tao auspi-
cioso futuro, e e incrivel como o governo brazil eiro tem
addiado sua construccao, a que alids se obrigou pelo tratado
de limites celebrado com o governo boliviano em 27 de
Marco de 1867. Representa entretanto a projectada ferro-
via a conquista do Oeste d'este continente, a regiao das
riquezas mythicas da America Austral, e a manifesta^ao
da influencia decisiva que deve ter o Brazil na politica da
America do Sul.»

Eis as ideas expendidas em uma conferencia na Socie-
dade Geographica do Rio pelo sr. Valarde, ministro da Bo-
livia no Brazil o qual ao terminar a conferencia dizia:

. . . «Em conclusao senhores, creio que todo este vasto
e riquissimo paiz encerrado pelas cachoeiras, e todos esses
rios caudalosos que o banham, tem um alto papel a des-
empenhar no futuro.

«Esse mundo ignorado, com espaco para abrigar mui-
tos milhoes de homens, e elementos naturaes para alimen-
21






t62 As Regides Ama^onicas

tar um enorme trafico, so espera para ser utilisado cm bem
da humanidade, a construc^ao da ferro-viaao largo das ca-
choeiras do Madeira, afim de evitar os obstaculos, e ligar
OS rios superiores com a parte inferior navegavei.

«Trabalhar pela resolucao d'esse bello programma e nao
s6 dever de patriotismo, como ate de humanidade e civili-
sa<;So ...»

Estas palavras, que aqui transcrevo levado nao pelo
amor que tenho ao Pard e Amazonas de onde sou lilho,
mas pelo amor i verdade e desejo do engrandecimento da
Republica brazileira, tem uma completa confirmacao na de-
monstracao mathemathica que apresentou o dr. Julio Pin-
kas, em outra conferencia nas sallas da mesma Sociedade
Geographica do Rio de Janeiro, o qual concreta nas seguin-
tes palavras o que se pode dizer em favor d'esta empreza.

Diz elie; uAs vantagens d'ella sao de caracrer politico,
estrategico, administrativo e commercial.

(Politico, porque creando para a Bolivia sahida alids
unica natural que ella tem, essa via ser^ o laco visivel, pal-
pavel das duas nacoes. Politico, porque desvia o golpe com
que a Republica argentina vai ferir o commercio do Ama-
zonas o Pari com a abertura do Rio da Prata para os pro-
ductos bolivianos. Politico porque conquistari para o Brazil a
allian(;a ofFensiva que a Bolivia terd que contrahir com aquelle
Estado que Ihe garantir uma sahida viavel para o Atlantico.

• Essa estrada serS estrategica, porque, sendo toda collo-
cada em territorio brazileiro, lorna possivel o movimenio
de tropas em caso de necessidade, facilita a prompta de-
feza da fronteira Matto-Grossense, e accao combinada e
uniao de corpos de exercito do Sul e Norte com as for^as
navaes do Alto Paraguay, independente de passagem no
Rio da Praia.

«Ella e administrativa, porque, alem de por mais ao al-
cance do governo central a provincia fronteira de Matto-
Grosso, restitue a esta grande porijao de seu territorio
actualmente administrada pelo Estado do Amazonas.





Cap,^ Il—Trib.^^ do Ama:{onas^ M. Direita i63

commercio de Mandos e do Para, emporio do commercio
boliviano, que attinge a i5 mil contos annuaes, e, dando
passagem & maior parte das cargas da Bolivia, apresentara
uma receita que largamente compensard no futuro os ca-
pitaes n'ella empregados.

«Todas essas vantagens, e outras, offerecera o conjun-
cto de rios navegaveis de que a Bolivia e Matto-Grosso dis-
poem, uma vez eliminada ou transposta a regiao do Alto-
Madeira e Baixo Mamore, e que cobrem um milhao de ki-
lometros quadrados para a navegacao a vapor. . .»

O que e certo e que a Bolivia procura incessantemente
obter uma sahida facil para os seus productos, e quer as-
sim, como o Estado de Matto-Grosso, libertar-se das pri-
soes que impossibilitam seu desenvolvimento; ainda ha
pouco o mostrou aquella nacao com a concessao feita ao
emprezario Arana para a abertura de uma pisada desde
Santa Cruz de La Sierra ate Porto-Pacheco no Paraguay,
na sua margem direita, e o rebaixamento de impostos para
as mercadorias importadas ou exportadas pela Republica
argentina, em contraposicao da elevacao d'estes importes
para as mercadorias de passagem pelo Pacifico.

O que nao pode ser contestado e que se nao melhorar-
mos a navegacao do Madeira e Mamore, a Bolivia com de-
trimento nosso procurardos mercados do Prata.

A linha tem sido atacada pelo lado da inexequibilidade,
mas OS estudos hoje completos e eff'ectuados em uma pe-
quena parte (sete milhas executadas), tanto os que foram
feitos pelos engenheiros americanos inglezes, como os rea-
lisados pelos brazileiros, posteriormente, tem de sobra pro-
vado que nao ha difficuldades importantes pelo lado te-
chnico da obra, havendo somente a estudar-se as epochas
melhores, e as precaucoes que pelo lado sanitario convem
serem tomadas para debellar as febres de caracter palus-
tre que alii tem apparecido entre os trabalhadores.

Pelo lado do resultado pecuniario reproduzirei o que
diz o sr. Pinkas, ex-engenheiro em chefc da commissao de
estudos da via^ao ferrea do Madeira-Mamore. Diz elle:



.64



As Regides Ama:{onicas



*Para a avalia?ao do futuro trafego, temos de abando-
nar as normas geraes seguidas, para estabelecer r^cioci-
nios por meio da compara^ao dos fretes actuaes pelo Pa-
cifico, e dos futures pela ferro-via do Madeira.

«Julgar o futuro trafego pelas cargas que actualmenle
transitam pelo Madeira seria um gravissimo erro. Essas mil
tonelladas, que subiam e desdam nos ultimos annos pelas
cachoeiras do Madeira, s6 podem servir de symptoma de
vitalidade d'essa via, porque apezar das despezas que actual-
menle fazem no seu transporte em canoas, e das perdas
a que estao sujeitas nas cachoeiras, conseguem apresen-
tar-se em linha com o pre^o das mercadonas iraportadas
na Bolivia pelo Pacifico. Mas claro e que, se por um meio
commode de communica^ao, ficarem reduzidos os fretes, e
esta a um terco do que actuaimente paga, o commercio,
que nao conhece sympathias senao as do seu interessc,
affluird para a nova via, que, como jd vimos, interessa dous
ter^os da Republica da Bolivia, a parte mais povoada, mais
commercial e mais susceptivel de desenvolver-se.

«A tabella em seguida, foi calcutada em vista dos fre-
tes que hoje se pagara, por mar e por terra para chegar ao
caminho da Bolivia, e dos que se pagarao pela futura estrada
de ferro, e navegacao fluvial, servindo-me para esse tim
do padrao adoptado pela Companhia do Amazonas, e a
base de 3oo reis por tonellada meirica sem tarifa diffe-
rencial.



Ponto dt paDidi


Frctcportondlidimclrici


Via do Pacilico


Vil do Madcirp


Santa Cruz de la Sierra

Sucre


i:o32j(iooo reis
1 :o32»ooo .
ySojftooo .
8409000 •
S8o»'Ooo "
44o»ooo .


3525|froai reis

586il&ooo . ■
49o»ooo . .
36i»ooo .. I
4o5»ooo -











J



Cap.^ 11 — Trib,^' do Ama^onas^ M. Direita i65



Note-se que nos fretes pelo Pacifico ainda se nao acham
incluidos os direitos que o Chili actualmente manda cobrar
nos portos de Arica e Cobija, e que augmentam mais reis
120^000, termo medio, o preco de tonellada de mercado-
rias que por este porto transitam, emquanto pelos tratados
em vigor todas as mercadorias em transito passam livres
de direitos no territorio brazileiro.

Muitas outras consideragoes apresentou o sr. Pinkas em
sua conferencia; d'ella extrahirei ainda as duas tabellas,
uma comparando o quadro que acabo de apresentar com
as que formularam os engenheiros A. Reboucas e Church,
e que o comprovam; a outra sobre os productos que se-
guirao pela projectada estrada nos primeiros tempos.




Andre Reboucas



Church



Pesos



112,00



Santa Crauz

. Sucre 1 168,00

Cocambamba ,

La Paz



o

CO ;c;

a.






Pesos



333, CO
277,00



•0

O
o *

it



u

AS U



^ CO



9\ o '*
2 a. a.



Lbs



0,3 V« 16,5
0,6 Vol 24, 10



124,002 229.00 0,3 Vo'20,0

i88,ool i65,oo'i,i 7, 33,10

.... i i .. '_.._



Lbs.



5i,5
38,7



22i



0,3 Vo
0,6 •/„



33,5 ;o,6'/.
19,15 1,7 7o





Pinkas




ca
1.

OB 4>

Rds


"J
Rcis


,SJ2


332jJ)ooo


1 :o32^ooo


0,3 v.


682^^000


1 :o32j^ooo


0,6 V,


490^^000


8494^000


0,6 *u


4o5JMx)


410^^000


0.9 7-


1







N. B. — Church calcula os precos, suppondo via-ferrea
entre Arica e La Paz, e A. Reboucas nao calcula com a
navegabilidade do Beni, entao desconhecida. Pinkas cal-
cula com OS fretes de hoje em vigor, em vias ferreas simi-
lares, contando com a navegacao do Beni, o que explica as
difierencas para La Paz.

Nota dos materiaes que nos primeiros tempos se deve suppor
sejam transportados pela via Terrea



1.057:000 tonelladas kilometricas a 3oo reis
De 1:000 cabecas dc gado com 32o:ooo to-
nelladas kilometricas a 100 reis

Segue



3i7:25o."rooo

32:ooo»r'Ooo
349:260^000



i66 As Regides Ama:{onicas

Transporte 349:2?o.rooo

De 5oo passageiros somenle, que represen-
tam 3ci7:5oo viajantes kitometricos 39:975.^000

Portanto uma renda brula de reis 389:225.rooo

Nao devendo a despeza exceder a 36o:oooffooo

Como questoes connexas com estas, temos as que o
mesmo sr. Pinkas apreseniou em sua terceira conferencia
e versam sobre a comparacao entre a tinha do Madeira
com a linha de via^ao em barcos a vapor e via ferrea pe-
los rios Araguaya e Baixo-Tocantins, ou com a linlia de
Antofogasta ate i fronteira boliviana, e com a linha ferrca
de bitola estreita, que, partindo da foz do Bermejo no rio
Parand, passe em Oram, e termine em Quiaca na fronteira
boliviana,

A I.* d' estas linhas divide-se nas seguintes seccocs:

I .*— Navegacao de Belem a Alcoba^a no rio Tocantins.

2.' — Na via-ferrea de Alcoba^a a Santo Anastacio.

3.' — Na navega^ao de Santo Anastacio, no rio Araguaya,
ate Araes no Rio das Mortes.

4.' — Via-ferrea transpondo as cachoeiras do Rio das
Mortes.

5.' — Navegacao do Alto Rio das Mortes ou Rlo-Manso.

6." — -Via-ferrea ou estrada de rodagem das cabeceiras
d'este rio ate Cuyabd.

Segundo os estudos do Dr. Lago, unico professional
que estudou o assumpto nos logares a percorrer, haveria a
fazer 876 kitometros de via-ferrea, ligando-a a 1:400 kilnmc-
tros de navegacao llvre entre Belem e Itacald em Go\az.

Verdade e que o emprezario da navegacao do .\!to-
Araguaya, faz uma apreciacao differente da que apresenta
este profissional, pois avatia a extensao em via-ferrea s6-
mente em i23 kilometres de via deixando o restoparaser
melhorado por meio de regularisacao das cachoeiras, ava-
liando esse service em 800 contos.

Esta opiniao, quanto a mim, e gratuita e essenciaiinentc



n



4



Cap.^ II — Trib.^ do Ama\onas^ M, Direita 167

opposta ao que diz em sua memoria o oiesmo dr. Lago, fal-
lando da regularisacao das cachoeiras, quereputa uma.ten-
! tativa muito arriscada e excessivamente cara, talvez inutil

I* em muitos casos, e sobre tudo onerosissima. Quanto a mim,

pelas informacoes que tenho obtido pelos que por alii tern
I transitado, esta avaliaigao de 800 contos tem o mesmo va-

.' lor que se elle a avaliasse em lo ou em 10 mil contos. Se-

gundo o dr. Lago, oprimeiro trecho terd io3 kilometros de
via-ferrea.

Quanto ao ramo que deve conduzir a Matto-Grosso e
Rio das Mortes, diz ainda o sr. Pinkas que «houve grande
facilidade em arvoral-o em via de comjuunicacao, n'esse rio,
segundo o manuscripto do mestre de campo Joao Paes
Falcao das Neves, datado de i8o3; depois de nove dias de
navegacao franca a pequenas canoas, Joao Alexandre trans-
poz 123 cachoeiras, antes de chegar a Araes, sendo 83 de
sirga sem desembarque de carga, 28 de sirga mas sem
carga e 12 tendo de ser varadas as canoas, um dos vara-
douros com meia legoa, tres de quarto de legoa, e oito e
meio quarto de legoa. »

Este numero espalhado nos i23 kilometros, que diz o
emprezario ter a por^ao total encaichoeirada, daria a esta
extensao b aspecto de uma unica cachoeira.

Alem das consider^coes sobre o preco kilometrico cal-
culado, diz Pinkas que, alem de tudo, tem a attender-se d
extensao entre o Rio-Manso e Cuyaba que, alem da exten-
sao de i3o kilometros, tem a difficuldade da subida para o
chapadao, que, como centro do systema hydrographico do
Guapore, Tapajos, Xingu, Araguaya e Paraguay, deve
achar-se a 1:000 metros acima do mar.

A vasta extensao de navegacao livre de Belem a Santo
Antonio, no Madeira, e as vastissimas extensoes nos rios
Guapore, Mamore, Madre de Dios, Beni e seus importan-
tes affluentes, permittindo vasos de muito maior calado, do
que permittem os rios do acanhado Araguaya na sua parte
superior ds cachoeiras, e sobre tudo a quantidade e o su-
bido valor dos productos que virao pela linha do Madeira,



i68 As Regioes Ama:^
nSo acham nem de longe na outra linha termo de compa-
racao; e ainda mesmo admittindo que a via Madeira e Ma-
more custe 10 mil centos, e que a do Rio das Mories custe
8:000 contos, o que nao e possivel attendendo i extensao
das linhas e difiiculdade em uma e outra linha nos trans-
portes demateriaes, poder-se-hia hesitar entre uma e outra;
estudada porem a questao pe!o lado politico e estrategico,
a linha do Madeira dar^ ao Brazil elementos que augmen-
tariam sua importancia e influencia, e que a outra linha
nunca Ihe poderA dar.

A linha patrocinada pelo Chile, que tem em vista niio
so augmentar o rendimento para o fisco, mas fazer crescer
sua preponderancia sobre a Bolivia, deixarA o campo livre
ao Brazil para identicos fins, se for levada a effeito a es-
trada Madeira-Mamore, que alem d'isto nunca pode servir
de amea^a i Bolivia, como seri a linha chilena quando pro-
longada ate 4s minas bolivianas. Esta via porem dillicil-
mente se fard, pois o seu custo nao serd de menos de 60 a
80 mil contos pelas difBcutdades a veneer no terrene,
eguaes ds da linha do Mollendo-Pimo (no Peru) por cujo
pre^o kilometrico deve ser calculada. A via ferrea argen-
tina pela sua extensao de aSo legoas tambem esugird enor-
mes capitaes, e nao so por isso como porque a subida na
parte boliviana terd de veneer ate a altura do Potosi, par-
tindo das terras baixas do Bermejo e Pilcomayo, o que elc-
vard o seu custo a sessenta mil contos, emquanto que do
mesmo ponto, Potosi, ao porto mais proximo do Chimore,
affluente do Mamore, e passando por Oruro e Cocham-
bamba, terd uma via ferrea de 140 legoas, que com as do
Madeira darao urn total de 190 legoas, menos 200 kilome-
tros do que a outra; alera de que, comparando as vias Hu-
viaes e maritimas, teremos do lado da via-argentina 6 mil
milhas de navegacao e do lado do Amazonas 3 mil; a con-
sequencia d'isto serd que, sendo a distancia a metade, os
productos das minas do Sul da Bolivia chegarao pela via-
brazileira com fretes muito menores, e e aqui o caso de di-
zer-se que a produc^ao d'estas minas e tal, que s6 a de



'I



J



Cap.^ II-- Trib.^ do Ama:{(ma$^ M, Direita 169

Huanaca garante um transporte mensal de 3o mil tonelladas
de metaes de exportagao e combustiveis de importa^ao; as
suas ac^Ses vendem-se a 224 por cento acima do par.

No mesmo caso se acham as minas de Lipy, Tomo,
Calquechaca e Amigos.

Em vista de tantas razoes, de tao diver sas naturezas, e
todas tao importantes, parece-me que este e o emprehen-
dimento mais importante que hoje pode chamar a attencao
do Brazil, e desde ]i deve elle ser tratado; antes que o
commercio s^cceite o habito do transporte pclas outras li-
nhas, praza ao Geu que as conveniencias partidarias, e as
concessoes de uma politicagem mesquinha nao facam aban-
donar esta empreza em que se acha envolta em grande
parte a grandeza nao s6 commercial como politica do Brazil.

tapaj6s

Entre o Amazonas e o Prata a linha divisoria das aguas
e bem clara e difinida; entre o Parand e o Araguaya e em
sequencia a este o Tocantins, e ella assignalada pelas ser-
ras chamadas antigamente geraes e que sao as serranias
do Sul de Goyaz. Depois para o Occidente, entre o Para-
guay e OS rios Xingii, Tapajos e Guapore, tambem a di-
visoria e marcada pelo extremo do chapadao amazonico.
Estes tres ultimos rios correm quasi parallelos uns aos ou-
tros e ao Araguaya e quasi na direc^ao Sul e Norte. Aquelle
de que agora me occupo, o Tapaj6s e formado pelos dous
rios Juruena e Arinos; tem as suas fontes nas vertentes
das serras dos Parecis, ao Occidente das do Guapore, e a
sua foz, segundo os demarcadores portuguezes, e situada a
2^-29' Lat. S. e 322**- 1 5' de Longitude, medindo de largura
3:ooo bra^as.

E este rio conhecido de longa data, e digno de maior
attencao nao so por sua extensao e volume de aguas, como
pela importancia que elle apresenta pelas communicacoes
entre o Pard e Matto-Grosso, e ainda pela riqueza e abun-
dancia de seus productos naturaes. Dos que o tem estu-



22



170 As Regioes Ama\onicas

dado, merecem especial men^ao o engenheiro portuguez Ri-
cardo Franco de Almeida Serra, que tanto percorreu e es-
tudou a Amazonia, e que pubUcou uma notavel Memoria
Geographica do Rio Tapajos.

O sr. Chandless, com quern muitas vezes converse! a este
respeito e que publicou, quando doente regressou i Europa
para restabelecer-se, as suas Notes on nvei'S Arinos, Ju-
ruena, and Tapajos, Castelnau na sua obra, Expedition
aux parties centrales de I'Amerique du Sud, e o capitao
Benedicto Jose da Silva Franca, que o desceu, tomando no-
tas, e escrevendo o seu itinerario desde o porto do Rio
Preto ate Itaitiiba, datado de 18S4.

O trabalho do sr. Chandless e come que a verifica^ao
d'este itinerario, pols seguiu elle precisamenle o mesmo
caminho.

O trabalho porem, talvez o raais completo sobre o Ta-
paj6s, e aquelle que em 1869 foi escripto pelo sr. Domin-
gos Soares Ferreira Penna, pois dispunha dos trabalhos
acima citados, dos documentos dos archivos da provincia, e
de uma memoria descriptiva do sr. Affonso Maugin Desin-
courl, engenheiro francez que residiu longos annos no Tapa-
j6s, a qual abrange o territorio de Santarem e as duas ordens
de cachoeiras ate is malocas centraes dos indios Maucs.

Alem da seriedade do escriptor com quem convivi, e da
minuciosa investigacao que Ihe merecia tudo que escrevia,
este trabalho parece-me reunir todas as condi?6es precisas
em escriptos d'esta natureza; e por isso que a este trabalho
mais do que a nenhum outro irei buscar materiaes para
este meu esmdo, no qual nao posso dar sobre cada rio,
como desejava, o desenvolvimento que e natural se encon-
tre em memorias especiaes a elles.

Tanto o Arinos como« Juruena tern as suas fontes nos
campos e nas cadeias de montanhas chamadas dos Parecis;
com suas ramifica^oes, abrangem mais de cem legoas de
E. a O. Cruzam-se ellas com as que correm para o Para-
guay e seus afSuentes, mas a fonte principal estd a i ? le-
goas a E. da Villa do Diamantino.



1



J



Cap.^ II— Trib.^' do Amaionas^ M. Direita 1 7 1

Diz Castelnau, chamando a curiosidade sobre este facto,
que a poucos passes uma da outra se encontram as fontes
dos grandes rios Amazonas e Prata. « A fonte do rio Estivado,
verdadeiro tronco do Arinos, acha-se na anfractuosidade da
chapada, cuja inclinacao e voltada para o Norte, a duzen-
tos metros a E. da casa da fazenda (do Estivado); e em
um buritisal a oitenta e quatro metros a O. da mesma casa
apparece a fonte de um afHuente do Tombad6r, tributario
do rio Cuyabd.»

O mesmo acontece perto da fazenda do Macii, onde du-
rante as grandes aguas, um corrego que alli existe quando
chega a certo ponto, divide suas aguas, umas descendo
para o rio Cuyabd, outras para o Tapaj6s, e em tempos,
no dizer do fazendeiro do Estivado, jd de um para outro
rio foram passarfas canoas por um caminho de quatro le-
goas.

Chandless diz sobre este assumpto:

«As diversas correntes que descem da provincia de
Matto-Grosso para o Norte em direccao do Amazonas, ou
para o Sul em direccao ao Rio da Prata, nascem todas
d'aquella parte do paiz, onde aquillo que se chama Serra
nao tem caracter algum montanhoso.

f E simplesmente um alto taboleiro ou chapada variando
apenas um pouco em sua elevacao geral, bem que profun-
damente rasgada pelos valles dos rios.

«Nas proximidades d'estes, encontra-se mais ou menos
mattas-virgens; tudo mais e campo, terras de pastagens
salpicadas com maior ou menor densidade de arvores anno-
sas, inclusivamente a da quina, que e, segundo me disse-
ram, a mesma do Peni e Bolivia, posto que pouco uso se
faca d'ella.

«A chapada em geral descamba ingreme e ds vezes
precipitadamente para a regiao inferior, apparecendo a pla-
nicie em baixo como um mar com bahias e entradas ou en-
seadas fundas.

cAo pe da chapada, em uma d'essas enseadas, estd a
villa do Diamantino.



[73 As Regioes Ama^otiicas

■ O rio Paraguay nasce a cerca de dez e meia milhas
ao S. e quatro e meia a O. do Diamantino; mas o seu
curso ao principio NE., entra na planicie duas ou tres mi-
lhas a E., e gradualmeme curvando-se para O. passa tres
milhas ao S. da villa, sendo cste o seu porto mats septen-
trional.

« O rio Diamamino pelo conlrario vem do Norte, e pas-
sando junto da povoa^ao, cahe no Paraguay cinco ou sds
milhas abaixo; toda a sua extensao, omittidas as menores
voltas, nao excede, segundo penso, quinze mithas.

tO rio Preto nasce. mais ou menos dez milhas a E. da
villa e o seu porto fica cousa de quinze ou deseseis milhas
ao N. d'ella.

(De vez em quando na occasiao das aguas grandes tern
por alii transitado canoas; quando estive no Diamantino,
uma com carga de i :5oo arrobas e que tinha vindo de perto
de Santarem atravesso : e desceu o Paraguay ate Villa-
Maria.

tO rio Preto, desde o porto ate i foz, e uma corrente
estreita e tortuosa como um regato de campinas, nunca
tendo de largura mais de 14 a 18 metres e 4s vezes com-
pletamente entupido por p^os de uma a outra margem.

Porto-Velho do Arinos quasi exactamente ao N. do Dia-
mandno.t

Tomando por ponto de pardda o porto do rio Preto, a
quatro e meia legoas da Villa do Diamantino e descendo
este rio, em duas horas de viagem chega-se A sua foz no
Arinos, que n'esse ponto tem sessenta metros de largura.

Um pouco abaixo, na latimde de i3''-57', e longitude de
56°-9' (Greenwich) acha-se o logar chamado Porto-Velho.
Distancia do Diamantino a Porto-Velho, dez legoas. A uma
hora de viagem chega-se i bocca do rio da Prata, assim
chamado pela limpidez de suas aguas; segue-se a ilha do
Taquaralsinho; em seguida encontra-se uma como cachoeira
formada por pios cahidos, dos quaes tira o seu nome de Ca-
choeira dos Pios, mas que nao offerece perigo.



1



Lap.^ II— Trib.^' do Ama^onas^ M. Direita 173

Continuando & esquerda, encontra-se o barranco das Pi-
tas, logar em outro tempo habitado, por alii se encontrarem
minas de diamantes, mas do qual as constantes ses6es
nao tem permittido a explora^ao.
i Encontra-se i direita o rio dos Patos, onde habitam os

I indios mansos Bacairis, dep^is o logar chamado Paredao,

depois o Arraial Velho que ]& foi habitado, e onde existi-
ram fazendas de crea^ao de gado; segue-se d esquerda a
barra do rio Sumidouro, cuja posicao e de i3®-23'-3o" de
Lat. e 56*^-i7'-3o" de Long.; d'aqui ate ao ponto do Rio
Preto vao 20 legoas. O rio ofFerece curvas repetidas; a lar-
gura de sua foz e de 36 metros, corrente rapida e agua
clara. Este rio e habitado pelos indios Paricys, mais conhe-
cidos pelo nome de Peneireiros. Segue-se uma pequena ca-
choeira sem perigo.

Passa-se pouco depois por um campo situado i direita
onde habitam os indios bravios Tapanhonas ou Nambiua-
ras. Atravessa-se depois uma grande bahia e depara-se-nos
pela direita o rio dos Tapanhonas com 20" de largura.
Do Sumidouro a este ponto medeiam 3o legoas. As mar-
gens vao-se tornando planas e cobertas de um capimbranco.

Barranca vermelha e a ultima que se encontra, depois
Pouso-Alegre, distante do rio Tapanhonas vinte e cinco le-
goas. D'este ponto em diante, descendo, o riocomeca a ser
semeado de pedras formando estreitos, canaes e cachoei-
ras a comecar da cachoeira da Figueira, que e a primeira
com alguns rebojos com facil passagem pelo lado direito.

2.* cachoeira, do Boqueirao; com canal com ondas e re-
bojos.

3.* cachoeira, do Rebojinho; sem grande importancia.

N*este ponto pela simples lavagem se tem obtido si-
gnaes da existencia de ouro e diamantes.

Continuando a viagem, avista-se a serra do Rio do Peixe;
continiia o rio semeado de pedras; em um ponto "encon-
tra-se no meio do rio uma grande pedra de 6 metros de
altura e 3o de circumferencia; depois de um estivao de rio
limpo, chega-se i bocca do Rio do Peixe que se lan^a no



174 -^ Regioes Ama\
Arinos com uma largura na foz de 90 metres, pois e elle
o maior tributario do Arinos; )unto da sua io7. sahe um
travessao de pedras que encosta ao lado esquerdo do Ari-
nos; este jd entao mede aSo raetros de largura. Da foz do
rio do Peixe em diante as cachoeiras sao maiores, como
a do Reboquinho e Meia Carga; n'estas s6 pa&sam as ca-
noas & sirga, e lendo aliviado de metade da carga que e
transporiada por terra. O rio ahi e muito cheio de curvas,
de modo que uma grande serra que apparece, ora figura
estar a direita ora & esquerda.

Segue-se uma extensa iiha que leva hora e meia a pas-
sar; o rio continua largo e baixo.

Apresenta-se pela esquerda a barra do Juruena.

De Pouso-Alegre ate este ponto temos quarenta legoas.

A largura do Juruena e de 460 metros, e a do Arinos
e de 270, as aguas de ambos reunidos um pouco abaixo
dao ao rio que ambos formam, e que toma o nome de Tapa-
jos, a largura de meia miiha. A posicio da foz do Arinos e a
seguinte: Latitude io''-24'-3o" e longitude 58''-2'-45".

O Juruena e, como ]& fica dito, o rio que com o Arinos
forma o Tapajos; as suas nascentes ficam, uma d'elias da
qual sahe o ramo principal, a vinte legoas da cidade de
Matto-Grosso, a outra, de onde nasce o outro ramo menor,
a trinta legoas do Diamantino, e ambos vem do Parcels, E o
rio Juruena engrossado e augmentado em sua correntc ate
a sua confluencia com o Arinos por differentes rios, alguns
de ceria importancia, eile mesmo a pouca distancia de suas
nascentes ]& se apresenta bastante fiindo; os rios que o
augmentam sao o Jurubamba, Jaburana, rio Turvo, Juina,
Caraarare, Juina-Mirim, Salinas e Temeuinas; e depois de
OS receber que tern logar a confluencia com o Arinos, con-
tinuando o rio com 6 nome de Juruena ate t foz do rio
S. Manoel das Tres Barras, que fica na posicao geographi-
ca: Latitude i''-2\'- a". Longitude 37"-47'-3o".

O curso do Juruena e um pouco maior do que do
Arinos, mas traz menor volume de aguas.

No espa^o que vai de sua confluencia como Arinos ate



1



ao rio S. Joao da Barra, comeca-se a notar o grande nu-
mero de cabecos pedregosos que sahem f6ra da agua, de
natureza granitica, is vezes constituindo como que ilhas;
outras sao massas de uma forma mais plana que chamam
lages; passa-se por um grande aldeamento de indios Apia-
cds, chamado Taquaralsinho na Latitude 9*^-2'-o'-, e Longi-
tude 58®-i6'-4o". Chega-se d bocca do rio S. Joao da Barra;
aqui ha uma cachoeira consideravel formando dous canaes
separados por uma ilha central; as duas correntezas tem a
velocidade de lo a 12 milhas por hora; as cargas tem de
ser passadas por terra e tambem em canoa se o rio estd cheio.

Tres milhas abaixo d'esta primeira cachoeira e tendo
passado uma pequena cachoeira ou corredeira, chega-se
a cachoeira conhecida pelo nome de Salto Augusto, ou
Salto Grande, cuja posi^ao e Lat. 8**-53'*i5'', e Long. 58^-
1 5'-o".

Dista 35 legoas da barra do Juruena.

A cachoeira e formada por tres grandes saltos formando
dous canaes. O salto da esquerda e o de maior altura, mas
o maior volume de aguas despenha-se pelo da direita com
enorme estrondo, o outro tem 10 metros, e o terceiro e
menos alto.

O rio tem dous canaes, mas pelo da direita com a lar-
gura de go metros estreitando ate 70, e que passa a maior
massa de aguas. O salto immediato e de 10 metros mais
ou menos, como um segundo, menor e situado 140 metros
abaixo.

E este ponto geralmente olhado pela populacao como
limite natural entre os dous Estados, e, cousa singular, os
peixes d'esta cachoeira para cima sao na maior parte de
escama, e da cachoeira para baixo de pelle; e segundo afir-
ma Chandless, segundo o dizer dos Apiacds, indios que ne-
goceiam com os brancos, para cima nao se encontra salsa-
parrilha, e as mattas de baixo sao mais ricas.

Esta cachoeira obriga a descarregar as canoas e a pas-
sar cargas e embarca^oes por um varadouro muito ingreme
de 600 metros.



i






CapJ^ II— Trib°* do Ama\onaSy M. Direita 176 1



1

"1



176 -^ RegiSes Amai{onicas

D'aqui ate & cachoeira de S- Simao encontram-se as
seguintes cachoeiras:

Taquarisal. S. Gabriel.

Furnas. S. Rafael.

Salssal. Santa Iria.

Rebojo. Santa Ursula.

Banquinho. Canal do Inferno.

Lage de S. Lucas. Misericordia.

S. Lucas. S. Florencio.

Sauval. Labirintho.

Dobracao. Salto do Simao.

N'estas 20 cachoeiras, a contar da que fica na bocca do
Rio de S. Joao, algumas sao pouco importantes, mas as de
S. JoSoda Barra, Salto Augusto, S. Lucas, S. Gabriel, S. Ra-
fael, Misericordia, S. Florencio, S. Simao, sao perigosas e
algumas exigindo immenso trabalho para serem vencidas.

Chandless dd a medida d' esses trabalhos dizendo:

ras pelo facto de nos occuparmos seis dias em viajar de
S. Joao da Barra ao Salto de S. Simao, distancia que nao
excede a 20 legoas, seguindo a corrente do rio^ sem outra
carga alem de mantimentos e bagagens. >

Ainda tres milhas abaixo, passa-se pela cachoeira de To-
dos-os-Santos, que e a ultima da sec^ao do Juruena cha-
mada as cachoeiras de cima.

Segue-se o rio de S. Thome, que com a cachoeira de
Todos-os-Santos, diz Ferrelra Penna, parece marcar a se-
paraijao das terras do Tapajos; d'ahi para dma abun-
dam as riquezas mineraes, ouro, o diamante e boas ma-
deiras de construccao; d'ahi para baixo o crave, a salsa, o
guarand, a castanha e a mandioca. (')

(1) Parece aqui ter esquecido a principal produc9ao vegetal, a Bor-
rncha ou Gomma elastica que desiie o Taquaralsinho ja se aprescnta.
ainda que menos robusta do que para baixo, sendo em llaituba estt
genero o principal rarao de commercio. (Do auclor.)



\






Cap.° II^Trib." do Ama:{onas, M. Direita 177

O no S. Thome fica na Lat. 8"-9'-3o" e Long, b-]"-^-]'-
45".

Pouco abaixo, entre este rio e o de S. Manoel, muda de
cflr a agua do rio, passando de verde escuro para uma c6r
negra e triste, o que lalvez desse origem d denomlna^ao
geralmente usada para o Tapajos, que e chamado Rio Preto.

Na posicao de Lat. 7°-2i'-o" e Long. 57°-47'-3o" encon-
tra-se pela margem direita o S- Manoel, grande e vasto
rio; a sua largura e de 5oo metros, dando com o Juruena
ao rio que ambos formam depois de unidos uma largura
de uma milha ou 2:060 metros.

Este rio S. Manoel e tambem conhecido com o nome
de Rio das Tres Barras, que em uma parte jd no extremo
do seu curso em Matto-Grosso, proximo A Serra Azul, e
conhecido pelo nome de Paranatinga, segundo o Barao de
Melga^o. Nasce nas serras Bacaurys, a NE. da villa do Dia-
mantino; a totalidade do seu curso parece alcan^ar a i :200
kilometros aproximadamente; outros como Arlincourt Ihe
attribuem 189 tegoas. Foi este rio explorado por Souza Aze-
vedo em 1746, o qual descobrindo-o em 3i de Dezembro
Ihe deu nome de Rio Bacaurys ou das Tres Barras, nao
porquc ellas effectivamente existissem, mas porque a exis-
tencia de uma ilha, que divide as aguas do Juruena em sua
confluencia, assim as faz parecer,

Ricardo Franco faz notar um facto que pela raridade
Ihe mereceu particular menijao, e e o de existirem em meio
do largo e caudaloso rio cinco elevados monies distantes
uns dos outros muitas legoas.

E nas regioes do Tapajos, acima e nas proximidades
das nascentes do S. Manoel, e pelas suas margens que
cssas terras teem fama de muito auriferas, sendo um
pouco proximo ds suas nascentes que eram cotlocadas as
minas maravilhosas dos Martyrios. Como quer que seja,
vcrdade ou ficcao, o que se sabe de certo e que em dif-
ferentes pontos as areias sao auriferas, e o mesmo Souza
Azevedo, em um riacho 12 kilometros abuixo de sua foz,
achou ouro.



lyS As Regides Ama\onicas

O rio, que d'ahi em diante toma o nome de Tapajos,
seguindo por elle abaixo conforme o roteiro de Benedicto
Franca e o trabalho do sr. Ferreira Penna,'offerece uma
grande bahia, ou, segundo Chandless, igarape pclo qual na-
vegando-se seis dias se enconira o porto de desembarque;
e d'ahi em distancia de 4 a 5 legoas as malocas dos indios
Mundurucus, chega-se ao baixio do Xacorao que secca no
verao e offerece duas pequenas cachoeiras com canal no
meio; perto d'este ponto tem o rio mais de 3:ooo metros de
largo.

Encontram-se ainda: O Lago das Piranhas, o Rio das
Tropas d direita, o Rio Crepury de 70 metros de largura, que
por largos estiroes corre tranquilio, ate que esireitando-sc
corre em um canal chamado os Feixos, apenas com 160
metros de largura; aiem dos Feixos alarga-se e divide-se
em varios bracos; encontra-se ainda o Rio Jauaxim i direita
com 100 metros de foz, e depois o Igarape-Assu com 34
metros de bocca, e logo depots de um babdo as G ultimas
cachoeiras do rio chamadas: Apuhy, Coatd, Furnas, Haca-
ba, Maranhao-Grande e Maranhaosinho.

A primeira, a do Apuhy, fica na Lat. de 4'-32'-o" e
Long, de 55'*-54'-23".

Segundo Mr. Maugin Desincourt, a do Coatii e difHcil
de veneer, pois que os dez homens que Ihe tripulavam a
con6a, levaram quatro horas, ora suspendendo-a sobre os
rochedos, ora agarrando-se a estes, e rebocando a canoa
sera risco.

A do Maranhao-Grande tambem e consideravel e tra-
balhosa, mas as canoas pequenas passam sem perigo por
um canal da direita, encostado A terra. N'esta rcgiao das
cachoeiras, o peixe abunda, a ponto de os remeiros o irem
matando a frecha e a tiro.

Abaixo d'estas cachoeiras nao ha mais obstaculos, e, dei-
xando i esquerda o igarape Traquepor, e depois o do Ja-
care, chega-se & povoaijao de Itaituba, cuja posicao e Lat.
4''-i6'-47" e Long. 53''-38'-o''.

E n'este ponto que termina o itinerario do sr. Franca e



\



A



w^-



Cap." II— Trib.'" do Ama^onas^ M. Direita i-jij

a narrai^ao de viagem do sr. Chandless; d'aqui em diante
serao as viagens e excursoes de Ferreira Pena que me da-
rao material para este meu trabalho.

Abaixo de Itaituba encontra-se no Tapajos, vindo do N.:
o seu confluente Arapium, e o Arapixuna; passa pelas al-
deias de Ixituba a direita, e a do Cury i esquerda; o Rio
Cumpary a direita; a freguezia de AveJro do mesmo lado;
a aldeia de Santa Cruz d esquerda; a tapera da extincta
freguezia de Pinhe!, no mesmo lado a freguezia de Boim;
a bahia de Villa-Franca; e finalmente a cidade de Santarem
uma das mais bem collocadas das do Amazonas.

O minucioso e escrupuloso viajante Chandless, que tanto
conhcci e com quem tanto converse), apresenta um quadro
de distancias intermedias que tcm real interesse e foi pu-
blicado nas suas Notes on rivers Ariuos, Juruena and Ta-
pajos.



Do Porto Velho d Bocca do Sumidouro 80

B Bocca do Rio Tapanhonas. 120
u » Alto das cachoeiras do Ari-

nos 100

" 8 Bocca do Arinos 120

" B Salto Augusto 140

" B Bocca do Rio Sao Thome. 65

1' fl Bocca do Rio Sao Manoel. 80

" B I.' aldeia do Munduruciis.. 80

« « Bocca do Crepuri 100

" " Cachoeira Apuhy 12c

» • Itaituba 2&

B » Santarem 1 70

Total 1:200



Estas 1:200 milhas inglezas correspondem a 848 legoas
brazileiras de navegacao; mas cm linha recta nao excede-



i8o As Regioes Ama:{onicas

rao 216, de modo que entre o Diamantino e Santarcm a
distancia em linha recta serd de 220 legoas.

Curud — Por mais de uma vez entrei com pescadores
n'este rio, nao para explorar, pois tinha emao 16 annos,
mas s6mente para pescar peixes bois; nunca foi, que me
consle, objecto de uma exploracao regular, e parece-me nao
ter grande importancia; e conhecido pelo nome de Curua
do Sul ou Curu^ de Santarem parao differen^ar do Curua
de Alemquer que e rauito mais importante; o curso d'este
rio nao e muito extenso, sendo formado por dous bracos, um
que e o Curud propriamente diio, o outro que i o rio Una;
este tem muito pouco fundo e o seu curso e cortado por
cachoeiras; antes de chegar A ponta do Panoval, iinem-se
OS dous e depois de uma certa extensfio bifurca-se, vindo
um dos ramos desembocar no Amazonas, perto do logar
chamado Ituqui, quasi em frente da bocca do Tapard, e o
outro muito mais abaixo, jumo ds barrelras do Cussary,
quasi em frente d costa do Cataii.

Uruard — E um rio de bastante extensao, cuja foz fica
fronteira ao rio Urubuquara, a uma distancia deoito legoas
da posicao de Monte-Alegre, na margem fronteira perto do
morro chamado da Velha-Pobre; reune as aguas de varios
iagos, como sejam o Camapu e Arar^, e na ultima parte do
seu curso, vao ambos os bracos cahir no Amazonas, acerta
distancia um do outro, passando como rico em productos.

^^ai^i — Segundo Baena, nao e elle um verdadeiro
rio, mas sim um braco do Amazonas, que dez legoas abaixo
do canal Mauari-Ajurapard se introduz pela terra iirmc, e
vai saliir na margem occidental do Xingii, fronteiro ;i \'ill;i
de Porto de Moz; n"este Aquiqui deflue o rio Jarauii que
corre parallelo ao Xingil, o qual e cortado por cachoeiras.

xingO

V, ainda este um dos collossaes afRuentes do Amazo-
nas, correndo quasi paralleiamente aos rios Tapajos e To-
cantins, e entre elies. Baena marca a^sua posicao determi-



\



i



Cap.° II — Trib.°* do Ama\onas^ M Direita i8i

nada pelos commissarios portuguezes na Lat. de 12^-42' e
Long, de 323®-o'; quanto ds suas nascentes, ao N. das ver-
tentes do Cuyabd, e quanto d sua foz, em 2°-7' de Lat. S.
e 325®-3o' de Long. Suas aguas parecem ferruginosa^ mas
tiradas em um copo sao cristallinas; lanca-se com pujanga
no Amazonas, apresentando em sua embocadura uma lar-
gura superior a quatro kilometros.

O Barao de Melgaco, illustrado geographo, que muito se
occupou da carta do Imperio, colloca as nascentes d'este rio
mais para o Norte do que Baena, situando-as dcerca de 11".

Nao era este um dos rios mais conhecidos; ultimamente a
viagem dos srs. Carlos Vpn Stein e Othon Clauss, de Ber-
lim, o fez mais conhecido, sendo por elles percorrido em
toda a sua extensao; mas antes d'estes exploradores, jd ti-
nha sido visitado por uma commissao de que fizeram parte
OS srs. Domingos S. Ferreira Penna, e Miguel F. Lisboa,

da marinha brazileira. Esta commissao nas condicoes em

*

que fora organisada nao poude ir alem da parte infe-
rior do seu curso; posteriormente, como d'elle ouvi, voltou
o sr. Ferreira Penna ao Xingii, subindo as cachoeiras, mas
nao seguindo alem da parte media do rio.

O sr. Adriano H. de Oliveira Tapajos, em 1872, explo-
rou o rio ate d Lat. de 3®-3o'.

O principe Adalberto da Russia, subiu e desceu este
rio em 1843, desde a foz ate Piranhaquara, a 4**-3o'; foi
acompanhado n'esta viagem pelos condes de OrioUa e de
Bismark(*). O mappa levantado por esta expedicao e um



(*) Convem nao confundir, como se tem feito, este conde de Bis-
rnark com o celebre principe de Bismark. Este, como ja o explicou um
jomal allemao, nunca viajou pela America central, e o prologo da obra
publicada pelo principe Prince Adalbert 7>avW/5,o mostra, pois diz que
foi um dos seus companheiros o conde de Birmark; ora este docu-
mento e de 1847, e n'essa epocha o actual principe de Bismark nao
era conde, pois o titulo foi-lhe dado em i865 com o dominio de
Lauenburg; alem de que o principe de Bismark nunca pertenceu ao
corpo de dragoes, a que pertencia o viajante. A familia do conde ainda
existe, e uma mestra de minhas filhas, em iSyS, foi por elle contra-
ctada para educar pessoas de sua familia.



i82 As Regi6es Ama\onicas

dos mais minuciosos que conhe^o; e de suppor que o do
sr. C. Von Stein, partindo de 120 legoas a E. do Pirana-
dnga de uma latitude de cerca de 14" S., de um mappa
muito mais perfeito e extenso o qual, completado pcla sua
narracao de viagem, nos reveliari a verdade para o grunde
espaco que vai entre Piranhaquara e Piranatinga.

Apezar de so conhecer o resumo da viagem d'estc se-
nhor por uma conferencia perante a Sociedadc de Geogra-
phia do Rio de Janeiro, em 3o de Dezembro de 1884, deila
tirarei algumas noticias que abaixo inscrevo.

A 5 de Julho, a expedicao atravessou o Piranatinga em
um ponto em que a sua largura e de 120 metms com uma
barranca de 5 metres de altura, e reconheceu que a posi-
cao d'este rio e um pouco mais ao O. do que se acha mar-
cado nos mappas; tomou o rumo de O. por um vasto de-
serto, cuja altura sobre o nive! do mar e de 400 metros,
apresentando morros isotados de 80 a 100 metros de al-
tura, formado por uma areia vermelha que no fundo dos
ribeiros acaba em lages; uma vegeta^ao pobre, de capim, pal-
meiras humildes, arvores baixas, e nas margens dos ribei-
ros e nos brejos buritys; pouca caija, antes oncas, alguns
veados, jacds, mutuns e outros galHnaceos, macacos e ja-
botis. '

A temperatura ao meio dia e de 3o° cent., e durante a
noute baixa 9° e ate 6",

Atravessaram os expediccionarios alguns corregns, que
suppozeram ainda affluentes do Paranatinga. scndo o ul-
timo transposto no dia 7. No dia 9 avistaram a 100 metros
abaixo d'elles um valle extenso fechado ao Sul peia conti-
nuacao da Serra Azul, nao sabiam se era o Xingu que n'eile
corria; continuaram a viagem no rumo de E., transpondo
rios importantes, como o dos Bogios e Jatob;i,

No dia 14 chegaram a um rio de 60 metros de largura
cujas nascentes sahiam de uma bacia de cerca de scis le-
goas de diametro. Seriam aguas do Paranatinga: Se assira
fosse, segundo a assercao do sr, Barao de Mclgaco, estas
aguas correriam para o rio S. Manoel ou das Tres Barras,



\







Cap.^ II— Trib.^* do Ama\onas^ M. Direita 1 83

affluente do Tapajos, do qual jd atraz fallei, e baldado se-
ria o empenho de chegar ao Xingii; mas a viagem por
terra jd nao era possivel, pois o estado dos animaes de
carga era lastimoso.

Construidas umas canoas com a casca do Jatobd e ape-
zar de o rio quasi ter mais pedra do que ^gua, desceram
pelo Batovi. Durante os 19 dias que navegaram ate encon-
trar os primeiros indios, passaram mais de 100 corredei-
ras (rapids) e quatro cachoeiras com 3 metros de salto,
sendo a ultima de b metros.

Na primeira aldeia de indios Bacairis, acabaram as ca-
choeiras; ahi visitaram alem d'estes, os indios Custenaus,
e no dia 3o de Agosto chegaram i foz do rio Batovi, que
em sua iargura varia de 70 a 120 e i5o metros com uma
corrente de V* de legoa por hora; as margens tem uma
barranca de 4 metros.

Na foz d'este, reunem-se os tres rios; vindo de O. o
Ronuro com 400 metros de largo, recebendo este o Batovi,
o Tamitatoala dos Bacairis, e o Culiseu que juntos formam
o Xingu; este a que chamam Parama('), tem a principio
400 metros, depois 5oo e 600

Na foz do Culiseu moram os indios Trumais; i4legoas
ao N. do Xingii, os Suids, reputados niuito bravos; junto
d'elles ha uma outra maloca de Manitsauds. Ha n'esta re-
giao um nucleo de indios de cerca de vinte tribus difteren-
tes, que, pelo menos em parte, nao sao parentes uns dos
outros, mas que nao obstante tem o mesmo grdo de cul-
tura. No Batovi ainda existem os Vaurds. No Ronuro, os
Guiaaiis, e no braco principal do Culiseu contam-se alem
dos Trumais i3 outras tribus entre as quaes os Minacuds
e OS Fauracuas que possuem cinco aldeias.

Supposto que nao fossem atacados, nao pode o sr. C.
von Stein garantir que sejam pacificos estes indios; entre-
tanto todas estas tribus vivem em aldeias, em casas redon-
das e altas, cultivam a terra plantando mandioca, milho.



(1) Parna^ 6 o termo rio na lingua geral.



t84 As RegiSes Ama^onicas

batata doce, caras, algodao, e fumam o tabaco bravo, o que
indica um certo gr^o de civilisacao.

Com a massa da mandioca fazem uns bollos chamados
bejus, usados tambem nas cidades de quasi todo o Brazil.
Vivem somente da pesca; so usam do arco e frcchas; tern
medo dos caes, e s6 os Manitsauds tem vocabulo para
indicar este animal.

Os homens andam niis, pintam-se na cara e no corpo
de vermelho e preto, usam collares de dentes ou conchas,
nos bracos e pernas trazem fachas feitas de algodao, na
cintura cordas em que enfiam caro^os.

As mulheres dos Bacairis e dos CustsauAs andam quasi
nuas, e as dos Suids completafnente nuas; teem porem re-
des de fibra de buruty ou de algodao.

Os idiomas d'estas tribus sac completamente differen-
tes entre si apenas com uma ou outra palavra de lingoa
gerai; assemelham-se porem em seus costumes.

Os Bacairis sao os mais hospitaleiros, enthuslastas pe-
los botoes que muito desejavam para enfiar nos cintos; sao
de boa estatura, usam cabello cortado em coroa, e ornam
as orelhas com duas pennas, e a cabe^a com um diadema
de palha ou tambem de pennas. Tocam umas flautas de que
tiram melodias monotonas e melancolicas; ds vezes as acom-
panham com dancas, marcando o compasso com o pe di-
reito.

Os Gusienaiis parecem de mau caracter, ladroes e des-
confiados; por alguns objectos que alii viram julgam os cx-
pedicionarios que elles viajam longe para commerciar ou
roubar.

Os Suids sao os de mais elevada estatura. Homens e
mulheres andam nus, os cabellos cortados adiante e com-
pridos por detraz; usam um grande rollo de cortica no
beico e tambem nas orelhas que se estendem quasi a to-
car nos hombros quando tem a rodella mettida.

Poucos dias depois de passada a ultima aldeia dos
Suias, o rio alarga-se ate 900 raetros cada vez com menor
corrente; apresenta em suas margens alguns morros, e ao



1



r



Cap.^ II — Trib°' do Ama\onas, M. Direita i85

mcsmo tempo de novo se encontram cachoeiras. As febres
intermittentes parecem communs n'estas regioes pois to-
dos OS expedicionarios as sofFriain; n'estes logares nao
abiinda nem a cai;a nem a pesca. Continuando, chegaram
OS cxploradores is habita^oes do Jurumas (') que faliam
portuguez, usam espingarda e andam em guerra com os
Carajis. Ambas estas tribus sao bem conhecidas; vagam
por uma grande extensao do rio, sendo a primeira a mais
numerosa do Xingii.

As ultimas loo legoas do XingO parecem ser uma con-
tinua cachoeira, e so em ubds e com guias podem ser trans-
postas estas difficuldades que offerece o rio o qual tem en-
tao cerca de 2:000 metres de largura; a flora n'esta parte
ja e bastante differente do que era ate ahi. No dia i3 de
Outubro chegou a expedi?ao a Piranhacuara. D'este ponto
^m diante acha-se bem descripto o rio na obra do principe
Adalberto, a qual e para lamentar que seja difficiente em
dados verdadeiramente scientiiicos sem que por isso se des-
conhei;a o merito de seu mappa ate Piranhaquara, onde se
encontra uma minuciosa enumeracao dos rios e igarapes,
tjnto da margem meridional como de septentrional. Assim,
OS affluentes da margem meridional ou esquerda sao os se-
guintes:



Isiri.




Azotinga.


Anaurahy.




Turicury.


Uassii.




Guard.


irema.




Mariiuba.


Pacova Sororoca.


Piri.


Abiteua.




Acarahy.


Cachoeiras.




Jaraucii (*).


Uierena.






(>) Creio serem


s Jurunas, nome


a que erradamcnte substilui


um n por um m.






(') Este desagoa


Aquiqui.





86 As Regides Ama\onicas

Affluentes da margem Septentrional ou direita:
Paran^-Mocu. Maxipaud.



i



Jaraud.


Manifl.


Tamandui.


Acahy.


Arapary.


Tukiry.


Caratatd.


Tuni ou Tuni-Miri


Maxiacd.


Akariny.


Arc6.


Majary.


Tucanacuara.


Igarape-Pixuna.



Devo notar que entre estes rios alguns sao de pequena
importancia; outros porem como o Isiri, Anaurahy, Turj-
cury, Guara, Marituba, Jaraucu, Majary e Acahy, ja tem
importancia pelo seu curso e volume de aguas. Subindo o
rio, nota-se que as mattas do Baixo-Xingu sao differentes
em seu aspecto das do Amazonas, pois que apenas pare-
cem capoetras., {mano cujo terreno \A foi lavrado sendo o
arvoredo que substitue o primeiro de menor porte), obser-
va^ao que ja por Spix e Martius fora feita. OfFercce oXin-
gii muitas praias is quaes concorrem as tartarugas em Se-
ptembro para desovar; a principal e junto ao rio Marua.

O rio, depois de receber as aguas do Taricury ou Tu-
curuhy, come^a a formar uma grande curva no rumo de
S. E. continuando a curva por forma tao pronunciada que
vem rio passar perto do mesmo rio Tucuruhy, pelo que
OS que commerceiam abriram no matto uma estrsda, desde
a proximidade da bocca d'este rio ate ao togar chamado
Porto-Grande junto ao rio Anaurahy. No dizer dos indios, o
trajecto feito pelo rio, subindo, levaria vinte dias pelas dilfi-
culdades que offerece i navega^ao. E por esta estrada ex-
clusivamente que sao feitas as communicacoes enire o baixo
e o alto Xingii. Segundo as observacoes feitas, a natureza
das barreiras ou barrancas que vem morrer junto ao rio e
que parecem ser as ultimas elevaijoes das serras que mais
longe existem, offerecem a mator semelhanca com a das
barreiras do Amazonas, que Spix e Martius dassiricaram
como conglomerado ocreo de sandstone. (?)



.^Mti



J



Cap.^ II— Trib,^ do Amaionas^ M. Direita 187

Ate pouco acima de Souzel a navega^ao e livre, mas ao
chegar ao Tucuruhy ouve-se o medonho fragor da primeira
cachoeira, e d'ahi em diante sao ellas tantas que e quasi
impossivel distinguil-as e enumeral-as, pois em muitos
pontos ellas se continuam; as mais notaveis sao as chama-
das Tapaiuna, Cajutuba, Cascao, Paguissamd, Jurucud,
Itatuoca, Paratii e Itapenima.

A parte media do rio e pouco propria d navega^ao, pois
apezar de bastante .largo, a poucas milhas de Souzel, e tal
a quantidade de ilhas que o semeiam, que no dizer de Fer-
reira Penna parece entupido por ellas, deixando entre si nu-
merosos canaes estreitos, e para alem ainda onde diminue o
numero de ilhas, o rio permanece cheio de pedras que se
arguem do leito d'ella em massas enormes; em um ponto
o aspecto e digno de nota, pois junto a uma margem al-
cantilada ate uma altura de 25 metros passa na base o rio
por um unico canal de i6o metros.

Segundo noticia o sr. Ferreira Pena por informacoes
obtidas dos vaqueanos d'aquelles logares, o curso medio
do rio offerece a principio extensSes grandes, proprias a
navegacao, mas depois o grande numero de corredeiras e
saltos, impossibilita a navegacao; d'ahi o aspecto do rio
muda, tendo uma largura menor, pois mede menos dous
kilometros emquanto que proximo & bocca tem quatro ki-
lometros. Tem as margens muito elevadas tanto por um
como por outro lado, especialmente pelo esqucrdo em que
Ihe attribuem 5o metros de eleva^ao, e proximo ds cachoei-
ras as margens parecem serras.

Da ultima parte do rio acima de Piranhaquara, so o sr.
C. von Stein poderd dar minuciosa noticia quando tiver pu-
blicada a narracao de sua viagem; entretanto jd prestou um
servico d sciencia, marcando senao todas, ao menos algu-
mas das nascentes do Xingii, ate agora nao determinadas
com o cunho da sciencia; mas como no rio pelo qual elle
desceu depois de come^ada a viagem a 120 kilometros a
E. do Paranatinga, ao qual deu o nome de Batovj' reconhe-
ceu uma d'ellas, a cabe-lhe a gloria de ter reconhecido



1 88 j4s Regioes Ama^onicas

a totalidade do seu curso e uma de suas origens, embora
tenha ainda outras.

De Souzel para baixo ate ao Amazonas, e completa-
mente livre a navega^ao d'este rio que e um dos que com
mais arrogancia se lancam no Amazonas, semeihando em
largura um outro Amazonas.

Logo proximo d bocca do rio, entre a sua foz e o ponto
em que comeca a sua flexao de NNO. para E., existem qua-
tro povoacoes conhecidas pelos nomes de Carazedo, \'illa-
rinho do Monte, Tapard e Boa Vista, bem situadas em tec-
reno alto, mas todas de pequena importancia. Segue-se a
povoacao de Porto de Moz, que e um dos principaes pon-
tos para o commercio da borracha; a este succede Veiros
que existe officialmente pois nem vestigios j4 restam deste
povoado, que foi substituido pela povoacao de Mama, qua-
tro milhas abaixo; depois apparece Pombal, quasi exiincla,
e Souzel, a povoacao mais importante do Xingu.

O Xingii e navegado desde epochas bem remotas;
rem sido um dos pontos mais disputados das margens ama-
zonicas, e onde mais se fez brilhar o valor dc Pedro Tei-
xeira, pois que em iCaS os hollandezes peneiraram no
Xingd e levantaram uma fortificacao artilhada entre os rios
Peri e Acarahy, na margem esquerda; e ainda ha pouco a
commissao que em 1872 foi estudar este rio encontrou na
baixa-mar duas pecas de artilheria que so a esse forte po-
deriam ter pertencido.

A esta fortificacao deram os indigenas norae de M;i-
riii Assii (cidade grande), o que indica a importancia a que
chegdra.

Sabidas porem estas occorrencias, foi mandado o capi-
tao Pedro Teixeira a hater os hollandezes, o que fez, 10-
mando a fortaleza commandada pelo capitao Hordan, que
abandonou o forte a coberto da noute, em uma embarca-
cao. Pedro Teixeira o perseguiu e alcan^ou no rio Filippe;
unidos porem Ja os hollandezes aos indios Tucujus e aco-
bertados por casas fortes, procuram resistir, mas sao d'ellas
expellidos; segue-os ainda o portuguez, mata-Ihes os capi-



^



J



>n»^'



Cap.^ II— Trib.^ do Ama\onas^ M. Direita 189

taes Hordan e Porcel e grande numero dos que os acom-
panham, fugindo alguns; mas como soubesse por alguns
prisioneiros que d'alli a i5 legoas havia um outro forte me-
nor guarnecido por 20 soldados e que as embarcacoes ini-
migas Ihe teriam ]& tornado o rio, busca estas para as abor-
dar; nao as achando, ataca e toma o forte', concedendo a
vida a guarnicao.

Posteriormente tern sido este rio visitado por diversos
exploradores entre os quaes o incansavel Ferreira Penna,
o qual em sua seg nda exploracao subiu acima de Souzel,
encontrando alguns monumentos que nos poderiam ser
uteis no estudo historico de nossas racas aborigenes, suas
origens e costumes, entre todos os monumentos, segundo
elle diz, o mais interessante e uma larga pedra de forma
regular com inscripcoes e symbolos desconhecidos. Seria
para desejar que o governo dos Estados fizesse, quando
nao remover a pedra, ao menos copiar esses lavores; e
possivel, porem, que se estraguem e desapparecam.

A viagem de exploracao recente do sr. C. von ^Stein
trouxe um apreciavel resultado practico, e foi o de fazer
conhecido que o rio Xingii, apesar de sua extensao, que pelo
audaz explorador e demarcador portuguez Ricardo Franco
foi calculada em 1800 kilometros, nao offerece correspon-
dente vantagem d navegacao para a provincia de Matto-
Grosso, em vista das difficuldades que o rio apresenta
em suas corredeiras e cachoeiras. Tambem foi vantajosa
esta recente viagem, porque alem das tribus de indios que
jd eram conhecidas, como os Jurumas, Toconhapenas, Ca-
rajds, Xipocas e Araras, ella nos noticia a existencia de nu-
cleo numeroso de tribus mais ou menos domesticadas, e
das quaes, ensinando-as, se poderia tirar partido para a
obtengao de productos naturaes, borracha, salsa e outras
drogas.

Ainda segura licSo deu esta expedicao ao governo brazi-
leiro, mostrando que com pouca despeza e escolhendo bem
os exploradores se poderia explorar tantos e tantos rios,
que, mesmo perto das capitaes, ainda sao desconhecidos.



iQo As Regides Amaxonicas

TAJIPURti

Encontro-o em alguns livros escriptos sobre o Pard, Ta-
gipuru ou Tajapurii enumerado entre os rios do Estado
afBuentes e tributaries do Amazonas; nao o posso eu con-
siderar como tal e apenas o olho como um canal.

O Amazonas ao chegar proximo de Gurupi e dividido
em dous ramos pela iiha grande de Gurupi, divisao esta
que condnua quando a iIha finda per novas ilhas das quaes
as principals sao a IIha dos Porcos, IIha Grande do \'ieira,
Iiha do Mututi, do LimSo, do Mutum-Quara, dos Macacos,
do Tajapurusinho, e outras mcnores. Entre a Uha dos Por-
cos e a terra firme, pelo lado goyanez, corre o braco prin-
cipal do Amazonas. Entre a IIha dos Porcos e a do \'ieira
cofre canal do Vteirinha, entre esta mesma IIha do
Vieira e a do Mututy corre o canal do Vieira, e finalmente
entre a terra' da margem dtreita do Amazonas em que estd
situado Gurup^ e as ilhas do Mutum-Quara, Tajapurusi-
nho, Monsards, Boiussu, Jaburii e Santo Amaro, que umas
is outras succedem, corre o canal do Tajapurii que pela
sua extensao e pouca largura, e ainda mais por encurtar
caminho e serem suas aguas tranquillas, e aquelle que e ge-
ralmente preferido pelos vapores e barcos que navegam
entre o Par^ e Amazonas.

Alem d'estas, ainda muitas outras ilhas, que n'esta parte
do Amazonas o semeiam, dao logar a outros canaes ouT?^-
ros, como Ihe chamam, como sao os do Itucuara, do Jaburii,
da Companhia, do Jacare etc., os quaes todos mais ou rae-
nos directamente se communicam entre si, como muitas ve-
ves verifiquei quando por aqueltes logares viagei cm canoa
de pouco porte. E por estes numerosos canaes que o bra(;o
direito do Amazonas escoa suas aguas divididas, tomando
cada vez maior largura o canal principal ate chegar A con-
fluencia do Tocantins.

Baena marca como sendo a posicao da bocca superior
do canal o parallelo Sul de o'-Sb' e o meridiano 326"-io'
sendo a sua dircci;ao OSO. A bocca inferior do canal estd




.. J



Cap.^ 11-— Trib.^^ do Ama\onaSy M, Direita 191

do lado da villa de Breves e no rumo NNE.; da bocca su-
perior do canal d bocca dos Breves ha a distancia de 33
legoas e d cidade do Pard 75.

ANAPO, PACAJA E JACUNDA

Sobre os dous primeiros d'estes rios nao me consta que
tenha havido explora^ao alguma scientifica, a nao ser um
estudo do sr. Ferreira Penna, e por isso liaiitar-me-hei ao
trabalho d'aquelie ihcansavel prescrutador, extrahindo o
que o leitor vai em seguida ler; ao sr. Jose Gualdino tira-
rei tambem algumas notas sobre o Parajd.

«0 Anapil conflue com o Tauere, tendo ambos gran-
des cachoeiras, junto ds quaes, diz-se, chega ainda a mare
durante o verao. Segue elle do S. ao N. ate d ilha da Ja-
citara, e d'ahi alarga-se em direccao SE. a NO., formando
sua primeira bahia chamada do Pracuhy, onde entra o pe-
queno rio d'este nome.

«Reune todas as suas aguas em um estreito de pequena
extensao, chamado do Castanhal, e logo depois abre-se em
uma vasta bahia que tem o nome de Cumuhy na qual en-
tra o Rio Caxiuand, cuja direccao e do Sul ao Norte.

•N'esta acham-se as duas ilhas Pracapira e Tajapii pro-
ximas d costa oriental.

«Da bahia Cumuhy rompe no rumo de Oeste a Leste
e forma uma terceira bahia, a do Anapii, que e a menor e
mais povoada de ilhas.

«Entram alii, da margem do Norte, os rios Precupijo e
Curupari, e pela margem Sul sahe o furo Pacajahy, que
communica as aguas do Anapii de cerca de 72 kilometros
de extensao.

«0 Amapii reune as suas aguas formando um estreito
fiindo e comprimido por terras altas, o qual vai sahir junto
d extremidade NO. da bahia de Portel, que e formada
por suas aguas e pelas do Pacajd que alii se reune. »

Pacajd — c Composto tambem de dous confluentes, o
Pacajd-Grande e o Cururuhy, ambos com cachoeiras, ca-



192 ^S RegiSes Ama\o}ticas

minha ao principio por entre terras altas no rumo gera! dc
Norte a Sul, mas ao encontrar Pacajahy volta de repente
para E, e recebe logo o Camaraipi, e, fazendo uma pequena
evolu^ao para o Norte, entra na bahia, onde se reune com
as aguas do Anapd entre a Ilha Pacajahy e a ponta Ma-
narij6 em cuja face occidental esti a villa de Portel.

«Esta bahia, que come<;a acima ao NO. de Portel, ter-
mina abaixo e a SE. de Melgaco, tomando quasi a forma
de um grande S.

lEntre as duas villas, entra do lado do Sul o rio Acuri-
pirera que e o limite entre Portel e Melgaco; logo adiante
o Araperima, e do lado Norte, abaixo de Melgaco, o Taja-
puni e o Tajapurii-Grande que trazem do Amazonas aguas
lodosas e barrentas que nodoam e turvam as aguas cris-
tallinas da bahia.

tCom suas aguas assim manchadas e reunidas, com os
rios ']& mencionados, penetram por cinco fliros ou canaes,
mas principalmenre pelo Carauati e pelo Campinas, e vao
sahir por onze boccas na bahia das Duas Boccas, incorre-
ctamente dita das Bocas, de onde seguem ate encontrar o
Tocantins, seguindo d'ahi em diante ate ao Oceano com o
nome de Rio Pari ou do Pard, inteiramente independente
do Amazonas.

fNa bahia das Duas Boccas, entram da Ilha de Marajo
OS rios Guajard, Piria, Guanaticil e Pracuuba, e da costa
meridional o Jacunda com sens bracos Tacuary e Jurupary-
Pucii, o Tiririca, Pamauba, Mocajaluba, Araticii e Cupijo.

aN'esta bahia as ilhas mais notaveis sac, perto da costa
Sul, a de Murutituba, Jacundi, Pirauii, Bagre, Comprido,
Aturid, Japiim e Taluoca, e proximo i. costa de Marajo as
das Araras, Tabocas, Anajatuba e Murumurutuba.o

TOCATINS

O Tocantins e formado pela reuniao das aguas do alto
Tocantins com as do Araguaya, as quaes se juntam pro-
ximo ao forte de S. Joao do Araguaya a ii3 legoas de dis-



1



J



r

^K tancia

" Baena



\



Cap.° 11— Trib.°' do /Imajonas, M. Diret'ta igS

tancia de sua foz segundo Mr. de Castelnau, e 84 segundo
Baena que a colloca a i^-SS' de Lat. Sul e 327''-34' deLong.

Para bem comprehenderraos a extensao do seu curso,
o qiianddade de rios seus affluentes, e os pontos tao dis-
tantes a que elles attingem em suas extremas ramifica^des,
basta, lan^ando os olhos sobre o mappa do Brazil, verificar
que elle abrange com seus dous ramos mais ate ao Sul do
Brazil do que nenhum outro dos affluentes do Amazonas.

Ou se admitta, segundo uns, que suas ultimas nascen-
tes sao o Tocantins pequeno, ou segundo outros o Mara-
nhiio, que a pequena dlstancia de Agua-quente se reunem,
vij-se que elle e o Araguaya, cujas nascentes vao ate ao
Corrego das Duas Pontes, nas faldas da serra do Gayapo
abrangem em Lat. Sul o espa^o comprehendido entre i"
e [9", e em Long, nao menor espaco que 8"

O ser o Tocantins em grande parte formado pelas aguas
do Araguaya obnga-me a fallar d'elle embora comprehen-
dido n'um espaco que ja estd fora dos limites das provin-
cias do Pard e Amazonas.

As suas nascentes que sao situadas proximamente ao
atHuente do Paraguay chamado Piquiry, estao mais ao Sul
do que as nascentes do Tocantins, corao deixa ver o mappa
do Irnperio levaniado pela commissao official em i883, e
cgiialmente o mappa publicado em Gotha na coUec^ao Pe-
lernian em 1881 e revisto em 1887, A sua direccao media
c a de NNE. e suas aguas banham uma extensao de cerca
dc 1 ;8oo kilometros, segundo o relatorio de Moraes Jardim,
tciido de sua confluencia com o Tocantins ate aos limites
do Estado de Matto-Grosso apenas 600 kilometros e cerca
de [;2oo no territorio d'aquelie Estado.

Cumpre advertir que as opinioes diversiUcam quanto a
extensao do seu curso; assim Castelnau dd-Ihe 480 legoas,
o ijue muito differe da apreciacao de Jardim ainda dando
ao Tocantins ii3 legoas depois da confluencia ale & bocca.
D Arlincouri anribue-lhe 370 legoas; outros s6 Ihe dao 3oo
{ Viagem em redor do Brazil do dr. Severiano da Fonseca).

A sua mais remota origem parece ser o Corrego das



n



194 As Regides Ama\onicas

Duas-Pontes descido das abas septentrionaes da serra do
Cayapo. Como o Pitombas, contraveriente do Taquary, en-
contra tambem cabeceiras enire o Piquirj' e o Sant'Anna
do Paranahyba, a meio dos parallelos iS" e 19°.

Nao e elle conhecido em todo o seu curso com o nome
de Araquaya, pois de suas origens ate a junccao do Rio
do Barreiro ou do Cotovello e chamado Cayapo-Grande,
e d'ahi em diante toma o nome de Araguaya.

Na parte em que e conhecido com o nome de Cayapo-
Grande tern cerca de 5oo kilometros, e sao sens alHuentes-
pela direita os segulntes cursos de agua:

O Bonito — Com 120 kilometros de curso; o Cayapo-
Mirim com i5o kilometros, nascido na Serra da Sentinella,
e engrossado pelas aguas do Piranhas e Santo Antotiio-^
rio das Almas, vindo da mesma serra e formado pelo Pon-
te-Alta e Ribeirao dos Bois; rio Clare ou Diamaiitino, gran-
de curso descido da Serra de Santa Maria aos i7°-3o' de
Lat. e augmentado poias correntes do Santo Antonio, bratjo
de mais de 400 kilometros, nascido na Serra Escalvada; e
Piloes, um pouco menor, que rccebe o Furliira oriundo da
Serra Dourada^ e o S. Domingos.

O Agua Limpa — Nascido na Serra Dourada que re-
cebe & direita o Guarda-M6r, e d esquerda o Mamoneiras
e sahe abaixo do antigo ponto do destacaracnto Itacayii.

O Vermelho — Nascido na Serra do Ouro Fino, ramo
da Geral ou cordilheira do Estrondo; seu curso e de mais
de 3oo kilometros dos quaes 180 de livre navcgacao, desde
o porto do Travessao a 12 legoas da capital, indo sahirno
Rio Grande de onde a este se muda nome em Araguaya.
O Vermelho recebe i direita os rios Bugres, Boa-\'ista,
Ferreiros (de mais de 100 kilometros de curso), Lambary,
Vermelhlnho, e i esquerda, o Cochambii, Estrella, Forte,
Ubd, Taquaral ou Indlos Grandes (de mais de 100 kilome-
tros) e o Tiquihe.

O 1{io do Peixe ou Thesouras — Com um curso de 180
kilometros, nascido na serra do carretao.

O Crixa — Maior de 200 kilometros formado pelo Cri-



Cap." II— Trib."" do Ama^oitas., M. Dtreita igS

xa-assii e Crixa-mirim, vem da serra de S. Patricio, e a sua
foz dista 90 liilomerros da foz do Vermelho, suas nascen-
tes distao pouco da Capital de Goyaz e e um dos raaiores
affluentes do Araguaya.

O Chavantes—Q\ie. vem da serra Pintada.
O Tucupd ou Pequeno e o Javah^s, nascidos na serra do
Estrondo. O Gavahes tem mais de 160 kilometres de curso.

Pela margem esquerda contao-se:

O PHombas — Vindo das Serra das divisoes.

O do Baneiro—Com um curso de mais de 3oo kilome-
tres e a largura media 200 a 3oo metros nascido nas abas
orientaes da Serra das divisoes.

O Alagado—Kio de 80 a 100 kilometres e que desem-
beca junto ao porto da Piedade.

Cristallino^ Mariembevo ou rio das Matrinchaus -
Nasce perte do ib." parallelo na divisoria das aguas orien-
taes do rio das Mertes e occidentaes do Araguaya, com
um curso de 200 kilomelros e largura media de 800 me-
tres e 5 de profundidade que ds vezes se reduz a um me-
iro^ lanca-se no Araguaya i. esquerda da ilha do Bananal.

O rio das Mortes^ Itiaberd dos carajds — lem area de oi-
loccntos kilometre de extensae. D'Arlincourt da-lhe cerca
dc i5o legoas; nasce com o nome de Rio Manso a 180 ki-
lometres ao N. O. da cidade de Cuyabd, e a uns 25 das
fontes de Arici-mirim, brai^o de Cuyabd. Cumpre nao o
confundir com o ribeire do mesmo nome e cuja foz e a
leo kilometres acima d'aquella capital. Suas vertentes mais
remotas achSo-se entre o legar de Guimaraes, antiga Santa
Anna da Chapada e as cabeceiras do Paranatinga do qual
e contravertente.

Attribuem ao rio das Mortes uma largura de mais de
200 metros, chegande a ter alguns kilometres, Ricardo
Franco d^-lhe umas i5o leguas de curso, afora e rio Man-
so ; o sr. Couto de Magalhaes caicula-o em 200. Tem um
curso livre de 3oe a 400 kilometres; depeis segue-se uma
zona encaixoeirada, cortada por i23 cacheeiras, com 12 va-
radoures, 28 sirgas sem carga e 83 a meia carga.



196 As Regi6es Ama\onicas

O outro braco que e oriental e que vem com o nome
que o rio guarda, desce das Serras das Divisoes, nos ribei^
rOes do Roncador ; vae em nimo de NO a entroncar-se no
Manso, logo abaixo do ribeirSo do Araves ou Araes.

O rio das Mortes lanca-se por duas boccas no brace
esquerdo do Araguaj'a, alem do meio da grande iiha do
Bananal e 195 kilometros abaixo da bifurcacao do rio; sua
largura nas barras e de 140 metros em uma e 180 cm ou-
tra com tres metros de profundidade.

O triste nome que tem provem da grande raortandade
que houve em conseqi'encia da epidemia em uma das pri-
meiras bandeiras que por alii andaram.

O rio da Casca — tem um curso de mais de cem ki-
lometros.

O Tapirap^, o Manambaro ou rio das Pedras — E dc
curso talvez egual ao das Mortes, bastante largo e profundo'i
entra no Araguaya 108 kilometros abaixo da foz do Rio
das Mortes.

O Cujard — Lan^a-se quasi fronteiro a ponta septen-
trional da ilha do Bananal ou de Sant'Anna.

O Aquiquy — E o Gradahus ambos rios pouco impor-
tantes (').

E muito notavel a Hha de Sant'Aima situada no Ara-
guaya 72,2 kilometros abaixo da foz do Criixd; divide o
rio em dous bra90s, sendo por elle banhado no braco es-
querdo em uma extensao de 477 kilometros; a sua area c
calculada sobre uma extensao de 70 legoas por uma lar-
gura de cerca de 20 legoas; ao braco direito chamam (Jj-
rajahy ou do Bananal, e este nome tambem e dado a ilha
o braco esquerdo conserva nome do rio. Scgundo Mo-
raes Jardim, que explorou muito este rio, o braco princi-
pal tem uma largura de aSg e uma profundidade de 3,3
metros ao passo que o outro achava-se, quando o viu, re-
duzido a um regato de o,5o metros de profundidade quando



(') Tudo LjuanCo fica escripto sobre affluenies do Araguaya e li-
rado da obra do dr. Severiano da Fonseca, Viagem em rodado Brazil.



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Cap." n~Trib.'"do Ama:(
muito. O rio ao findar a ilha apresenta 1:200 metros de
largura.

Ainda abaixo desta ha uma outra ilha com 10 ou 12
legoas de exlensao formada por um fiiro oucana! chamado
de Maria do Norte.

Entre o presidio de Santa Maria e a confluencia com o
Tocantins desce o Araguaya encachoeirado por um espaco
de 600 kilometres, e por sua vez tambem o Tocamins as-
sim continua por um espaco de 448 kilometres ate Santa
Helena de Alcoba<;a.

Diz o sr. Severiano da Fonseca que a extensao total do
Araguaya e de cerca de 2:200 kilometres dos quaes grande
parte de diflicil navegacao e 33o de navegai^ao franca, di-
vidida esta em dous tractos, um de 176 entre a cidade da
Boa- Viita e a da Carolina no Maranhao; e e eutro de 1 5o
entre a confluencia de Araguaya e a villa da Imperatriz.

E proximo ao 6." parallelo que tem logar a confluencia.

Antes de fallar da parte commum aos dous rios que e o do
Baixo-Tocantins, procurarei reunir o que encontro de mais
conveniente para meu trabalho sobre seu curse superior.

Ja ao comecar a tratar do Tocantins e Araguaya disse
que arabos estes ties, per sua grande extensao, pertencem
ao systema de rios que tem sua origem no chapadao do
Amazonas que em si comprehende tambem o Xingil, o Ta-
pajos, o Baixo-Madeira e Guapore, e sobre o Araguaya co-
piei o que de melhor achei nos trabalhos de Moraes Jar-
dira e Severiano da Fonseca. Quanto ao Tocantins, os seus
principaes affluentes sao, segundo Baena, pela margem es-
querda ou occidental, o Crwmyo, Tapauucu, Tabatinga,
Trticard, Ilha dos Santos, Caraipi, Mucuroca, Almas,
Arara-Mirim, Arara-Grande, Arapary, Pucuruh/, S. Mi-
guel, Remansinho, Pirocaba, Agua de Saude, Lago Verme-
Iho e Tacaj unas.

Pela margem direita ou oriental recebe os rios: Icatti,
Leindo, Matacurd, Cachoeirinha, Palos^ Arapera, Muru,
Taud, Ca/anxa, Ipitinga, Oinaud, Macauan, Jacundd,
Pirabanha, Areas, Surubf, Manoel Alves Grande^ Manoel



198 As Regi6es Ama\onicas

Alves Peqiietio, Sono, Crtxa, Palma, S. FeliXy Preto, Ma-
t anhdo e Almas.

Entre estes, alguns sao importantes, como sejatn o !pi-
tinga que quasi vai encontrar o Mojil. O Cunaua tem sua
ongem proxima ao Mo)i!i, o Macauan tambeir se liga ao
Moju, e era aproveitando-se da grande extensao de terras
banhada pelo Mo)6 e alguns de seus afHuentes, que o piloto
Jose Velloso Barreto, auctor de um mappa do Tocantins,
publicado em Lisboa em 1877, queria estabeleccr o trans-
porte de gado do Tocantins ao Pard (capital).

O Agiia de Saude deve o seu nome d cren^a nao so de
antigos como de modernos exploradores de que e poderoso
remedio para muitos soffrimentos o uso de suas aguas.

Tambem conta o Tocantins algumas ilhas que cnume-
radas desde Baiao sao: a Ilha do F.spirito Santo, liha do
Ttfucussu, Ilha do Ipabu, Ilha do Tauhud^ Ilha Criouli-
nho, Ilha dos Sanlos, Ilha das Pacas, Ilha do Arco^ Dnas
Hhas Ciinauhd, Duas Ilhas Pitaocas, Ilha Sumauma, Ilha
do Ingle:;, Ilha do Igarapi S. Miguel, Ilha do Furinho,
Ilha do Furo do Chiqueiro^ Uha do Cocal, Ilha do Tocan-
ttns (formada pelo furo do Chiqueiro e pelo Capitarj'coa-
ra), Ilha do Aredo c Ilha das Giiaribas. Estas ilhas ficam
todas abaixo da bocca inferior do Parand-Mirim da Itaboca.
Acima d'esta bocca fica a Ilha da Itaboca, e em frente A
bocca superior da Itaboca estd a Ilha do Meio, c depois
seguem-se a Ilha de Ford, Ilha do Gorgulho, Ilha do Chico,
Ilha do Franco, Ilha do Anana;, Ilha do Capello, Ilha da
Bagagem, Ilha do Alexandre, Ilha do Pimentel, Ilha da
Arara-Coara, Ilha da Sumauma, Ilha de Santo Antonio,
Ilha da Praia-Alta, Ilha do Mandu-Pixuna, Ilha da Rai-
nha, Ilha do Cardoso, Ilha do Lago Vermelho e Ilha do
Jauri, (esta ilha fica quasi em frente da bocca do Lago
Vermelho, um pouco mais acima, em frente ao Morro.)

As notas que acabo de escrever extrahi-as de um ro-
teiro descriptivo levantado pelo capitao-tenente Pariihybuna
dos Reis, em i863.

Da parte inferior do Tocantins, isto e de sua conltucn-




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Cap." II — Trib,°' do Anta^enas, M. Direita 199

com o Araguaya ate A foz que mede 504 kilometros,
364 s5o de l!vre navegaclo, desde a foz ate tl primeira ca-
choeira que e chamada Tapaaiuna-Guara; abaixo d'esta
txiste uma pequena cachoeira conhecida pelo oome de Ca-
choeiritiba que nao e sensivel na esta^ao da cheia do rio
e o mcsmo acontece com Travessdo dos Patos; ate este
ponto existe uma navegacao regular a vap6r, subvencio-
nada pelo esiado, e e n'esta zona que existem os maiores
centros de popula^ao, a qual e calculada em i5o mil almas
para a zona sarjada pelo Araguaya e Tocantins, e situada
em suas margens,

No baixo Tocantins as principaes povoa?6es sao Ca-
me ta, Mucujuba e Baiao.

Camera e uma das mais aniigas povoacoes da provin-
cia, e teve o seu principio em uma aldeia de indlos cujos
missionarios eram frades de Santo Antonio.

Em 1634 foi doado com todas as suas terras como ca-
pitania pelo governador de Maranhao a seu filho Feliciano
Coelho; no anno seguinte foi etevada a cathegoria de villa
mas so gosou de suas prerogativas quando depois loi en-
corporada aos dominios da cor6a.

Em i835 foi baluarte inexpugnavel em favor do governo
quando a revolu^ao chamada a cabanagem, avassalava toda
a provincia,

Em 1848 foi elevada a cidade; esti situada a margem
esquerda do Tocantins, a 72 kilometros de sua bocca c a
172 kilometros 760 metros da capital, e a povoa^ao mais
importante da provincia com excepcao de Santarem; conta
35o casas, muitas de boa construc^ao; um magnifico caes
de cantaria guarnece-lhe a frente o qual tern custado niio
poucas centenas de contos. O municipio de Cameld conta
17:385 habitantes, segundo um recenceamento feito ha bas-
tantes annos.

As cachoeiras do Tocantins sao, segundo Baena, 27, mas
cumpre notar que elle enumera somente aquellas que fl-
eam dentro dos limites do Estado do Pard, cuja chorogra-
phia elle escrevia. Assim, a ultima que elle enumera 1; a



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As HegiSes Ama:{onicas

chamada S^cco do Curud, que, como elle diz, e o limite
commum do Pari e Goyaz, mas logo em seguida a estas
se encontra a cachoeira das Tres Barras proxima a villa
Corolina actualmente despovoada, e ainda adiante se en-
contram outras cachoeiras, como a do Lageado, a dos Pt-
loi'S, etc.

Quanto is2-j que se acham no territorio paraense, ainda
ha divergencia no modo porque sao consideradas, pois que
o erapedramento que por uns e considerado como uma so
cachoeira e por outros dividido em diversas; o que um cha-
m;i corredeira, outro ciassifica como Iraressdo, o que este
chiima travessao aquelle denomina cachoeira.

Os nomes que geralmente Ihe sao dados sao os seguin-
H!s. que para maior intelligencia se acham consignados em
um mappa levantado em i863, e no roteiro figurado levan-
lado pelo sr. capitSo-tenente Parahybuna dos Reis em 1864
tambem sao esses mesmos nomes adoptados.



I.* Tapaiuna-Quara.

2.* Guariba.

3.* Viia-Eterna.

4,* Tucumanduba.

5.* Uerapepoaquina.

6,* Cunaua.

7.' Pitaoca.

8.' Ghiqueiro.

9.' Inferno.
10.* Furo da Itaboca.
1 1.* Tortinho.
12.* Jose Correia.
i3.* Gachoeira-Grande.
14.' Apinage.

Antes d'estas encomra-se proximo ao rio Matacurd uma
pCLjuena cachoeira chamada Gachoeirinha que so e sensi-
vcl na vasante do rio. A eleva^ao periodica das mares
liiz-se sentir ate 42 legoas acima da bocca proximamentc a
cachoeira.



i5.' Gajueiro,

i6.* Gapellinha.

17.' Valentim.

18.' Mandupixuna.

19.* Pinaquequara.

20.* Praia-Alta.

21.* Boqueirao do Tauiri.

22.* Secco grande.

23.* Defuniiiiho.

24.* Tauirisinho.

23.* Mae Maria.

2G.* Serra Quebrada.

27.' Secco do Curud.



i



Cap.^II—Trib.^doAma^onas^M.Direita 201

A existencia das cachoeiras tem sido um embaraco para
o engrandecimento das provincias banhadas pelos dous
grandes rios, e supposto que apezar d'ellas o commercio
tenha augmentado, subindo a uma catena de contos a im-
portancia dos generos que em botes descem o rio, e outro
tanto a dos que sobem, nem porisso deixa de ser obvio
que OS repetidos sinistros a que esta navegacao dd logar.
tornam impossivel uma troca de productos rapida e regu-
lar, pois nao ha companhias de seguros que tomem taes
riscos, bem como as repetidas descargas, e a grande de-
mora na navegacao.

Em uma obra recente publicada no Rio de Janeiro, en-
contro uma nota do tempo gasto em veneer esta navega-
cao desde a cachoeira Vita a Eterna ate d do Porto Real.
Diz ella: «A navegacao do Tocantins ate d cachoeira Vi-
tarn eternam^ segundo Cunha Mattos, nao e trabalhosa;
esta cachoeira e o serro de Guanua, vence-se em tres dias;
a cachoeira Itaboca em quatro; a cachoeira do Tauiri em
doze dias; do Tauiri d foz do Araguaya vai-se com facili-
dade; da bocca do Araguaya d Serra Quebrada em dez
dias; d cachoeira de Santo Antonio em tres dias; d cachoeira
das Tres Barras oito dias; ao Serro do Curud tres dias; d
entaipava de Sant'Anna tres dias; a entaipava de Sant'Anna
vence-se em um dia; da entaipava ao^estreito um dia; d
Ilha de S. Jose um dia; a S. Pedro de Alcantara dous dias;
ao rio do Somno, distante 48 leguas, oito dias; ao Funil tres
dias; ao Lageado 27 dias, aos Maxes um dia; a Piloes um
dia; ao rio de Santa Luzia dois dias; d entaipava do Johu
dois dias; e ao Porto Real quatro dias.

Esta navega(;ao do Tocantins, assim como a do Ara-
guaya, tem uma importancia extrema para a Republica, e
obedecendo ds mesmas razoes que me fizeram pronunciar
pela utilidade da linha ferrea Madeira-Mamore, tambem sou
favoravel d construccao de uma linha ferrea que pelo menos
annule as difficuldades de transito na parte encachoeirada
desde o travessao dos Patos ate onde ha navegacao a va-
por para Santo Anastacio.
26






202 As Regioes Ama:^onicas

Ainda nao ha muito, na Assemblea Provincial do Para,
foi apresentado e votado um projecto, dando os meios para
esta tinha ferrea, que iria ligar-se d linha dc navegacao a
vapor do rio- No memorial que foi apresentado a Assem-
blea dizia-se que esta distancia podcria ser encurtada em-
pregando a somma que devia ser gasta n'esses kilometros,
na desobstrucijao de alguns pontos do rio. Tao claramente
me pronuncio em favor d'estas obras de cuja uiilidade par-
ticipariam os habilantes de Goyaz, dos sertoes da Bahia,
Maranhao e Pari pelos seus aJHuentes, rio das Palmas, rio
Parand, e Maranhao, que fariam chegar a vtda commer-
cial ao mais recondito centro da RepubUca pelo Tocanrins
e Araguaya e seus tres affluentes, Vermelho, das Mortes e
Tapirape, o primeiro navegavel ate 40 kiloiuecros, aiem da
capital de Goyaz; o segundo com uma exiensao navegavel
de cerca de 400 kilometros; o terceiro finalmente dando li-
vre accesso por i35 kilometros, chegando a pontos tao dis-
tantes a vida social, assegurando ao mesmo tempo a inte-
gridade do Brazil easua deffeza — como me manifesto adver-
sario a tentativas mal estudadas e perigosas, como sao a
altera^ao do systema de um rio, ou desobstruccao de tao
importantes caudaes em que nao ha orcamento seguro,
cbmo ainda ha pouco aconieceu com o canal do isthmo de
Panama nas obras do rio Chagres bem menos volumoso
do que OS nossos, trazendo aperda de milhares de milhoes
de francos.

Acrediio nas vantagens da navegacao do Tocantins e
Araguaya ligada d da parte inferior do Tocantins por uma
linha ferrea que ven^a a regiao encachoeirada, e a sua exe-
quibilidade e mostrada pelo estudo consciencioso do enge-
nheiro Lagos; mas no que nao acredito e que, reduzindo a
linha ferrea a menos de cem kilometros, se encontre vanta-
gem em tentar um incerto labor de desobstruccao de ca-
naes, desobstruccao que ainda nao foi estudada, e cujas fa-
cilidades sao boas para figiirar em prospectos destinados a
chamar accionistas.

Felizmente depois de contractos mais ou menos bons,



1

1



Cap,^ II— Trib,^ do Ama\onas^ Af . Direita 2o3

mas nao levados a effeito, resolveu o governo federal rea-
lisar a estrada, comecando ella em Cametd ate Santo
Anastacio, projecto que torna mais extensa a estrada, pois
Ihe addiciona a parte entre o ponto de partida ate ahi es-
colhido em Alcobaca proximo ds primeiras cachoeiras, espe-
cialmente para a colonisacao.

O certo e que a questao e de bastante importancia
para que o governo nao descure d'ella e antes a auxilie
efficazmente. Esta empre^a, assim como a da estrada-ferrea
Madeira-Mamore, sao dos mais importantes comettimentos
a que o governo do Brazil pode applicar a sua attencao, pois
importam o dar vida e desenvolvimento, augmentahdo a
agricultura, industria e commercio, nao de um, mas de
seis estados da Republica, consolidando a organisacao po-
litica recente, ligando-os pelos lacos mais fortes que sao
OS do interesse, assegurando a defifeza de pontos extremos
da uniao federal, e finalmente accentuando a preponderan-
cia do Brazil para com a Bolivia e o Paraguay, entrando
forte na comntiunhao dos povos Sul-americanos, dos quaes
ate agora tem estado cortado, isolamento que s6 pode ser-
Ihe nocivo.

O meu comprovinciano Jose Gualdino, no bello traba-
Iho que comecou sobre as regioes amazonicas, diz elegan-
temente em um dos seus capitulos, fallando do Tocantins e
tomando por thema um periodo do livro de Orton:

«0 Tocantins, o explendido rio que rega a regiao do
mais delicado clima do Brazil, correndo sobre leito de dia-
mantes, de rubis, de saphiras, de topasios e opalas, de
ouro, prata e petroleo, tem, segundo Castelnau a largura
media de i :8oo metros e uma corrente de ^'4 de milha por
hora. Com seus seis grandes tributarios, e superior a qual-
quer rio da Europa, mesmo ao Danubio. As terras por
onde sarjam 3:ooo milhas de estradas que andam, estao li-
gadas a extensa planicie que na junccao do Tocantins com
o Araguaya mede 200 pes acima do nivel do Oceano, que
em Pongo de Mausseriche tem 1:160 de elevacao, segundo
Humboldt, na foz do Mamore ^00, segundo Gibbon, na




104 As Regioes Ama^omcas

confluencia do no Negro com o Cassiquiari 400 segundo
Wallace, que em Tingo-Maria no Huallaga chega a 2:200
pes segundo Herndon, que em Coca no Napo elcva-se a
83o segundo Orton, c segundo Castelnau na confluencia o
Vermelho com o Araguaya encontra-se na altura de 705
pes.i

O Tocantins nao e um no deserto nem desconhecido
como Araguaya; os primeiros exploradorcs de que se
pode colher noticia sao o padre capucho PV. Chnstovao de
Lisboa em 1626, e o chefe de bandeira, pautista Manocl
Corrca. O celebre padre Antonio Vieira em ibrS subiu o
Tocantins, partindo de Belem a i3 de Dezembro; chegou
a grande e perigosa cachoeira da Itaboca a 28.

Gonijalo Paes e Manoel Brandao em 11)69 percorreram
as terras do Tocantins ate ao Araguaya. Km iGj'i, sendo
OS indios Guarajijs perseguidos pelomestre dc campo pau-
lista Paschoal Paes de Araujo, que a frente dc uma b;in-
deira levantada A sua casta atravessflra os sertoes, e pro-
curara captival-os, elles pediram soccorro ao governador do
Para, Pedro Cesar de Menezes, e este mandou o capiiao
Francisco da Motta Falcao, mas sem ordem expressa de
bater a bandeira; no seu regresso o dito capitiio trouxe um
descimento de Tupinambds que voluniariamenie o acom-
panharam.

Segundo Baena, ainda em 1675 aquelle rio foi navegado
atii as terras dos Guarajus, pelo padre Antonio Raposo
Tavares, vindo de Lisboa encarregada da inquiriciio do
mesmo rio, e da procura de metaes preciosos, Regressou
tcndo padecido trabalhos estereis.

Ainda per ordem do governador Bernardo Pcreira dc
Berredo, foi navegado o Tocantins em 1720 pelo capitao
Diogo Pinto de Gaia, que devia explorar o Araguaya, mas
por este rio apenas navegou cerca de cem legoas.

No anno de 1721, o jesuita Manoel da Motta navegou
o Tocantins ate passar o boqueirao de Taulri, e penetrar
no rio Tacaiuna e ir catechisar os indios do mesmo nome
e OS Guaranizes.



Cap.° II — TribJ" do Ama^onas, M. Direita 2o5

O sargento-m6r Joao Pacheco do Couto deu em lySt
noticia das minas de Natividade, e o governador de Goyaz,
Jose Cabral de Almeida e Vasconcellos, procurando esta-
belecer as primeiras rela^oes commerciaes entre aquella
provincia e o Pard, creou na ilha do Bananal, de que jd
rae occupei, a aldeia da Nova Beira em 1771-

Segundo excellente Irabalho do sr. Moraes Jardim,
lima nova bandeira vinda de S. Paulo, guiada pelo capitao
mor Antonio Rodrigues Villares, desceu em 1746 pelo Ara-
guaya ou Paraupeba, nome com que era designado o To-
candns; e em 1780 o governo do Pard, querendo povoar o
Tocantins, fundou na margem direita entre a Cachocirinha
e Tapaiunaquara a aldeia de S. Bernardo das Pederneiras,
e a de Alcobaca, seis kilometros abaixo do ribeirao dc Ca-
raipe, de onde foi transferida para a ilha do Arapapa en-
tre Tapaiunaquara e Guaribas com o nome de Arroyos.

A sollicitude que mereceu ao governo da metropolc por-
tugueza as commumcacoes com Goyaz, ainda nos e revel-
lada pela assistencia que as authoridades davam a qualquer
cxplora^ao; assim e que em 1780, os commerciantes do
Pard organisaram uma expediijao para explorar o Araguaya
a qual o governador do Pard, Tristao da Gunha Menezes
patrocinou; partiu do Pari a 5 de Fevereiro de 1781 e che-
gou a Goyaz a 2 1 de Abril, regressando a 22 de Dczem-
bro de 1782 partindo da confluencia do Ferreiro com o Ver-
melho a 12 legoas de distancia da capital; e nao s6 por este
meio como por favores concedidos aos moradores d'aquei-
les rios e aos que se empregavam no commercio e nave-
gacao delles, taes como isemp9ao de direitos etc., procurava
o desenvolvimento geral d'aqucUes logares.

Em tempos mais modernos (1844) temos a viagem de
Mr. de Castelnau ate S. Jodo das Duos Barras. Em i84ii
a do Juiz Municipal Rufino Segurado, que desceu rio ate
ao Pard, de onde de novo partiu a 19 de Maio d'esse anno,
subindo-o ate 22 legoas de distancia da capital, no pnrto
de Thomaz dos Santos que alcancou a 6 de Fevereiro dc



2o6 As Regioes Ama\onicas

Ainda o sr. Olimpio Machado, presidente de Goyaz, exe-
cutou alguns trabalhos de desobstruccao no no Vermelho,
e fundou o presidio de Leopoldina, na conftuenda d'aquelle
rio com o Santa Maria. Finalmente o sr. dr. Couto de Ma-
galhaes, que descera o Araguaya e o Tocaniins em uma ex-
tensao de 2:000 kilometros ate Belem, no anno de 1864,
depois de varios estudos durante a sua presidencia no Pard
para veneer as difficuldades da grande cachoeira Itaboca,
sobre o que existe escripto um rclatorio do capitao-tenente
Parahybuna dos Reis, ao qual acompanhou um roteiro fi-
gurado — leva a effeito a idea suscitada pelo presidente de
Gouyaz, Gama Cerqueira, da navegacao a vapor do Ara-
guaya entre Januaria e Leopeldina. A tenacidade do sr.
Couto de Magalhaes, tenacidade que Ihe ia custando a vida
em um naufragio, se deve o incremento que tem tornado o.
commercio d'aquelias localidades, pois hoje os generos
que vem ao Pard jd occupam uns sessenta botes dos clia-
mados mineiros que servem para aquella navegacao dos
dous rios.

O sr. Couto de Magalhaes transportou uma lancha a va-
por de Cuyabd a Leopoldina por sertoes invios, e iniciou
a navegacao enire os pontos indicados, isto e em uma zona
de 921 kilometros.

Hoje as cousas parecem encaminhar-se a que, vencendo
a zona encachoeirada com uma estrada ferrea que confor-
me a ultima decisao do Governo Federal ira de Cameta a
Santo Anastacio, desapparecerd o grande obstaculo que en-
contravam as duas provincias ao seii crescimento e um novo
elemento de riqueza viria opulentar o Estado do Para.

Em outras epochas abundaram as nac6es de indios
nas margens do Tocantins e Araguaya, taes como os Tim-
biras, Carajds, Gaviao, Peiquices, Chavantes, Tupiiiambiis
e Apinages, etc. Hoje o numero d'elles e muito resumido;
o sr. Ferreira Penna em sua narra»;ao de viagem apenas
encontrou alguns Anambes, pois os Tupinambds, Araanii-
jds, Apinages, nacoes muito guerreiras, acabaram ou nas
guerras com os portuguezes invasores, ou uns contra os



\



r



Cap." II— Trib.'" do Ama^onas, M. Direita 207

oulros, ou no captiveiro mascarado em catechese, como o
faziam os jesuitas.



REUNJAO DE DfVERSOS RIOS FORMANDO O CHAMADO
SEGUNDO BRAgO DO AMAZONAS

Seguindo o methodo que tenho adoptado n'este traba-
Iho, deveria agora tratar dos rios que depois do Tocaniins
se apresentam pela margem direita, mas parece-me que
tem reinado uma singular confusao no modo porque sao
considerados esies rios em relai;ao iquelle que passa em
freiite da capital do Para e em relacao ao rio Tocaniins.

Esta confusao e, quanto a mim, nascida de serem ou niio
as aguas que vem desde o Tajapurii, Aturia, e Jaburii, en-
grossadas pelas dos rios Pacaj^, Jacundd, Tocanrios Pra-
cuuba e muilos outros, partindo da iiha de Marajo a lan-
car-se na bahia do Goyabal consideradas como forinando
um bra^o do Amazonas, o qual depois ainda seria augmen-
tado com as aguas do Acard, Mujii, Capim, Guama, etc.

Nao tenho conhecimentos, nera como geographo nem
como hydrographo, que me deem a precisa authoridadc
para decidir esta questao, quando Orton e outros a isso se
nao atreveram; seja-me porem licito o apresentar a minha
opiniao e as razoes em que a baseio, embora seja ella con-
traria A do maior numero, e tambem a um certo e dcscu!-
pavel orgulho que tem os brazileiros em dizer que o seu
rio gigante conta quasi So legoas de embocadura, dando o
canal que passa junto a Macapfi como um braco, e o que
passa junto a Belem, como ficando a grande iiha de Maraj6
no centre.

Penso que o embocadura do Amazonas e a que tem a
sua parte extrema no canal entre a costa de Macapd c as
ilhas do Mututy, Maraj6, etc.

Quanto fls aguas que correm entre a face opposta da
Iiha do Marajo e as terras em que estii situada Belem e
Vigia, eu nao as considero como ura braco do Amazonas,
nao s6 pela pequena quantidade das aguas d'este que cor-



\



2o8 As Regides Ama^onicas

rem pelo Tajipurii, Aturia e Jabunl comparadvamenre a
grande massa de aguas do Amazonas, como tambem em
relacao ao grande volume das aguas fornecidas peio Ja-
cundi, Pacajd, Pracuuba, e Tocantins que com as que sao
dadas petos rios da iiha do Marajo, Guajar^,(') Mutuac^
Ptri^, Canaticu, Pracuuba, formam a quasi totalidade das
aguas que vem lancar-se na bahia de Goyabal, seguindo
para o mar depois de engrossadas ainda pelos abundanies
tributos de Muju, Acard e Gapim.

E nao se pense que ^ somente a rela<;ao dos volumes
e aguas do Amazonas que correm 'por um e outro lado da
ilha de Marajo o que me induz a cr€r no que acabei de ex-
por; o aspecto do terreno e da Flora nas duas boccas con-
firma o meu pensar.

Para o lado 50. da ilha de Mara)6 abundam as mat-
tas, e para o de NE. abundam os campos; na primeira as
terras sao ferteis, no segundo o sao muito menos. No pri.
primeiro abundam as madeiras de construccio, que faltam
no segundo. Na costa da ilha banhada pelo Amazonas, os
terrenos sao balxos, argilosos, lamacentos e pelo lado do
Tocantins abundam as praias de arela.

Mas alem d'estas razoes tenho ainda em favor da mi-
nha opiniao que o estudo da forma que tern o cspaco oc-
cupado pelas aguas, desde a bahia do Goyabal em frente A
foz do Tocantins, ate Melgaco a confirma, pois, em vez de
ser um rio regular em sua forma, apresenta a de uma se-
rie de bahias ligadas umas ds outras, e que nao mostram
sua grandeza em consequencia das muitas ilhas que appa-
recem em meio d'ellas.

O mesmo estudo do movimento das aguas n'este es-
paco mostra que nao e elle um bra^o do Amazonas, Dc
facto em quanto no ramo que banha a costa occidental da
ilha de Joannes e as terras de Macap^ existe sempre uma



(') Nao se conflinda este rio da Ilha de Marajri com o de cfiii.il
nome que passa em frente a ctdade de Belem tambem clinmaJo rio
do Pari.



s



1



4



1



I



1



I-



Cap.° II — TViS." do Ama\Qnas, M. Direita 209

forte corrente para o mar, no ramo de que me occupo e
que querem considerar como segundo bra^o do Amazonas,
o phenomeno opposto e observado; a corrente varia com
as mares, e e tSo violento o poder da enchente no Tagi-
puni e tao forte contra a corrente das aguas que querem
attribuir ao Amazonas, que por vezes me aconteceu depois
de trabalhar seis boras d espia contra a enchente ter an-
dado tao pequeno espa^o que ainda avistava o logar de
onde pardra no comeco da mare.

Por outro lado, lan^ando os olhos para o mappa d'esta
parte da provincia do Pard, e notando-a direc^ao media do
rio que querem considerar como bra^o amazonico, e a di-
rec^ao do Tocantins em relatjao ao rio que passa em frente
a Belem, salta aos olhos que este parece ser a continua^ao
do Tocantins, e o supposto bra^o um affluente do To-
cantins.

Por esta razao i que, rigorosamente fallando, tendo eu
n'este meu trabalho tratado dos ribs affiuentes do Ama\o-
7ia& por uma e outra de suas margens, nao devia ter in-
duido n'esta rubrica o Pacajd, Jamundd, Pracuuba e o
Tocantins, mas se o fiz foi pela inten^ao que tinha de fal-
lar d'este assumpto detalhadamente e entao dar a minha
justifica^ao.

Dada ella, continuarei com a descrip^ao dos rios que sc
apresentam augmentando o volume de aguas que banham
por este iado a iiha de Maraj6 ate alcan^arem o oceano.

N'este espa^o coberto por agua que jd nao e somente
a do Tocantins, nao sendo tambem um braco do Amazo-
nas, lan^am varios rios, que em seguida enumero, suas
aguas.



E este um dos bellos rios da provincia do Pard com um
bello curso muito extenso que se suppoe de mais de 600
kilometres com uma largura em grande parte do seu curso
superior a 2 Itilometros. Empreguei a palavra suppoe e com
vergonha o digo, pois que com sua embocadura a uma bora



L



As Regioes Ama\otikas

capital, vendo que pelo canal de Igarape-Mirim se acham
J aguas ligadas is do Tocantins, recebendo a 3o kilome-
tros de bocca o Acard pela sua margem direita, e a grande
distancia da foz pela margem esquerda, o extenso rio Caira-
ry, do qual por urn affluente se passa ao Tocantins abaixo
dc Mocajuba, em frente A ilha do Tamandud, habitado em
uma extensao de mais de 400 kilometros — e commdo muito
pouco conhecido na ultima parte do seu curso, assim coma
no dos seus afBuentes. O Cairary, seu affluente de muita
exti:nsao, e tambem muito pouco explorado.

O volume de aguas do Mojii enriquecido pelas do im-
portante rio Acard, e reunido ^s do Guamd (impropria-
mcnte chamado assim), e que formara o rio Guajara ou
rio do Pari.

GUAMA

E assim chamado o rio que unido ao Capim se lan^a
no Guajard ou rio Pard, a uma milha de distancia da ca-
pital. E mal cabida a denominacao de Guamd, pois que o
rio principal e o Gapira que tem um curso de (.po kilome-
tros, em quanto que o Guamd apenas tem 3oo, accrescendo
que a direccao do Guama e inteiramente divergente da que
tem o rio ate A sua foz.

No proprio ponto de confluencia de um com o outro,
tem o Gapim uma milha de largura, em quanto o Guamd
apenas tem 200 metros, tomando o rio, que digo dever cha-
mar-se Capim, uma e meia milha de largura ate alcan^ar
u rio Pard.

Alguns tem augmentado a confusao da nomenclatura
d'esta ultima parte do rio, dando-lhe tambem o nome de
Giiajard, quando elle for^osamente se ha de chamar ou Ca-
pim ou Guamd, que, unidos desde S. Domingos, vem ate
Belem onde entao encontra o Guajara ou rio do Pari.

Gl'AJARA

Acabo de dizer que alguns tem chamado Guajara & ul-
tima parte do rio Capim ja unido ao Guam-l, mas que nada




Kb-jji'



i



Cap.° 11— Trib.*" do Ama:(onas, M. Direita 2 1 1

justifica esta denominacao. Seguindo as denominates, que
durante toda a minha vida tenho ouvido, eu darei o norae
de Guajard, apenas A parte que vem desde a confluencia
do Mojii e do Capim (ma! denominado Guam;!) banhando
a cidade e o grande grupo de ilhas em freme a esta parte
da costa, e n'este meu modo de ver, sigo a opiniao do crea-
dor da topographia amazonense, Baena, o tqua! diz em seu
ensaio corographico: A tcoadunacao dos rios Guamd e
Acard, o primeiro jil adunado ao Capim desde a freguezia
de S. Domingos, e o segundo ]A unido ao Moju, desde a
distancia de seis legoas da mesma cidade, deram os natu-
raes e indigenas o nome de Guajard.»

A este rio Guajard que, unido ds aguas do Tocantins,
forma o immenso caudal que se lan^a no Oceano banhando
a costa oriental da iiha grande de Jannes ou Mara(6, tem
muitos geographos e escriptores dado o nome de rio do
Pari, e vai este fazendo esquecer o nome primitivo, que se
encontra nas cartas e mappas antigos, de Guajard.

Tambem se quiz confundir este rio com o rio chamado
per portuguezes e hespanhoes de Vicente Pinson; e ainda
mais, para isso o consideraram como a verdadeira bocca
ou foz do Amazonas. Estas hypotheses tem side successi-
vamente apresentadas por Buache, d'Avezac, e Le Ser-
rec. D primeiro sustenta que o Oyapoc descoberto por
Pinson, nao e o Oyapoc do Cabo do Norte, mas sim um
outro rio existente na costa septentrional de Mara)6; diz
elle que nem outro podia ser senao este ao Sul do equa-
d6r, porque e verosjmil que este rio seja um dos descober-
tos per Pinson yisto que esti demonstrado que este nave-
gador nao tomou terra em logar algum ao N. do equador
ate i sua chegada & foz do Orenoco.

As narracoes de viagem de Pinson por Grynea, Go-
mara e Herrera demonstram que o seu ultimo ancoradouro
antes do Orenoco foi a embocadura do Amazonas, nao no
ramo occidental, no goyanez, mas evidentemente no ramo
oriental, no ramo conhecido hoje pelo nome de golpho ou
rio do Pard.



i



212 As Regioes Ama^onicoi

Uma das provas mais convincentes d'esta ultima ver-
dade, e o silencio dos historiadores de Pinson sobre o hor-
rivel phenomeno da-Pororoca particular ao rnmo Goyanez
do AmazonasC).

Accrescenta ainda Buache, o que em seguida copio e
que mostra ou md fe ou cegueira pela idia preconcebida:

f A parte onde abordou Pinson era conhecida no paiz
pelo Dome de Chiana- Marina- Tambala e estes nomes, qual-
quer altera^ao que se Ihes supponha, merecem lixar a nossa
attenc;ao pela analogia (!) que n'elles se nota com os no-
mes que nos offerecem as cartas modemas n'esta parte. A
palavra Chiana ndo differs muito de Joannes. , . O de Ma-
rina e analogo ao de Maraj6. . . e na nova carta hespa-
nhola da America do Sul encontra-se um rio sarjando a
parte NE. da ilha de Joannes, com o nome de Camba!!!

iE como, deixando o rio do Pari, Ptnson devia costear
a costa septentrional da ilha de Marajd, devia descobrir
n'esta costa o rio Oyapoc que as cartas hespanholas in-
dicam.

cLogo e ao Oyapoc da ilha de Maraj6 que deve perien-
cer o nome de Rio de Vicente Pinson. i

Mr. d'Avezac, aliis erudito escriptor, tambem considera
Guajard ou rio do Pari como o verdadeiro rio das Ama-
zonas, e, veja-se quanto pode o desejo de fazer triumphar
uma idea, despresando o aspecto geologico, a Flora das
duas boccas, a corrente das aguas, a estreiteza e limitacao
dos canaes que ligam o Amazonas a este rio! A Enorme
massa de aguas que se lan^am na bahia do Goyabal alheias
ao Amazonas, nao so acceita o rio do Pard como bocca ou
foz do Amazonas, mas assevera que o verdadeiro rio des
Amazonas era primitivamente o ramo oriental d'este rio;
o verdadeiro Cabo do Norte e a Ponta de Magoarj- da ilha
de Marajo, a quem ninguem conheceu nunca outro nome,
o qual antes de ficar difimtivamente pertencendo a ponta
oriental da Guyana, foi successivamente transporiado A




{') Vide L'Oyapoc de J, Caetano da Silva, g 692.



J




Cap.°II—Trib.'>'doAmanpnas, M. Direita 2i3

ponta de Macapfi, A ponta da Pedreira, i. ponta do Jupaty,
a ponta do Araguay,

E, como consequencia, avan^a que-o verdndeiro rio de
Vicente Pinsoq era primitivamente o ramo occidental do
Amazonas.

Vennos que o nome de Vicente Pinson tem side appU-
cado a quanto rio tem as duas costas amazonicas e a ilha
de Marajo, o que prova a pouca resistencia dos argumentos
de cada um d'elles, todos absoluta e completamente refii-
tados pelo sr. J. C. de Souza na sua obra monumental, O
Oyapoc, publicada em Paris, em 1861. .



1



A



C&PITULO III
OS TRIBUTARIOS DO AMAZONAS

MARGHM ESQUERDA



Sahthuod.— MoMHit.— PiaT*».— XiDBliu.— 1'icu.— Napo.'-I^ ou PunauTO. — Td-
KANTms — JikPuiu ou HMPUni.— M*iiic*puiifl.— Rio Neoko.— Rio Biiamco.— Uaup** ou
UciVAjii.— Matmi.— UiiijBiJ.— Caiam*.— CiTuiu.— Cahaiuucu — Jamuhda ou NHaHIW-

DA,— Al AHAIONAS Ott YCAKlABAt. — O MUIUKITAN OU MlUHAUTAH.— O TuUBITrAa

CUSU*. — TaPAKA. — CaTAUAIIY.— GuHUPATUBA JavaSV. — CiNlPAPO. lliUBUCUARA. —

Pabu. — VaCabapt. — ToHEnt.— Macacob — Cajoba.— SARAPli E Baquia.— Jinv.— Ca-
lABj. — Maraca'TOCu. — AneuBA-POCU.— MatjW.— MuTUACA.— Caiiapahatitda— Aba-
ouAiiT, — Anapa ou Mapa — MAuCAaii,— CAuoENt.— Cunaio. — Cauipoba.— Uaca. —
Ojapdc. Japoc ou Yapoo.



SANTHIAGO

Sobre este rio muito pouco poderei dizer, nao s6 por-
que nao i elle um rio imponante como porque e um dos
mais desconhecidos; e comtudo o primeiro tributario de al-
gum valor que recebe o Amazonas. Lan^a elle suas aguas
n'este, perto do Pongo de Mauserich, junto a Bracamoros,
e suas aguas, segundo Orton, vem de grande distancia. Wie-
ner tambem assim o affirma e suppoe virem ellas de
Cuenca no Equador; e cortado em alguns pontos por ca-
choeiras que impossibilitam a navega^ao a vap6r; Wiener
cr^ que suas origens ficam a 8o"-34' de Long. O. e 2''-53'
dc Lat. S. e a uma altura de 2:55o metres acima do mar,
segundo Orton, a 7:728 pes. Como os terrenes entre o San-
ihiago e as nascentes do Napo sao de alluviao e com grande



2 16 As Regides Amaionicas

declive em suas margens, colhe-se consideravel porcao de
ouro.

MORONA

E este um dos mais consideraveis afHuentes do Ama-
zonas alem de nossas fronteiras; a sua navegai;ao e bas-
tante extensa, pois que em vapores de 700 tonelladas tem
clla sido feita em uma extensao de 3oo milhas, chegando
ate ao ponio em que o Morona se divide em dous, o Con-
sulima e o Mangoesia, podendo ainda este ultimo ser na-
vegado per uma extensao consideravel a qual chega ate i5
milhas apenas de distancia do no Mat;as, a antiga Sevilha
de Ouro, distantc 140 milhas apenas de Quito.

Tem alguns affluentes, como sejam o Amaya, Apianga
c Chipanga.

O seu curso, que tem logar em um canal de uns 20 me-
tros, e interrompido de margem a margem por uma corre-
deira de forma^ao granitica que entretanto, pela profundi-
dade das aguas, que nunca e de menos de 4 metros che-
£rundo ate l3, nao offerece tao grande inconveniente a na-
vegacao como se devia suppor, e lanto isto e assim, que o
vapor Pasla^a de 688 tonelladas e 1 5o cavallos de forca, ser-
\ia uma linha de navega^ao de 4iokilometros de extensao.

Desce este rio dos flancos do vulcao Sangay, situado
na republica do Equador; ']i tem sido em parte estudado
por alguns exploradores, e tudo faz suppor que sera um
vaiioso auxiliar para o transporte dos minereos de que
aquellas regioes sao tao ricas.

PASTA2A

Por um dos miys notaveis viajantes que tem percorrido
estes logares, e este rio qualificado como mtraitable torrent ;
c o moderno viajante Wiener, por uma fe!iz expressao, qua-
lifica bem o aspecto geral e disposiciio d'este rio, que, cor-
rendo em terrenes baixos, de formacao alluvial, e divldin-
do-se em numerosos bra^os, conserva por toda a parte uma



i



Cap.° HI— Trih."' do Ama\ona%., M. Esquerda 2 17

grande humjdadej diz elle que, se levantassem um corte lon-
gitudinal do Talweg ao Pastaza, achar-se-hia uma serle de
lagos profundos separados uns dos outros por barreiras
de pequena espessura.

A sua corrente e fortissima e obstou ao pequeno vapor
Mairo ir alera de 17 milhas da bocca. O dr. Spruce em
ir de Tarapoto, no Huallaga, ate Banos, na parte superior
do Pastaza, empregou 100 dias de viagem.

Os seus affluentes, os mais conhecidos, sao o Huarama,
o Aevicumo, Pinches, Palora, Bombonaza. Desemboca no
Amazonas por tres boccas, das quaes a principal tern cerca
de 400 metros. Suas origens eidstem nos arredores do vul-
cao do Cotopaxi, na republica do Equador, de modo que
suas aguas, passando nos termos inferiores, arrastam com-
sigo grandes pori^oes de pedra pome que f)uctua.



Dos affluentes hespanhoes do Amazonas de que trato
aqui, e este um dos menos importantes; entretanto Wie-
ner que o explorou, percorreu-o em uma extensao de 171
lylometros, e affirma que seu curso e superior a 200,
com uma profundidade que chega a 6 metros, e com gran-
des tortuosidades.

TIGRE-YACO

Assim como o precedente, foi reconhecido por Mr. Wie-
ner que em seus escriptos Ihe di uma extensao de 83o ki-
lomctros com uma largura que varia de 10 a 3o metros e
uma profundidade de tres 3 vinte e seis metros.



Tern este no um nome historico na Amazonia: a elle
se acham tigados os dos heroes das guerras paraenses, o
de Noronha, que tanto se distinguiu A custa dos inglezes,
de Pedro Tcixeira, esse veterano do grande rio, a quem
coube a gloria de acabar com o poder dos hoUandezes, o



2i8 As RegiSes Atnaionicas

de Tavella ainda, que no Napo mostrou de quanta energia
era dotado.

No tempo de Filippe IV ainda, ate que Ln Condamine
propagou de uma maneira incontestavel o conhecimento de
que o Orenoco se communicava com o Amazonas, era
cren^a que o limite da Guyana occidental era o Perii; aquelle
monarcha, portanto, deu ordens para que o dominio portu-
guez fosse affirmado em toda a margem guyareza do Ama-
zonas ale ao Peru; esta empreza foi incumbida ao deno-
dado Pedro Teixeira, que em 46 canSas, levou comsigo i :ooo
indios e 70 portuguezes, entre os quaes estavara os brazi-
leiros Tavella e Bento Rodrigues de Oliveira.

Teixeira subiu o Amazonas ate ao Napo, e penetrando
por elle, parou a 100 legoas da embocadura; ahi deixou o
capitao Tavella com 40 portuguezes e 3oo indios, scguindo
para Quito pelo Napo acima, ate ao rio Payamino, affluently
do lado esquerdo, caminho no qual fora precedido pela sua
vanguarda commandada pelo coronel Oliveira. Depois de
se ter entendido com as authoridades de Quito, regressou
ao Napo mas nao pelo Payamino por onde subira, e sim
pelo Archidona onde embarcou a 16 de Fevereiro de h33q,
vindo reunir-se a Tavella, que luctando dia a dia com as
difficuldades da situa^ao, e com as hordas de selvagcns que
o accomettiam, esperou firme em seu posto durante 1 1 me-
zes, ate que reunidos a mais de 20" de Long, do Oyapoc,
no dia 16 de Agosto de 1839, por ordem do governo do
Estado de Maranhao, e segundo as instrucijoes do dito go-
verno, recebidas de S. Magestade, Pedro Teixeira tomou
solemnemente conta do territorrio por parte d'El-Rei Fi-
lippe IV.

O Napo e com o seu extenso curso de mais de 800 mi-
Ihas, decerto o rio mais extenso da republica peruana, e as
suas origens perdem-se nos desfilladeiros orieniaes dos ele-
vadissimos serros do Cotopaxi e Sincholagua, Divide-se
elle em dous rios principaes, um que toma o norae de Cura-
ray, e o outro que conserva o de Napo.

Hoje, depois das viagens de exploracao feitas, collo-



1



Cap." Ill— Trib.o' do Ama\onas^ M. Esquerda 2 19

cam-se as origens do Napo no Rio-del-Valle, que corre ao
Norte do Valle-Vicioso. A corrente d'este rio, nao obstante
ter die uma largura que varia entre 100 e 5oo metres, e
em extreme violenta; assim junto d povoa^ao de Napo tern
etlc uma velecidade de 6 milhas. D'este mesmo ponio ate
A bocca do rio, accusa barometro uma differen^a de 1:000
pes acima do nivel inferior.

D'este immense curse, 6eo kilometres sae explorados
por vaperes que chegam ae porto del Nape; as candas pe-
rem vao muite mais longe. O ponte extremo da navegacao
a vaper fica a pouco mais de 2oe kilometres de Quito; es-
las regioes se a industria melhorar es meips de communica-
cao, tao ricas come sao em productos diversos e especial-
mcnte metalliferos, darao no future um importante conrin-
gente d navegacao amazonica cuje impede serd o Pari.

A historia d'este livro alnda e illustrada pela viagem de
La Cendamine, e de Humboldt que levantou o mappa de
Marufion ate ao Napo. Depois d'estes illustres exploradores,
em tempos mais modemos, poderei citar J. Orton que na-
vegou e Napo tende vindo de Baeza e Archidona, mas
tendo comecado sua viagem de Quito.

A posse d'estes territorios, hoje em poder do Peni, tem
side disputada, por vezes por outras republicas, como se-
ria a do Equador, baseando-se no tratade de 1828; mas
destte i852 Peni tomando-o, firmando-se no uti posside-
tis^ tiae reconheceu e direito de Equador a nenhuma das
duas margens do Amazonas, e tomou conia do territorio
que fica ate 2" acima do Nape.

Os indios d'eslas regioes chamados por J. Orton Na-
pos, nao sao selvagens, mas diz elle que a sua bendade '
consiste mais na ausencia de mds qualidades do que na
existencia de boas; tao apathices sao que nada excita sua
admiracae.

Na parte inferior do rio, Orton falla na existencia de
indios que elle consigna como fazende parte de uma das
tribus mais numerosas, mas tambem das mais despresiveis,
a do Zaparos, de um caracter e intelligencia ababio da me-







220 As Regides Ama^onicas

diocre. Successivamenie se encontram descendo o rio, In-
dies das tribus Muranes, Iquitos, na margem direita, e
na esquerda Anguteros, Oritos, Orcjones ou Oregones
com as orelhas pendentes e perfuradas por discos de ma-
deira.



igA OU PUTOMAYO

E este o primeiro grande affluente brazileiro do Ama-
zonas pela margem esquerda, e e elle importante pela ex-
tensao de seu curse que se estende desde as proximi-
dades da cidade de S. Joao do Pasto, nas vertenies orien-
taes dos Andes, ati i sua foz no Amazonas, que scgundo o
mappa dos demarcadores portuguezes se acha na Lat.
3o9*'-42' sendo o seu percurso objecto de duvida, pois, se-
gundo uns, alcanna 1:400 kilometros, rendo sido 1:200 des-
tes percorridos em barcos a vapor; segundo outros, tem elle
1:290 milhas portuguezas de 60 o grdo o que corresponde-
ria a cerca de 2:400 kilometros. Nao e navegavel durante
as primeiras 90 milhas; d'ahi em diante e de facil navega-
^ao, devendo porem fazer atten^ao os navegadores com a
differen^a de profundidade que elle apresenta na vasante
ou na enchente; na primeira d'estas epochas e nas primei-
ras milhas navegaveis a vapores de medio tamanho, a pro-
fundidade e de I metro e 5o, seguindo d'ahi ate 10 metros;
na epocha de enchente esta profundidade torna-se dupla.
A sua largura e muito variavel, pois no minimo e de 100 a
200 metros e no maxirao de 700 a 800.

O seu leito que ate Bella-Eiisa e de pedra torna-se
em areia d'este ponto para baixo; seu clima e agradavel
pois que na parte superior offerece a media de 18" a ■20"
cendgrados e junto A foz de 20" a 22°.

A importancia que assignalo a este rio, decorre ainda
do grande numero de sens affluentes que o poem em com-
munica^ao com pontos muito variados e distantes. Sao seus
affluentes Hicurapi, Puruitd, Irue ou Utui, Ached, Itid,



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None do ValllvLo T° "° "'""-^l-VaU,

en. extreme vio ™ . ''"'. "">' 'mre ,^1°' """''""'■'"=

I i bocc, do no, acu,,l '"'■ '"'"'e mesm P" '™
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l&purada, por ^,,1°"°^ '"'"^ ™ Poder do Pe„ ,

^ge" o d,Vei,„ do E,„ad6 ?; '" '""*'-



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■J a la v-



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As RegiSes Ama\onicca



japurA ou hyaporA



n



Um consideravel affluente do Amazonas na parte a que
ainda e dado o nome de Solimoes pois que elle desemboca
no districto de Teffe, 112 legoas acima da foz do Rio-Ne-
gro. A embocadura que e considerada como a sua verda-
deira foz estd sJtuada na Lat. de 2°-3i' S. e Long, dc
Sio'-ig'

Baena que tanto invesiigou d'esta provincia, da qual o
seu ensaio corographico e ainda hoje, apezar de algumas
inexactidoes que os modernos cxploradores tcm reconhe-
cido, o mais rico manancial de dados corographicos. da a
este rio oiio boccas pelas quaes lanca suas aguas ni> gri.inde
rio com as seguintes denomina^oes: i.* a mais oriental, tcm
nome de Cudajd, ou Cudajaz; a 2.' sem nome; a 3.* Cu-
pujd; a 4.* Uanand; a 5.* inorainada; a 6.* Uaramapu; a 7.*
Manhana e a 8," Auari-Paran£t, que e a mais occidental.

Este erro em que cahiu Baena, relalivo d existencia dc
oito boccas do Japura, e absolutamente desculpavel pois
com elle erraram La Condamine, Ferdinand Denis, Alves
de Casal; os mesmos geographos portuguezes crapregados
nas demarcacoes no principio do seculo, a cujos importan-
tes e quasi unicos trabalhos devemos o estudo d'esias inhos-
pitas regioes, tambem affirmarara a existencia das seis
boccas do Japurd, fixando o padrao da demarcacao na mais
occidental chamada do Auati-Parand cuja posicao, scgundo
os demarcadores portuguezes, e a que atraz indiquei.

O ouvidor Ribeiro de Sampaio em sua interessanie via-
gem feita em 1774 e 1775 negou a existencia das oito boc-
cas, pois aigumas, diz elle, sao furos que levam as aguas
do Amazonas ao Japura, o que e visivel, pois como e sa-
bido as aguas barrentas e esbranquicadas do Amazonas tern
uma c6r differente da que apresentam as aguas do Japura;
n'este caso estao as boccas Auati-Parani, Manhana, e
UaranapiJ (segundo o dr. Severiano da Fonseca Guarana-
pti), que as quatro inferiores conhecidas pelos nomes de
Hyrahyba, Cudajds, Amana ou Uanand, e uma sem nome.




Caf." IU~ Trib.°* do AmaTflnas^ M. Esquerda 223

trazem aguas dos lagos Amani e Cudajis os quaes as nao
recebem do Japurd, restando s6mente uma bocca a que
dao o nome do rio que, segundo o dito ouvidor, e a unica
que deve ser considerada como foz do Japurd.

Posteriormente o sr. capitao-tenente Araujo Amazonas
no seu Diccionario da provincia do Amazonas, e o dr. Se-
veriano da Fonseca em sua viagem em redor do Brazil,
confirmaram a assercao do ouvidor Sampaio, e modertia-
mente com o desenvolvimento da navegacao commercial,
exploracoes feitas, grande numero de vapores que tem pe-
netrado por este rio, e estes differentes canaes, ficou fora
de duvida esta assercao que reduz o numero das boccas
do rio de que trato.

Esie nome de Japurd e dado ao rio desde a foz ate ds
cachoeiras superiores, d'ahi para cima dao-lhe o nome de
Caqueta, As suas origens sao nas cordilheiras columbianas
e nasce na provincia de Moc6a em Popayan, correndo em
rumo ESE. por cerca de loo milhas, comecando o seu
curse no' territorio brazileiro no- ponto em que lanca um
braco para o Orenoco. O espaco livre de embaracos que
offerece este rio A navegacao excede mil kilometros.

Tem elle sido explorado diversas vezes sendo sens ex-
ploradores Spix e Martius como os mais notaveis at^ 1820,
mas chegaram somente ds suas cachoeiras inferiores 55o
raillias acima da foz. As exploraqoes precedentes da com-
missao demarcadora nos ultimos annos do seculo findo
chegaram ate & cachoeira Urid, sendo ate ahi levantado o
mappa. Em 1864 a 1868, o governo brazileiro fez uma ex-
ploracao bastante completa do rio ate A cachoeira Cupaty,
nao passando alem, porque ate ali tem sido considerado o
estender-se o territorio brazileiro.

Segundo J. Orton, a corrente d'este rio e de V* de milha
por hora e tem subido algumas canoas ate 5oo milhas da foz.
A largura occupada pelas chamadas boccas do Japurd oc-
cupa um espaco de 200 milhas, ou, segpndo o dr. Severiano
da Fonseca, de 600 kilometros; Spix e Martius calculam a
superficie da bacia do Japurd em 9:800 legoas quadradas.



224 -^ RegiSes Amaiont'cas

E' este rio aioda bastante notavel pelos seus afHuentes
e pelas communicacoes que eiles permittem. O sr. Seve-
riano da Fonseca enumera-os pela seguinie forma: A es-
querda, Fragua e Cahuan, degoo kilometros, que recebe
as aguas do Cahuansito, & direita, e do Apards^ Peja e Pa-
r^o, i esquerda; o Paj'ajd, Amanuparand, Uacapu-parand
Camiari ou Rio dos Enganos, assim chamado pelos pro-
positaes trope^os que D. Jose Requena Henera, coramis-
sario hespanhol, encontrou para a demarca^ao da linha li-
mitrophe que do rio Japurft devia ir ao rio Negro, e que
devia ser por aquelle. O Cumiare recebe o Messae, que e
formado pelos Cunhari, Anton, Yaisa e Rufia^ Sanhd, Ja-
cii, Jurud, Iraparana, Apaporis, o primeiro de seus afflucn-
tes abaixo das cachoeiras, formado pelo Cunanari, Ibird-
parand, Ut^a-parand, Pird e Tarahira, este de mais de 400
kilometros e que e uma das divisdes do Imperio; Marnoretd,
Puapud, Cumary, Jary e Maraha, etc.; e d direita, Picado,
Jacar4, Ipu, Xaropi, Cunacod, Mutum, que se communica
com o I^a pelo Peridd, Caninari, Arapd, Curaceo, Pu-
reiis, Yaumerim, Yanicassu, Itaud, etc.

No relatorio da commissao do Madeira, encontro rela-
tivamente 6s suas communicates o seguinte inleressante
periodo; «Do rio Negro para o Japurd ha seis communica-
coes: I .* Pelo rio Capuri, subindo sahe-se entre o. rio Tra-
rahira que se lan^a no Apaporis pouco acima de sua foz;
tern o Capuri muitas cachoeiras.

2.' Pelo rio Marie, com tres dias de viagem sahe-se em
um braco donominado Uanin pelo qual se sobe durante
dez ou doze dias, e desembarca-se na margem esquerda
do Mamorite(') pelo qual se desce ao Japurd em menos
de um dia.

3.' Pelo rio Chinari ou Teia pode-se passar para o
Puapud que desagoa no Japurd.

4.* No fim de S a 10 dias de viagem pelo Aneini acima,
desembarca-se na margem esquerda, e por um trajecio de



{') Encontro por vezes esie r;



e de Mamoreid.



J



Cap." Ill— Trib.°' do Ama^onas, M. Esquerda 225

mau caminho, que se pode veneer em dous dias, entra-se
em um igarape pelo qual se desce em duas horas ao rio'
Puii-pu;i do qual em seis horas se pode ir ao Japura.

5,' Sobe-se em 8 dias pelo rio Urubaxi, e atravessa-se
por uma estrada que leva ao rio Maraji affluente do Japurd.

6.' Pelo igarape Qui^ara entre as cachoeiras do Pird e
OS indios Manibas, sobe-se por um dia de viagem, chega-se
a um porto do qual se atravessa em dous dias para as ma-
locas dos indios Caniaris, na margem do Cananary, des-
ce-se por esie rio meio dia e sahe-se no outro ponto da
terra que se vence em um dia, encontrando-se o Pird-pa-
rana pelo qual se desce em quatro ou cinco dias ao Apa-
poris e passando-se d'este ao Muriti-parand que se lanca
no Japuri acima da cachoeira do Cupaty.

Esta communica^ao e muito mais vantajosa do que a
que se faz pelo Jucary, por evitar a cachoeira Cunanary e
a do Salto no Apaporis que fica proxima da grande ca-
choeira da Furna.

Communlca ainda o Japura com o Uaupes, subindo-se
este ate ao Purure-parana ou Jacary, e por este ate uma
estrada que da sua margem occidental leva ao Cananary
que aiBue no Apaporis.

Da foz do Uaupes ate ao Purure-parand gastam-se vinte
e oito dias e passam-se 26 cachoeiras. A passagem do Pu-
rure-parand faz-se em 3 horas e a do Cananary era 3 dias
passando nove cachoeiras.

Das antigas tribus das margens do Japurd, taes como
Pureiis, Passes, Juris, Homanas, Mapraxis, Juamis, Mira-
nhas e Coretus, poucos descendentes existem. No Japurd,
segundo o meu amigo o ex-presidente Adolfo de Barros,
apenas alguns restos dos Coretus, Hyuris ou Juris ainda
por alii vagam, e muitos poucos Caixanas dos quaes a tribu
vive nas cabeceiras do rio Moco-mirim.

Para evitar enganos, e bom consignar aqut que Baena
e Araujo Amazonas dao o norae de Cachoeira do Cupati
A I ." cachoeira do Apaporis; quando hoje este nome e dado
a primeira cachoeira do Japurd.



226 As Regioes Amaionicas

Segundo o incansavel dr. J. de S. Coutinho, no Japura
- encontra-se ouro, mas n5o se sabe em que circumstancias.
Ate certo ponio parece elle abundante, pois os indios que
desconhecem processes aperfeicoados, o trazem e apreseu-
cam em troca de ferramentas e fazendas.



MANACAPURU

Baena na men^ao que faz d'este rio, diz o seguinte: iRio
de agua preta, tern lagos piscosos, salsa-parriiha, cacao,
oleo de copahybai. Antes de chegar a este rio, jaz o sitio dos
Caldeiroes, em que ha plantacoes de cafe perlencentes ao
Estado, e logo acima do dito rio esi^ o pesqueiro das tar-
tarugas e peixe para a tropa da Bana do Rio-Negro. Tam-
bem antes de chegar a este rio actua uma correntcza cm
extremo rapida. Hoje e uma das localidades mais promet-
tedoras do Amazonas.

RIO-NEGRO

E' este um dos rios que mais percorridos tern sldo desde
1637 em que Pedro Teixeira em sua viagem a Quito Ihe
assignalou a foz, ate 1882 em que foi em parte estudado
pelo sr. Alex. Haag.

O primeiro que, segundo Baena, entrou per este rio foi
Pedro da Costa Favella acompanhado do padre mercena-
rio Fr. Theodozio com o fim de cathequizarem e aldearem
OS indios Tarumas, o que conseguiu por intermedio dos in-
dio Aruacazes, e foi esta a primeira povoacao do rio co-
nhecida com o nome de aldeia dos Taruncis {1669).

Estes factos que tiro A obra de Baena merecem coni-
pleto credito nao so porque elles concordam com as no-
ticias dadas por outros escriptores, como porque Baena
escreveu o seu trabalho em condicoes inteiramente favora-
veis ao estudo amplo e completo dos factos e das datas a
elles referentes porque o Governo da Provincia Ihe fran-
queou OS archives todos da provincia i qual ainda estava
unida a capitania do Rio-Negro, hoje estado do Amazonas



1



J



I



Cap.° III— Trib.°* do Ama:{onas, M. Esquerda 227

a qual tambem tinha seu archivo, muito importante n'esie
assumpto. Ahem d'isto Baena, homem illustrado, residindo
nj provincia, fora empregado em muitas commiss5es, e
percorrera a provincia, condiccSes que se nao reunem em
escriptores que apenas temporariamente residem nos loga-
res que descrevem,

Pedro da Costa tinha ido em i665 em uma expedi^ao
guerreira a castigar os indios rebeldes do rio Urubii, e
depois de ella lerminada, e que enirou no Rio-Negro e sc
dcraorou no Amazonas ate 1669 nas Iropas de resgates, e
por isso acceito a data dada por Baena.

A aldeia dos Tarumds foi fundada na margem septen-
trional, no centro de uma grande enseada logo acima do
logar da Barra.

Antes de 1669 ji o rio era conhecido pela noticia que
dera Favella, nao s6 de sua foz como dos indios Urand-
Cuacenas, e por uma carta do padre Antonio Vieira diri-
gida a II de Fevereiro de 1669 A rainha D. Luiza Fran-
cisca de Gusmao, pela qual se v6 que j£i em i658, fora em
missao ao Rio-Negro o padre Jesuita Francisco Goncal

A edifica^ao da fortaleza da barra do Rio-Negro, tevu
logar por estes mesmos annos, sendo seu edificador Fran
cisco de Mello Falcao, e seu primeiro commandante An-
gelico de Barros. Quando governei a provincia do Amazo
nas em 1867 ainda existiam restos da antiga fortaleza, t
confesso que nao mostravam elles ser ella de grande so
lidez.

Esta construc^ao creio que foi feita nos togares habita-
dos pelos indios Tarumds nao s6 pelo que acima fica dlto
constante de documentos sobre a primeira aldeia e ser a
tribu dos Tarumfis que dominava n'aquelles logares, como
porque o seguinte facto ainda o comprova.

Passeando eu um dia nas proximidades da fortaleza
em um logar limpo de matto e piano, em companhia do
sr. Domingos Scares Ferreira Pcnna, noiei que tendo cho-
vido havia pouco e escorridb as aguas, permaneciam um
grande numero de pequenas poi;as de agua formando li-



228 As Regides Ama:ipmcas

nhas quasi regulates e parallelas; tendo esta singularidade
Lxcitado o meu interesse, mandei excavar o logar era que
L'xisda uma d'essas pocas, e a pouca profundidade en-
Lontrei uma grande jarra de barro vermeiho de feitio iniei-
ramente semelhante ao dos nossos potes, com ccrca de i
metFO de almra e pouco menos de diametro na sua ma-
xima largura.

Estava porem o barro tao amollecido que nao era pos-
'^ivel dral-a para fora inteira. A tampa amolecendo, deixara
k.ntrar a terra no interior do vaso, que continha ossos em
Iragmentos pouco consistentes.

Mandei cavar em outro logar mas com grande cuidado:
Jcscobri uma jarra inteira. Separando-a da terra que a cer-
c Lva, deixei que o sol a endurecesse c no tim de algum
tempo transportei-a para a residencia do Presidencial.

Dentro encontrei um craneo partido no sentido longim-
Jinal, muitos fragmentos de ossos, alguns pertcncentes ao
L;raneo, mas todos tao molles que cediam desfazendo-se d
nietior pressao, um femur quasi inteiro pois Ihe faltava a
L-abeca superior e que indicava ser de um homem de ele-
vada estatura. Tendo eu deixado pouco depols o governo
da provincia, entreguei-a ao meu successor, Jacintho Pe-
I eira Rego, para a remetter para o museu do Rio de Ja-
neiro. Menciono este facto que poderd servir de indicacao
los estudiosos de assumptos anthropologicos e ethnogra-
I'liicos.

Nem sempre este rio foi conhecido com o nome que
!ioje tem; o seu primilivo nome foi o de Quiari, e ainda
nos annos de 1775 em que andou n'este rio o ouvidor Ri-
beiro de Sampaio, a parte superior do seu curso era co-
nhecido com o nome de Ueneyd. Ja n"csta epoca, da na-
c'\o Tarumd com que fora povoada a primeira aldeia do
Rio-Negro, um seculo apenas antes, nao exisiia represen-
tanie algum; entretanto ella era numerosa pois so homens
de combate apresentava 800, o que indica pelo menos um
total de 3:ooo individuos. Tao certa e a observacao feita
cm epochas passadas e confirmada com as do presente,



Cap.° III— Trib-"' do Ama^onas, M. Esquerda 239

que o indio, accostumado d livre vida das matlas, deffinha
quando e obrigado A vida civilisada com suas prisoes.

Um dos que mais trabalhou em conhecer este rio e em
cathequisar os aborigenes foi o sargento GuilhermeValente,
o qual penetrando por elle dentro ate d foz do Gaburis tra-
vou amizade com os Baburicenas, Garages e Mangos, ca-
sando afinal com a filha de um principal.

Os religiosos carmelitas em 1695 comecaram com fru-
cto a obra de civilisacao christa, sendo este um dos rios
em que, como mostram as chronicas e docutnentos, e para
mim o tesiemunho insuspeito de meu pai, que durante riove
annos acompanhou por estas regioes os demarcadores, es-
pecialmenle Jose Joaquim Victorino do Costa com qu(;m
trabalhou largo tempo, pois pertencia ao exerciio e pertcn-
cera a marinha (tenente) — mSis ella aproveitou, pois miiitas
vczes o ouvi contar que conheceu Barcellos com mais dc
2:000 habitantes.

As chamadas bandeiras de resgate que em 1725 e 1726
penetraram muito pelo rio devassando suas bifurcacoes e
seus lagos, transpondo-Ihe as cachoeiras ate Marabitancs,
se deve muito do seu reconhecimento, mas quem o per-
correu ate sua communicacao com o Orenoco pelo canal
Cassiquiari, descobrindo o braco chamado Parand, pontes
eniao desconhecidos dos hespanhoes, foi o cabo de bandeira
authorisada Francisco Xavier de Moraes que percorreu es-
tas paragens em 1743 e 1744. N'esta epocha os nossos vi-
sinhos hespanhoes ate duvidavam da communicacao do
Orenoco com o Rio-Negro, como o diz o superior das mis-
soes do Orenoco, o jesuita Gumilla(') na sua obra pelas
seguintes palavras: «Nem eu, nem missionario algum dos
que cominuamente navegam o Orenoco, o vimos sahir ou
entrar de tal rio, pois dada essa reuniio de rios, rcstava
saber qual dava de beber ao outro?»

Porem a grande e dilatada cordilheira enire oMaranoii



(I) !.■ parte, cap. i," pag. 17.



2$o As Regioes Ama^onicas

(Amazonas) e o Orenoco dispensa os rios d'esta proceden-
cia e a nos d'esta duvida.

Este grande rio chamado Negro e Guiary ou Quiari,
Gurigua-Curii, Guaranacaranas e Curand, Uneassii, c U runa
pelos Tupinambas no dizer de Christovam d'Acuna, tern
um dilatadissimo curso, e suas nascentes existem em Po-
payan nos Uanos de Avaino; nasce, segundo acreditadi
auctores, taes como Orton e outros, nas fraldas das monta-
nhas de Tunuhy, um grupo de montanhas que se acha
lado na altura de i :66o metros acima do nivel do mar, lari'
^ando-se no Amazonas a i:ooo milhas de distancla do
Oceano. Nasce no parallelo 2.° N. e conflue com o Ama-
zonas na Lat. de 3°-09' S. e Long. 16°- 53' O. do Rio de
Janeiro, e segundo os demarcadores portuguezes S^-g' de
Lat. S. e 3io°-48' de Long.

Baena dd-Ihe um curso de 223 legoas desde a serra do
Cucuhy na fronteira ate ao Amazonas; o sr. Severiano da
Fonseca attribue-lhe 3:ooo kilometros como exiensao apro-
ximada de seu curso.

Offerece elle uma grande variacao tanto em sua direc-
^ao como em sua iargura. A partir de suas nascentes,
corre em direccao E. volta ao S., corta o equador c a pou-
cas milhas, mais ao S. corre para E. com inclinai;ao para
SE. ate t sua confluencia com o Amazonas, lancando-se
n'elle por quatro barras, das quaes a mais larga orca por
quatro kilometros.

Como disse, a Iargura do rio e extremamente variavel;
assim defronte de S. Gabriel e ponto mais estreito entre
S. Miguel e Sant'Anna; no logar chamado Lageas tem uma
legoa de Iargura, e junto d Villa de Barcellos a sua Iargura
e de cerca de tres legoas, assim como era Laraa-Longa
junto ii bocca do Cababoris, e em todo o espaco que vai
do rio Jurury ao rio Marania, e assevera o sr. Araujo Ama-
zonas que a pouca distancia de sua confluencia, alarga wii.
quatro e seis legoas, nao se avistando de uma a outra mar-
gem.

Este rio tao notavel, para mais ainda o ser, ate na cor



1



Cap'" III— Trib." do Ama:{ouaSj M. Esquerda a3 1

de suas aguas offerece originalidade, pois que olhando-as
parecem negras, e tao negras que um dos bonitos especta-
culos de que gosa quem navega por estas paragens, e o
v6r na confluencia do Rio-Negro e Ajuazonas o encontro
das aguas de ambos elles nao se misturando per muitos ki-
lometres, antes correndo a par um do outro como duas lon-
gas fitas uma negra outra esbranqui<;ada. ■

Onde a agua nao e bastante profunda, ou quando a
lan^amos em um copo de vidro branco ]& a c6r nao e ne-
gra e apenas offerece uma cor ligeiramente amarellada.

E inteiramente potavel e saborosa como a do Amazo-
nas, eu d'ella usei por largo tempo scm experimentar in-
commode algum, nao obstante n'ella existirem muitas plan-
tas microscopicas; a sua inocuidade e attestada pelos natu-
ralistas exploradores que alii tem viajado.

Muitas sao as corredeiras e cachoeiras que n'este rio se
encontram, e sem entrar na descripcao de cada uma, nao
posso deixar de pelo menos as enumerar e designar suas
posicoes, e para isto irei copiar o que a tal respeito diz
a commissao do Madeira. Eis como ella se exprime:

"Entre as correntezas e quedas de agua que no Rio-Ne-
gro tomam o nome de cachoeiras, s6mente merecem esta
denominaijao as de Tarumis, Camandos, das Furnas,
abaixo de S. Gabriel, e as do Curuby e S. Gabriel na po-
voa^ao d'este nome.

A maior parte das cachoeiras e correntezas ficam en-
tre S. Gabriel e a cidade de Manios. Acima d'aquella po-
voacao s6mente existem as seguintes: Parand-Pecuna, Pi-
quiara-Pecuna, Matapy, Amary, Ponta do Rerao, Caldei-
rao de S. Miguel, do Carangueijo, Tamandui-Bandeira;
mesmo esta ultima fica no Uaupes ou Aupes, junto A sua
foz.

De todas estas as maioressaoa do Caldeirao de S.Mi-
guel e a do Carangueijo; a primeira e perigosa para as
montarias e igarites por causa dos redemoinhos que n'ella
existem e de dous em dous rainutos se formam.

Fica pouco aciraa de S. Gabriel, na mesma margem



332 As Regides Ama-{onicas

em que se acha situada esta povoacao, e no logar cm que
exisdu a de S. Miguel de Ipirama.

A outra, a do Carangueijo, tambera causa medo ds mon-
tarias por ser muito tortuosa e de grande largura. Estd col-
locada na margem direita.

Abaixo da povoacao de S. Gabriel ficam as seguinies
cachoeiras a contar de Mandos: Tarumds, Macaraby, Joa-
naby, Joanaby 2.', Maribidd, outra sem nome, Guaribas,
Camandos, mais tres sem nome, Marixiqui, Mabe, Perra
do Veado, Pederneira, Santarem, Tapajds, Cujubim, Ki-
kirui, Inambil, Furnas, Mao e Arapassii. Total 3 1 . Segundo
Baena, a regiao occupada pelas cachoeiras, abrange uma
extensao de 76 legoas. Para alguma d'estas cachoeiras se-
rem transpostas e preciso serem as embarcacoes descarre-
gadas em um ponto e transporiadas por terra a um outro
ponto acima da cachoeira.

A mais conhecida e de certo a mais bella de todas es-
tas cachoeiras e a do Taruman a cerca de 4 legoas de dis-
tancia de Mandos^ quando a visitei fiquei estatico. Pica ella
sobranceira a uma ribanceira de pedras attingindo a sua
queda de 8 a 9 bracas com uma corrente superior a 4 mi-
Ihas; para mais embellezar este quadro imponenie de um
rio precipitar-se por tal forma, a mais luxuriante bordadura
e magesioso arvoredo rodeiam o quadro cercado de uma
athmosphera irisada, produzida pela refraccao dos raios de
um sol brilhante, no nevoeiro que a queda da agua levanta,
fazendo-se ouvir o estrondo da queda collossal a uma dis-
tancia de duas legoas.

Os afluentes do Rio-Negro, quer acima quer abaixo das
cachoeiras, sao numerosos; entre todos porem avultam os
rios Branco, e Uaupes ou Guaupes, de que traiarei em es-
pecial.

Segundo Baena, os afHuentes da margem direita ou me-
ridional sao:

Uariaii — Furo ou canal que di transiio para o Soliraoes.

Xiborena — Riacho.

Jau — Rio abundante em breu, madeiras finissimas e



J



Cap. IJI—Trib."' do Ama^onaSf M. Esquerda 233

mormenie pao roxo, tem suas vertentes proxlmas ao Lago
Cudajd.

Unini — Rio farto de tartarugas e copahyba, rcbenta
perto do mesmo lago.

Caburis — N'este no estabeleceu-se a segunda missao
que houve no Rio-Negro, a qual era de Caboricenas, silvi-
colas do mesmo rio.

Uanari, Baruri, Maruari, Maramacod, Qniimariy
Quhiiiii, Aratai e Quemeucuri — Todos riachos.

Varird — Rio que nasce proximo ao rio Japura e e com-
posto de muitos e amplos iagos. Foi antigamente habitado
pelos Manios, que d'alli se esiendiam ate i ilha do Timo-
ni. Esles silvicolas eram os mais valentes de todos os do
Rio-Negro, numerosos e distinctos pela lingoagein c costu-
mes, urn dos qua^s era a anthropophagia.

Xihari^ Matiquii e Mabd — Todos riachos.

Urubaxi — Rio do qual por um transito de quatro legoas
por terra se pode passar ao Lago Marahd que desemboca
no Rio Japuri, e habitado por indios Maues(').

Uajuand — Rio rico em suas margens de puxuri, de
casca preciosa. Esta casca e a arvore que a produz e cha-
mada hinidas pelos selvagens Bares.

Inuirixi — N'este rio esteve situada a aldeia do principal
Camandri; d'elle se mudou para o logar em que hoje ve.
mos a Villa de Barcellos. D'este no se pode ir paia terra
ao lago Canopi que descarrega no Japurd.

Xiuard — N'este rio residiu o principal Carunamd que
foi victima da ferocidade dos principaes (chefes) Debari e
Bajari da ilha de Timoni por ser adicto aos portuguezes.

Maiuuixi — N'elle moram os cabildas Mepuri e Maui.

Teyd e Maria — Rios, tem piassava, um brace oriental
chamado Uanim; AA passagem por terra para o Rio Mamo-
rit^ que tem barra na margem septentrional do Japurd.

Caruariau — Tem piassava.



(') A maior parte das najoes que existiam na epocha das liemar-
ca^oes, )i nao eiistem ou fundirara-se com a geme civilisada.



234 ^ Regides Amaionicas

Cubati, Cuniabu, Uaupis^ Mamamina.
■ If and — E habitado de muitas cabildas selvaiicas das
quaes as principaes sao a Baniba e Uerequcna, sendo esta an-
thropophaga, e semelhante aos antigos peruvianos no tnodo
de escrever e contar por cordoes e tios.

Xii — Rio que tem oito cachoeiras e e de agua preta.
Perpassada a sua primeira cachoeira, tem urti bra^o cha-
mado Tenaupori, pejo qual e por um curto transito por
terra se pode sahir no RJo Paranfi que desemboca no rio
Tomom e este, na margem direita do Rio-Negro acima do
forte de Miguel dos Castelhanos, situado na raesma mar-
gem do Rio-Negro acima do forte Santo Agostinho. Das
sobreditas cachoeiras quatro passam-se no tempo da va-
sante, descarregando as candas, e outras quatro sao pe-
quenas; em rio cheio todas ficam ancgadas e apenas uma
e visivel e tem grande queda.

Tumo — Habitado de varias cabildas silvicolas.
Ak4 — Itacapu

Affluentes da margem esquerda ou septentrional:
Ayurim — riacho; Taniman, AnavUhana, que era habi-
tadopelos Aruaquizes, antropophagos. Cameuauaii, Cureru,
Mapuiiau, riacho; Ucuriuau, Jauaperi, rio derivado da cordi-
Iheira do RJo-Branco, recebe pequenos rios, e largo e de
agua branca; desemboca por duas gargantas, e farto de
angelins, cedros e cupahybeiras; pastam este rio as cabil-
das Aruaqui, Caripuna e Cericuma. (Vide nota A no fim do
volume.)

franco— De que adiante se trata,
Seriuini, Uaraiiacud, Uaracd —Kio de agua escura, e
abundoso em toda a qualidade de pei>:e, e as suas terras
ferteis para todo o genero de cultura; n'etle se despejam
peta margem oriental o no Damenasse, de agua branca.
N'este rio Uaracdrfnoravara antigamente os Caraiais, e nas
suas cabeceiras assistem os Guaribas.

Uanapixi^ riacho; Uanabi, idem; Ctiari^ idem; Uirauau;
Zamuruuacu, riacho; Biubui, idem; Parataqui, idem; Ara-
cd, idem: Barari, idem.



J



Cap." Ill—lrib.'" do Ama^onas, M. Esqiierda 235

Padauiri — Rio de agua branca de longo curso, e cau-
daloso^ n'elle desaguam os rios Marari, Ixiemirim, e Ataui
que se compoem de 17 lagos extensos, e tres pequenos;
tem piassava, cupauba e salsa.

Hiyad — Riacho, antiga moradia dos Manaos; e memo'
ravel pelo principal Ajuricaba. (Vide nota B no fim do vo-
lume). Fa^ahhoso em crimes.

Anj'urd, riacho; Taha^ idem; Aniioriy nasce perto do rio
Lataui; Daraha^ InabUf de agua branca; tem cacdo espon-
taneo, e salsa-parrilha, junto is serras.

yiirwn— Riacho de agua branca.

Marauid — Rio de agua branca; tem piassava e salsa.

Juambu — Riacho.

Abuard — Riacho de agua branca; tem cacoaes e salsa.

Sabururud, Dibd — Riachos.

Cauaburis — Rio pleno de medianas cachoeiras, e de
agua branca e abundoso em casca preciosa. For este rio
se pode ir aos rios da Caribana que resvalam a L. e N. do
forte de S. Gabriel da Cachoeira, e isio se consegue ou
cntrando pelo rio Xii, que desemboca na margem septen-
trional do Canaboris, e sahindo por terra no rio Maturacfi,
on remontando o Canaboris ate sahir no Maturac^ e subir
cste at^ A conAuencia do rio Umariuani, pelo qual subindo
scmpre indinado A margem direita se entra no rio Bariil,
e por este se chega A foz do Baximonuri, a qual demora na
margem oriental do Caniquiari, que communica, o Orenoco
com o Rio-Negro acima do Forte de Santo Agostinho> e
qje se engrossa com as aguas dos rios Ubatibd e Xiabd,
debru^ados das serranias do Manduacd. Este rio Gababo-
ris foi reconhecido em 1785 pelo Coronel Manoel da Gama
Lobo e Almada, ate aos rios da Caribana hespanhola.

Uacabiiru, Muruueni,, Unibara e Cw^aia— Riachos.

Miud — Rio abundante em pedras de.amollar.

Caiari^ Caui\ Jmuiahy, Mahuabi e Baterii — Riachos.

1)wm'/i'— Riacho fronteiro il fortaleza de S . Jose de Mara-
bitanes, acima do qual dous dias de viagem, demora na mar-
gem austral forte de Santo Agostinho dos Castelhanos.




236 As RegiSes Ama'{onicas

Untidy Ineui e Boniti — Riachos.

Alem d'estes mencionados por Baena, encontro cm
tros auclores menijao dos seguintes como affluentes da mar-
gem direita, o Napiare^ o Jaripuna^ o Memaobj , Aquie e
Toino, e pela margem esquerda ainda o Coruahiti^ Tiri-
quird, S. Carlos, Daribo, Enexi, Uaniana e Makuahi.

O Rio-Negro corre por um territorio brazileiro junto As
Serras do Cucuhy, limite da nossa fronteira com Venezudla,
e cuja posiijao e na Lat. N. de i^-iS'-Si" e na Long. O. do
Rio de Janeiro aS^-Sg'-ii", havendo d'este ponto ate A sua
enrrada no Amazonas a distancia de 1:340 kilometros.

A navegacao desde a fronteira venezueilana ate S. Ga-
briel, supposto que muitos tenham dito que e fadl aos gran-
des navios em qualquer tempo, parece-me nao o set, pois
que mesmo at6 S. Gabriel eu a fiz em tempo de vasante,
e era bastante difficil para um pequeno vapdr talvez de So
tonelladas.

Mariius divide este no em quatro grandes bacias desde
a bocca ate i parte encachoelrada; a i.* desde Manaos
onde o rio tern cerca de meia legoa de largura ate Ayrao.
Ate este ponto o rio vai alargando a cerca de seis le-
goas de largura; e n'esta bacia que se encontra o menor
numero de ilhas, tornando-se notavel o archipelago das
Anavillanas, situado proximo ao rio Anauene, na margem
esquerda do Rio-Negro entre Canamaii e Alurim.

Acima de Ayrao, proximo a Moura, comeca a 2.* bacia;
o rio, depois de ter recebido Rio-Branco, estreita por um
certo espa^o em seguida ao qual tornam suas margens a
affaslar-se, formando uma 3/ bacia que tem cerca de seis
legoas, quasi limpas de ilhas; e n'esta parte do rio que esta
collocado Barcellos, antiga capital da entao capitania do
Rio-Negro, e que occupava o mesmo lerritorio que occupou
a provincia do Anjazonas, hoje Estado do mesmo nome,

Nao posse fallar de Barcellos sem lamentar a sua com-
pleta decadencia, poJs no tempo das demarcacfies no prin-
cipio d'este seculo, chegou Barcellos a ter cerca de 3:ooo
habitantes, e o fabrico dos pannos grossos de algodao, a



1

ou-

lar- I



Cap." Ill— TribJ" do Ama\oiias^ M. Esquerda aSy

cordoaria alli montada para amarras de piassava, as fabri-
cas de annil, as plantacoes de cassas e algodao, as feitonas
de peixe sScco, faziam que a capitania podesse sustentar-se
como durante o governo do ainda hoje fallado Manoel da
Gama Lobo e Almada independentemente dos subsidies
do Pari. Hoje, (nSo digo bem), em 1868 quando alii fui,
nao tinha mais de 200 habitantes, e no tempo em que a po-
pulacao vai fabricar borracha nas mattas, ^cam apenas al-
gumas dezenas de moradores, e ate as oncas vem A antiga
capital como me foi narrado per varias pessoas.

Como testemunho de quanta ailencao e soUicitude me-
reciara i c6rle poitugueza esta provincia e capitania, alem
de muitos monumentos, ainda hoje poderoos ver na praia,
pois nao chegou a ser coUocado no respectivo logar, o mo-
numental padrSo que devia marcar os limites entre as co-
r6as de Hespanha e Portugal; passemos porim sem mais
nos alongarmos, a tratar do nosso assumpto.

A 4.* e ultima bacia comeca acima de Barcellos ate i
regiao das cachoeiras, offerecendo sua maxima largura pro-
ximo a Lama-Longa; ahi abundam outra vez as ilhas, umas
de optimos terrenos, outras baixas e alagadas. De Santa
Izabel comeca de novo 6 rio a estreitar.

As numerosas communicacoes d'este rio com varies ou-
tros sao dignas de aiten^ao; em uma copia antiga do mappa
original assignado por Manoel da Gama Lobo e Almada,
intitulado Mappa das communicacoes do Rio-Negro para o
Japurd, vem bem claramente nao s6 as quatro communi-
ca(;6es directas, como as que esistem tendo por interme-
diarios o Uaupes e o Apaporis.

Na copia d'este mappa que junto a este livro, encon-
tra-se uma legenda explicativa; marca ella quatro passa-
gens directas, a primeira do afHuente da margem direita
do Rio-Negro, Urubaxi abaixo de Santa- Izabel para Ma-
rag^, affluente da margem esquerda do Japurd, acima de
Maripi, povoacao situada entre os lagos Aiamd e Anamfl.
A segunda do affluente da margem direita do Rio-Negro,
Unuixi, com um igarape que desagda no Pua-Pud, afHuente



238 As Regi6es Ama{onicas

do Japurd. As duas ultimas sSo feitas pelo Rio Marie af-
fiuente do Rio-Negro e seu afHuente Uanim com o Mamo-
ritd ou Mamorit^, affluente do Japur6. Alem d'estas na co-
pia que possuo do mappa levantado pelo dr. Jose Simoes
de Carvalho por ordem do general Joao Pereira Caldas,
fazendo parte dos trabalhos da commissao de 17S0 a 178(1,
encontro marcada ainda uma qulnta communica^ao entre o
Rio-Negro e o Japuri, pelo Uaraani situado entre o Uru-
baxi e o Unuixi de que acabo de fallar, e o rio Cumapi.
No mappa de Martius apresenta elle o rio-Urubasi commu-
nicando-se com o lago e no Cumapi.

Quando me occupar do Uaupes, iratarei das communi-
cates por meio d'elle. Com o Orenoco communica-se o
Rio-Negro pelo grande canal do Cassiquiari, comecando
elle 1 5 milhas abalxo da Esmeralda, em urn ponto era que
abundam as cachoeiras e corredeiras, mas pouco importan-
tes. D'este canal diz-se que quern d'elle deu noticia foi um
deserter, Aleixo Antonio, em 1781, segundo Baena, que, se-
nhor dos ricos archivos do Pari e Amazonas, podia bem
estudar este ponto; }i em 1744, Francisco Xavier de Mo-
raes, cabo authorisado de uma bandeira de resgate, encon-
trou junto ao Orenoco em navegaijao fortuita o padre Ma-
noel Romao, religioso de Santo Ignacio.

Este canal Cassiquiari que liga dous dos mais opulen-
tos rios da America, nao ofFerece originalidade alguma, e
sua largura e de 80 a 200 metres, supposto que em al-
guns pontos chega a i kilometro, e sua profundidade chega
por vezes a 3o pes, Segundo a explora^ao oERcia! de Mi-
chelena e Rbjas de i855 a iSSg, tern este canal, que elle
percorrfiu, uma extensao de 3oo milhas, segundo outros i5o
apenas. Tem o seu comeco a 16 milhas abaixo do Esme-
ralda, e termina proximamente acima da povoacao vene-
zuellana S- Carlos a 2''-26'-5o" O- do Rio de Janeiro.

Nao e porem esta a unica communicacao que tem o
Orenoco com o Rio-Negro, outras duas existem, uma acima
e outra abaixo do Cassiquiari; a primeira pelo canal Co-
norochito, que sah6 perto da nova povoa^So chamada Gus-



i



r



Cap.° III — Trib.'" do Amtr^onas, M. Esquerda aSg

man-Bianco, e a outra que no mappa da capitania do Rio-
Negro de Simoes de Carvalho se encontra perfeitamente
desenhada, sendo para quern vai do Rio-Negro, feita pelo
rio Canaboris e seu affluente o Muturac^, conununicandose
esle com o Band e Pariamoni. Esta ultima communica^ao
ofFerece passagem em todo o tempo; durante s6 a cheia a ca-
noas grandes. O Cauaboris vem sahir quasi em frente i.
povoa^ao de Santo Antonio do Castanheiro.

Na carta do Grain«Par4 e Rio-Negro mandada levantar
em 1778 e da qual possuo uma copia, esta communicacao
vem hem claramente assignalada, mas em vez de Ihe cha-
mar Pariamoni chama-Ihe Baxiamoni, e faz commumcar o
rio Maturacd com o rio Umaranavi, affluente do Baxiamo-
nuri, e n'isto concorda com a carta dc SimSes de Carva-
lho. Esta disposicSo de rios communicando-se, isola uma
grande por^ao de terrenes formando uma grande ilha, i
qual a ultima commissao demarcaddra de limites entre
Brazil e Venezuella deu o nome de Ilha de D. Pedro II.

Acima de Barcellos, e tendo passado as povoa^oes de
Castanheiro, S. Jose e S. Gabriel, apresentam-se as ca-
choeiras; )A antes de chegar a esta ultima povoacSo, algu-
mas corredeiras e cachoeiras menos importantes difficul-
tam a navega^ao, mas as pnncipaes sao na proximidade
d'ella. Wallace, na sua narracao de viagem pelo Rio-Negro,
extasia-se na variedade de espectos que offerece o rio es-
treitado e dividido por enormes penhascos.

Acima de S. Gabriel encontra-se o grande rio Uaupes
que tern duas sahidas ou bocca^ para o Rio-Negro, e d'elle
depois me occuparei.

As pequenas povoa^oes de Sant'Anna, S- Fellipe, Se-
nhora da Guia e a de Marabitanes, sao as ultimas do ter-
ritorio brazileiro ao qual e raarcado como limite a Serra do
Cucuhy ou Gucuy.

RIO-BRANCO

Supposto que este rio nao seja um affluente do Ama-
zonas, na rigorosa expressao, podemos dizer que e d'elle



340 As Re'gides Anuvfomcas

um tributario, e quando isto nao baste para justilicar este
capkulo, elle provara sua coltoca^o lembrando-nos que
era dever meu o colUccionar todas as no<;5es corographicas
que podesse obter, e indescuipavel seria callur o que e
conhecido do Rio-Branco e do Uaupes.

O Rio-Branco entra pela margem esquerda no Rio-Ne-
gro, do qual e o maior tributario, a cerca de 5u legoas de
sua foz, e torna-se notavel pelo seu aspecto, que e um
pouco differente d'aquelle que geralmenle apresentam os
outros rios da Amazonia.

Ha mais de um seculo que foi elle explorado t: no que
sobre elle vou dizer seguirei o que diz Baena qui; colheu
suas noticias de fontes puras e abundantes. Diz die que em
1723, OS missionarios carmelitas come^aram a cathequcsc
dos indios d'este rio, que comecou a ser navegado succes-
sivamente par diversas bandeiras de resgate, apparecendo
']A €m 1736 no Pari, productos do Rio-Branco. Em 1740,
Francisco Xavier de Andrade por ordem do capitaa gene-
ral do Pari, Joao de Abreu Castello Branco, cntrou por
este rio com o fim de prescrutar rio Uraricucra que por
muitos era considerado sua continua^ao.

Em 1741 Nicolau HoitHnan desce Rio-Branco ate ao
Rio-Negro, e d'aqui ati ao Pari; sahira de sua patria para
America para v6r o Logo dourado ou Parimt? que as nar-
ra?6es phantasticas ou pelo raenos phantasisias de Mr.
Brion, d'Anville, padre Gumilla, e outros escriptores que
trataram da America Meridional, dnham coUocado na cor-
dilhetra do Rio-Branco que dlzlam nascido n^sse tago.

N. Hortsman passara do Essequibo ao Rio-Branco pelo
Rio Repunumne que na bella copia que possuo do mappa
dos demarcadores levantado em 1787 por M. da Gama
Lobo e Almada para reconhecimento d'esle rio e seus
aftluenies, e no mappa de Jose Sim5es de Carvalho, e dc-
signado com o nome de Repunuri. Esta viagem e os cscla-
recimentos dados por Hortsman, e o esbo?o que delle tra-
9ara, serviram ao grande navegador La Condamine, para
tracar e marcar a bacia do Rio-Branco.



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Cap.^ Ill-— Trtb.^ do Amaionas^ Af. Esquerda 241

Estes estudos porem apezar dos trabalhos de d'Anville
em 1748, de Bellin e Hartsinck em 1770 e os de Olme-
dilla em 1775 ainda deixavam muito a desejar, e como bem
diz o sr. Jose Gualdino em seu escripto, Olmedilla attri-
buiu ao Repunuwine (Repunuri dos portuguezes) e por con-
seguinte ao Essequibo, o systema do lago Amacii, erro este
que foi acceite por Bonne em 1780, Buaache em 1797, Pierre
Lapie em 1812, Brue em 181 5, ate Humboldt, justificando
as pretencoes da Franca a uma enorme zona de terras
comprehendida pelo Maroni, Oceano, Amazonas, Rio Ne-
gro e Rio Branco, assumpto este magistralmente tratado
pelo sr. J. C. de Sousa na sua obra L'Oyapoc et I'Ama-
\one.

Em 1787 a exploracao de commissarios portuguezes
prescrutou o Rio-Branco e seus affluentes, chegando pelo
Uraricuera e seu affluente Uraricapard ate d serra Paca-
raimd no ponto em que, pela fralda opposta se suppoe que
chega o rio Parand-Muci, pelo Mariary tambem as proxi-
midades da mesma serra, pelo rio Surumy vencendo 16
cachoeiras, passando alem da serra Tubay ate i fralda da
serra Paraimd, pelo Mahu e seus aflBuentes ate d serra dos
Cristaes e a Pacaraimd e ate alem da serra Cairre. Pelo
rio Parard e trajecto das cabeceiras d'este ate ao lago
Amacii, e trajecto d'este ate d cabeceira do rio Turicuiii
affluente do Repunuri; rectificando o reproduzido e mos-
trando que tal lago nem liga^ao tem com este rio.

Este trabalho dos engenheiros portuguezes e um dos
mais perfeitos de tantos que elles fizeram, mas ainda as.
sim nao sao completos, pois segundo as ordens que rece-
biam deviam as suas exploracoes estender-se ate d zona
limitrophe com todas as antigas possessoes hespanholas, e
nao obstante as terem elles feito no enorme sector com-
prehendido como Jd fica descripto desde as nascentes do
Uraricapard na serra Parimd, ds do Macuto, Mahii, Xu-
rumi e lago Amacii, deixaram de explorar o territorio que
fica entre as nascentes do Orenoco e a serra Parimd pelo
lado de Venezuella, e pelo lado brazileiro entre o espa9o
3i



i



242 As Regioes Ama\onicas

que vai das cabeceiras do Macajahi e Caraterimani, tribu-
taries do Rio Braiico e as do rb Paduvary, Domeniuy, Ma-
rary, e as serras que precedem a do Parimd,

Esta regiao que e a do desconhecido, do ignoto, apenas
foi devassada rapidamente em iSSy por Roberto Schaxn-
buogle; n'ella assim como na das cabeceiras do Tacutu
foram collocar o Eldorado — a terra das maravilhas.

Na tradiccao hespanhola e collocado cerca do rio Pa-
rimd; em alguns mappas Parimd e um grande lago em
cujas margens existe ou existia a cidade Manoa del Do-
rado^ cidade edificada pelos peruanos fugidos d crueldade
dos hespanhoes. Muitos escriptores hespanhoes fallam
d'esta cidade, onde todos os moveis e utensilios sao de
ouro^ tao vulgar e alii este metal. Pisarro^ Orsua, Orellana^
Quesada, Barne, Walter Raleigh, todos correram atraz
d'esta illusao perdendo por ella as fortunas e ds vezes as
vidas. No atlas pertencente d geographia de Francois, na
carta da America Meridional tracada por Brion, encontra-se
o phantastico lago, e de Gumilla egualmente.

O Rio-Branco lan^a-se no Rio-Negro por tres boccas;
a I-*, a mais oriental estd na Lat. S. de 1^-28' e na Long.
3 1 5^-40' segundo os exploradores portuguezes de 1787; esta
primeira bocca dista da segunda dous tercos de legoa, e da
terceira tres legoas. A bocca a que deram o nome de Ana-
jahu, que e a mais occidental, offerece uma disposi^ao sin-
gular, pois que as aguas que por elle sahem formam um
bra^o de rio que corre por muito tempo parallelo ao ramo
principal, communicando depois com elle, mas continuando
ainda para cima ate se communicar com o rio Seriuiny, de
modo que as aguas que sahem por esta bocca no Rio-Ne-
gro pertencem tanto ao Rio-Branco como ao Seriuiny.

A direcgao do seu curso varia entre N. e S. e NE. e
SO., e o seu curso, depois das exploracoes feitas pela com-
missao brazileira encarregada das demarcacoes de limites,
e as exploracoes do engenheiro Haag, e calculado em 660
kilometros contados da bocca ate d confluencia com o Ta-
cutu e Uraricuera, na qual foi construido pelos portugue-



^'



CapP III— Trib/^* do Amaionas^ M. Esquerda 243

zes o forte de S. Joaquim do Rio-Branco; d'estes dous rios,
cuja confluencia segundo b mappa de Simoes de Carvalho,
e coUocada d Lat. 3®-i', e na Long, de 317** da ilha do
Ferro, o segundo e que parece ser 6 principal e portanto
.continuacao do Rio-Branco.

Este rio Uraricuera nao estd completamente explorado
na parte do seu curso para o S. depois da confluencia com
o Uraricapard ate ds nascentes; conserva o nome de Ura-
ricuera ate d embocadura do Aurys, e d'ahi em diante dao-
Ihe o nome de Paraime ou Paruime; a sua direccao geral
e de E. a O., tendo por affluentes da margem esquerda rios
cujas nascentes sao proximas da serra Pacaraimd, o Auara,
o Parime, o Cauiand, o Idume, o Uararicapard; pela mar-
gem direita temos alguns importantes como o Combii, o
Alcamea, ou Acamea, o Paruaind.

Em varias cartas encontram-se rios indicados por outros
nomes, mas e tal a confusao, jd na nomenclatura, jd em suas
posicoes, que nao podem merecer fe taes indicacoes, quando
bem sabemos nos os amazonenses e paraenses quao pouco
conhecidas sao estas vastas solidoes. «No rio Auard ha uma
cachoeira, a Amahud, de i5 metros de altura. O rio, depois
de tres saltos, precipita-se inteiro e a prumo por uma pas.
sagem apertada, entre altos penedos, com furia e fragor
indescriptiveis, sobre uma grande esplanada que parece o
pedestal de um monumento cyclopeo, por onde as aguas
se dividem ainda espumosas, e correndo em meandros ca-
prichosos por entre as pedras negras cobertas de algas es-
verdeadas. .. Abaixo o rio espraia-se tranquillo e sereno
como que repousando dos exforcos titanicos que acaba de
fazer» (*).

Tanto o rid Uraricuera como o Maiary, o Idumi, e
Uararicapard sao cortados por cachoeiras, offerecendo sua
largura alternativas; assim a poucos kilometros da confluen-
cia do Mararicapard, tem elle uma largura de perto de 35o



(') Extrahido do relatorio do major Castro Sequeira, membro da
commissao de limites entre o Brazil e Venezuella.



~1

ima apenas



244 ^s RegiSes Amci^oiiicas

metros, emquanlo que da ponle oricnta! para cima
tern 1 5o, e junio d cachoeira Urumamy, acima da barra do
Uararlcapara passa comprimido cntre penedias por espa^o
de 20 metros, alargando em seguida.

As cachoeiras sao numerosas, e tamo, que so no es-
paco que vai entre os dous extremos oriental e occidental
da ilha do Mafacd, que fica a 14 kiiometros da conliuencia
do Uararicapar^, contam-se 24 cachoeiras.

O outro grande rio Tacutii tem suas nascentes junto
das do Arand que e um dos afflucntes da parte inferior do
Rio-Branco; em grande parte do seu curso corre quasi de
de S. ao N. mudando depois esta direccao pela de NE.
para SO. Pela margem esquerda recebe differentes igara-
pes como o Mapadd, Irue, Miaumbu, Tua, etc. e pela mar-
gem direita, os rios Surumii, Mahu, Sarauru e o igarape
Manacarapti.

Este rio Mahtl e bastante importante c parece ser o
ramo principal do Tacutii; nao esta ainda cxplorado ate ds
cachoeiras e tem tambem o nome de Ineu, E obstruido por
cachoeiras em uma extensao de cerca de 60 kiiometros; a
principal d'etlas e chamada Carond. O seu affluente Su-
ruini, um dos mais importantes, recebe a seu turno o Co-
tinga que nasce na serra Roruimd que e o ponto mais se-
ptentrional do Estado. A sua maxima largura e de 400 me-
tres, navegavel na enchente dos rios por lanchas a vapfir
que podem alcancar o lago Amacii, de onde nasce o Pira-
rari que desagda no Mahu.

O nome indigena do Rio-Eranco era Qiieceuenc^ e os
scus principaes afRuentes sao pela margem direita o Cana-
me, Mucajahy, Caratimany, Seruini, Imarauinl, Jarani, Ge-
rime, e pela esquerda, Anaui, Agua-Boa, .Majuary ou Ma-
cuary, Curicii, e a sua largura varia de 700 a 4:000 metros.

As suas aguas peJos seus affluentes provem das fraldas
mcridionaes das montanhas que formam a exircmidade occi-
dental da cordilheira que, segundo Baena, extcnde-se a 4°
N. entre as Long, de 314" e 3ilS". Diz ellc que esta cordi-
lheira se compoe de cmpinadas serras e monies abertos dc



Cap." Ill— Trib."' do Ama:{onaSy M. Esquerda 2^.5

fiorestas, menos uraa do lado do levante que, por despida
de arvorfido, Ihe chamaram Serra Pellada. Ha mais duas
serras corihecidas pelos seus nomes de Pacaraind, e serra
dos Crislaes que j^ tenho mencionado.

Da primeira a 4° de Lat. N. e 3i4"-3o' de Long, co-
me^a a linha de demarca^ao para a serra do Cucuhy no
alto Rio-Negro, assignalada pelos geographbs portuguezes,
a segunda jis na encosta das serras da mesma cordilhdra
na face do Onente entre os rios Surumii e Tocutii; o ver-
tice d'esta serra forma uma planicie de ampla circumferen-
cia horisontal, cercada e enriquecida de bellas aiTores, onde
ha um vasto e profundo lago assaz piscoso, em torno do
qual uma tribu de indios das muitas na<;6es que por alii vi-
vem, faz suas planta0es de mandioca. Da mesma forma a
cachoeira do Rabino.

No Rio-Branco a 38o kilometres da foz come^a a re-
giao encachoeirada a qual se estende por mais de 24 k^lo-
meiros; as principaes sao, subindo o rio, as de nome S. Fi-
lippe, do Rabino, Pancada- Grande e Gachoeirinha. A da
Pancada-Grande e formada por tres quedas, a de S. Fi-
lippe tern um salto de i metro e 60 na vasante. Quasi todos
OS seus affluentes tem cachoeiras em maior ou menor nu-
mero, e de maior ou menor importancia.

Segundo o sr. Alex. Haag, este rio offerece as differen-
^as maximas entre a enchente e a vasante de 10 metros e
5o abaixo das cachoeiras c de i3 metros acima na con-
fluencia do Tacunl e Uararicuera. Estas variacoes, segundo
OS escriptos do infeliz explorador Gustavo Wallis, nao sao
tao consideraveis, pois que na parte superior ^lle s6 achou
a differenca de 7 metros e 10 junto ao forte S. Joaquim;
esta divergencia porem nao e para admirar, pois que as va-
santes e enchenles nao sao iguaes em todos os annos; As,
vezes sao espantosas. Eu recordo-me de que em 1867, pas-
sando pelas boccas do Rio-Branco, a vasante tinha sido tao
forte e posera a descobeno tao grande numero de praias
e por tal forma extensas, que grande caudal parecia com-
modestissimo rio correndo dividido por aquelles areiaes.



246 As Regides Ama^onicas

A sua maxima corrente na forca da vasante i de uma
tnitha, mas vai crescendo com as aguas e chega a Ires mi-
Ihas. A vasante comcca em Junho quando tambem des-
cem as aguas do Rio-Negro. Os repiquetes ou enchentes
parciaes com baixa immediata e pouco consideravel sao
muito frequentes.

Como creio ]i ter dito 6 urn caracter geral a quasi to-
dos OS tributarios do Amazonas o serem tortuosos; n'este
porem encontramos uma excepijao, pois offerece gran-
des tractos completamente em linha recta ^s vezes ate ao
horisonte.

Esie rio quasi que stimeme nas proximidades do fcrte
de S. Joaquim e habitado por fazendeiros e vaqueiros;
poucos se occupam de cutturas, e e para causar admira^o,
quando se vS a abundancia que ha n'este rio, de caca e dc
pesca, o nao ser elle mais povoado.

O solo, diz Wallis a quem tomo estas informa^oes,
offerece em muitos pontos terrenos que pela sua elevacao
e uberdade estao indicando quanto seriam proprios i cul-
tura especialmente na parte inferior do rio.

lUm objecto essencial e de grande importancia, tamo
para o Rio-Branco como para o Rio-Negro, e a creacao dc
gados, e e sabido de todos que n'este rio quanto mais se
entra por elle dentro tanto mais deminuem as florestas e
augmentam os campos proprios para a creacao de gado,
que poderia attingir um enorme desenvolvimento, attenta a
grande extensao de suas campinas e a corpolencia que
toma o gado n'elles creado.

cUma condi^ao climatologica offerece esia regiao que
concorre para a fazer differente do restante das regioes
amazonicas, e e o reinarem durante oito mezes do anno,
geralmente de Septembro a Abril, fortes ventos de NE. a
SO. favorecendo portanto a descida; e sao tao certos c
continues estes ventos, que as arvores dos campos todas se
inclinam para o mesmo lado com a copa para o S- Estes
ventos continuados nao s6 purificam o ar como contribucm
para a destrui^ao de bichos parasitas.



i







aPor esia mesma razao o Rio-Branco e isempto de mos-
quitos [carapand) que sao o tormento, ou como U Ihe cha-
mam bem apropriadamente a praga, de grande parte de
nossos rios, e o mesmo acontece comopiuan. Ainda a esta
mesma causa se poderd attribuir nas margens do Rio-
Branco, nao exisdrem as febres que na Amazonia reinam
em qujsi toda a parte onde ha rios.»

N'esie rio nao se encontram, como em quasi todos
aquelles de que me tenho occupado, abundancia de pro-
ductos naturaes, como gomma elastica, copahyba, cacdo,
etc., mas parece que a natureza quiz compensar esta falta
com a incrivel abundancia de peixe, ca^a, lartarugas, que
n'ellc se encontra, constituindo a colheita dos ovos d'estas
e o fabrico do oleo d'elles extrahido, um ramo de commer-
cio, ao mesmo tempo que a riqueza de suas terras e dos
portos naturaes Ihe asscguram um feliz porvir, tanto pela
creai^ao como pela agricultura.

Com estas considera^Ses que tirei de uma carta diri-
gida pelo sr. Wallis ao sr. Ferreira Penna porei termo a
esia noticia sobre o Rio-Branco, passando a tratar do
grande rio Uaupes.

UAUPfiS OU GUAUPfiS, OU UCAYARI

Atem do Rio-Branco, e este o affluente que maior quan-
tidade de aguas offerece ao Rio-Negro, calculando alguns
que elle tem mais agua do que a que tern o Rio-Negro
ao chegar is cachoeiras. A existencia de uma ilha no
ponto de sua confluencia faz com que elle lance suas aguas
por duEis boccas, das quaes a do S., segundo os demarca-
dores portuguezes, finda na Lat. de o°-4'-3o" S. e na Long.
3o9''-45'. O ponto em que elle se une ao Rio-Negro fica
uns 60 kilomeiros acima do forte S. Gabriel.

Nao e este um dos rios mais conhccidos. O seu primeiro
explorador, foi o coronel portuguez Manoel da Gama Lobo
e Almada, depois govcrnador da capitania, deixando em
ambos os logares um nome illustre e ainda hoje fallado^



248 As Regi6es Ama:(onicas

posteriormente foi percorrido pelo viajante inglez Wallace
que esteve no Brazil pm 1848 e 1849. Este e quern mais
longe subiu este rio, chegando proximo dgrande cachoeira
do Jurupary (diabo).

Baena, de conformidade com os documentos das demar-
ca^Ses, diz que acima da bocca a dlrecijao d'este rio e a
da linha equinoxial para O. ate i confluencia do rio Ti-
quie, tomando d'este ponio em dianic a direc^ao N. e de-
poi3 a occidental.

E elle em parte bastante caudaloso, nem podia deixar
de sel-o, sendo elle cortado de cachoeiras, as quaes for-
mam como que quatro grupos, sendo primeiro aquelle
que tem comedo na primeira cachoeira do rio chamado
Jauaute (onca), que fica acima do logar S. Jeronymo; i3o
milhas acima da bocca, segundo Wallace, tem esta cachoeira
dous saltos, que toma muito longo o transporte das car-
gas por terra.

Este grupo conta cerca de 20 cachoeiras conheddas pe-
los seguintes nomes:

i.* Jauarite. 11.' Arara-Mirim.

3.' Uacii. la.' Tamacuare.

3.' llacard. i3.' Paroque.

4.' Mucura. 14.* Japii.

5.' Japona. i5.' Arara.

6.* Tay-Assii. 16.' Tatii.

7.* Uomary. 17.' Amand.

8.» Macaco. 18.' Camod.

9.' in. 19.' Yauty.

lo." Bacaba. 20.* Carurii.

D'estas, as clnco ultimas Wallace as classifica de muito
trabalhosas. A largura geral do rio acima de Janaritc e de
cerca de um terco de milha, mas as tortuosidades sSo innu-
meraveis, e as curvas tao rapidas que tornam difficil a na
vegacao, os canaes formados por ilhas ou por grandes pe-
dras sao numerosos; estas condic^oes prodozem muitas ve-
zes a illusao de que as aguas parecem corner para traz.



Cap. Ill— Trib.^* do Ama^onas, M. Esquerda 249

A ultima cachoeira Caruni e temerosa pois o no pre-
cipita-se entre grandes penedias e largas lages com uma
queda de i5 ou 16 pes.

Um segundo grupo de cachpeiras se apresenta d nave-
gagao depois de 4 dias de viagem em canoa alem da ca-
choeira Carurii. Este grupo tern oito cachoeiras cujos no-
mes sao:

I.* Pirewa. 5.* Amand.

2.* Uacurud. 6.* Tapira-canga.

3.* Maniwara. 7.* Tapira-eurd.

4.* Matapi. 8.* Jacare.

A ultima e a ifiais elevada, pois o rio passa por cim&
de penedos, e pfecipita-se rugindo furioso de 20 pes de al-
tura.

Um outro grupo menor corta o rio com seis cochoeiras
nao proximas entre si, mas deixando intervallos de 2 e 3
boras de navegaqaoy mas n'estes intervallos se encontram
muitas pedras soltas, sao ellas:

I.* Taiena. 4.* Macucii.

2.* Paroque. 5/ Ananaz.

3.» Pacii. 6.» Uacii

Com intervallo de um dia encontra-se um quarto grupo
de cachoeiras denominadas:

I.* Tapioca. 4.* Uaracii-PininU

2.* Tocano. 5.* Tayassu.

3.* Tucunare..

A este grup.o se pode talvez addiccionar ainda as se-
guintes:

6.* Curuni. 8.* Uacuroud.

7.* Murucututii.

Acima seis ou sete dias de viagem d'esta cachoeira en-
contra-se a grande cachoeira Jurupary.

32



iSo As Regides Ama^onicas

N'esta enumera?ao segui o trabalho de Wallace, que diz
que entre cachoeiras e corredeiras elle transpoz umas 5o
sendo 20 d'ellas apenas corredeiras; das 3o restantes, 18
erain trabalhosas e perigosas, 12 especialmente tomavam
a passagem ^s canoas sendo preciso descarregal-es e va-
ral-as por terra, assira como a carga.

Wallace, por incidentes de viagem, nao poude fazer um
estudo rigorosamente exacto da posi^ao astronomlca e al-
tura acima do nivel do mar para os pontes mais elevados
de sua viagem, e especialmente para o ponto extreme della,
mas com o que poude alcan^ar julga haver para elle uma
differenca nunca menor de 800 pes.

Acima da grande cachoeira Jurupari, o rio probnga-se
muito, e sem obstaculos A sua navega^ao.

Nao estao determinadas com precisao as nascentes
d'este rio, s6 se sabe que ellas ficam nas fraldas das mes-
mas cerranias que as do Rio-Negro e Cumiari; na carta do
Imperio publicada pela commissao official, o Uaupes ou
Waupes e figurado com um curso que o leva &. serra Ura-
racuara. Baena noricia que na parte N. do seu curso, re-
cebe um canal que vem do rio Guabiari, das visinhangas
de Santa Fe de Bogotd, capital da Columbia, e de um dos
departamentos mais ricos em minas.

Os affluentes que Ihe avolumam as aguas s5o pela mar-
gem direita, os seguintes: Tiquie, Capuri, Hiucary ou Pu-
rure-Parani, Muzai, Hiuarituinde, Unhunham e Tenari.
Pela margem esquerda sao o Iviari, Pirichazeine, Buri-
tari, Muard.

Pelo Unhunham depois de tres dias de viagem pela sua
margem oriental passa-se para o Uassaparanfl, affluente
do Apaporis por onde se passa ao Japur^.

O Uaupes ainda em 1775 era habitado por grande nu-
mero de nacSes indias; actualmente o seu nuraero e muito
menor. As que outrora por alii vagavam eram as chama-
das Ceuand, Maue, Uanaud, Tariamd, Benari ou Bonari,
e Uaupes; hoje as que ainda abundam sSo as d'esta ultima
denomina^ao, e no dizer de Wallace tem conservado



^



i



as boas qualidades que ji outrora Ihe eram conhecidas.
Dao-se A pequena agrlcultura, constroem as suas ubds, tra-
tam htca os forastetros a quem auxiliam na passagem das
cachoeiras, vivem em casas bem construidas tendo uma
em que reside o tuchaua (o principal) na qual se fazem as
grandes reuniSes e dan^as. N'esta tribu ha como que uma
arisiocracia; as classes s5o differen^adas por um ornamenlo
que traiem pendurado ao pesco^o, consistindo em uma pe-
dra bracica cilindrica, polida, a qual no tuchaua tem quasi
um patmo de comprtmento; nos nobres ]i ella e menor, e na
burguesia muito menor. Vendem uns bancos de uma s6
peca dc madeira, otferecendo no assento em vez de uma
supcrfide plana, uma ligeiramente concava, e que otfere-
recem commodidade para quem cose; tambem vendem uns
ralos formados por pequenas pedras angulares cravadas em
pecas de madeira, e n'elles ralam a mandioca; fabncam sal
extrahindo-o de uma herva chamada cururi. Esta na^ao
^ao parece a mais apropriada para a cathequese, mas por
ora, apezar de conhecida ha mais de um seculo, nada tem
feito OS governos para aproveitar tao boas disposi0cs>

MATARI

Com este nome sao designados os dous bra^qs de um
rio que na sua foz tem uma iiha que o divide, a qual i
bastantc extensa ficando os dous canaes a uma distancia
de cinco legoas um do ouiro. Tem o Matari as suas nas-
centes nos pendores das serras guyanezas, formando an-
tes da sua entrada no Amazonas um lago, bem conhecido
dos navegantes pelo nome de Puraque-Coara, (buraco do
puraqiie) que e o nome indigena do gymnotus electricus.

A ilha que tica na bocca tem sido sede de algumas al-
deias de indies fundadas pelos missionarios mercenaries.
As nacces que habitavam aquelle no eram as dos Sapo-
pes, Aroaquis e Periqultds; hoje nem um si representante
d'ellas se encontra.



I



3^2 As Regides Ama^onkas

urmubO

O lago do Saraca, um dos maiores e mais be!los do
AmazQtias, desagoa n'este rio por seis boccas ou canacs,
dos quaes o 6.", subindo o rio, tem o nome de Arauat6; e
por este mesmo canal que o rio Urubii, fonnado com as
aguas vindas da cordilheira de montanhas da Guyana hol-
landeza, lan^a suas aguas.

Este nome de UrubiS, que foi dado pelos portuguezes,
substituiu o antigo nome de Bururuni, tirado do de uma
das nacoes que o povoavam, pois era este um dos rio em
que raaior numero de nacoes se conlava, vivendo alii os
Guanavenas, os Caboquenas e Aroaquis, Foi contra es-
tas na?5es que foi dirigida a horrorosa cxpediijao comman-
dada por Pedro da Costa Favella em 1664 por ordem de
Ruy Vaz de Siqueira, em que pereceram por nao se que-
rerem sugeitar aos invasores 700 indios e foram captiva-
dos 400 e queimadas 400 malocas.

Em uma parte de seu curso, que e de cerca de 400 ki-
lometros, e este rio coriado de cachoeiras, mas superiores
a ellasexistem vastos campos proprios i crea^ao de gados
OS quaes se estendem ate as seiras guyanezas. Hoje o rio
estd abandonado e encontram-se multas taperas (ruinas de
povoados) das antigas missSes de mercenarios.

CAIAM^

Nada pude, apezar de seria pesquiza, encontrar sobre
este rio que d'elle me desse minucioso conhecimento; ape-
nas diz Baena que e elle muito piscoso e abundante de ca-
c^o e salsa-parrilha.

Pica 1 59 legoas acima da bocca do Jamundi c 87
abaixo da confiuencia do Rio-Negro. E por elle, segundo diz
Arau)o Amazonas no seu diccionario, que Paccorrilha no-
ticiou a La Condamine haverem entrado no Sotimoes, as
Icamiabas (amazonas ou mulheres guerreiras) em dlreccao
ao Amazonas; e caudaloso e nao me consta que ja fosse
explorado.



t



i



A nodcia que encontro sobre este rio no diccionario de
Araujo Amazonas, e a mesma que se acha no escripto de
Baena, e por isso o transcrevo. Diz elie: «Rio da Guyan-
na, margem esquerda do Amazonas, 3o legoas acima da
bocca do Jamundi, entre o lago Saraci e o ribeiro de Ca-
raraucii. Cinco legoas acima da sua foz recebe pela sua
margem esquerda o Jatapu, e 35 acima d'esta, o Pirapi-
linga pels direita. Corre de N. a S. d'essa altura para cima
em um kito desigual e pedregoso.

Suas aguas sao escuras e piscosas, e suas margens abun-
dantcs em breu, cravo e cupabyba.

Rcgam este rio e os seus confiuentes um territorio muito
pouco conhecido, e no qual se presume terem-se refugiado
murtas nacoes indigenas para se livrarem das perseguicoes
dos conquistadores pela descoberta. Sabe-se apenas n'elle
dos Arotquis, Cerecomds, Pariquis e Sedahis, e ainda mais
distantes para E. os Anibas. Existem n'este rio duas po-
voacoes, a de Uatuma de Pariquis e a de JatapQ de Pa-
rintins, esta immediatamente acima da foz do rio que Ihe
deu o nome, e aquelta cinco legoas da sua.

Immediatamente abaixo da sua foz no Amazonas prin-
cipia a corrente de CararaucO. No Jatapil, seu affluente, en-
contra-se a 36 legoas de sua bocca uma grande catadupa.

CARARAUCti

E este um pequeno rio da Guyanna entre o Uatumd e
o Jamundi a 24 legoas acima da foz d'este; fica proximo
a umas alterosas barreiras que d'elle tomam o nome; junto
a ellas e fortissima a corrente do Amazonas, o que obriga
OS navegantes a atravessarem para a margem opposta.

JAMUNDA OU YAMUNDA, OU NHAMUNDA

E um dos rbs da- Amazonia que mais interesse des-
perta, nao- sd pela ^ua importancia como rio, como por ser



R5i



254 -^ Regioes Ama^onicas

o limite entre as duas provincias amazonlcas, e mais ainda
porque a elle se liga a tradiccao das Ycamiabas, as mu-
Iheres sem maridos, as amazonas que deram, com ou sem
razao, o seu nome ao grande rlo.

A barra do Jamundd demora a 176 legoas da foz do
grande rio. Todos os que sobre elle lem escripto usfim de
identicas palavras dizendo, que tern este rio as suas nas-
cenies nas montanhas da Guyanna e corre na direcijao NS.
dividindo a Guyanna brazileira em duas, uma oriental ou-
tra occidental, divisao que hoje e a da provincia antes cha-
mada do Gram-Pard- Este rio, dizem elles, atravessa lago
de Faro, outrora aldela de Yamundi, indo lan^ar-sc no
Amazonas por differentes braijos.

Segundo o meu lembrado amigo Domingos Scares Fer-
reira Penna, estas indicacoes nao sao exactas e tem sido
repettdas de uns a outros por centenares de annos, mas
sem que a sua veracidade fosse verificada. Segundo a sua
opiniao, este rio, chamado pelos indios Cumury, nao segue
a direc?ao NS., embora La Condamine com sua authori-
dade repetisse estas asser?6es que nao poudeverificar em
sua rapida excursao.

Segundo Ferreira Penna e as informa?6es dos que tem
entrado no Nhamundd para colher productos naturaes que
sao OS que mais longe tem idb, o rio deve vir da regiao cen-
tral comprehendida no espaco que fica entre Trombetas
ao N. e o Uatumd ao S.

Descendo d'ahi, © Yamundi ao principio corre natural-
mente ESE. por entre montes, recebe pequenos affluentes,
tomando para SE., tendo apenas cachoeiras,e enira em ter-
reno baixo, humido e bem arvorejado; n'esta planicie
emitte elle um braco que, atravessando-a, se lan^a com o
seu nome no Rio Trombetas, no ponto em que este acaba
de transpor sua ultima cachoeira^ muito chcio de ilhas
n'esta parte do seu curso, tem no maximo aSo metros de
largura. Suas margens, antes de chegar ao Pratucii, seu
affluente, elevam-se chegando a ser monluosas.

O Pratucii conserva-se paralleto ao Jatapii que e tribu-



i



i



Cap.^ Ill— Trib.^ do Ama:{onas^ M. Esquerda 255

Wio do Uatumd; toma d direc^ao E. e lanca-se no Jamundd
a 36 milhas acima de Faro, dividindo-se na sua confluen-
ciA em diversos bracos pela existencia de duas ilhas.N'este
ponto de reuniao dos dous ribs toma o Jamundd grandes
iargUras, tendo no centro uma ilha pedregosa, mas coberta
de ahrores; esta bahia e cercada de terras altas e montes.

D^ixando a bahia, toma a direccao E. quasi em linha,
recta t depois de 20 milhas, formando uma curva dupla
como uifti grande S, lanca-se no lago de Faro. Desde a con-
fluencia do Pratucii, o Jamundd e um rio vasto e,proftindo,
magnifico, correndo entre montes coroados de vigorosa ve-
getacao, recortados de pontas e enseadas, e bordado de
, praias de fina areia.

No lago de Faro, porem, cessam os accidentes de ter-
reno e comeca a extensa planicie do Amazonas, onde rio
deixando o lago se restringe a um canal estreito ao qual
vem desaguar o Cabury, parandmirim que o Amazonas
Ihe envia. O aspecto do rio, diz Ferreira, muda, perde
o seu aspecto soberbo, o seu curso e vacillante, a cor me-
nos bella, e o seu arvoredo perde o seu esplendor.

O rio toma nao o rumo NS., mas sim o rumo geral
ENE, ate o parandmirim do Galdeirao.

N'esta sec^ao varios lagos pouco importantes o acom-
panham a pouca distancia da margem, uns grandes como
OS Lagos Carauary, Algodoal, Araquicana ou menores como
o Maracand-Ubim, Abaucii, em cujas praias existem nume-
rosos sitios com vigosas planta^Ses. A partir do lago Ara-
quicana, que e o ultimo d'esta secgao, o rio alarga-se ate
3oo metros, volta para o N. passando pelo logar denomi-
nado Repartimento, onde recebe rfa margem direita, que
agora e a oriental, o parandmirim do Galdeirao que vem
do Amazonas.

Placido, largo ainda, cristallino, o Jamundd, recebendo
este contingente do Amazonas, muda totalmente de phisio-
nomia, seu leito estreita-se e profunda-se muito, a marcha
e arrebatada, as aguas tomam uma c6r amarella-olivatica,
perdendo a sua transparencia.



256 As Regides Ama\onicas

D'aqui em diante o seu rumo geral ate perder-se no
Trombeias e NE., fazendo porim numerosas fiexoes, ora
para o N, ora para E. ora para NNO.

Os lagos continuam a acompanhar as margens.

N'este trajecto deixa a esquerda o furo da Paciencia
que d£L entrada para os lagos Piraruacd, e os de Carana,
MariapixVt Sapucud que dao entrada para lagos da mesma
denomina^ao. Entra no Trombetas defronte da ponia do
Urui-Tapera com loo metros de largura, ficando ao N. da
sua foz a iiha Jacitara.

A extensao do curso do Jamundd, nas planicies nao e

menor de 28 legoas, sendo 14 na primeira seccao de Faro

' ao Repartimento, 14' na segunda sec^So ate ao Trombetas.

Vg-se pois que o Jamundd e um afBuente do Trombe-
betas e nSo do Amazonas, como geralmente se diz, e por-
tanto a corrente figurada nas cartas (ate 1869) como foz do
Jamund^ no Amazonas nao e senao um defluente ou pa-
randmirim d'esie rio que vai lan^ar-se n'aquelle e condu-
zil-o ate ao Trombetas. Este facto, como bem diz Ferreira
Penna, nao e uma simples observa^ao geographies lendente
a mostrar que o rumo verdadeiro do Jamundd nao e aquelle
que Ihe tern dado as cartas e os livros; tem um outro al-
cance, e i que sendo este rio o limite official entre os esta-
dos do Par^ e do Amazonas, merece este assumpto seria
attencao para ser rectificado este erro que nc future pode
trazer difficutdades entre os dous Estados.

Ligada a este rio ha longos annos correm duas tradic-
^5es que tem occupado muitos escriptores e sao, a das
Ama\onas ou Mulheres Guerreiras^ e a do Miiirakitan ou
amuleto; de uma a outra me tou occupar.

Ycamiabas — (Mulheres sera maridos). Tratando d'esta
tradiccao que tem sido assumpto para discussao entre tan-
tos escriptores, meu espirito vacila e sem apresentar opi-
nlao segura, colherei dos escriptos de Gon^alvez Dias,
Barbosa Rodrigues, ouvidor Sampaio, conego Bernardino
de Souza os seus argumentos, e apenas Iheiuntarei algu-
nias reflexoes minhas.



\



Cap, III— Trtb.^* do Ama\onas, M Esquerda 267

Diz a lenda que nas nascentes do Jamundd existe um
formoso lago chamado Yaci-Uarud, consagrado d lua. Era
n'este lago que em dadas' epochas e em certas phases da
lua se iam banhar as Icamiabas^ ou mulheres sem marido.
Depois de cumpridas as ceremonias expiatorias ou antes
propiciatorias e quando a lua illuminava o lago, banha-
vam-se e recebiam da mde do muirakitan^ as pedras chama-
das assim, coiii as formas que desejavam. Estas pedras
eram extremamente rijas e polidas, e a crenca espalhada
era que emquanto debaixo da agua ficavam moUes tomando
todas as formas, apenas fora d'ella se tornavam rijas e im-
possiveis de serem trabalhadas.

Aos homens da tribu que annualmente as iam visitar
presenteavam com estas pedras que se diziam dotadas de
propriedades maravilhosas como um verdadeiro amuleto
ou talisman (*).

Quarenta annos depois da descoberta da foz do Ama-
zonas por Pinson em 1 5oo, Orellana descend© o rio Ama-
zonas deu-lhe este nome por haver, segundo elle narrou, en-
contrado na foz do Jamundd uma tribu de mulheres guer-
reiras cofia as quaes travara combate; o nome indigena d' es-
tas mulheres era o de Ycamiabas. Viviam nos extremos do
Jamundd, e proximo a varias tribus ferozes de indios entre
as quaes a do Guacaris, que unicos gosavam do privile-
gio de annualmente as ir visitar, e dos filhos que nasciam
so guardavam as do sexo feminino. Quanto ds do sexo
masculino ou eram mortas ou entregues aos pais.

Sobre esta lenda tem sido larga a discussao. Na anti-
guidade referem escriptores, taes como o historiador Justi-
no, citado por Goncalves Dias, a existencia de uma na^ao



{}) Tenho possuido varias d'estas pedras ou muirakitan, a pri-
meira que possui, dei-a em 1846 ao explorador conde de Castelnau
quando passou aqui pelo Para; era de uma cor verde bastante des-
maiada, com uma forma cilindrica de pequeno diametro e pollegada
e meia a duas de comprimento, e cousa curiosa, fora trazida por mi-
nha avo de Obidos, de onde era oriunda, e sabemos que Obidos, nao
fica distante da regiao que se diz ter sido habitada pelas Ycamiabas.
33



ow tribu do' Amazbnds em que nao era concedida a vida
ftos; fiihos- var6es, pois-que facultavam^ aeu amor aos ho-
mens-dois poTos visinhos, sem conbefittf que lizessem parte
disoa repuWica, que nao podia^bem'ter este nome, visto
que tinham^oma rakiha.' '

Entre os' antigos esct^tOF^s algiins t^garam a existen-
cia d'este gowrno. feminnTO, mas 'axad quer que sefa, isto
96 seiTi'e para oaostrar queia id6a nao c nova, e por isso
sio de opiniaamuitos que Or?llana, criminoso como era por
ter abandonado o sea: chefe, tendo idectuado a viagem
pelo rio Amazonas, que pode contar-se como surprehen-
dente, procurou por meio de maravilhas, ainda mais im-
pressionar os anknos nacdne; da quel «fcpendia, augmen-
taiuba^iia importanda por meio de-narrativas tao dignas
de admira^ao.' Se foiesteoseu proposno; de certo o conse-
seguiu na corte de Carlos V, pois obieve carta patente de
Gov^smadDT' generalissirab do Rio ^as AmaZcsias, como
pceihio dos seus servi^os. ' . : ^^

N'aqnella epocha, como diz Robertson na sua Historia
da America^ o natural desejode se iavaTitajarem em suas
descobertas uns aos outros, fazia que os contos os mais
absurdos fossem narrados e acreditados; taes como terras
em qae por 4al formd abundava o ouro que os pavimentos
dos t^mplos eram. fcitoscom placas deste metal, o que
dea logar ao iallado El Dourado que a lanios enlouqueceu
e perdeuvisCo todb fez que Orellana. propagasse a riarra-
dva das Amazonas com quem pelejara.

Ma^ nSo i s6 Orellana. quem propaga a noticia das
Amiizorlasw Na via^m de Pedr& TeiKira, o historiador
d'ella, O'padre Christoval de Acufia, diz que os Tupinam-
bis nos confirmaram tambem o rumor que corria per todo
o nosBO'grande rio das famosas Amazonas das quaes tira
seu verdadeiro nome pelo qua) i conhecido depois que foi
descoberto ate ao presente, nio s6mente pelos que o tern
navegado, mas pelos cosmographos que d'elle tern tratado.
Seria cousa bem extranha que este grande rio tomasse o
nome de Amazonas sem algum fiindamemo raci'onali mas



h



Cap." Ill— Trib.'" do'-Ama^nits^ M. Esquerda iSc)

niacgeoL d'esterio^sao tao' grandes e.f(9rtekv:que nao sc
ipode diisao^duvidEa^' sem renunciar si todaia^fi humana.t
Diz elle que em todo o rio encontrou a cren^a ^d>stas
4inafaeHiafe, elh'as.piotBTamidci.iinia'mantira tao contorde
^:imi£Dfmei (^e^eria prccisaqne amaiorinenfirapassagse
eoa, t^o j3, mundo pela loais indubitavel deitodas :a3< vcr-
dades'bistoricfls/ '- ■■". ; '■'

>' iXrata. depbis, segiindo. o que Iho coataraiii, de marcar
aposJcao do RioT-amundd 36 legoas abako da aideiS dos
me de Gunury. Rnumera as tribus de inttioa 'que- o habita-
v3nl,^eiitre..oatras a dos Guacarii que'c a que'golava dos
fei;orC&'da» Amazonas; diz ellet tEstas muHierestem-sc
coiuerVado. sempre seni' soccorro de homens, eiquando
sedts rvisibhos Ihes vem fazer visita no tempo assignalado,
eHas .osirecebem cosn as arraas na: mao, que sao ftrcos e
frechas^ par^ nao serem surprehentydas:, masilogo que os
oOnhecem . vao todas de tropel is suas candas ondecada
uina:'pega:na primeira itamaca (r€de) qu& encontra e vai
prendeUa ha sua casa para n'elle receber o dono^:

' ' No' iimide alguns dias voltam para as suas casaeestes
novDS hoBpedes e rtao faltam a fazer egua! viagam na misma
esta^ao. As iilhas que nascem d'este con^sso sac crea-
das] p«bs maes, instpuidas no trabalho e no manejo das
annasiv quantc aos lilhos nao se sabe bem o que fazem
d'elles, porem euouvidizera um indio que se rinha achado
com seQ pai n'essa assembles, sendo aindamoipOi que nu
Biiino .segt^nK dSo aos paisosfilhos, machos que parlram.
Gomtudo. commumente se ere que etlas matam todos o^
< machos, .6 que eu nao sei decidir. Seja-o que for, ellas
cem thesouros do iseu paiz, capazes de enriquecer todo o
mundo.*'.

■ . Praipelo que vemos, segundo Acuna, no Yamunda du
Gutiuri,. que er^ a regiao habitada por estas Ycamiabas,
esta cren^a: acha-se. espalhada por muitos pontos. Co-
lombo acreditava n'ellas; Raleigh, o somhadordo Eldorado,



./^



I



1



260 As Regioes Ama:{omcas

espalhou a narrativa das Amazonas pela Europa; Hernando
Herrera tambem assevera que a ouvira no Paraguay; La
Condamine tratou de averiguar isio e eis sumariamenie o
que diz:

fQue em toda a sua viagem, interrogando indios de di-
versas na^oes, em todas encontrou a tradiccao uniforme,
accrescentando umas ou outras particularidades, de que
existia uma nai;ao de mulheres, que viviam sem homens e
e que se tinham retirado para o interior das terras pelo
RioNegro, ou por um dos rios que pelo mesmo lado cor-
rem para o rio Maranhao (o -Amazonas assim chamado
pelos hespanhoes).!

Diz La Condamine: fUm indio de S. Joaquim de Oma-
guas nos disse que por ventura encontranamos era Coarj-
ainda vivo, um velho, cujo pai vira as Amazonas. Soube-
mos era Goary que o' velho que nos tinha sido indicado ha-
via fallecido, mas falldmos com seu filho homem de 70
annos e commandante de outros da mesma tribu, este nos
assegurou que seu pai as tinha visio passar na entrada do
Cuxinara vindas do Cayame, que desagua no Amazonas, do
lado do Sul, entre TefFe e Goary, que tinha fallado a quatro
de eitre eltas, que uma trazia um filho ao peito, que dei-
xando o Guxiuara, airavessaram o gratide rio, e tomaram o
caminho do Rio-Negro. Omitto certas rainudencias pouco
verostmeis, que nada imporiam ao essencial do assumpto.

cousa, variando s6 em algumas circumstancias, porem
quanto ao ponto principal estavam todos de accordo.*

rcceu-se para mostrar-me um rio pelo qual segundo enten-
dia se podia subir a pequena distancia do paiz em que
n'aquella actualidade se encontrariam Amazonas. Era este
rio Irij6, e dizia o mesmo indio que quando tal rio dei-
xava de ser navegavel, por causa das cachoeiras era pre-
cise, para se penetrar no paiz das Amazonas, caminhar
muitDS dias pelos mattos para a banda de Este e atraves-
sar um paiz montanhoso. 1



I

J



Cap.° III^- Irib.^ do Ama:{onas^ Af. Esquerda 261

tUm veterano da guarnicao de Cayena asseverou-me que
sendo enviado em um destacamento para reconhecer o paiz
em 1727, havia penetrado entre os amicuanes^ nacao de
orelhas compridas, que habita alem das cabeceiras do Oya-
poc, e junto is de um outro rio que desagua no Amazonas,
e que alii vira ao pescogo das mulheres as taes pedras ver-
des; que perguntando aos indios de onde as tiravam, res-
ponderam que ellas vinham ao paiz das mulheres que nao
tinham marido, paiz que ficava a sete ou oito legoas de dis-
tancia para o lado do Occidente.

O ouvidor Sampaio, lendo o que a este respeito escre-
vera La Condamine, e achando-se nas mesmas paragens,
em que aquelle navegador procurara o indio, tratou por sua
parte de colher alguma noticia que o esclarecesse, e pro-
curando o homem a que elle se referira, soube que era o in-
dio Jose da Costa Pacorrilho, sargento-m6r de ordenangas,
morto n'essa epocha; mas um outro indio chamado Manoel
Jose, de cerca de 70 annos para cima, e de bom proposito,
natural de Cuchiuara, que hoje jd nao existe, Ihe confirmou
a narracao de La Condamine por a ter muitas vezes ou-
vido, assegurando que era tradiccao constante n'este rio a
existencia n'elle das amazonas, de onde se retiraram entra-
nhando-se nas terras do Norte d'elle, da bocca do rio para
baixo.

Um outro testemunho em favor d'esta tradiccao e o do
padre Gili. tPerguntando, escreve elle, a um indio (juaqua^
que nagoes habitavam o rio Cuchivero, elle nomeou-me en-
tre outras OS Aikeambenanos; sabendo bem a lingoa tama-
naque^ comprehendi sem difficuldade o sentido d'esta pala-
vra, que e composta e significa mulheres vivendo sd$. O in-
dio confirmou a minha observacao e contou-me que as ai-
keambenanos eram uma reuniao de mulheres que fabricam

longas zarabatanas e outros instrumentos de guerra

q que matam de pequenos os filhos varoes. i>

Humboldt e quern apresenta este testemunho. Parece
que elle, segundo diz Goncalves Dias, ?e inclinava d crenga
da existencia das ama^onas^ e diz que n'este testemunho



\t



ApFesemadopcfl* Gilivpardcehff&er o que quer^que e de inspi-
rado pelas .tradic^6es das indiosdtf Maraohao e dos Carar-
bes^ mas omesmjoiauctor acerescenta :que o indio, de que
fslU >o padre Gili,-ignorava o cctstelttapoy n&j tinha estado
em'contacto com braticos, e nao ssbia de certo que ao S.
dtvOreiioco, eidstia um rioque secbama das atkeambetta-
siMi on das rmilheres. que-vivem s6b.'

Humboldt explica a-ex^stenciad'estal^nda por uma ma-
nciraiqoe me-parece plansivei. Ditelie que e de suppfir
que «as mulheres fatigadas do estado de escravid^o em
que cram ddas pe)os homens, se reuniram, como os negros
^gidos, ^m algum palanqtie, aa&i o desejo de conserrar
a sua tndependencia as tornoria mais guerreiras, rccebe-
riam depois.TJsttas de algumas tribus visinbas e amigas,
lalvez menos methodicamente do que o refere a tmdiccao. •
■ Waiter Ralei^ (i^gS), fallando d'estas muiheres da
Uuyaha^ diz que procurando saber qual a vcrdade em la!
assumpto, e f^landocom um cacique ou principal de entre
poTO, este the dtssera ter estado no rio das Ama^onas e
entre ellas^ tambem. As na^es d'estas mulheres existem
naparte S. do rio na provincia de Tapago (Tapajos?), e
as suas prindpaes Jbr^s e refugio sao nas terras situadas
no 5> da' suafiozl, acercadeseBsenta legoas'acima da barra
do mesmo rio . . ■ >

•Bobeno Schomburgk, explorador modcmoda Goyana
irtgleza^ refere que a tradiccSo das ama^oftss e ainda hoje
oorrmte entre todas as tribus que tem ddo relaeocs com o
Caribo. Diz eile que, segundoo que buviu no baixo Coren-
tyn, no Esequibo, e no Repununi, a todos os indios que
por alii habitam, roi alto Cocentyr. ainda hofe existem hor-
dsfi de' mulheres vivendo s6s. Que a mesma narracao ou-
mi aos mdios Macusis que residem na regiSo do .^upposto
El Dorado, mostrando restos de vasos de barro em diffe-
rentes logares que elles diziam ser das mesmas mulheres.*

O Reverendo W. H. Bren confirma o que diz Schom-
burgk. . ; .

., O nosso lembrado, poeta GiHi^alTes Dias, contesta estt



1



J



cren^o, senao.coBJtOiabsolLrtateeateinexacta emrsi, e'im{ios^
sivcl. comd ptiuoo ,provavd^ Bs:nazdes< que.vpresentasao
diversas, e a attribue i narra^ao de Orellama que. quiz.daf
importanaia 4i^ua:vtageicn> ctoQtndbtLhe.o oiaraTilboso^ pa-
rece-uSe fiOfemiqu* jasia argiUDtt«ntacao:imore.miBitofortfl;
OcdHana ttao veiu -s6( vinhani cesn eU]e'>tnt]ito^ros^iCOEOo pois oaoiconstb ad hojeqaeidntiadd'eUes^idesi
mentisse ?' GoiQo am. uthd viagem iSd emensa e eveotu/osa,
Qm i^tK nuiilos it^nam 'a queixar-sede' Orel\am^Meitt.iia^
so aprcireUiOu tlOboa occasiao par a o fazer pass^ poricimr

huueiro? ■■' ; -.t ..,,,.;,.,..,, ■•;,;;■■:■;:,

V IkpC]js,-Gon^alves Dias nao deu a meu ver todo o seu peso ei:
cdmo eKpltcarque C^ellana, quepa^ou apcnas:cain ti'cor-
rentdrdo rio. porelle aba^co, podesseteritempd para >espar
Ihar.e £nraizar,.tal creQ9aj em umaitao^vAsta eineBsaa,p6is
venoos, or^'DO Coari, ora no Jamundd,.ora'noiil!epLiniiiiii,
ora nas cercanias do Tapaj6s, oslbabbantes unifbrraes.aa
crep^i-e referindo a sua existencia tbdbseliesipara osiines-
£003 logSiTes do lack) da Guyana? Alem d'ismi oomd Orei-
lanai e.03 seus, que nao podiamienteoder-se com:os indios
icuja libgoa ignoravam^r haviam dei inculcar' entre eJlesestas
extranhas cren^as? :■-;;,..:. .>

Detxaodo porem OreUana, achamosopadre Acufia bffir-
-mando Ipelos testetnuohos, quemostrou potl todaa partfi,'a
eidstoicia das amazoQas.

'.. lAlgiuls jdizem seropadre Aeu5a' lerianorem suas nan-
rBtiva&;;n)as depois-ddle tern La Condamineque decectp
-nao irwrece . esta epitheto, quei seu.curnoi affininas;e)aprB-
.suita>03!te3temunhos ecbi que se-haseiaiparalsa^ favoravel
e-Asta'Creflija. ■■ ■ . ■ ' ' ■ .'■ -i;, : ■ ' '

■ O. proprio ouvidoc Sampaio vecn affirmal-a >ainda/ ..;
Esta universaKdade de cren$a3.desde«pdichastao renw>-
tas em que nem meioa havia para as espalhar, «v quanft)

amasii, uma forte razao fazerci^ que alguma cousa houve
para, juatificar a tradiccaa. Nao me.'mclino muito a acre-

drtar.que.essasiinuUiieres sem mairido se tive»etil. orgaot-




264 As RegiSes Amaiomcas

sado por uma forma tSo regular e completa, como se tern
escripto; mas a maneira por que a explica La Condamine
parece-me acceiiavel.

Nao acredito que ellas ainda existam; creio mesmo que
nao terao sido muiio duradouras aquellas reunioes de mu-
Iheres isoladas de outras tribus, mas por pouco que tenham
durado isso seria bastante para dar origem k tradiccao.

Ainda argumema Goncalves Dias, como razao de im-
possibilidade para existir esta republica femenina, um cal-
culo em que toma por base facto que elle affirma de ser
a raca India menos prolifica do que outras, e que ^s indias
seriam precisos tres annos de inlervallo entre duas ges-
ta^oes.

O primeiro postulado nSo me parece provado; tenho
conhecido bastante estas regioes e uma das cousas que
admirei sempre em minhas viagens pelo interior e o nu-
mero relativamente grande de crean^as que eu via, em lo-
gares em que a ra^a india dominava.

Se se tratasse de indios trazidos de suas malocas para
OS aldeamentos, compellidos a tomarem novos nabitos, o
argumento teria valor, pois n'essas condi^oes e facto obser-
vado o deperecimento dos indios; mas nao se dando aqui
o caso, o argumento cahe.

Da mesma forma a asser^ao de serera precisos tres an-
nos de intervallo entre duas gesta^Ses. Goncalves Dias es-
queceu que a tradiccao diz que quando nasciam fiihos, ellas
nao lomavam conta d'elles e os matavam, o que altera o ar-
gumento, mas mesmo nascendo iilhas, o que tenho visto
me tem de sobra provado que tem as indias seus filhos
com intervallos muito menores do que o que elle marca.

Os orgumentos de Goncalves Dias, que acho proceden-
tes, sao, em primeiro logar, a difficuldade de as mulheres
terem tal predominio sobre os homens que se declarassem
independentes e d'elles se affastassera, sem que elles em
numero egual ou maior as nao sugeitassem e castigassem.

Outro argumento procedente e que uma tao grande re-
uniao de mulheres, despertaria os instinctos naturaes nos



1



)



CapP III— Trib.^ do Amaionas^ M. Esquerda 265

indios das outra tribus, jd para d'ellas fazerem suas com-
panheiras, jd para as escravisar, pois que a escravisagao
de umas tribus por outras estd muito nos habitos dos in-
dios do Amazonas.

Alem d'isto a anatomia, a phisiologia e a estatistica
mostram que certas fadigas a que o tiomem sem difficul-
dade resiste, sao impossiveis ds mulheres; se estas a ellas
se entregassem, muitas morreriam, accrescendo que os
abortos se multiplicariam espantosamente.

Estas entre as raz6es que elk apresenta sao as unicas
quanto a mim concludentes, e por isso, nao acceitando a
tradic^ao em toda a sua plenitude, acceito-a pela forma sob
que a encara La Condamine, accrescentando que a admitto
como tendo existido so por um certo tempo; e i essa exis-
tencia transitoria que deu logar d lenda que ornaram com
o que imagina^oes ferteis julgaram possiveU

O facto narrado por Orellana, e n'este ponto concordo
com o sr. Gongalves Dias, nao e tao inverosimil, pois que
varias na9des de indios do Amazonas levam d guerra suas
mulheres como auxiliares, fornecendo-lhes flexas durante a
peleja; e bem possivel que o facto se desse com a na9ao
com a qual Orellana combateu, e a extranhesa do facto
por tal maneira impressionasse os hespanhoes, que os ho-
mens ficassem no esquecimento, sendo s6mente lembradas
ellas; d'ahi as amplia96es. No Tapajos, no Rio-Negro, nb
Orenoco, varias nacoes trazem, como ha pouco fizeram os
Janapuris atacando Moura, suas mulheres aos combates.

A outra lenda amazonica e como disse, a do Muiraki-
tan ou pedras verdes, que tambem se acha ligada d tra-
dic9ao das Ama:{onas^ pois dizia-se que eram s6 ellas que
as possuiam.

Desde tempos remotos dos gregos e romanos que as
pedras verdes eram estimadas, especialmente as esmeral-
das, nome que davam a muitas pedras d'aquella cor, e
tambem Ihes attribuiam virtudes extraordinarias, de modo
que a crenca do Muirakitan, parece filiar-sc na antiguidade
assim como a das mulheres guerreiras.
^4



266 As Regi6es Ama^onicas

Ainda hoje as raras que existera no valle amazonico sao
pela turba olhadas como amuleto, o erudiio sr. Barbosa
Rodrigues estudou este assumpio muito particularmente, e
e de um escripto seu que transcrevo o seguinte:

■No valle amazonico e desconhecida a origem d'estas
pedras que chamam das Amaionas. Desde os primeiros na-
vegadores, ellas eram muito procuradas, como em 1G62 o
refere ouvidor do Pari Mauricio Iriarte e outros, e jd
Ihes chamava a atten^ao o trabalho feito n'estas pedras,
onde o uso do ferro e seus instrumentos nao ers. conhe-
cido.

(As lendas a respeito d'estas pedras olha-as o sr. Bar-
bosa Rodrigues como uma reminiscencia de crencas e factos
muito mais aniigos, pois que nos annaes chinezes escriptos
no anno de 662 da nossa era, se narra a colheita de pe-
dras finas mergulhando A luz da lua no rio.

(A Muirakitan e a pedra jdde oriental ou nephrite, a
qual Confucio olhava como o symbolo da virtude; a sua
analyse mineralogica tem sido por mais de uma vez feita,
e parece logico que encontrando-se estas pedras no valle
amazonico, devera n'estas regioes existir alguma jazida
d'ellas.

iAcontece por^m que apezar do alto apre^o que a ella
ligavam, como attestam Pedro Alvares, Thevet, Lery, G.
Soares, Fernao Cardim, Ivo d'Evreux, que todos fallam
d'ellas, ninguem falla em suas jazidas, que se existem, os
pobres TupinambSis, massacrados e escravisados teriam re-
vellado; s6 G. Soares e Ivo d'Evreux, fallam o primeiro
que na Bahia existiam pedreiras de pedras verdes, de
muito prei;o e com propriedades contra a d6r de colica, o se-
gundo que no Maranhao existem jazidas de pedras verdes.

«A terem existido outrora, esgotaram-se, e se se esgo-
taram foram empregadas em qualquer cousa. Como pois
hoje nao se enconiram seus vestigios? Acaso pode dar-se
isto com pedreiras, nos templos, nas coniruccSes urbanas,
nas cal^adas? Alguns pedacos deveriam ser encontrados. ^

iHavia talvezalgumajazida de feldspatho verde azulado



11



I



»

Cap.^ Ill— Trib.^ do Ama:{onas^ M. Esquerda 2G7

de que os Tupinambds faziam os seus tambetds^ do que
ha amostras no Museu Nacional do Rio de Janeiro, porem
a pedra de jade nephrittco de que e feito o muirakitan^ e
muito differente d'ella e nem na amazonia, nem na Ame-
rica ingleza foi ella encontrada.

«Opina o sr. Barbosa Rodrigues que a muirakitan era
importada feita, ou pelo menos a rocha de que era feita.
No Chile, em Guatemala, no Peru, no Mexico, nos Esta-
dos Unidos inglezes, tem-se encontrado d'estes amuletos,
porem em nenhuma d'estas regioes a rocha foi encontrada
em bruto ou em jazidas; e depois de minuciosas investiga-
coes historicas, conclue que a vinda d'essas pedras deve
ter origem em uma invasao estrangeira ou em uma impor-
tacao.

«Na Asia, porem, ha numerosos objectos de jade, e e
de Id que sempre se suppoz que ellas viessem, porque
ainda hoje de Id vem, e os estudos do conselheiro Fischer, le-
vados d ultima minuciosidade, fazem chegar d conclusao, de
que foi da Asia que sahiram as muirakitans^ pois que s6 no
Turkestan e encontrado o nephrite em leito geologico; es-
sas jazidas pertencem ao imperador da China, que as pos-
sue por heranca desde a mais alta antiguidade, e se
acham situadas nas margens de tres rios conhecidos por
Yu-branco, Yu-verde, Yu-preto, nomes derivados da c6r do
jade sobre o qual correm as aguas.

ou jadeite,. combinando-a com os estudos de Fischer, o nosso
compatriota chega d conclusao de que foram os povos asiati-
cos que derramaram pela Europa e trouxeram para a Ame-
rica a nephrite; diz elle que o unico argumento que pode in-
validar sua argumentacao e a descoberta de uma jazida de
nephrite na America, e como consequencia das bases que
tao laboriosamente colligiu, conclue que o homem prehisto-
rico amazonense esteve no passado em contacto com toda
a Asia.D

E para notar que sem se conhecerem, baseados no es-
tudo do mesmo objecto Fischer e Barbosa Rodrigues, um



268 As Segides Ama:iomcas

na Allemanha outro no Amazonas, um tomando para base
d'esse estudo a mineralogia, outro a archeologia, chegavam
a quasi identicas conclusoes. Acontecendo ainda que am-
bos ligaram importancia a um objecto a que nenhum dos
naturalistas e viajantes que tinham percorrido o Amazonas
dera maior valor do que aquelle que os mesmos indios Ihe
davam.

As lendas que se acham ligadas ao rio Jamundd me
tem levado mais longe do que o quadro ao qual quero ado-
ptar este meu escripto me permite, e por isso, continuando
a tarefa comecada, tratarei do seguinte rio.

RIO TROMBETAS

O padre Acufia chama este rio Uaiximana. O sr. Fer-
reira Penoa, na sua obra Regiao Occidental da Provincia
do Para, diz que os antigos indios Ihe chamavam Orixi-
mina, Uruximina, ou Uruchimine.

Este rio fbi muito pouco explorado, apenas ate ds ca-
choeiras. O capitao-tenente Parahybuna dos Reis explo-
rou-o desde a foz ate ao lago do Mura, do que levan-
tou um mappa ou roteiro a que se refere o sr.Ferreira
Penna, e sobre o qual baseou o seu trabalho relativo A parte
inferior do rio. Diz elle: «0 Trombetas e formado no seu
curse inferior de dous ramos principaes que se cncontram
quasi em rumos oppostos, o primeiro e o Trombetas, o
segundo e o Cumini.

fO Trombetas segundo conjecturo, deve ter suas fontes
nas immediacdes do Anauaii, affluente do Rio-Branco,
e do Repunury que vai ao Essequibo. Desce no rumo ESE.
recebendo na margem esquerda, antes de chegar iis suas
grandea cachoeiras, um affluente notavel que vem dos cani-
pos do N. por onde os indios e negros do mocambo se
communicam com as maiocas de negros que povoam as ca-
beceiras do Saramaca e Surinam na collonia hollandeza.

«As cachoeiras occupara uma extensao de 14 a 16 le-
goas, geralmente coberta de florestas, percorrendo o rio



\



i



Cap.^ Ill'— Trib.^' do ilma^owos, M. Esquerda 269

um labyrinto de ilhas pedregosas de diversas dimensoes,
variando sempre de rumo nos canaes, e alongando-se con-
sideravelmente.

•N'esse trajecto recoihe um affluente d direita e outro 4
esquerda, e passando a ultima cachoeira que e tambem a
mais notavel, recebe alii mesmo e do lado do S. um iga-
rape que nao e mais do que um braco do rio Jamundd que
o faz assim chegar ao Trombetas.

«Passada esta ultima cachoeira, Trombetas entra logo
na planicie do Amazonas, torna-se agradavelmente tran-
quillo, profundo, estreito e sinuoso ate ao lago do Mura,
termo da explora^ao do capitao-tenente Parahybuna. Con-
tinua d'ahi para baixo com flexoes eguaes, sempre no rumo
ESE, tendo aos lados numero^as boccas de lagos, grande
numero d'elles accessiveis a vapores, e encontra o Cumind
que conflue i esquerda vindo de E. . .

tO Trombetas toma entao o rumo'de SE., seguindo em
uma linha recta de cerca de 20 milhas ...»

E n'este estirao que existe a longa ilha de Jacitara, e
quasi em frente i extremidade S. d^ella, pela margem di-
reita entra o rio Jamundd com as aguas toldadas do Ama-
zonas com o humilde nome de Igarape Sapucua.

Seguindo com o rumo SES. com poucas variacoes, pas-
sando pelas boccas de varios lagos, lanca-se no Amazonas
a uma milha a OSO. da extincta colonia militar de Obidos.

Antes da confluencia, elle lanca dous bracos ou para-
nds-miris que se confundem em um s6 com o nome de Pa-
rand-miri de Maria Thereza, junto d foz do Trombetas do
qual se separara.

O Cumind, um dos principaes affluentes, parece vir do
N. e junto d cachoeira elle reune um outro rio vindo de
ENE. e depois de ter reunido os sens affluentes, alguns pe-
quenos, outros muito largos como o Arapicurii e o Salgado,
lanca-se. formando um so caudal no Trombetas.

O sr. Barbosa Rodrigues explorou este rio; nao possuo
porem este trabalho, mas pelo que encontro nos trabalhos
de Jose Gualdino e de Hebert Smith, elle rectificou um



lyo ^45 Regioes Ama:{oiiicas

engano que existia em julgar-se diii'erentes os rios Mahii e
Apiniaii que elle identifica.

O Trombetas e navegavel por i35 milhas e a totalidadc
do seu curso supp6e-se nao set inferior a 400 milhas.

A primeira cachoeira subindo o rlo, segundo Ladatone,
estil a i''-6'-2" Lai. S. e i4°-:5'-i" Long. O. do Rio de Ja-
neiro.

Da obra recentemente publicada pelo explorador fran-
cez A. Coudreau sobre as Guyannas e a Amazonia, encon-
tro o seguinte em relacao ao no de que trato.

#0 Trombetas forma na parte media do seu curso in-
ferior duas expansoes lacustres que sao verdadeiros labv-
rintos de ilhas e ilhotes. Forma tambera um iago, cujas
aguas ricas em salitre Ihe deram o nome de Salgado. O
leito de sua corrente e a'renoso, suas aguas claras.

cEm todas as suas praias encomram-se criBtallisacoes.
Todo o terreno tem um aspecto mineralogico muito pro- '
nunciado, principalmente nas cachoeiras, nas quaes se acham
grandes quantidades de ferro, e de onde se tira ja cristal
de rocha, estanho, antimonio, plombagine e mica.p

Antes porem d'estas linhas que deixo transcriptas diz o
mesmo sr. Coudreau: tEm i885, descobri as nascentes
do Trombetas, que no seu curso superior nas montanhas
centraes(') se chama Couroucouri.*

Acima das cachoeiras habita grande numero de es-
cravos fugidos e desertores, e mais acima os indios Pauxis
segundo Coudreau. O sr. Ferreira Penna, que tanio viajou
nos nossos sertoes e tanto observou os nossos indios, suppoe
a respeito d'estes serem elles os ultimos restos da nacao
guerreira dos Caribas, tao barbaramente sacrilicada pelos
conquistadores europeus, e hoje tao decahidos e aviltados
que ate sao cscravos dos escravos fugidos vivendo nos mo-
cambos (*).



(') As corililhdras da Guyanna central.

(^) Mocambo: — povoado formado pelos escravos q^e fugiam das
cidades e das fazendas.



i



Cap.^ Ill — Trib,^ do Ama^onas^ M. Esquerda 27 1

A confluencia do Amazonas e Trombetas tern logar
junto ao ponto em que o Amazonas brazileiro e mais es-
treito, o que reunido ds condi^oes do terreno d'esta locali-
dade, em que estd situada a cidade de Obidos e o novo
forte, Ihe dao uma importancia extrema como dominando
o curso superior do rio.

Nao e este trabalho o logar mais proprio para tra-
tar das vantagens estrategicas que ofiferece Obidos, nem
ellas tern escapado ao governo do Brazil; nao tem porem
cuidado em completar que fez a natureza fortificando a
margem fronteira e os morros proximos d cidade.

Este rio persuado-me que e um dos mais interessantes
da provincia pela variedade de seus productos, e pela sua
coramunicacao com vastissimas campinas nos extremes
pendores das cordilheiras guyannezas.

O meu comprovinciano, o engenheiro Joao Luiz Coelho,
emprehendeu a exploragao do ramo chamado rio Cumind,
mas teve que luctar com difficuldades que nao esperava, e
tendo vencido as i5 primeiras cachoeiras no fim de 3 me-
zes de privac6es e trabalhos, jd sem recursos, reduzido a
quatro ou cinco pessoas das trinta com que comecara os
trabalhos, teve que regressar; d'elle recebi uma coUeccao de
amostras de marmores que remetti ao malfadado museu
paraense, de um grao finissimo e de variadas cores.

Agora (1890) o governador Justo Chermont mandou no-
vamente explorar este rio pelo engenheiro Tocantins que
ainda ho)e, 20 de Novembro, alii se acha.

RIO CURUA

O Curud-panema, ou Curud-manema de varios escri-
ptores. O sr. Jose Gualdino, no seu mallogrado trabalho
de que tantas vezes tenho fallado, suppoe que Baena toma
o Curud-panema pelo Surubiii; creio porem que nao, e que
Baena quiz indicar dous rios difFerentes. E verdade que em
algumas cartas allemas se encontra o Curud-panema com
o nopie de Surubiii, e outros tem dado este nome de Su-



r "^

1272 As RegiSes Ama\onicas '

rubili a um lago; mas Ferreira Penna, que observou estes
logares, que os percorreu mais de uma vez, que n'elles se
demorou, e que os descreve na sua obra A Tiegido Occiden-
tal da provincia do Pard, mui clara e terminantemente af-
lirma nao sde Obidos a Monte-Alegre, e o Curua-panema, mas tam-
bem que erradamente lem alguns enumerado um lago Su-
rubijii, que nao existe, mas sim uir.a ilha com esie nome.

Ferreira Penna e Heberi Smith, que se demoraram por
estes logares e os descreveram largamenie, fomecem-me
materia para um extenso artigo sobre o Curua, mas nao
OS seguirei em seus detalhcs pois que sendo este um dos
rios mais pittorescos e agradaveis da provincia, proximo a
Alemquer que e um dos seus mais importanies municipios,
hydrographicamente nao tem elle egual importancia. E',
como diz Ferreira Penna: textensomas estreito, e ds vezes
ficando reduzido a po^os durante o verao; corre para SO.
ate tocar no pequeno povoado do seu nome, communica-se
com o Itacarar^, depois perde-se no paran^-mirim de Alem-
quer, acima da villa. As terras na parte media do seu
curso sao de notavel fertilidade mas muito doentias, como
sao em geral as que se distinguem por aqucllas quaJidades.*

E taivez a esta md condicao que e devido o quaJifica-
mo panema dado a este rio, pois que na lingoa geral pa-
nema quer dizer - infeli:{, mal succedido; assim do cacador
que volta sem ter mono caca diz-se veio panema.

Este rio recebe aguas do pequeno ribeiro Itacarard, que
vem das terras altas, e depois, formando um braco com o
nome de Jabuni, banha a villa de Alemquer e perdem-se
no Parand-mirim d'este nome.

Os lagos que existem n'esta regiao sao:— o do Curui, a
que alraz me referi; o do Boto ao O do antecedente, com
o qual se confunde; o de Macurd ao N. do do Boto; o de
Tosiao entre o Parand-mirim dc Obidos ao S., lagos CuruS
e Botos ao N. E este o mais extenso de todos os do mu-
nicipio. Ainda tres outros existem e sao o Uruxy, Curumii,
e Capimtuba.



i



Cap.^ Ill— Irib.^ do Amaionas^ M. Esquerda 278

R. TAPARA

Mencionado por alguns como rio, nao o considero como
tal, pois consiste apenas em uma reentrancia na costa, de
bastante profundidade com uma ilha que, alongando-se,
forma como dous bracos de um rio quando nao sao senao
um extenso fiiro; a um dos bracos chamam Tapard-assii a
outro Tapard-mirim.

RIO CATAUARY

Baena dd a este ribeiro a denominagao de Ho. Conhe-
co-o bastante para asseverar que nem pela sua extensao
nem pelo volume de suas aguas merece esta qualificagao,
pois apenas se estende por uma dezena de kilometros indo
terminar proximo aos lagos que existem no interior da ilha
do Cacoal Grande ou Cuieiras, lagos extensos conhecidos
com o nome de lago das Marrecas e da Cosinha e que no
tempo das cheias se communicam com os lagos que vem
de Monte-Alegre, permittindo chegar a este ponto sem na-
vegar p^lo Amazonas. O Catauary e um pequeno igarape
que terniina entre as terras do Paiap6 e as de Bemfica.
Apenas durante a cheia e navegavel a montarias, pois e
quasi completamente obstruido.

GURUPATUBA

Tambem chamado Rio de Monte-Alegre. Nao e elle de
certo um grande rio; tem comtudo bastante largura e fundo,
e e bastante extenso, mas o que o torna mais notavel do
que qualquer outro sao as suas disposi^oes especiaes, nao
s6 pelo pittoresco de suas margens como pelo accidentado
dos terrenos que sarja.

Ferreira Penna quando d'elle falla na sua obra, A Re-

gido Occidental da Provincia do Pard^ pouco diz sobre

elle; e Hebert Smith quem mais minuciosamente estudou

o Gurupatuba, estudo que Jose Gualdino resumiu. Diz elle:

35



274 ■^ Regides Ama:{omcas

«0 Gurupatuba tem nas suas fontes o norae de Mae-
curii ou Maicuni. Gurupatuba quer dizer miiilos portos.
Estao-lhe as fontes nas Guyanas, era I'-iS' Lat. N., e 54°
de Long. O., de Greenwich. Corre sinuosamente para o
S. atravez uma serie de saltos e cachoeiras, das quaes H.
Smith visitou 22, per entre barrancos cuja altitude e
de 5oo metres sobre o nivel ordinario das aguas. Aos 2"-
26' de Lat. S. e 54" de Long. O. de Greenwic, atravessa
o lago grande de Monte Alegre, banha-lhc as terras ahas,
jd com o rumo ESE., e divide-se antes de entrar no Ama-
zonas, no qual desagua aos 2°-S' Lat, S. e S3''-35' Long.
O. de Greenwich.

■Ainda com a denominacao de Maecurii, percorre o Gu-
rupatuba um iargo trecho de terras das Guyannas, em que
se levanta a cordilheira que vai ate is margem do Ore-
noco. Atravessa entao um grande lago, e yA mais rico de
aguas toma o nome de Curuhy. Continuando a correr para
o S., recebe o igarape Apara, e s6 desde entao e que co-
me^a a denominar-se Gurupatuba. A seis ou oito milhas
de Monte-Alegre desemboca i margem orienta!, o Paj'tuna
que acima de sua desembocadura e conhecido pelo nome
de Igarape do Erere. O Paytuna e muito sinuoso, de lar-
gura extremamente variavel; na foz mede 220 metros.

•Doze kiloraetros acima do Paytuna esta o lago Ma-
ripd — o paraizo dos indies— diz H. Smith, eramoldurado
por collinas virentes, por serras, por outeiros, por mil acci-
dentes de terreno em que a vegetacao luxuriante dos tro-
picos e animada por myriades de ave& de todas as espe-
cies, pelos mais curiosos representantes da fauna amazo-
nense. O Maripi communica com o rio por um igarape
que nao e navegavel. Alem d'este ha outre lago chamado
Maripi do centro.

tA 4 kilometres do lago Maripa, esta a primeira cata-
racta; as aguas represadas entre as paredes das barrancas
marginaes, impetuosas, violentas, espadanando espuma,
quebrande com o estrepito de sua carreira o silencio do
deserto, precipitam-se em um canal de 700 metros dc lar-



H



i






Cap.^ Ill— Trib,^ do Ama^onas^ M. Esquerda 276

gura (i®-i2' Lat. S. e 54^-18' Long. O.), chama-se Panacii,
e d'ahi e- franca a navegacao ate ao Amazonas, 280 kilo-
metres. Depois do Panacli ainda existem 21 cachoeiras e
rapidos. As nove primeiras sao de facil passagem, a u.* e
difficilima e o salto ingreme; o Maecuni, bastante profiindo,
mede ahi 460 metros de largura. A i6.* e muito extensa.
A 22.* finalmente mede 1:800 metros. H. Smith a compara
com a queda do Niagara. Aproveitada convenientemenfe a
forca hydraulica d'esta cataracta, seria ella sufficiente para
por em movimento todos os machinismos de Lowell, Mas-
sachussetts (E. Unidos) e Manchester (Inglaterra).»

A situa<;ao de Monte-Alegre e a mais fehz e pittoresca
que conheco no Amazonas, e rivalisa com a esplendida
vista ■ da bahia do Rio de Janeiro, olhada do morro de
Santa Thereza, ou com as falladas vistas da Suissa.

Collocada a cidade a uma certa distancia da margem
do rio Gurupatuba, e a cerca de 3oo metros acima do ni-
vel d'elle, em uma planura que se estende para o interior
ate encontrar as grandes e elevadas montanhas do Tajury,
Erere e Paituna ella apresenta ao observador collocado no
ponto saliente e elevado em que situaram o cemiterio, o
mais variado panorama; para o S. o Amazonas com a sua
immensa largura ate ds barreiras do Cussary e as distan-
tes montanhas do Curud; para O. a vista interminavel e
formosa de ilhas e lagos uns apos outros, de todos os ta-
manhos, niis ou semeados de ilhas; para o NO. os serros
elevadissimos do Paituna e Erere; ao N. a serra do Ta-
jury; para qualquer dos lados o aspecto muda, aqui mon-
tanhas escuras e abruptas, alii a interminavel fita do Ama-
zonas, ao lado as ilhas e lagos encantadores.

Monte-Alegre e talvez do Amazonas o ponto que mais
tem excitado a attencao dos geologos, e o ponto em que
a.geologia amazonica oft'erece mais dados para o estudo
dos problemas cosmogonicos. As riquezas mineralogicas
abundam alii como sejam o quartz, a ametista, o carvao
mineral, etc. A pouca distancia, cerca dc 2 legoas da villa,
encontram-se fontes de aguas thermaes que sao aproveita



176 As Regtdes Amaioittcas

das para curative de molestias cutaneas; expostas ao ar em
logar elevado, estas aguas que em outro tempo fiz analy-
sar pelo habil clinico V. Tedeschy, davam uma temperatura
de 36° centimetros. E quanto a mim um dos logares que
mais promettem no ftituro, cercado de vastos campos pro-
prios A creacao de gados. Come^a ella a desenvolvcr-se,
com terrenos proprios A cultura do cac^o; quando a explo-
ra<;ao dos bancos de carvao de pedra alii exisicntcs a nao
grande profundidade tomar incrememo, terd aquclle muni-
cipio nao uma, mas muitas fontes de riqueza; naofallando
na prata e no petroleo ultimamente alii assigralados.

O norae de Gurupatuba que e dado ao rio, e o mesmo
que tinha a primitiva aldeia de indios fundada pelo padre
Manoel da Costa, da companhia de Jesus.

RIO JAVARY

N5o encontro este rio enumerado na maior parte dos
escriptos que consultei, entretanto este affluente do grande
rio existe a pequena distancia abaixo da villa da Prainha.
Sei que e um dos rios guyannezes, e que e extenso, ainda
que Ihe nao posso marcar o curso. Ha cerca dc 20 annos foi
explorado ate certo ponto pelo negociante Rocha Tury que
alii tencionou fundar uma fazenda de gado, pois de um e
outro lado existem extensos campos que vao, scgundo affir-
mam, ate As serras guyannezas.

No mappa publicado pelo conselheiro Duarte da Ponte
Ribeiro e major Isaltino J. Mendon^a de Carvalho em i863
relativo a uma parte do Imperio, este rio acha-se marcado
no logar em que effectivamente existe. Egualmente se
acha mencionado na collec^ao de mappas do no Amazo-
nas executados sob a direc^ao do sr. Jos^ da Costa Aze-
vedo (barao do Ladario). Por vezes passei em frcnte d sua
emboccadura que de todos os d'aquellas regioes i conhe-
cida, e nao me constou que fosse explorado.



^



:=:3E5



Cap.° III— Trib.°* do Amaionas., M. Esqiierda 277

RIO GENIPAPO

Encontro, em um trabalho escripto sobre o Amazonas,
enumerado o rio d'este nome, referindo-se d noiicia que
d'elle dd Gombreville na sua Relacdo do rio das Ama:;onas
traduzida da obra de Christoval d'Acuna, pois vem elle niar-
cado no mappa que a acompanha. Nos trabalhos moder-
nos que tenho consultado, em alguns o encontro raencio-
nado, mas Baena no seu Ensaio Corographico, na minu-
ciosa enumera^ao dds rios affluentes do Amazonas d'elle
nao fa: mencao. Eu tenho passado por vezes por estes lo-
gares em canoa o que dd logar i mais minuciosa observa-
cao do que a viagem a vapor, e nunca m'o indicaram. No
mappa de Martius encontro-o consignado pela forma se-
guinte: cRio Parii ou Genipapo.i Nada mais sei a respeito,

RIO URUBUCUARA

Por Baena e olhado este rio como um brace do Ama-
zonas e sobre elle se exprime pela seguinta forma: «Braco
do Amazonas que enira pela terra dentro ao Noroeste, e
a sete legoas de distancia difunde-se formando varios lagos
sobre uma dilatada planicie na fralda da cordilheira do
Paru: sstes lagos sao extremamente piscosos, e no inverno
convertem-se em um s6 e extensissimo lago bastante pro-
fundo.i

O padre Monteiro de Noronha em seu irinerario con-
sidera como rio. E na margem oriental d'elle que estava
collocada a povoa^ao do Oiiteiro, que foi missao dos pa-
dres de Santo Antonio, a qua) j^ nao existe.

RIO PARO

E este um dos rios mais importantes da Guyanna bra-
zileira, e sua importancia parece ter sido apreciada pelos
antigos. Como o seu nome indica, as suas nascentes, se-
gundo se diz, estao situadas na cordilheira do Parii.



278 As Regides Ama^ontcas

Pode dizer-se que toda a sua navegacao, com excepcao
das primeiras 3o legoas junto d foz, e livre para barcos a
vapor. Na parte superior de seu curso, quando attinge a
planice ou campo geral da Guyanna, deixam as cachoeiras
de apparecer. Attrjbuem-lhe um curso superior a 5oo kilo-
metros, tendo a maior parte d'elle a direccao SES.

Segundo a narracao dos que tern percorrido estas pa-
ragens, as suas cachoeiras sac de uma belleza excepctonal,
e na parte media de seu curso abunda o cacdo, a salsa, a
castanha, e as informa^oes mais ou menos rigorosas que
tenho obtido dizem que as riquezas mineraes egualmente
abundam.

Judiciosamente Jose Gualdino faz notar em seu traba-
Iho que e este um dos rios que os f^ancezes mais lem am-
bicionado possuir, a ponto de que Mr. Le Senec, confessando
em seus escriptos que a sua posse e precisamente prohi-
blda pelo tratado de Utrecht, aconselha o governo fran-
cez a procurar bases especiosas para um no\o tratado feito
com OS brazileiros, ge}is accomodanis, Jion pus trois fi-ois^
mais trois cents /bis bous, o que equivale a julgarem-nos tao
tolos que iriamos annular as vantagens que nos deu aquelle
tratado {').

Ainda modernamente a viagem de Crevaux pelo Paru,
e a commissao ofKcial dada a Mr. Condreau para esTudar
as regioes proximas ao Paru e nacoes alii existentes mos-
tram o interesse que a Franca toma per aquellas localida-
des.

Crevaux affirma, na narracao de sua viagem publicada
no Tour du Motide^ que, -segundo Ihe disscram os indios,
e segundo o mappa que elle organisou, o Parii em suas ul-
timas ramificai^oes fica apenas d distancia de tres dias do
rio Tapanahoni, que toma suas nascentes nas vertenies
oppostas de Tumucamac.



1



(') E pensava bem, julgandonos assim, p^iis ass
concesso's propostas em i856 pelo nosso plenipoie
lra]i&a;3o dos tcrrenos do Amapi indiscuttvelmenie n



I



Cap. Ill— Trib.^ do Ama\onas^ M Esqiierda 279

Um pouco abaixo da foz do Pani acha-se a villa de Al-
meirirn bastante decadente como a grande numero de ou-
tras acontece, tendo este facto contrario ao desenvolvimento
da Amazonia, que e incontestavel, a explica^ao seguinte.
Quando o Amazonas e seus affluentes eram navegados so-
mente pelos vapores da Companhia do Amazonas, estes
tocavam nas povoa^oes, pois a ellas eram levados pelos
que OS queriam remetter para a capital, ou alii iam rece-
ber o qiie a capital Ihes mandava; depois que a companhia
fluvial, a do Pard e Amazonas, a do Maraj6 e outras de
particulares estabeleceram carreiras, estas para serem pre-
feridas foram buscar os productos ou levar os generos ds
proprias casas dos fabricantes ou dos negociantes, no que
estes lucram tempo e despeza tocando ds vezes um vapor
em uma viagem a Mandos em mais de cincoenta portos;
a consequencia .e a forma^ao de muitos pequenos centros
de populacao, e a diminuicao das grandes povoacoes.

E n'este rio que foi construido o forte do Desterro Junto
d foz em i638 por ordem de Maciel Parente, e que por
surpreza foi tomado pelos francezes em 1690. Crevaux diz
que ainda em suas margens vagam as nacoes indias dos
Trios, Roconyennes, Apalai, etc.

Segundo diz sr. M. Ribeiro Lisboa em uma narrativa
de viagem publicada em 1889, em frente da foz existe uma
ilha alta e pedregosa junto d margem esquerda e nas pe-
dras d'esta ilha encontram-se numerosos fragmentos de
pequenas esculpturas indias que dizem ser antigos idolos,
fazendo lembrar as figuras hyeroglyphicas dos antigos me-
xicanos descriptos por Humboldt.

As margens do Parii sao geralmente altas e com fron-
doso arvoredo, as suas aguas limpidas tem na foz cerca
de 800 metros; esta largura diminue ate 200 metros abaixo
da cachoeira, porem no local d'esta tem 400 metros. Acha-se
collocada a uma boa distancia, pois que o sr. Lisboa diz
terem navegado 9 horas para chegar a ella, e isto a vapor.
A cascata do Paru e um diminutivo da do Niagara; a sua
queda tem 60 pes de altura e e de mais de mil tonelladas




28o As Regioes Amaionicas

por minuto. Duas pequenas ilhas convertem a cascata era
tres quedas das quaes a do centro e a menos larga.

Diz ainda este viajante, depois de se extasiar sobre o
brilhante espectaculo que offerecia esta grande massa de
agrua atirada de um sd jacto de tao grande altura: •O baixo
Pani que ate emao seguira seu curso natural, vinha re-
fluindo, e suas ondas, voliando da foz, corriara a mistu-
rar-se com as da cascata; juntas, pareciam reunir-se nas
entranhas da terra!

fEra o Rio-Mar, como verdadeiro mar que c, crescendo
sob a ac^ao da lua, represando seus tributarios, e obrigan-
do-os a correr no acima.»

Este facto extraordinario dava-se em um confiuente cuja
foz dista 240 milhas de embocadura do Amazonas.



VACARAPV

E citado per Baena como existindo eritre o Parii e o
Tohere ou Toere ou Tocre. No mappa de Martius e elle
assignalado como um rio de lao extenso curso, que seus
extremos bra^os chegam ate d serra guyanneza que elle
chama Tumucucuraque a curta distancia dos bra^os do
Marony na eticosta opposta. Nada mais sei sobre elle.



RIO TOHERK

Baena chama-Ihe Tocre e dd-lhe as nascentes na serra
do Parii com a direcijao OSO.

Foi tambem indevidamente chamado Aramacu, pois que
o Aramacu e um affluente da margem esquerda do To-
here, como bem explicitamente o designa o mappa de Mar-
tius. No mappa levantado pela commissao official presidida
pelo general Visconde Beaurepaire Rohan nao encontro o
Tohere designado, mas em vez d'elle um rio affluente do
Amazonas com o nome de Aramucu, Ferreira Penna, que
percorreu aquelles logares, na sua Noticia geral das comar-
cas de Macapd e Gurupd confirma a designacao de Mar



J



Cap.^ Ill—Trib.^ do Ama:{onas^ M. Esquerda 281

tius, apresentando o Aramacii como affluente do Tohere
ou Tauere; e acima d'esta junc^ao dos dous rios que estd
a povoacao de Arrayolos, e no extremo do Aramacii e que
esti, segundo F. Penna, a antiga freguezia de Expozende.

A beira do Aramacii, proximos a Arrayollos, comecam
OS campos geraes da Guyanna e por elles em seis horas se
chega ao Salto grande do Jary.

A fortifica^ao d'este rio mereceu especial atten^ao aos
portuguezes que tinham construido um forte na sua foz
proximo ao logar em que se bifurca o Amazonas. A sua
foz fica proximamente a 5o kilometfos da foz do Jary e a
100 da do Parii.

Depois do Tohere, rio abaixo, Baena cita como existen-
tes na margem guyanneza os seguintes rios dos quaes ape-
nas da os nomes.

RIOS MACACOS, CAJUBA, SARAP6 E BAQUIA

Consultando mappas e auctores diversos, vejo que o
mappa geral do Imperio de que acima fallo, de i883, nem
d'elles cogita, o mesmo acontece com o mappa allemao de
Petermann, alids um dos melhores que tenho encontrado;
no mappa de Martius entre o Tohere e o Jary nao encon-
tro designado rio algum affluindo no Amazonas, o mesmo
acontece com o mappa do sr. Pontes Ribeiro, alids feito
em ponto grande; tambem no mappa do sr. Jose da Costa
Azevedo no mencionado espaco encontro indicadas seis
boccas de rios ou riachos mas que de tao pouca importan-
cia foram julgados, que nome algum Ihes e attribuido, e
de notar tambem que no mappa levantado em 1877 pelo
piloto Jose Velloso Barreto que nao valendo muito pela po-
si^ao absoluta dos logares, merece comtudo consideracao
pela sua minuciosidade, pois tendo viajado por aquelles lo-
gares durante annos tinha conhecimentos que s6 dao a
larga persistencia e repetidas correccoes do trabalho feito,
jd no numero, Jd nos nomes dos rios e posicoes relativas,

nao encontro mencao d'estes rios; o mesmo acontece na
36



282 As Regides Ama:{OHicas

carta do Pari e Maranhao levantada em i8]3 por ord«ra
do brazileiro Manoel Marques; por estas razdes Hmito-me
a dar os nomes apontados por Baena sem mais esclareci-
ntento algum:

RIO JARY OU JAARY

Este no que e um dos principaes afiBuentes guyanne-
zes do Amazonas pode ser dividido no seu curso em tres
zonas: a inferior de cerca dc 25o kilometres e completa-
mente desembara^ada e franca A navega^ao; a media que
com a superior completam os 600 kilometros attribuidos
ao seu curso, e a menor, mas por tal maneira cortada
por cachoeiras, saltos e corredeiras, que e, podemos dizer,
inavegavel, embora essas cachoeiras sejam vadeaveis com
eicep^ao de uma alem da primeira, pois ambas constituem
um enorme salto do rio.

A primeira que termina a primeira sec^ao do rio e mais
estreita do que a do Pani, mas e mais imponente, pois o
salto e de cerca de cem pes, e tambem a lotalidade das
aguas do rio se precipita de um s6 facto como a do Panl,
mas em vez de cahir toda como um Ieni;ol ate a baixo,
e esta itiassa partida e rasgada de encontro a delgadas e
elegantes columnas de pedra que, como diz o sr. M. Ri-
beiro Lisboa, mais parecem columnas de templo grego do
qje obra da natureza.

A direc^ao d'este rio e pouco mais ou menos N. a S.
e segundo affirmam diversos e mostra o mappa de Cre-
vaux a direc<;ao d'elle e paralleta A do Paru; e segundo
este viajante na parte superior do seu curso recebe o Jary
dous rios importantes que sao Apaonani e o Kou do qual
e affluente o Rouapir o qual, segundo Crevaux, pertence i
Guyaiina franceza.

Alem dos abundantes castanhaes que enriquecem as
reattas na parte superior do seu curso, e ainda este rio ci-
tado como um d'aquelles em que mais abundam as arvo-
res de borracha, pelo que, apezar de ser insalubre em uma
parte do anno, contam-se em suas margens um grande nu-



i



Cap.^ Ill— Trib.^ do Ama^onas^ M. Esquerda 283

mero de feitorias para a explora^ao da borracha. Este pro-
ducto extrahido cl'estas regioes e reputado de qualidade
superior, e abunda e cresce por tal forma que sendo
este o ponto da provincia no qual ha mais tempo se explora
este producto natural, nao tern havido diminui^ao na pro-
duccao.

A natureza das rochas que formam as cachoeiras do
Xingii sao classificadas por Ferreira Penna como rochas
graniticas, especialisando o gneus, e creio ser exacta esta
indicacao pois difficil seria elle enganar-se em rocha de as-
pecto tao conhecido. Outros auctores porem, flindando-se
nos estudos de Joao de Laet, e nos de St. Elme Reynaud,
consideram os terrenos da margem esquerda do Oyapock
formados por elevacoes graniticas que vao ate ao mar, em-
quanto que entre este rio e o Amazonas se estende uma fa-
cha de terrenos alluviaes de 7 legoas mais ou menos de
largura e que constituem parte do primitivo delta do Ama-
zonas que, segundo o ultimo d'estes auctores, se estendia
at6 ao cabo de Orange. Esta opiniao porem, quanto a mim,
em nada invalida a opiniao do sr. Ferreira Penna, pois
sendo essa facha de terrenos de alluviao de 6 a 7 legoas
nao podiam alcancjar as cachoeiras do Jary coUocadas a
mais 200 kilometros da foz no Amazonas, e nada ha que
invalide a supposicao de que essa formacao granitica lan-
gasse ramificacoes ate aos pontos em que existem essas
cachoeiras, supposicao esta que e corroborrada pela asser-
^ao de Crevaux que assignala a existencia de granitos em
muitos logares, o que ainda concorda com a affirmacao de
muitos outros viajantes e escriptores.

Foi sempre este rio habitado por numerosas tribus de
indigenas e hoje mesmo ainda alii se encontram algumas
como Araras e Jurunas.

RIO CAJARY .

E' pouco conhecido este rio que pertence ao numero
dos Guyannezes sendo de muito menor curso do que o pre-



2^4 As Regides Ama\otiicas

cedente. As suas aguas sao negras como as do Rio Negro em-
qganto que as do Jary, correndo em terrenos que parecem
da mesma natureza, sao verdes.

R!0 MABACA-PUCO

De pouca importancia^ partindo das vcrtenies das serras
guyannezas perlo do lago Unani.

RIO MUTUACA

A cerca de lo legoas da foz do precedentc em cuja
margem septentrional estd collocada a villa de Mazagao,
distante i8 kllometros da foz. Em 1770, D. Jose I, rei Por-
tugal, alii fez construir 200 casas para n'ellas serem aloja-
dos OS moradores dt praca de Mazagao em Africa que
fora entregue ao sultao de Marrocos, sendo seus morado-
res trazidos do Pari.

Este logar tem passado por alternativas de fiorescimento
e decadencia.

RIO ANAUERAPUCC

Desce das montanhas guyanezas. Diz a tal respeito
Baena: trio dirigido de um dos lagos de Guyanna brazileira,
pouco alongado do berijo do no Oyapoc.»

Abunda em salsa, cacau, breu, estopa e bellas madei-
ras. N'este rio foi situada a povoacao de Villa Nova Vistosa,
a 7 legoas da foz.

RIO MATAPl

E' pouco conhecido e de pouca importancia, segundo o
que d'elle informam, tendo sido explorado ate a primcira
cachoeira. Aflirmara que do seu curso superior se passa
por um trajecto muito curto para o igarape dos Paos,
afRuente do Araguay. Se esta assercao e verdadeira, e for-
90S0 admittir que curso tem uma extensao consideravel.



/



Cap." UI—Trib.°' do Ama\onas, M. Esqucrda 285

RIO CARAPANATUBA

Rio pouco importante no qual, pelo tratado de 1801 que
nenhum valor teve, era fixado pela Franca o liraite da
Guyana franceza, o qual daria d Franca uma posicao rauiio
mais vaniajosa do que tendo por limites o Oyapoc ou quaU
quer outro rio, ainda mesmo o Araguary; esta preiencao
poriitn nao poude ser mantida em face do tratado de Utre-
cht que dd exclusivo dominio nas terras do cabo do Norte
d coroa portugueza.

RIOS DA PEDREIRA, MACACOARY, JUPATY, GURUJUBA

Sao xados de infima importancia, e apcnas menciona-
dos em algumas cartas da costa.

RIO ARAGUARY E ARAWARV

E' esie o rio sobre o qual lantas controversias tern tido
Portugal e depois o Brazil com a Franca que Ihe chama
Arawary e Arrowary; e importante nao so pelo volume de
suas aguas como pela extensao de sua corrente, e mais
ainda pela sua posicao em relacao aos rios da Guyanna
brazileira.

A posicao astronomica de sua foz e a de i''-i4'-3" Lat.
N. e 6''-4y-6" de Long. O-, segundo os nossos mappas,

A sua primeira cachoeira fica a o°-5['-45" Lat. N. e
8°-o'-23 Long. O. Da sua foz ate esta primeira cachoeira
contam-se 180 kllometros. A sua navegacao e dcsemba-
racada mas nao para grandes vasos; os effeitos da poro-
roca fazem-se sentir a grande distancia da bocca, ate acima
da iiha da Jacitara; communica com varios lagos, taes como
o do Rei. e o Tracajatuba.

Tern diversos affluentes, sendo os principaes o Bata-
bonto e o Apurema. Consultando differentes mappas e
pessoas que por alU lem navegado, apenas o mappa do sr.



\



286 As Regiocs Ama^onicas

J. da Costa Azevedo (Barao do Ladario) dd alguns deta-
Ihes sobre a embocadura do Araguary e posii;ao do Amapa.

No mappa do sr. Vellozo Barreio encontro concordan-
cJa com que e figurado no mappa do sr. J. de C. Aze-
vedo, jnas n'aquelle encontra-se o ira^ado do rio em todo
o seu curso. N'esse mappa vejo que pelo affluente Apure-
ma se passa para o Amapd, o que me tern sido affirmado
pelos vaqueanos d'aquelles togares, e isto d4 muita impor-
tancia a qualquer das estipula^Ses de limites com a Franca.

No Araguary, em sua margem esquerda, foi pelo go-
verno brazileiro fundada a colonia militar Pedro II acima
do desaguadouro do lago do Rei e ahaixo d'aquelle do
Tracajatuba; a pouco mais de 3oo kilometros da foz, e an-
tes de chegar ao igarapi dos Paos na margem direita do
rio Araguary comeca uraa estrada que leva por uma linha
quasi recta i pra<;3 de Macap^.

O presidio ou colonia militar Pedro II nao tem valor al-
gum, pois o logar mal escolhido em que foi collocada tem
a guamicao sempre doente. Este anno (1880) o governo da
republica decretou a crea^ao de colonias na Guyanna bra-
ziteira e a primeira expedi^ao seguiu sob as ordens do ma-
jor Ferreira Gomes; as febres, porem, mataramuma parte
dos expedicionarios, incluindo o chefe, mas seguindo ate
encontrar os terrenos altos foi estabelecida a Colonia a
qual deram o nome do mallogrado chefe Ferreira Gomes,
e n'este local, que se acha proximo i primeira cachoeira,
tem OS colonos gosado saude.

A posi^ao astronomica da antiga colonia militar Pedro
II era de o'-bg'-og" de Long. N. e 7''-46'-54'' dc Long. O.
Sinto nao poder marcar a posi^ao da nova colonia. A grande
pororoca, que nas proximidades do cabo do Norte loma
propor^Ses gigantescas, faz-se sentir pelo Araguary dentro
ate 3o iegoas, segundo diz o barao de Alckenaor.

Em 1660 Pedro da Costa Favella, pernambucano, que
acompanhando Pedro Teixeira fora em 1639 ate 100 Iegoas
acima da foz do Napo e & distancia de mais de 20" do
Oyapock, tomara solemnemenle posse do Amazonas para



1



Cap.^ Ill— Trib.^' do Amasfpnas, M. Esquerda 287

a coroa de Portugal, levantara um forte no Araguary, sob
cuja protec^ao cathequisavam os religiosbs portuguezes
n'aquellas cercanias.

Do igarapi dos paos passa-se por um certo trajecto
para um pequeno affluente do no Matapi, podendo por con-
seguinte, descendo por este, ir qualquer for^a cahir ao bra^o
principal do Amazonas proximo ds tres ilhas de Sam' Anna
dos Tucujus, Santa Rosa, e do Pard,

A importahcia d'estas communicacoes e bem avaliada
pelos que conhecem o Pard e suas mattas, pelas quaes se-
ria extremamente difficil o fazer avancar qualquer for^a ar-
mada, o que porem se torna facil pelas vias fluviaes, en-
trando no An^azonas em um ponto muito superior d sua
foz e a salvo da grande fortaleza de Macapd.

Esta importancia foi bem conhecida pelos diplomatas
portuguezes que nunca quizeram ceder uma linha do que
Ihes fora reconhecido pelo tratado de Utrecht, reforcado
ainda pelo de 181 5 de Vienna, n isto melhor inspirados do
que OS negociadores brazileiros quando neutralisaram ter-
renos nossos.

Tanta importancia dava a coroa portugueza a affirma-
cao plena e desassombrada de nossos direitos, que em 1686
o capitao general Antonio de Albuquerque Q)elho de Car-
valho, tendo pessoalmente com o mathematico jesuita Alui-
sio Corrado examinado a situacao dos antigos fortes, tomado
aos inglezes e hollandezes, Torrego, Canaii e Maricary, so-
bre as ruinas do segundo fez erguer novas fortificacoes em
1688, dando-lhe o nome de Santo Antonio, o qual depois,
em 1752, foi mudado e ampliado no ponto onde actual-
mente se acha a fortaleza de S. Jose de Macapd, locali-
dade que a 4 de Fevereiro de 1768 foi elevada i categoria
de Villa.

A foz do Araguary fica a cerca de 3o milhas de distan-
cia do cabo do Norte tantas vezes indicado nos tratados
celebrados, que nos davam claro direito ate ao cabo de
Orange, sendo firmado no cabeco da montanha d' Argent
um marco com as armas de Portugal que ainda em 1724



288 As Regides Ama:{omca$

e 1727 foi visto e examinado pe)o capitao Joao Pedro do
Amarai e Francisco de Mello Palheta.

RIO PIRATUBA

De pouca importancia e nao estudado. A sua foz esta
situada entre a do Araguary e Cabo do Norte, e a sua
posi^ao e de i°-3i'-3o" de Lat. N. e 6''-46-47 dc Long. O.

RIO SUCURUJO

Rio mui pequeno, cuja foz na costa lica em seguida a
do precedente.

RIO CARAPAPORIS

Desagoa no canal do mesmo nome em frente d iiha do
Maracd, a posi^ao de sua foz e de i"-5i'-5o" Lat. N. e
7''-22'-o",3 de Long. O. Este rio adquiriu importancia pela
insistencia da Franca em 1745 em o tomar corao liraite
verdadeiro do tratado de Utrecht, pretencao inteiramente
contraria ao mesmo tratado, como por muitas vezes tern
sido demonstrado.

Este rio vem da lagda Mapruene, que Ihe fica 20 milhas
ao Sul da foz, de sorte que elle € mais urn desaguadouro
do que um rio; nao recebe affluentes pela sua margem
oriental, mas pela occidental, a- 12 legoas da foz, recebe o
igarape Bella que e desaguadouro do lago Mapepuca, 3 le-
goas ao S. D'este recebe outro igarape chamado Macar\',
desaguadouro do lago do mesmo nome; ainda depois re-
cebe o rio Manaye que e importante e parece ser a ver-
dadeira continua^ao do Carapaporis, cujo rumo mais geral
e odeNS.(').

RIO MAPA OU AMAPA

Pelo primeiro d'estes nomes i conhecido dos francezes
e pelo segundo dos brazileiros. E' umrio que se pode cha-



(') Sobre estas regioes e rios vide a obra de J, C. da Silva. O
Cfyapoc e a Declarafao dos direuos do BrajU, pelo conselheiro Anto-
nio de Menezes Vasconcellos de Drumond.



^i



i



Cap,^ III— Trib.^' do Ama^onas^ M. Esquerda 289

mar novo do qual antigamente se nao fazia mencao, e o
motivo d'isto o vou dizer. Jd acima fallei do lago Macary
que alimentava o rio Carapaporis pelo igarape d'aquelle
nome com o excesso de suas aguas; ora esta lagoa que e
muito consideravel contem em si ilhas bastante grandes
que quasi que a dividem em dous lagos, um pelo lado do
S., outro pelo lado do N.; a este tinham dado o nome de
lago do Amapd, e recebe elle a grande copia de suas aguas
de dous rios importantes que formando como um V se en-
caminham para elle. A um deram os francezes o nome de
St. Hilaire o qual vem de SO., e ao outro chamam Bau-
draud e vem do NO., isto e um vem do lado do Ara-
guary, e o outro das proximidades das nascentes do Oya-
poc.

A grande lagoa primitivamente pelo lado do N. muito
pouca agoa mandava por um igarape chamado Amapd que
ia cahir no rio Maiacare em angulo muito agudo; quando
porem em i836 foram estes logares e rios explorados, re-
conheceu-se que uma mudanca consideravel tivera logar na
hydrographia d'aquella regiao: a barra do Carapaporis es-
tava obstruida e o pczo das aguas, carregando para o N.
para o igarape ou vasadouro chamado Mapd, com a vio-
lencia que levavam suas aguas, em vez de torcerem para
o Mayacare romperam pela terra dentro quasi em direccao
perpendicular d praia, dando uma nova embocadura e um
trajecto mais curto ao novo rio Amapd.

Reflectindo sobre o que tenho dito dos rios da costa a
contar do Araguary, vemos quanto e importante esta posi-
9ao do Amapd; e elle o centro de onde podem dimanar as
communicacoes para a Guyanna franceza, para a costa do
Oceano, para o interior do rio Amazonas.

Alem d'isto, estes rios acham-se quasi todos a coberto
das iras do Oceano pela grande ilha do Maracd, dando lo-
gar ao canal do Carapaporis ou estreito do Maracd por
onde se faz toda a navegacao costeira entre Cayenna e
Pard. Quem senhorear estas posicoes, difficultard a navega-
cao, e com facilidade poderd passar do Amapd pelo iga-

37



1



ago As Regiocs Ama^onicas

rape Macary aos differenies rios ate ao Araguary, ligando
assim o Amazonas com o Oyapoc, podendo vir atacar-
nos dentro de nossa propria casa. E' por isto que em
Cayenna os habltantes do Amapd obtem todas as facilida-
des quando querem baptisar seus filhos ou collocal-os em
collegio, e n'isto se mostfam os francezes mais inteligentes
e patriotas do que nos os brazileiros.

Esta pretencao sobre estas localidades nao e moderna:
remonia a 1776 com a ligeira differenca de que n'aquella epo-
cha davam o nome A lagda Amapd ou Mapd de Macary,
Uamacary e Uanauy, como se pode bcm ver no irabalho
que atraz citei do sr. A. Menezes Vasconcellos de Dru-
mond.

MAYACARfi

Pelo que acima disse sobre o Amapd, quasi nada tenho
a dizer sobre este rio. A sua foz fica na Lai. de 2"-33'-i7" c
Long, de 7''-27'-58" O., e tern sido conhecido pelos nomes
de Maniare, Mayacary, Uamacary, Uanauy e Maracary.

Corre de O. para E., costeando a margem septentrio-
nal do lago Amapd, dlvidindo-se em dous bracos, um que
continiia de E. para O., que e o rio Amapa ou Mapd, o ou-
tro que se inflecte para o N., que e a antiga embocadura
do Mayacare. As duas barras sao separadas por um espaco
de 16 milhas. Segundo se l€ na obra que tenho citado O
Oyapoc, em 1777 os francezes ' collocaram clandcstina-
menle na margem d'este rio um destacamenlo guamecendo
um posto militar.

No historico d'este rio encontra-se um episodic diplo-
matico que tem seu tanto de grotesco o qual se refere ao
governador de Cayenna Mr. de Charauvilte.

Desejando clle que o limite do territorio franccz se
aproximasse quanto fosse possivel do Cabo do Norie c por
consequencia do Amazonas, e sendo o Mayacare o pri-
meiro rio depois do dito cabo, no dizer da gente de Cayenna,
foi elle quern primeiro teve a lembranca de tomar como li-
mite a extremidade septentrional da bahia de Vicente Pin-



CapP III— TribP^ do Amaionas^ M. Esquerda 291

son, isto e o rio Mayacare, que alem de'tudo Ihe ofFerece-
ria communicacao interna com o Amazonas, pois que por
elle entrara Mr. de Ferrolles quando fora atacar os fortes
brazileiros em 1688; havia porem alguma dificuldadc em
applicar ao Mayacare nao so o nome de Vicente Pinson,
mais ainda o de Japoc.

O primeiro Justificava-o elle bem ou mal, dizendo que,
desembocando ria bahia de Vicente Pinson, era natural que
d'ella tomasse o nome, mas para Ihe applicar o nome in-
digena de Japoc foi a tarefa mais difficil e o meio tor-
nou-se burlesco.

Assegurou elle que o nome de Japoc, consignado no
tratado de Utrecht era com pequena differenca o mesmo
que fora dado ao Mayacare no Flambeau de la mer^ fa-
moso atlas maritimo publicado em hollandez por Van
Keulleii^ traduzido em diversas linguas. Ora o nome que
se encontra n'esse atlas, aquelle que o governador de
Cayenna proclamava como a verdadeira expressao de Ja-
poc ou Yapoc do tratado de Utrecht, era o de Warypoco.

Mr. de Charauville pronunciando Ouaripoco achava que
evidentemente era o mesmo que Ouyapoco, uma das for-
mas dadas ao nome indigena do rio do cabo de Orange.
O primeiro elemento era o mesmo aii dizia elle, o ultimo
e o mesmo poco^ nao restava senao a parte aiy e reduzil-a
a J a; ora o ^ e o a jd Id estavam, verdade e que ao in-
verso e separado por um r.

Isto era simplesmente burlesco, mas o governador es-
queceu que insistindo em mudar Warypoco em Ouyapoc
ou Yapoc, implicava a confissao de que a forma Japoc do
tratado de Utrecht era uma variante do rio do Cabo de
Orange.

RIO CALS0EN6

Este rio tem sido chamado ora assim, ora Calsevene,
Calsuene, Calmene e Carsevenne e dos Calcoes em alguns
poucos mappas portuguezes; em alguns mappas francezes
e chamado Calsevene, mostrando que e isto copiado dos



%g2 As Regi'des Ama^om'cas

mappas inglezes que escrevem Calsewene; mas dao ao a>
a pronuncia de v.

Segue este rio de O. para E. e sem receber um so
afRuente de alguma importanda va'i desaguarem utna barra
variavel e rasa no Oceano na Lat, de 2°-3a'.

Este rio sem imporlancia alguma foi dechrado em 1797
pelo governo francez como verdadeiro limite marcado no
tratado de Utrecht.

Os francezes tambem Ihe tern chamado rio de Vicente
Pinson, mas pelos portuguezes nunca Ihe foi dado outro
nome senao o de Calsoene, como bem claramente e decla-
rado no artigo 7." do tratado de 1797.

No atlas de Betlini de 1764 jjl vem o limite da Guyanna
franceza nos mappas 38 e 46 marcado por Lat. d'este rio,
ainda que nao vem declarado nome.

Nao ha mappa algum portuguez anterior a 1797, data
do tratado, que d^ o nome de Vicente Pinson ao Calsoetie;
s6 depois do tratado e que esse nome Ihe e dado em uma
ou outra carta.

RIO CONANI

Este rio tem side chamado por Harcourt na sua narra-
tiva de viagem Cunawini, e por Heymis, Coanawini; a sua
Lat. e de 2"-49', ou, segundo J. Caetano da Silva, 2°-bo'.

Mr. Malonet fixou n'este rio a fronteira que elle cha-
mava fronteira segundo direito^ e abbadc Raynal, seu
amigo e que escrevia segundo os apontamentos que elle
Ihe fornecia, na ultima edl^ao do seu trabalho em 1780
dava este rio como o verdadeiro rio de Vicente Pinson do
tratado de Utrecht.

Nas desgracadas e felizmente mallogradas negocia^oes
de i85fi, o Brazil ofi'ereceu este rio como limite & Fran9a,
que o recusou.

Quando tratei dos limites da Amazonia com a Guyanna
franceza, occupei-me da Republica do Cunany tentada por
um tal Gros, e, permitta-me Mr. Coudreau a franqueza, fa-
vorecida por elle; por isso nada mais direi.






Cap.^ Ill— Irib.^ do Ama\onas^ M. Esquerda 293

RIO CASSIPURE

O Cassipure, Cassipour, ou Cachipour dos francezes,
na Lat. de 3°-52'-i5" N. e^7®-57'-o,i'' de Long. O. tambem
foi offerecido d Franca como limite por equidade, e por
ella regeitado.

RIO UAgA OU UASSA

O ultimo antes do Oyapoc com a foz em 4®-i5'-o,2"
Lat. N., e 8®-22'-49" de Long. O. Tambem e conhecido com
o nome de Ouassa.

RIO OIAPOC, OYAPOC, JAPOC OU YAPOG

E este o no ao qual, alem das denomina^oes acima, foi
dado o nome de Vicente Pinson; e este o rio cuja margem
esquerda foi dada como limite 4 Franga pelo artigo 8.® do
tratado de Utrecht, e a margem direita como limite das
possessoes portuguezas, hoje Republica dos Estados Uni-
dos do Brazil.

A sua foz estd situada a 4**-i3'-i6" Lat. N., e 8^-25'- 16"
de Long. O. do Rio de Janeiro. O seu curso segue em ge-
ral o rumo NE., e parece ter uma extensao superior a 3oo
kilometros. E cortado por cachoeiras das quaes aprimeira
estd a 3H8'-58" de Lat. N. e 8*»-45'.ii" Long. O.

Jd atraz, quando fallei dos limites do Brazil, me occupei
dos nossos direitos a esta por^ao de terra que vai ate ao
Araguary a qual nos e contestada pela Franca, cabendo po-
rem observar aqui que emquanto Portugal e Brazil em um
pcriodo de cerca de 200 annos tem mantido invariavel a
affirmativa de seus direitos ate ao Oyapoc, limitando-se a
concessoes que tem proposto aquem do Oyapoc como um
meio de terminar esta eterna questao e nao como reconhe-
cimento de direitos da Franca, esta tem variado em suas
preten^oes a cada nova tentativa de negociagoes, na affir-
ma^ao de seus direitos. O resumo d'estas preten^oes e
curioso.



294 As Regides Ama^ontcas

O Oyapoc foi declarado limite meridional da Guyanna
franceza em i633 pe!o governo francez. Foi dedarado li-
mite septentrional do Brazil em 1637 e em 1G45 pclo go-
verno hespanhol e portuguez. Foi reconhecido como limite
meridional da Guyanna franceza em 1666 pelo goveniador
de Cayenna. Dedarado como limite septentrional do Bra-
zil em 1688 pelo commandanle da fronteira brazileira. Rc-
damado como limite septentrional do Brazil em 1609 pelo
governo portuguez. Estipuiado como limite septentrional
do territorio neutralisado enire a Franca e o Brazil no Ira-
lado proj'ison'o de 4 de Mar^o de 1700, Esiipulado como
limite respectivo do mesmo territorio no tratado de 18 de
Junhode 1701. Estipuiado como limite difinitivo da Guyanna
franceza e do Brazil pelo tratado de 16 de Maio de 1703.
Acceito pelo governo francez em 1709 como limite difini-
tivo da Guyanna franceza e do Brazil. Offerecido em 1710
pelo governo francez como limite difinitivo etitre a Franca
e o Brazil. Redamado pelo governo portuguez no congrcsso
de Utrecht, como limite difinitivo da Guyanna franceza c
o Brazil. Estipuiado pelo tratado de Utrecht de 1 1 de Abril
de i7i3 como limite difinitivo da Guyanna franceza e o
Brazil. Redamado pelo governo portuguez como verda-
deiro limite do tratado de Utrecht no tratado de if> de Fe-
vereiro de 1810. Novamente redamado pelo governo por-
tuguez em 1814 como verdadeiro limite do tratado de
Utrecht. Estipuiado como limite maritimo provisorio enire
OS dous paizes em 9 de Junho de i8i5, no acto final dc
Vienna, com declaracao de que os limites difinitivos seriam
detcrminados de conformidade com o sentido preciso do
artigo 8." do tratado de Utrecht, Novamente estipuiado
como limite provisorio da Guyanna franceza e do Brazil a
28 de Agosto de 1817 na convencao de Paris, com a racs-
ma declaracao do artigo de Vienna, que os limites difini-
tivos serao determinados coiiformc o sentido preciso do ar-
tigo 8." do tratado de Utrecht.

Reconhecido ainda pelo governo francez, e niio so por
elle como por um grande numero de escriplores, como o



^






Cap. Ill — Trib.'" do Ama:;onas, M. Esqucrda 293

verdadeiro limite entre os dous paizes. Apezar porem do
iratado de Vienna e da conven^ao de Paris, a Franca oc- .
cupa desde i838 uma parte da margem oriental do Oyapoc
declarada provisoriamente brazileira por aquelks dous tra-
tados.

Alem d'este Oyapoc verdadeiro, as conveniencias de
momento tern feito que funccionarios francezes tenham
creado lovos e falsos Oyapocs, um ao lado e perto do
Amazonas 16 annos depois do tratado de Utrecht; outro
mesmo dentro do curso do proprio Amazonas^ creado 18
annos depois do tratado de Utrecht.



I



i



ONAS E SEUS 1




\



GAPITULO IT



ILHAS E LAGOS



ILHAS



Seria de certo um artigo dos mais interessantes aquelle
que tratasse da enumeracao e descrip^ao de todas as ilhas
que se encontram nas duas provincias banhadas pelo Ama-
zonas e seus afflucntes, nem este artigo pode deixar de to-
mar logar quando se trata de estudos corographicos. Infe-
lizmente porem, nem um estudo complete pode ser por
mim utilisado por que um pequeno numero. de ilhas, entre
tantas que ellas sao, tem sido visitadas ou mesmo percor-
ridas pelos viajantes, e ainda menos peios geographos,
como tambem por que sao ellas em um numero tal, que
difficilimo se torna essa tarefa; alem d'isto, sendo o maior
numero d'ella, de recente formacao, de terrenos alagados,
pouco interesse offerecem d especula^ao.

Por estas razoes e-me impossivel fazer d'ellas uma des-
cripqao: limitar-me-hei a formar difFerentes grupos, e dizer
o que poder colher sobre aquellas que maior importancia
offerecem por qualquer lado que sejam apresentadas.

Os grupos serao os seguintes:

i.^ grupo de ilhas da embocadura do Amazonas a con-
tar do Cabo do Norte ate Macapd e ate ao Rio Pard.

2.° Ilhas do Rio Pari ate d bocca do Tocantins.
38



298 As RegiSes Ama{onicas

3." llhas desde a bocca do Tocantins pelo Tajapuru ate
i bocca do Xlngu no Amazonas.

4.'' llhas do Amazonas desde Macapd ao Javary-
S." llhas do rio Madeira.
6." llhas do rio Negro.
7.*' llhas do Tocantins.



I.»


llha do Bailique.


2.*


» do Marinheiro


3.»


» do Brigue.


4-'


. doVeado.


6."


• Fresca.


6.'


» Nova.


7-''


» da Pedreira.


8."


. do Curui.


9-'


» do Bemtevi.


0.'


B dos Machados


!.■


■ do Faustino.'


2.»


» de Bragan5a.


3."


» Caviana.



14.* Una Mexiana.

1 5.* • das Pacas.

i6.* > dos Camaleoes.

17.' » Caj.etuba.

18.' » Marajo.

19.' » Jurupary.

20." » Tijoca.

21.* B das Frcchas.

22,* » dos Remedios.

23.* » das Marrecas.

24.' • das Gaivoias.

25.* • do Maracd.



ILHA DE MARAJ6, OU ILHA GRANDE DE JOANNES

€Na grande embocadura do rio das Amazonas acha-sc
flancada em travez uma iiha mais comprida e mais larga
sdo que todo reino de Portugal, e habitada por varias
itribus de indios, que pela difficuldade e diversidade dc
■ suas linguagens, sao denominados pelo nome gcnerJco
«de Nheengahibas.i Eis o que se encontra na carta escri-
pta ao Rei de Portugal pelo celebre padre Antonio Vieira
em 28 de Novembro de iGSg, dando-lhe conta das miss6es
a seu cargo, em relacao & Itha Maraj6 ou de Joannes, a
maior d'estas regioes.






Capitulo IV — Ilhas e Lagos 299

A seu turno, tratando d'ella, diz Baena: tEsta ilha jaz
na propinquidade da linha equinoxial; quasi parallelamente
a ella entra a extremidadp oriental da costa de Gurupd, e
a costa occidental da peninsula da cidade do Pard, tendo
a parte arrostante ao N. tres legoas e um ter^o em seu
afastamento da sobredita linha, e a parte diametralmente
opposta distante oito legoas e um tergo da cidade. »

A posicao da ilha de Maraj6, que podemos dizer estd na
bocca do Amazonas, tem feito que muitos via j antes a olhem
.como parte do delta amazonico; jd atraz dissemos a tal
respeito alguma cousa que se acha admiravelmente resu-
mido no trecho escripto por Derby, geologo americano que
visitou a ilha em 1871, e que acho completamente de ac-
cordo com as consideracoes feitas por Agassiz em sua vi-
sita a estas Tegioes. Diz Derby: cA structura geologica da
ilha de Marajo e conforme d da terra que limita o rio por
ambos os lados.

•Excepcao e regra que se applica a quasi todos os gran-
des rios, o Amazonas nao tem em sua embocadura um
delta de formagao recente pelos sedimentos das aguas,
mas sim depositos mais antigos do que os actualmente for-
mados. Encontrando a corrente do equador, nao pode a
quantidade immensa de sedimento, que o no transporta,
ser depositada na embocadura, e e levada a formar a costa
da Guyanna. D'ahi resulta que o comprimento do rio nao
augmenta, como acontece com o Nilo, Mississipi e outros,
mas ao contrario, actualmente o mar ganha pela destrui-
cao da costa de L. do Pard e da ilha de Maraj6. Grande
parte do lado occidental da ilha e devida aos depositos se-
dimentares presentemente formados pelo rio onde a forca
da corrente e quebrada pela intervengao da parte mais an-
tiga de L.

Effectivamente o Mississipi, o Nilo, o Ganges, o Danu-
bio e muifos outros, tem todos um delta em sua emboca-
dura formado pelos depositos que transportam; os peque-
nos rios seguem tambem a mesma lei; aqui porem, e ella
transgredida e e hoje incontestavel que as ilhas de Marajo,



3oo As Regides Ama^ont'cas

Caviana e Mcxiana e outras nao fazem parte do delta, mas
S90 pedacos do continente como jd atraz disse^ nao sera
porem demais o repetil-o.

Algumas pequenas iihas ha devidas a recentes deposi-
tos, mesmo sao elias em grande numero, mas em geral de
pequena extensao, e pouco sobem acima do nivel das aguas
e ainda teem a particularidade de poucas vezes apre-
sentarem muita dura^ao pois a maior parte d'ellas no dm
de alguns annos sSo destrutdas pela for^a das correniezas.

Parece incontestavel, depois dos estudos feitos a este
respeilo por Agassiz e Derby na ilha de Marajo cm 1866
e 1871, que as ilhas do linoral sao pedacos do continente
d'elle destacados uns pela ac^ao errosiva da corrente do
rio, outros pela aci;ao invasora do Oceano ou por ambas as
causas conjunctameilte.

Os estudos de Agassiz em Maraj6 coraprovam esta mi-
nba asser^ao especialmente o exame por elle feJto na bar-
ranca ou ribanceira do Igarape- Grande, junto a Soure, e
combinado com os estudos nas duas costas continentaes
entre as quaes fica a grande ilha.

O chama^o Igarap^- Grande, que e um rio de certa im-
portancia, corta a ilha na sua extremidade SE., c o corte
por elle produzido e em extrerao profundo, dir-se-hia ser
elle talhado expressamente para um estudo geologjco, pois
apresenta bem ' diiinidas as tres forma^des caracteristicas
do Amazonas que expuz quando me occupci da theoria
geologica do dr. Agasstz. Sao bem visiveJs do lado de Sal-
vaterra na margem do Igarape-grande opposta dquelia que
estd proxima a Soure, na parte inferior o gres bem strati-
ficado, sobre o qual repousa a argila em laminas finissimas
cobertas pela sua crosta vitrea, acima o gres ferruginoso
de stratifica^ao torrencial, contendo aqui e alii calhaos de
quartz; c finalmente cobrindo o todo a formacao de argila
arenosa ocracea, sem stratifica^ao, disposta sobre a supcr-
ficie ondulada do gr^s denudado seguindo a desigualdade
das camadas sobre que repousa e enchendo todas as de-
pressoes e sulcos; esta depressao ou escavacao do Igarape-



i|



I



Capitulo IV — nhas e Lagos 3oi

grande, em uma profundidade de 46 metros para o proprio
leito, facilitou tambem, como diz Agassiz, as invasoes do
m:ir, e hojc o Oceano vai entrando cada vez mais peta
terra dentro; e quando outra prova nao houvesse da ac^ao
das mares n'esta localidade, bastaria o contraste que ha en-
tre o corte abrupto do ieilo do Igarape-grande e o declive
suave de suas margens na sua embocadura para o provar.
Aqui tomam-se bem distinctas a obra do rio e a obra do
mar, e toma-se inconiestavel a ac^ao de ambas as fonjas.

Agassiz, com a descoberta que fez de uma floresta sub-
mergida na embocadura do Igarape-grande, tanto em Soure
como em Salvaterra, na margem meridional, a qual evi-
dcntemente florescia em um d'esses terrenos pantanosos
em que a inunda^ao e constante, pots que entre as raizes
e OS fragmentos de troncos, estd accumulada a turfa allu-
vial como que acamada, e tao rica em materia vegetal,
como em lodo, o que caracterisa esta especie de terreno,
provou a interven(;ao oceanica; e nao ha que duvidar d'ella,
pcis que as pequenas dentaduras da turfa estao cheias de
areia deixada pelas mares, e separa a floresta destruida da
que ainda vegeta um pouco atraz.

Ainda mais, na vigia em frente a Soure na margem
continental do rio Pari, justamente no ponto onde esta en-
contra o mar, encontra-se o phenomeno correspondente,
isto e, uma outra turfeira com inumeraveis raizes de arvo-
res, invadida pelas areias do mar como a outra, e bem vi-
sivel. Nao pode duvidar-se de que estas florestas, como diz
Agassiz, outrora formaram um s6 todo^ cobrindo todo o es-
paco occupado pelo rio do Pari.

Ainda leio no livro de Agassiz, que testemunho de
pesaoas de ha multo habitando aquelles togares da costa,
Ihe affirmaram que haverfi vinte annos existia uma iiha de
mais de uma milha na embocadura da bahia da Vigia, pelo
lado do N., a qual desappareceu. A E. a bahia de Bra-
gan^a tem dobrado de largura no mesmo periodo, e na
costa; no interior mesmo d'esta bahia, o mar tem entrado
mais de 200 metros em dez annos, facto este que e incon-



3o2 As Regides Ama^omcas

testavel e facil de conhecer pela posi?ao relativa de casas,
ha muito construidas, em rela^ao ao mar. Alem d'cstas,
Mr. Agassiz refere ainda outras observacoes do major Cou-
tinho na costa de Macapfk que o coraprovam, e bcm incon-
testavel e a ruina que tern soffrido a propria fortaleza da
accao do mar.

Enumerei ainda urn outre facto importante que de uma
maneira bem notavel comprova o que assevera Agassiz: e
de que a ilha da Caviana que, lendo terreros baixos, os
tern tambem altos, com uma extensao de mais de too ki-
lometros, foi ha pouco mais de vinte annos, dividida em
duas partes por um largo canal, que a forca da pororoca
(raacaret) abriu, e e muito de notar que a violencia da accao
foi tal, que abriu um terreno elevado que por assim dizer
guardava a costa por aquelle lado contra os constantes ata-
ques do Oceano, e chegou ao igarape Guajuru, cujo Icito
excavou e alargou, penetrando ate dentro do Amazonas, em
cujas aguas nunca se fizera sendr. Eis uma prova incon-
testavel.

Ainda a ilha da Tatuoca, bem conhecida a ccrca de 1 4
milhas da capital, ofTerece mais uma prova; ainda n'ella sc
encontram as mesmas forma?5es do valle amazonico, c
ainda alii o mar investe contra a ilha, supposto que com
menor violencia, mas constante em seus esforcos e a tern
denudado pelo lado a elle exposto, de modo que um edifi-
cio destinado a lazareto que alii fora constmido em 18&4
a i856, durante a presidencia do conselheiro S. do Rego
Barros atravez 100 metres do mar, e o local em que foi
levantado, e hoje banhado pela mare de enchentc.

Eguaes phenomenos se notam na costa dn ilha dc Co-
tijuba, proxima A ilha Tatuoca, o que tudo prova a uni-
versalidade d'este effeito nas ilhas da embocadura do Ama-
zonas, e o bom direito com que se pode concluir, atten-
dendo i uniformidade da construccao geologica d'estas
ilhas, que a ilha de Marajo assim como todas as da embo-
cadura, excepcao feita de alguma pequena ilha de alluviao
facil de conhecer pelo seu aspecto, faziam parte do mesmo



Capittilo IV — Ilhas e Lagos 3o3

todo com a mesma structura do grande valle amazonico, o
qual se continuava com a terra firme, sendo d'ella separa-
das pela corrente de aguas doces do rio que abriram ca-
minho para o mar, e tambem pela ac^ao constante e inva-
sora do mar.

Depois d'estas ligeiras nocoes sobre a forma^ao geolo-
logica da ilha de Marajo, e demais ilhas entre as duas cos-
tas cqntinentaes separadas pelo Amazonas, ate ao rio Pard^
continuarei a tratar da ilha de Marajo que merece a pri-
meira entre as demais, nao so por ser a maior ilha do Bra-
zil, como porque cremos ser a maior da America Meri-
dional. Nao ha um trabalho exacto da extensao superficial
da ilha; differentes tem sido as avaliacoes feitas pelos di-
versos viajantes; assim uns dao-lhe nove a dez mil milhas
inglezas em quadro, outro apenas 5:328 kilometros qua-
drados. Baena, o creador da corographia amazonense, da-
Ihe o perimetro de 144 ^3 de legoa, dividindo esta linha da
seguinte maneira:

e«Da ponta de Maguary collocada a 5^-i7'-8" de Long.
O. do Rio de Janeiro i o**-i3'-i7" de Lat. S. ao rio Arary
23 legoas, do Arary d bocca de Breves 3o legoas, d'esta
ao Rio Cajuna 43 e d'este d ponta de Maguary 48 Vs. A
dita ponta de Maguary forma cool macapd e o Cabo do
Norte um triangulo isosceles, por que ella dista do segundo
d*estes dous pontos 65 legoas e do primeiro 65 */z.

cA costa oriental e meridional sao crespas de penedos,
tem alvos areaes extensos, altas ribanceiras, que as aguas
subcavam, e rochedos alcantilados; a costa occidental apre-
senta alagadigos em muitos pontos, e a costa septentrional,
a que vulgarmente chamam contracosta^ e desabrida, e in-
terpoladamente com o mesmo caracter das outras, desde a
coroa do Simao ate d proximidade da bahia do Jacare-assii,
manente abaixo do Vieira e Rabo do Cao.»

A ilha de Marajo e rasgada por grande numero de rios
sendo os principaes d'elles: o Ig*arape-grande, o Mapud^
Cururu, Arapixi, Ganhoao, Arary, Pracuiaba, Canaticii,
Muand e Marajo-assu; afora estes porem ainda encontro os



3o4 As Regioes AmcK{onicas

seguintes que, reputados pequenos n'esta rcgiao dos gran
des rios, na Europa faziam optima figura: Guajar^, Mu-
tuacd, Piri^, Pacujuid, Camorins, Atud, Anajas, Anabiju,
Taud, Tucumanduba, Juburuacd, Gurupatuba, CaracariS,
CamarfL, Tartarugas, Paracauary, Araruna, Cambu, Ja-
rauij, Jararaparand, Cajuna, Purure, Hiapixd, Pixi-pixi, e
Macacos.

' Diz Baena: (A costa boreal e parte da occidental da
iiha e banhada pelo Amazonas e suas corremes, intromet^
tendo pela segunda uma por^ao d'ellas, que sc abisma no
agregado das sobreditas aguas.

•D'este modo se v£ que a terra firme em que se en-
crava a cidade (Santa Maria de Belem) tern entre si e a ex-
tremidade da costa oriental de Gurupa um amplissiino ar-
chipelago do qual a natureza fez cabeca a ilha grande de
Joannes (Maraj6), dando-Ihe lados para todos os rios que
franqueiam communica?ao com a gemma do Brazil: e sup-
pondo-se desapparecido este archipelago, restaria uma abra
de &6 legoas de bocca e i8 de fundo entre a ponta de
Taipu, e a terra oriental de Gurupd, em contacio com o
Amazonas e o Oceano, e no lado oriental d'ella, a cidade
do Pard, dando-a uns assentada na margem do Guamd,
outros na do Tocantins, e outros na foz do Amazonas. »

Transcrevi este periodo da obra de Baena com dous
fins: um, o de chamar a atten^ao para a fina intelligencia
com que aquelle escriptor em i832, quando ainda nenhun.s
■ estudos geologicos existiam sobre esias regioes, ja concen-
trava os difTerentes modes de considerar a hydrographia
d'esta parte de provincia, como que adivinhando a theoria
tSo elegantemente exposta por Agassiz, e raarcando o ponto
em que se pode suppor existir um verdadeiro estuario do
Amazonas, junto & bocca do Xingil, proximo d grande di-
visao do rio pela ilha de Gurupd, onde comeca a enor-
me quantidade de ilhas de alluviao que dao origem ao
maior e mais portentoso labyrintho de canaes ligando-se
entre si. Alera d'este fim porem, una ouiro live, e foi o de
terminar a primeira parte d'estes esludos corographicos



i



i



Capitulo IV — llhas e Lagos 3o5

com a descrip^ao de algumas das principaes ilhas d*este
archipelago, que na opiniao de um illustre escriptor brazi-
leiro, abrange ate d Hha Grande do Gurupd e dos canaes
que as separam, bem como do phenomeno da Pororoca no
cabo do Norte que parece querer adiantar-se pelas aguas
do Amazonas.

No que vou dizer sobre os rios que cortam a ilha de
Maraj6 nao tratarei d'elles todos, pois alguns, por insigni-
ficantes, nao ntierecem especial men^ao, occupando-me de
preferencia das inunda^oes que alguns d'elles produzem, e
que grande influencia tern na prosperidade da grande ilha.

E de observa^ao muito antiga que a ilha e sugeita an-
annualmente a inundates que, se por um lado depositam
n*ella um lodo ou nateiro carregado de humus que a vai
fertilisar, tem por outro em compensa^ao d'esta vantagem
menos importante em terras em que o calor e humidade
mantem uma vegetagao luxuriente, o inconveniente de crear
numerosos lagos e pantanaes que se conservam de uma a
outra enchente. De facto a ilha e quasi completamente
plana na sua generalidade, e se ha alguma differanca de
nivel € em um ou outro ponto central que mais baixo con-
servam e demoram as aguas, mantendo a difficuldade do es-
coamento, augmenta a dura^ao e extensao dos pantanaes,
que com o crescimento de plantas aquaticas nas cabecei-
ras e margens dos rios que poderiam servir de desagua-
douro, cada vez mais fazem augmentar o espaco alagado
e impropria crea^ao de gado, principal riqueza da ilha.

Nao creio que em absoluto se possa sustentar que a
ilha oflferece a disposi^ao regular d'um prato cujos bor-
dos sao mais altos do que o centro; n'este ponto creio ra-
zoaveis as pondera^oes feitas em contrario a esta crenca
pelo engenheiro dr. Vicente Miranda, em um trabalho re-
cente, e nem a esta causa pode ser attribuida a permanen-
cia de aguas tornando alagados os terrenos do interior da
ilha, pois que elles sSo rasgados por muitos rios. Estou con^
vencido de que a desobstruccao de alguns rios inteiramente
tornados pelas aningas (philodendron arborescens) e pela ca-
39



3o6 As Regioes Ama\onicas

na-rana, contribiiiriam para o dessecainento da parte dos
terrenos hoje inutiiisados pelos atoleiros e vegeta^ao que
n'elles cresce. Esta minha persuasao encontra forte appoio
no parecer a este respeito apresentado pelo engenheiro
Joaquim Gomes de Oliveira, do qual tendo sido condis-
cipulo pude apreciar as habilita^oes, o arrojo e a honora-
bUidade com que desempenhava as commiss6es de que
se encarregava.

Este crescimento dos pantanos em muitos logares se
tern tornado sensivel em muito pouco tempo e tem por ve-
zes despertado a atten^ao do governo para o estudo do
melhor meio de dar escoante a esses pantanos, questao kn-
portante quando ella se refere a esta ilha que fomece a
maior parte do gado aproveitado na manuten9ao publica.

Estes^alagadi^os, quando nas mattas, tomam o noma
de igarapes, e quando nos campos o de mondongos, e
d'aqui veio o nome dado a uma parte da ilha, os Mondon-
gos, pois que e quasi toda ella occupada por estes perigo-
SOS atoleiros. Nao e s6mente a diminui^ao nos terrenos
aproveitaveis, as difficuldades nos escoamentos de aguas,
as mds condi96es hygienicas que a isto se ligam, sao ainda
estes logares guarida de toda a casta de animaes damninhos^
taes como cobras, e jacares que dao grandes perdas aos
creadores, uns preando os vitellos ou poldros que vem be-
ber, outros matando com seu veneno um crescido numero
de rezes.

Entre os numerosos alagadi^os merece men^ao especial
aquelle a que particularmente dao o nome de Mondongos,
e que se estende de O. a E., desde as cabeceiras do rio
Caruni ate mui perto da costa oriental. Pica este extenso
paul a uma distancia de lo a 12 milhas da costa N. da
ilha. Estes Mondongos compoem-se de uma serie de pan-
tanos mais ou menos extensos ligando-se com lagos forma-
dos nos logares em que ha depress6es mais profimdas;
n'elles se encontram algumas ilhas de matto alto, mas em
geral sao estes alagadigos cobertos de plantas palustres
como o Murure, e a Aninga, esta sobre tudo, um Philo-



J



Capitulo IV — Ilha$ e Lagos Soy

dendron^ pelo seu porte elevado at^ 2 metros acima do sollo
e per suas largas folhas invade, domina e obstnie qual-
quer canal em pouco tempo.

Os que tem estudado estes logares inclinam-se a crer
que OS Mondongos occupam o logar em que antes fora um
antigo canal formado por um bra^o ou fiiro do Amazo-
nas o qual atravessava a ilha, facto que nao nos devera
admirar vendo-o tantas vezes repetido em ilhas do Ama-
zonas. Este fUro ou parand-mirim seria o desaguadouro
natural d' estes terrenos quando terminava a cheia; nem se-
ria isto extranho quando causas tao poderosas como a ac-
cao das aguas do Tocantins e Amazonas tem, ao que pa-
rece, combinadas com a ac^ao das aguas oceanicas, alte-
rado a primitiva forma d'estas regi6es, da qual, como fica
dito, Agassiz achou provas bem evidentes em um rio d'esta
mesma ilha correndo nao distante dos Mondongos e em
uma direcgao quasi parallela a d'estes, o Igarape-grande;
e nao menos concludente i o exemplo de um canal recen-
temente formado dividindo a ilha da Caviana. Parece pois
que a causa principal da extensao que tem tornado os Mon-
dongos e a falta de escoadouro para as aguas com a obs-
truc^ao d'este canal, uma outra causa dependente d'esta e
que esta humidade constante desenvolve em grande escala
a vegetagao propria dos pantanos pondo os terrenos a co-
berto da ac^ao sollar e fazendo que nao havendo evapora-
cao' bastante, estes terrenos nao sequem; uma outra causa
tem feito, ainda que em menor grao, que os Mondongos
augmentem, e e ella a falta de cavallos na ilha* Em outro
tempo em que as cavalhadas eram numerosissimas, em que
se vendia uma egoa por i^ooo reis, estes terrenos pizados
por numerosas cavalhadas, e pelas manadas de gado que
alii vinha procurar agua, nao produziam ao menos nas par-
tes menos profundas essa pomposa e nociva vegeta^ao, e
d que accrescia annualmente era lancado fogo. O desenvol-
vimento da molestia que ha 40 annos, mais ou menos,
matta o gado cavallar, diminuindo assim a creacao do va-
cum, tem feito que a queima mais se nao fizesse e que a



3o8 As Regi6es Amaiomcat

vegeta^o tenha podido crescer a ponto de muitos creado-
res abandonarem suas fazendas; e a extensao dos Mondon-
gos cada vez se torna mais consideravel alastrando em to-
dos OS sentidos, e com o crescimento d'estas regioes pa-
ludosas peorou tambem as condi^oes sanitarias.

A ilha de Mara)6 i uma dts gemmas mais preciosas do
Estado do Pari sob todos os pontos de vista em que a
olharmos. Pela sua vantajosa posi^So no cenvo da immensa
bocca do Amazonas, ella facilita sua defeza, podendo tal-
vez mesmo impossibilitar a entrada de navJos invasores
que queiram for^ar a entrada, pois com as outras e nume-
rosas ilhas e canaes que se acham dispersas ou pelo lado
N. ou pelo lado S. serd facil nullificar os esfor^as dos ad-
versarios.

Como elemento agricola e de immenso e incakulavel
valor; por um lado, como diz Ferreira Penna, se tirarmos
uma linha da bocca do Cajuna no extremo N. da costa A.
foz do Atud fronteira & barra do Tocantins dividiremos a
ilha em duas sec^5es; uma menor, a de SO., toda coberta
de manas entpa a de NE. toda de campos omados de maio-
res ou menores grupos de arvores a que chamam ilhas.

A primeira d'estas secedes, de immensa ferdlidade, pres-
ta-se a todas as culturas alem das mattas em que abunda
a syphonia elastica e a hevaca guyanasts de que se extra-
nha a seiva com que e fabricada a gomma elastica de tanto
valor no commercio,

A seguoda, nao menos valiosa, e com seus extensisstmos
campos cotjertos de gramineas, propria i. sustenta^ao dos
gados. Os nossos antepassados e com especiatidade os Tra-
des mercenarios, no que foram imitados pelos jesuitas e car-
melitas, conheceram Ihe bem o valor, estabelecendo n'ella
fazendas de gado vaccum e cavallar, das quaes ahi hojc
pertencem ao governo da Uniao as fazendas do Arary,
Santo Andre, S, Louren^o e Pacoval, as quaes tomaram
grande incremento, nao so no gado vaccum, como no ca-
vallar, a ponto de em 1806 o numero de fazendas ter su-
bido a 226, tendo chegado o numero de cabe^as de gado






Capitulo IV — llhas e Lagos Sog

bovino a 5oo mil, das quaes s6 ds tres ordens regulares
pertenciam i6o mil.

Depois d'isto decahiu a industria pastoril na iiha ao
ponto de s6mente contar 38 fazendas na parte septentrio-
nal da iiha, e yS no restante d'ella.

O gado cavallar, cuja introduc9ao na ilha deve ser da
mesma epocha que a do gado vaccum, tomou uns poucos
de annos tai desenvolvimento que se tomou um inconve-
niente, pois subindo a um numero que se calcula duplo do
do gado bovino, tornado selvagem, devastaram os campos
devorando os pastos jd insufficientes para o gado vaccum.

Entao aproveitaram-se differentes especuladores pe-
dindo authorisa^ao, que Ihes foi concedida, para comprar e
matar milhares de eguas para Ihe aproveitar as pelles e as
crinas. O resultado d'esta enorme matan^a, que subiu a
muitas dezenas de milhares, foi que abandonados os cor-
pos A simples ac^ao do sol, ficou por tal maneira corrom-
pida a athmosphera, que se tornou impossivel a approxima-
^ao d'aquellas localidades. A este estado corrupto attribuem
OS habitantes da ilha o ter apparecido alii uma moles-
tia que, atacando a ra^a cavallar, affectando os membros
posteriores, os matava; a esta molestia deram elles o nome
de quebra-bunda^ a qual ainda dura e tem acabado com o ga-
do cavallar ate ao ponto de ser j^ insufficiente para o traba-
Iho, impondo grandes sacrificios aos fazendeiros que os
mandam vir de outros Estados.

Esta molestia, a revolu^ao de i835, e mais que tudo o
furto do gado, que, como bem disse um presidente de Es-
tado em seu relatorio, tem-se elevado d cathegoria de in-
dustria, tem feito decahir na ilha a industria pastoril ate ao
ponto de em 1881 um recenceamento que fiz, quando Pre-
sidente do Pard, apenas accusou pouco mais de 200 mil
cabegas de gado bovino e 8 mil de cavallar em toda a ilha,
que, quero crer com as inexactidoes dos dados fornecidos
poderd elevar-se a 260 mil para o primeiro e 10 mil para
o segundo.

Um outro inconveniente que se estd apresentando na




3io



As RegiSes Ama:{onicas



i



ilha e estragando parte dos campos, i o que chamam ler-
roadas ou aterroadas, e affecta especialmente os terrenos
argilosos difficultando o andar e o correr aos cavallos em-
pregados nos services do campo. Na accep^ao que vulgar-
mente ouvi dar ao termo terroadas me parece elle com-
prehender differentes phenomenos devidos a causas di£fe-
rentes; assim note! que em certos espa^os de campos se
apresentavam os terrenos em mondculos cobertos por pe-
quenas toucas de capim; era outros o terreno argiloso offe-
rece-se todo cheio de fendas profundas que attribuo si des-
sicagao do terreno pela fortissima ac^ao do solo; em ou-
tras por^oes finalmente apresema-se o terreno cheio de de-
pressoes devidas ao passo do gado nos terrenos argilosos
quando amoltecidos pelo inverno, e depois seccos e endu-
recidos pela ac^ao soUar. Ao complex© d'estes tres pheno-
menos chamam os vaqueiros terroadas. O sr. dr. Vicente C .
de Miranda attribue este nome s6mente ao primeiro facto
que enumerei, que diz ter estudado, e ao qual di como
causa o trabalho das minhocas, lombriais communis, o que
me parece provavel era vista das considera^oes que elle
apresenta. O facto i.que se torna extremamente perigoso
o correr com as fendas que apresenta o terreno e com os
monticulos proximos uns aos outrds com uma altura de
uns 20 centimetros mais ou menos e que na ilha de Me-
xiana fronteira A de Maraj6 attinge, segundo o sr. dr. Mi-
randa, o,''35 de altura.

O que e para lamentar e qud os fazendeiros nao tenham
procurado os meios de acabar com tal inconveniente.

A riqueza da ilha conslste em seus extensissimos cam-
pos cortados por numerosos rios, bem como as baixas co-
bertas de agua que, quando termina o inverno, dao commo-
dos bebedouros aos gados alem d'aquelles que fornecem
os numerosos lagos como os do Arary, Al^apao, Guard, Ana-
bijti, Mongubas e Tres Irmaos, e tantos outros; nao e po-
rem sem risco que o gado se approxima da -beira d'elles,
pois a existencia de inume^os jacares e para os novos ou
para os que se atoUam uma constante amea^a,



\



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 3ii

Tinha eu visto os lagos do Amazonas que \A oSerecem
urn respeitavel numero d'estes amphibios em tudo seme-
Ihantes aos crocodiles do Nile, mas de muito maiores di-
mensoes^ os lagos porem da ilha do Marajd causaram-me
profunda admira^ao pela enorme quantidade que d'estes
saurianos vi, no lago dos Tres Irmaos e no Guard; parece
& primeira vista impossivel que todas aquellas pequenas
elepa96es pretas acima do nivel da agua, sejam outras tan-
tas cabe^as de jacares que se acham mergulhados n'agua
de maneira que a parte superior da cabe^a ate aos olhos
esteja de f<6ra. E muito curiosa a ordem em que elles
se coUocam quanto & profundidade da agua, estando os
msis pequenos onde ha menos agua; os de menor tama-
nho, onde a agua jd offerece mais profundidade e iinal-
mente os grandes onde a agua e ainda mais abundante.
Nao € cousa para causar admira^ao os jacares de 20 pes
de comprimento, e assevera-me o sr. Coronel Francisco Be-
zerra e muitos outros que os ha de 2^ p^s.

Os fazendeiros, para eviiar eatrago que elles fazem
no peixe dos lagos, e nas rezes, organisaram entre si uma
matan^a de jacares e reunidos 20 ou mais, dirigem-se ao
lago em que elles exist'em ou A superficie da agua ou amon-
tados nas hervas das beiradas. Os lados nao oSerecem
grande profundidade de agua e elles entrando n'ella come-
^am por matar uma meia duzia d'elles com tiros das cara-
binas modernas, unicas capazes de prefiirar a espessa pelle
ou as rijas cabe9as, ou com arpoes e machados, que os
intimida, e entao os vaqueiros entrando n'agua com varas,
batendo n'ella, os vao levando deante de si ate ao logar em
que nao havendo agua iicam em secco ou quasi em secco;
ahi com lan^as e com golpes de machado nas cabe^as ou
la9ando-os e puchando-os, os vao matando. Acoontece as
vezes que algum, conhecendo o pengo que o amea9a, para
fuglr volta-se contra os vaqueiros; estes abrem-lhe cami-
oho ou o la^am, mas entao elles tornam-se ferocissi-
mos.

E para admirar o desassombro com que o vaqueiro ar-



^



3ii M RegiSes Amitfonicas

mado com um machadOf cujo cabo e curto, se p6e ecci frente
d'um monstro d'aqueQes, que, abrindo a boca, offerece uraa
abertura de um metro e Ihe rebenta a cabe^a de um golpe
que o atord6a, pois que o jacare atacado pelo lado lan^a-
ria o vaqueiro por terra com uma pancada da cauda apa-
nhando-o com a bocca cujos denies tem nao menos de
cinco ou 6 cendmetros de comprimento.

O facto de OS jacares, como se f6ram gado, se retirarem
fugindo aos vaqueiros e que deu logar a esies dizerem que
vac fazer uma vaquejada de jacar^.

Estes lagos offerecem, como em parte alguffla vi, um
crescido numero de aves tanto palmipedes como pernaltos.
Os patos, as marrecas, as gar9as, os guards, as calherei-
ras, OS cabe^as de pedra, os magoaris, os tuyuiOs sao inu-
meros. Eu que tinha visto os lagos do Amazonas, nos quaes
a abundancia de ca^a me deixava surpreso, nunca tiz id^a
do espantoso numero de aves que em qualquer dos lagos
da grande iiha paraense encontrava. Quando se levantam
assustados os bandos de marrecas, a parte immediatamente
superior ao horisonte nos lagos, e nao sao estes pequenos,
fica obscurecida,fe mesmo com risco de nao ser acreditado
contarei o que vi em uma fazenda chamada Nazarello do
sr. Fr. L. Chermont. Tendo este senhor dito a um va-
queiro que desejava levar no dia seguinte algumas marre-
cas, o vaqueiro ds 4 boras da tarde foi para o lago e cerca
das 6 horas estava de volta com S2 marrecas; perguntando-
Ihe eu com quantos tiros as tinha morto, respondeu-me:
cOs tiros nSo prestaram, dei tres tirosi isto £, elte enten-
dia que sendo os tiros ds marrecas atirados ao bando enor-
me que se tevanta, os tiros, matando 17 cada um^ nao ti-
nham correspondido ao que elle esperava. Um ca^ador cha-
mado Luiz em uma manhS ate A hora do almo^o matou
80 patos sendo preciso ;mandar buscar um boi cargueiro
para levar um tao grande peso.

E nao s6 aves se encontram nos lagos, tambem os pei-
xes abundam, e em 2 horas faz-se uma pescaria de 3o ou
40 peixes de bom tamanho.



1



Capitulo IV—Hhas e Lagos 3t3

E' possivel que eu nao sieja acreditado, pois antes de
ir a Maraj6 pensavam haver exagero no que me relatavam;
fica-me porem a satisfa^ao de dizer o que vi e tem sido
presenciado por muitos.

E' porem para lamentar que com tantos elementos de
grandeza e rapido desetivolvimento a ilha tenha relativa-
mente pouco progress©: nem melhoramento nos pastos,
nem aperfeigoamento nas ra^as, nem mesmo uma legisla-
cao rural tornada effectiva que assegure aos fazendeiros a"
repJressao do roubo de gado com a puni^ao dos ladroes de
todos conhecidos, E o que e mais para admirar e que os fa-
zendeiros aindanao tenham tido a energia para entre si se or-
ganizarem para, supprindo a desidia, fraqueza ou toleran-
cia politica das authoridades castigarem os ladroes de gado.

Este estado moral da ilha e de certo um dos motivos
do seu lento progresso; outras porem ha que tambem bas-
tante influem para esse estado. A principal d'ellas e o espi-
rito de rotina, pois que muitos melhoramentos de facil obten-
cao podem ser realisados. Pequenos a9udes realisados em
terrenos argilosos por muito tempo conservaram agua para
bebida do gado.

O uso dos moinhos de vento tao usados na America,
ainda alii nao foi ensaiado, entretanto nos mesmos logares
em que ha uns pogos de madeira poder-se-hia collocar um
moinho de vento de pouco custo e que alii onde reinam
constantemente fortes ventos pelo trabalho constante, for-
neceriam um annel de agua de i ou 2 poUegadas que po-
deria ser aproveitado de muitos modos.

Tapagens feitas convenientemente com uma pequena
porta para descarga, em alguns ramos de igarapes forne-
ceriam agua.

Nada d'isto tem sido feito. Se pergunto a razfio d'este
indifferentismo nao me a sabem dar; assim no gado cavallar
com um tao bello quadro para experiencias o que tem sido
feito? Algumas tentativas de particulares, nem sempre com
o conveniente criterio, tem talvez ate contribuido para des-
animar os outros. Ao governo competia, como tem sido
40



3 14 As Regi6es Ama^onicas

feilo em outros paizes, crear nos districtos creadSres de
gado postos hypicos, que com o pagamento por pane dos
fazendeiros que alii mandassem suas eguas, teriam em parte
compensada a sua despeza. £ que Importava que a despeza
feita nao fosse inteiramente compensada? O beneficio obddo
no fim de tres ou quatro -aimos na ra^a e no valor dos pro-
ductos compensaria a differen^a.

E' clarOf porem, que emquanto condnuarem os lavra-
dores a comprar per alto pre^o cavallos de apurado san-
gue, acostumados a serem cuidadosamente tratados, e os
lan^arem sem transi9ao no campo para o meio de uma ma-
nada de eguas^ em um cUma a que nao estao aclimados, os
perderao.

No gado vaccum o govemo tern instituido premtos va-
liosos para quern mandar vir ra^as apuradas, mas isto pa-
rece-me nao ser sufficiente, e efiectivamente nao poucos pro-
prietarios os mandaram vir e o govemo pagou uma cres-
cida somma. Mas por ventura fiscalisou-se esses animaes,
tinham sido empregados conforme as vistas do governo
pelos que os mandaram virf Tem elle estabelecido as nor-
mas para saber os resultados obudos com estes premios.

Parece que teria sido mais proveiloso estabelecel-o
para quem apresentasse um certo numero de productos
provenientes do cnisamento. Entao haveria um verdadeiro
resultado obtido, haveria tentativas diversas pelos diffe-
rentes lavraddres, conhecer-se-hia quaes as mais proveito-
sas.

Vemos que sob o ponto de vista de melhoramento de
ra^as pouco tem sido feito e mal, alguma cousa que se vai
obtendo e pela iniciatlva particular.

Sob melhoramentos materiaes da ilha, os goremos do
tempo da monarchia contentaram-se com a nomea^ao de
commissdes e receber relatorios; 6 de esperar que o gover-
no republicano, cujos or^amentos de receita publica tem
quasi duplicado, alguma cousa fa^a em favor da grande ilha,
que lanto pode contribuir para a boa e abimdante alimen-
ta^ao publica.



Capitulo IV — Uhas e Lagos 3 1 5

Nao e s6mente pelo lado agricola que tern valor esta
ilha; tambem pelo lado scientifico offerece ella aos estudio-
SOS de antiguidades e historia dos nossos aborigenes um
vastissimo e interessante campo, e creio que em parte do
territorio brazileiro se encontram tantos e tao variados mo-
numentos servindo ao estudo ethnologico e archeologico do
passado das ra^as indias que dominavam aquelles logares
antes da descoberta.

Os cemiterios indios, chamados pelos inglezes mounds^ \
pelo estudioso brazileiro Ferreira Penna ceramios pela
abundancia de vasos e objectos de barro que n^elles se en-
contram, acham-se em Maraj6 a cada passo; nem se pode
explicar o tao crescido numero d'elles senao lembrando-
nos de que pelo que se sabe a respeito d'estas tribus que
eram numerosissimas a ponto de se baterem com os por-
tuguezes e hoUandezes invasores, as aldeias nao eram gran-
des; cada uma d'ellas compunha-se de um pequeno nu-
mero de vastos galp6es fechados, construidos em logares
altos, aterrados is vezes com terra trazida de longe, e
cada aldeia alii tinha um logar para soterrar os vasos em
que eram collocados os ossos dos habitantes mortos.

Em Maraj6 ou Ilha grande de Joannes, ou Ilha dos
Nheengahibas (nome geral dado is tribus alii existentes),
parece terem habitado varias tribus taes como no local em
que hoje existe a villa da Condeixa, era collocada a aldeia
dos indios Guajar^s; onde hoje e Monforte existiam os in-
dios chamados Juanes de onde o chamarem a Ilha dos
Juanes e depois Ilha Grande de Joannes; onde e Salva-
terra habitaram os indios Saracds, em Soure os Aruana-
zes, em Villar ou Goyanazes, e em Chaves os indios
A mans, que parece ter sido a mais importante e numerosa,
havendo porem ainda as tribus dos Mapuds, Anajds, Juru-
nas, Muands.

A totalidade d'estas tribus davam os portuguezes o no-
me de Nheengahibas; outros sao de parecer que os Nheen-
gahibas eram uma tribu poderosa habitando a parte me-
ridional e occidental da ilha.



3i6 As Regides Amasionicas

Como quer que seja d'eatas ra^as a que mais funda
deixou sua memoria, pois que d'ella mais do que das outra^
se tern occupado os escriptores, e a dos Aruans, indios guer-
reiros habilando o local onde exlste actualmente Chaves, e
suas proximidades.

Uma observa^ao, porem, que se antolha a todos as que
tern visto as urnas fiineranas, vasos, annas, e idolos exhu-
mados ou seja nos mounds proximos A tola dos Aruans
como em Cajueiros, ou nos das outras localidades, camo a
dos Maruanazes em Soure, em todas as da ilha de Marajo
Bnatmente nota-se a maior similhan^a senao identidade, as
mesmas formas, os mesmos omatos, as mesmas cores, os
mesmos materiaes, os mesmos simbolos ou hyerogliphos, os
mesmos espa^os aterrados e elevados, a mesma forma no
modo de colloca^ao dos ossos, mostrando que elles foram
collocados depois de feita a putrefac^ao das cames, e ate
a mesma maneira de collocar a urna dentro do outro vaso
mais tosco. Parece ella dever levar i conclusao de que es-
tas diSerentes tribus eram nascidas de uma mesma na^ao,
eram ramos de uma mesma arvore.

Sobre a maior das necropoles do Maraj6, a do Paco-
val no rio Arary, disse eu, no meu relatorJo apresentado ao
governo como comnoissario do Brazil na exposi^ao de
Chicago, o seguinte:

«Que me conste, apenas cinco explora0es, mais ou me-
nos importantes, tem sido feitas no cemiterio do Pacova!
em beneficio da sciencia; a primeira .pelo sr. Bernard, solj
a direc^ao do sr. Fred. Hartt em 1870; a segunda pdo sr.
Derby em 1871, a terceira pelo sr. Ferreira Penna um
anno depoisj e as duas ultimas, uma pelo sr. Ladislau
Netto, cujos bellos resultados figuram na exposi^ao anthro-
pologica que se realisou no Rio de Janeiro e ultimamenie
em Chicago, e outra peta commissao encarregada no Para
de obter productos para a exposi^ao de Chicago, onde ti-
guraram; estas duas ultimas creio terem sido as que dcram
as duas maiores colleccoes obtidas n'aquelle local.

•Poderiamos obter vastas e ricas colleccoes de objectos



"1



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Capitulo IV — Ilhas e Lagos 5 1 7

muito variados e de alto valor para o estudo anthropolo-
gico^ se da parte dos poderes publicos houvesse um ver-
dadeiro desejo em que os nossos museus utilizassem com
a obtencao d'estes varios ob)ectos, os quaes todos os dias
pela sua originalidade nos causam surprezas.

cAlguns d^estes mounds ou ceramios^ segundo a expres-
sao adoptada pelo sr. Ferreira Penna, existem nos terre-
nos pertencentes ds fazendas nacionaes na ilha de Marajo;
ao menos para estes era facil o tomar providencias para
que os especuladores que alli vao excavar a necropole o nao
podessem fazer, ou entao ordenar uma explora9ao completa
d'essas necropoles de modo a n'ellas serem exhumados to-
dos OS objectos de algum valor que alli existissem e fossem
elles recolhidos aos museus. A lndifFeren9a e o desperdi-
cio e que nao sao toleraveis.

«Na immensa necropole do Pacoval o que temos visto e
de ha muito um completo abandono por nossa parte d'a-
quellas preciosidades historicas, i ambi^ao e ganancia dos
especuladores mercenarios que alli vao buscar as urnas fu-
nerarias, os ornatos, os utensilios usados em epocas ante-
riores 4 descoberta, para as venderem na Europa.

« Temos visto ainda mais ganhadores que em differen-
tes mounds tem ido exhumar iga^abas ou urnas, em pro-
cura das celebradas pedras verdes das Amazonas, e nao
as achando, alli tem atirado com as urnas ao chao, aban-
donando-as, para augmentarem a ]i enorme quantidade de
pedacos de loiga de barro, que desde a praia ate o centro
da necropole juncam o solo, devido ao destro^o que alli
tem sido feito dos vasos exhumados.

«A coUeccao do Museu Nacional constava de 41 vasos
de diver SOS tamanhos. A quem se demorava na observa-
qSo d'ella, tornava-se saliente uma differen^a entre as difFe-
rentes urnas na maneira porque eram trabalhadas; em umas
apresentava-se um surprehendente lavor de differentes co-
res e relevos, em outras um trabalho menos perfeito ate
chegar ao trabalho completamente grosseiro. Esta obser-
va^ao deve ser completada com o facto observado de que



3i8 As Regides Anu^onicea

as urnas de fino trabalho foram encontradas nas camadas
mais inferiores, tomando-se elle mats grosseiro A propor-
9S0 que as umas eram ezhumadas em camadas de terre-
nos cada vez mais superiores.

•O maxlmo grdo de perfei^So n'estas urnas funerarias
era alcan^ado em uma urna de um metro de altura com re-
levos era trez cores, de uma forma correctissima. E' um
exemplar unico, por sua belleza, da arte ceramica indige-
na, e creio que das collec?6es de umas achadas nos mounds
brazileiros e levadas para os museus americanos nao ha
uma s6 uma de egual merecimento ardstico, como me foi
affirmado pelo director d'este ramo de instruccao publica,
em Nova-York. A observa^ao feita pelo dr. Steeve, confir-
mada pelo sr. Ferreira Penna, mostra que as mais belias
iga^abas, as de formas mais puras e com mais deiicados
lavores e pinturas, pertencem ds gera^oes mais antigas,
que foram sepultadas nas camadas mais profundas do solo,
tomando-se tanto mais grosseiras quanto mais modernas e
superficiaes sao.

• E' tambem nas urnas das camadas inferiores ou mais
omamentadas que se encontram as tangos ou omamcntos
que, pela sua forma, pelos orificios que tern nos quaes se
vS claramente tcrem estado presos fios e pelas pinturas e
relevos achados em algumas urnas anthroporaorphas, e
hoje incontestavel que serviam para cobrir as partes se-
xuaes das mulheres.

• A pedra, como ]■& observara o sr. Ferreira Peana, ape-
nas apparece em instrumentos como machados, manellos,
raros mas muito curiosos, pois nao tendo cabo era na pro-
pria pedra que a mao segurava, para o que n'ella estavam
cavados logares de um lado para o dedo pollegar e do ou-
tro para outros dedos. Estes instrumentos de pedra polida
acompanhavam a epoca das mais belias igacabas.

•A colleccao mandada pelo estado do Pari compunha-se
de 35 urnas em mdo similhantes A% da colleccao do Museu
Nacional, algumas anthropomorphas, alguns machados as-
saz grosseiros e uma colleccao curiosissima de objeclos



Capitulo IV — Rios e Lagos 3 19

miudos de barro cosidp encontrados dentro das urnas, ou
junto a ellas no espa^o preparado para as receber. Na
maior parte d'essas urnas encontram-se ossos humanos dis-
postos com uma certa ordem e nao indifferentemente.

f Uma outra observa^ao feita a respeito dos ceramics do
Estado do Pard em differentes e numerosas localidades e
que em nenhum se encontram objectos de tao delicado tra-
balho como nos ceramios da Ilha de Maraj6.

cUma conclusao que parece deduzir-se do estudo d'es-
tes mounds^ e que a ra^a que creou aquellas necropoles foi
successivamente perdendo o grdo de civilisagao que as ur-
nas das camadas inferiores mostram, chegando depois a
um estado de ignorancia que s6 Ihes permittia fazer obras
grosseiras. *

cMas esta ra^a ou ra^as tao adeantadas que deixaram
taes vestigios em Maraj6, que eguaes se nao encontram
nas demais necropoles indigenas do Pari e Amazonas, ha-
bitou s6mente a grande ilha, ou todo o territorio amazo-
nico?

cAqui comega a obscuridade. Sabemos porem que na
epoca da descoberta ou proximo a ella, os portuguezes en-
contraram em Maraj6 duas ra^as, a dos Aruans e a dos
Nheengahibas.

«0 sr. Ferreira Penna, cuja proficiencia e veracidade
mais do que ninguem talvez conheci; achou em alguns va-
sos as celebres pedras verdes, muirakitan ou puerakitans^
que se tem encontrado nos territorios dos indios dos sul,
centro e norte do Brazil. As formas das urnas, as imita-
tes que tiveram em vista, offerecem grandes analogias
com OS vasos exhumados em muitas e distantes localidades.

ethnologicas e archeologicas das differentes Republicas e
Estados da America, deparou-me analogias e similhan^as
em extremo salientes entre ellas, e o que e mais, na expo-
si^ao fronteira d brazileira, a do Mexico, podia-se diaria-
mente ver um artista indio mexicano trabalhando em vasos
de barro, seguindo os mesmos processos que vemos usa-



'320 As Regides Amai^onicas

dos na confec^ao das umas do Pacoval em Marajo. O vaso
propriamente dito 6 feito de um barro mais ou menos fino,
este era coberto por uma camada mais ou menos tenue dc
um barro finissimo que is vezes nao offerecia mais expes-
sura do que uma foiha de papel grosseiro. Esta camada
era de cdr escura e sobre ella, quando secca^ e que o ar-
tista applicava as cfires, bem como os desenhos pintados ou
OS salientes relevos.

•Os vasos de Nicaragua e Costa-Rica offerecem ana-
logias bem salientes nas formas e no trabalho como estes.

(O que, porem, era de notar na compara^ao entre as
exposi95es d'estas ropublicas e a nosssa, era a pobreza,
per parte d'esta, de omamentos, instrumentos e inonumen-
tos de pedra. A sec9ao de Costa-Rica era de uma riqueza
prodigiosa, de pequenos instrumentos, umas, figuras e uten-
silios de pfdra, o Mexico egualmente e algumas outras, em-
quanto que a nossa 36 apresentou a colleccao que mandou
o Muzeu Nacional, alids de grande valor, algumas pontas
de flechas e de lan9as em duas pequenas colleccocs que do
Rio-Grande do Sul vieram, uma pertencente ao sr. Gracia-
no A. Azambuja e outra ao sr. Anthero G. de Almeida,
as quaes acompanharam algumas umas analogas ua forma
As mais grosseiras exhumadas no ceramio do Pacoval em
Maraj6, mas sem ornato algum.

«Ha, porem, uma observa^ao que sem estudo algura se
apresentava depois de uma visita i galeria em que as diffe-
rentes nacoes rinham apresentado suas coUeccoes, e foi
ella que um pareniesco, uma analogia, ou similhan^a se
tornava saliente na forma das armas e utensilios, ou sejam
dos indios da America ingleza, ou da America central e da
America do Sul.

lOs machados todos eram similhantes, desde o enorme
machado usado pelos indios da America do Norte ate aos
menores usados pelos da do Sul, todos tinham o mesmo
feitio, todos eram prezos aos cabos por maneiras egiiaes;
as lan^as, as azagaias, os utensilios, os piloes de pedra
com as respectivas maos, todos em forma de cone alon-



1



Capitulo IV — Hhas e iMgos 32 1

gado; nas urnas funerarias tambem a similhan^a era sen-
sivel.

cEsta similhan^a, este parentesco, tao saliente e que se
iiopimha ao observador ainda o mais superficial, nab serd
uma prova em favor da theoria seguida pelo anthropolo-
gista J. \y. Foster, por Squier e pelos nossos compatrjotas
Lacerda ^^ilbo, Rodrigues Peixoto e Ferreira Penria, de
que uma raca inteiramente producto do solo americano po-
voou a America ?

entre observadores differentes, quando elles partirani de
pontos differentes, uns clo estudo dos ceramias^ de seus ar-
tefactos, da observa^ao de suas neCropoles, e outros do es-
tudo dos craneos encontrados, podemos dizer em toda a
America, $nalmente ainda outros do estudo das liiigiias^
pois concordam muitos dos mais notaveis anthropologistas
que a lingua geral que Alcides de Orbigny julga identica '4
linguagem do Caraibas, dominou em todo o coniineiite aine-
ricano. = . .

fApar d'estas observa^Ses, os mounds do Pacoval offe-
recem materia a observa^oes que levariam a conclus&is
differentes d'esta que acabo de enunciar; entre muitos pe-
quenos idolos alii encontrados, riota-se no vestuario, 'na
forma do penteado, na figura^ao das mulheres, na dos ador
nos de cabe^a ou chapeos, uma grande similhan^a com o
que se ve nas figuras antigas dos museiis egypcios: aindia a
f6rma das lampadas encontradas n*estas necropoles offe-
rece grande similhan^a com as lampadas funerarias dos
povos asiaticos, e ainda nos caracteres escriptos unia indis-
cutivel similhanga se apresenta.

fO que )ulgar? o que concluir?

cQuanto a mim, parece-me que ainda e cedo para che-
gar a uma conclusao geral. ,.',,.

«Em relacao aos ceramios^ tao numerosos na ilha de
Mara)6, assim como no extensissimo valje do Amazbnas,
OS estudos tem sido ainda pouco repetidos e profuridos; no-
vas excava^oes, e maiores, em pontos diversos.'sao neces-
41 '---IK..-



3z2 As Regi6es Ama^ont'cas

sarios, e aobretudo urge que nao deixemos abandonados
pela nossa indlfferen^a ou incuria, esses monumentos, esses
instrumentos, esses testemunhos etoquentes dos habitos e
costumes ]& esquecidos, mas que por etles poderemos ler
Da obscuridade do passado.

■Deiiando o estudo de uma theoria geral sobre as ra-
^as americanas, restringjndo o campo aos cet-amios de Ma-
ra]6, onde foram achadas as duas bellas collec^oes que fi-
guraram em Chicago, o estudo ainda assuu nao deixa de
ser compUcado. O homem mais modesto ou talvez o que
mais sabia d'estas regioes amazonicas, Ferreira Penna,
concluira que os Aruan^, a ra;a que dominou em Marajo,
era um resto da grande ra^a caraiba, e que a esta nas
mais remotas ^ras, ainda quando nao esquecera a civiiisa-
530 dos caraibas, eram devidas essas bellas urnas das ca-
madas inferiores do solo.

(Que a esta ra;a, successivamente degenerada ou abas-
tardada, talvez mesmo por misturas com hordas menos ci-
vilisadas, se devem tambem as urnas das camadas supe-
riores, e conclue com Foster que as gera96es que se suc-
cediam, mas degenerando successivamente de seus ante-
passados, imprimlam sobre os artefactos as feicoes cara-
cteristicas de sua civiliza<;So.>

Expostas estas condi^Ses geraes da ilha de Joannes,
das quaes algumas se referem ao regimen dos rios que a
cortam, direi alguma cousa em rela^ao a estes e aos lagos.

Rio Arary — E' o mais importante e o mais aprasivel
dos rios que conhe^o em Maraj6; e formado pelo Ginipd-
pucii e pelo Apehy que lan^am suas aguas no tago Arary,
que d^ o nome ao rio que d'elle sahe na c:xtremidade S.
do lago. O seu curso nao e uniforme antes cheio de cur-
vas, sendo porem em geral sua direc^ao SE-; logo proximo
ao lago, recebe as aguas do Anaji-mirim pela direita, e o
Goiapy pela esquerda ]A a metade do seu curso; uma gran-
de parte d'este e feita no raeio de campos, o que o torna
alegre, mas da villa da Cachoeira na margem esquerda
para baixo, o seu aspecto muda, torna-se sorabrio, feio e






r.



Capitulo IV — Hhas e Lagos 323

triste, cheio de grandes aningaes por um e outro lado, ate
& ilha do Moirim, chegando d qual suas margens se alar-
gam, e o rio mudando outra vez de aspecto readiquire a sua
belleza, apresentando pedreiras em suas margens ate que
seguindo o rumo ENE. se langa na bahia de Maraj6.

As mares em geral apenas sao sensiveis ate pouca dis-
tancia da villa da Cachoeira, e no invemo o fluxo e pouco
sensivel acima do baixo de Moirim. No comedo do inverno
observa-se o curioso phenomeno de correrem as aguas do
rio em duas direc^oes oppostas, as da metade inferior do rio
correm para baixo, isto e, para a foz, as da metade supe-
rior correm para o lago, de onde retrocedem quando as
aguas d'este come^am a avolumar. E^te facto extranho foi
pela primeira vez observado e narrado pelo bem conhecido
engenheiro brazileiro Moraes Jardim, e depois confirmado
pelo ousado engenheiro portuguez J. Gomes de Oliveira^
que tanto prescrutou estas provincias em muitos dos seus
pontos; dao elles explica^ao ao facto pela planura do cen-
tro da ilha.

A navega9ao d'este rio e muitas vezes embaracada pela
quantidade de canna-rana (cana falsa, talvez uma especie
de gy^nerium^ segundo o V. de Beaurepaire), que creando-se
e desenvolvendo-se em su^s margens o obstruem.

O sr. Joaquim Gomes de Oliveira exprime-se sobre
este rio, pela seguinte forma: «Este rio, cujas aguas com-
municam o lago Arary com a costa S. da ilha, fora primi-
tivamente uma especie de furo ou de estreito canal, for^
mado por dous diflferentes rios reunidos por suas cabecei-
ras, por onde as aguas da parte S. da ilha se dirigiam a
um e outro d'esses diflferentes canaes do Amazonas(*), que
a limitam; nem essa particularidade de dirigir suas aguas
para uma outra de suas extremidades ainda hoje elle per-
deu, pois que em todos os principios do inverno, quando o
nivel das aguas do lago tem baixado, todas aquellas que
do Anajds-mirim e rios menores que n'elle entram ate



(') Vide pag. 3o4 sobre os Mondongos.



324 ^ RegiSes Ama\cnticat

miiito maiores distandas do lago, se dirigem paraE.,che'
gando muitas vezes a tomar uma velocidade superior a
o"',B por segundo, para o que concorre principalmente o
ser o rio Arary uma especie de canal de rnvel entre a villa
da Cachoeira e' o lago, ser a bocca do Anajds muito mais
visinha do lago do que da Cachoeira, e o carregarem sem-
pre mais as chuvas d'este periodo de inverno nos centros
que para elle desagoam do que para o lado dos Mon-
dongos.

Durante o verao e tins do inverno e que todas as aguas
d'este rio caminham para a costa S., mas com uma veloci-
dade muito inferior, principalmente em meio do seu curse,
em TOtude da grande extensao que tern a percorrer, Nao
s6 e a opiniao do sr. Oliveira como da commissao de en-
genheiros que antes fSra alii estudar a maneira de fazer
escoar os grandes atagadi^os da ilha, que a desobstruc^ao
d'este rio otfereceria vantagens notaveis.

Rw Anafds—E o segundo rio, em extensao e imponan-
cia da ilha, e forma-se de dous ramos: do Anaj^s propria-
mente dito que sahe de umas baixas do centro, e segue
para O., e do Moco6es que parte da ilha do Camaieao na
beira dos Mondongos e segue para NO at^ encontrar o pa-
rani-mirim do Arami que € o limite entre a ilha de Ma-
raj^ e o estuario do lado occidental, onde termina o rio,
mas i costume dar-se a este limite do estuario o mesmo
nome de Anajds ate i bahia do Vieira.

O Anaj^s e livremente navegavel a vapSr ate d povoa-
^So do seu nome, e ainda por cerca de 3o milhas mais._ em
qualquer dos seus dous ramos, tomando-se porem muito
morosa a navega^ao n'estes dous ramos por serem extre-
mamente sinuosos.

Referindo-,se ao Anajfls e seu affluente Curuni, e Mo-
coao ou Mocodes, diz o sr. J. Gomes de Oliveira:

•Estes rios que nada mais sao do que os restos da
parte superior ou occidental do grande canal que em ou-
tro tempo deve ter corrido pelo meio de Maraj6, servem
hoje de esgoto a uma pequena parte das aguas que se ac-



Capitulo IV — Hhas e Lagos 3a 5

cumulam no centro da iiha, mas o perfeito nivellamento de
leito e a direcgao em que existe a sua foz contraria d do
Amazonas, juntos A sua mui grande extensao, fazem que
mais depressa devam ser considerados como canaes a es-
gotar do que como esgotadores.»

Rio Arapixi — E menor do que o Curuni, mas maior e
mais extenso do que quantos desembocam na costa do
N. Sahe dos Mondongos com o nome de Igarape-fundo,
recebe A direita o igarape dos Cajueiros e da Mandioca, d
esquerda o igarape Santa Maria, e jd visto de sua barra no
Amazonas se Ihe reune do mesmo lado o no de Santo An-
tonio, engrossado pelo do Egypto, que tambem sahe dos
Mondongos.

Segue o rumo geral de NO., e extenso, profundo e na-
vegavel a vap6r na quarta parte do seu curso inferior, e
por vapores pequenos ate dois ter^os de sua extensao, mas
e bastante sinuoso de modo a tornar morosa a sua nave-
ga^ao. O seu curso e o de sens affluentes e todo na regiao
dos campos, mas uma estreita facha de matto orla as suas
margens, excepto no Igarape-fundo, que corre em campo
limpo. A sua barra no Amazonas e muito larga e nao dd
entrada ou sahida livre senao com um quarto ou meia mare
de enchente.

Ferreira Penna pela maneira porque se exprime parece
indicar que este rio faria parte ou se communicaria com o
canal que parece ter existido pouco mais ou menos seguindo
a linha dos Mondongos.

O sr. J. Gomes de Oliveira, que estudou especialmente
€stes rios com o fim de estabelecer um canal que commu-
nicasse o lago Arary com o mar por meio do rio das Tar-
tarugas, ou d'este rio Arapixi, exprime-se por esta forma:

cEste rio, que parece nunca ter tido communica^ao com o
primitivo canal, apresenta-se agora comtudo como o prin-
cipal escoador dos Mondongos, pelas muitas ramificacSes
d'elle que alii se dirigem.*

Segiindo este engenheiro, ainda que muito sinuoso o
rio, e facil cortar as voltas mais rapidas, augmentando a



32$ A^ Rep0^.Aim^onkas,

ftouxo, em virtude do que tern sen^re e^do despo-
voado.

tA sec^So a que chamamos dos Tabocaes estreita-se
muito rapidamente e i influenciada pela mare somenie nos
tres primekos kilometros, que de verao s6 durante o breve
tempo de pr£a-mar pode acaso ser navegada per pequenas
montarias, ticando no resto do tempo reduzido a um rcgo
de lodo; do mesmo modo, como durante esta estacao, se
apresenta sempre o resto d'esta sec^ao, que por tal forma
se encontra infestada de tabocaes, que mais parece uma
sebe espinhosa impenetravel do que uma via aquatica. Pela
ac^ao da for^a das aguas no inverno excava-sc-Ihe profun-
damenle o leito, como tive occasiao de obseiTar, principal-
mente do rego do Pai Joao para baixo, mas logo que a
agua djminue, torna de novo a obstruir-se como a encon-
irei no verao passado.

•A ultima sec^ao que chamamos dos bamburraes, nada
mais e do que a continua^ao dos do Genipapoci^, ditferindo
s6mente da ultima e peior parte d'este, conhecida pelo
nome de Rego da fararaca, por ter os barrancos de plan-
tas fluctuantes ainda mais ceirados e o terreno do fundo e
lados menos consistentes. E^te rio das Tanarugas onde es-
tes animaes jd nao entram, e que tao pouco jd merece o
nome de rlo, seria por sua situa^ao, quando desobstruido,
de um immenso valSr para o escoamento dos Mondongos,
mas quando mesmo A custa de muitos sacrificios se conse-
guisse uma vez esse resultado, de pouca dura^ao elle se-
ria, se annualmente se Ihe nSo applicasse uma despeza de
conserva^ao quasi egual i da primeira limpeza.

f A communica^ao do Tartarugas com o lago do Arary
por meio do Genipapocii, alem de pelos motives expostos
ser a mais difficil de abrir e conservar do que qualquer ou-
tra que aproveitasse os terrenos mais limpos e consisten-
tes, sitos a NE. do Apihy, de pouca vantagem seria para
o transporte de gado da Mexiana, Caviana e NO. do Ma-
ra}6f pois que obrigaria os barcos a grandes podeios, diffi-
cultando ao mesmo tempo o embarque dos que por terra



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Capitulo IV — Ilhas e Lagos 829

ahi se dirigissem pela necessidade de os fazer atravessar
OS Mondongos.» (»)

A sua barra e situada em frente d ilha dos Camaleoes,
o que a torna abrigada e franca, e offerece^ ds embarca-
^oes Optimo refugio.

Rio Ganhoao — Este rio, como outros de que jd fallei, tem
•a sua origem nos alagadi^os chamados Mondongos; a sua
direccao geral e a de N. a S. A sua barra franca; no seu
curso e sinuoso.

Rio dos Macacos — Apezar de ser considerado um rio, e
elle mais exactamente o que na provincia se chama um
furo, isto e, um rio cujas extremidades dao ambas em ou-
tros rios, assim este, terminando por um lado em uma bi-
furca^ao que o communica com o rio de Breves e furo do
Jaburu, costeia a ilha dos Macacos que por elle e separada
da ilha de Marajd, e termina no rio Aramd a E. da con-
fluencia d'este com o furo do Jaburu, tambem chamado rio
Jaburu.

Rio Muand—Na costa occidental da ilha, e em um ponto
nao distante da bocca liga-se ao Atuba com cujas aguas e
as do Anabiju se alimenta.

A seis legoas da bocca, estd na margem direita a ilores-
cente villa do Muand.

^io Atuha{^) — E formado pelo Atuha propriamente
dito que vem das mattas e pelo Anabiju que vem dos cam-
pos e lago do mesmo nome, encontrando-se ambos a cerca
de dez milhas acima da villa do Muand, para a qual desce
um braco o qual parte da confluencia dos dous rios. De-
pois do Arary, e o mais importante dos rios que vem da
ilha ao rio do Pari. E navegado em vapores em grande
extensao, e a sua barra e fronteira d foz do Tocantins.

Mdpud — Este rio pertence ds aguas do Amazonas, pro-
vem dos igap6s e pequenos lagos existentes nas mattas, e



{}) Relatorio do sr. Joaquim Gomes de Oliveira ao presidente
Correia de bd e Benevides no Par^ em 3 de Agosto de 1875.
(2) Ferreira Penna — A ilha de Marajd,

42



33o As Regi6es Ama\onicas

entre o Anajds e atguns bra^os do Canaticu ou Quanaticii.
Segue para O., perdendo-se no AramS. E navegavel a va-
por em grande extensao, mas esta navega^So exige grande
cuidado pelos numerosos p^os que frequentemente ftuctuam
ou estSo cravados no fiindb de seu leito. As suas margens
sao abundantissimas de seringueiras(i).

Igarapi- Grande ou Paracauary — Jii rive occasiao de
fallar d'este rio quando no pnnctpio da parte relariva ^ Ilha
de Marajd, fallei das ideas de Agassiz sobre a historia geo-
logica d'esta regiao. Tem as suas fontes nos terrenes baixos
da ilha em sua parte central, e bastante fiindo e portanto
navegavel em grande parte do seu curso; n'elle achou Agas-
siz patentes os effeitos da invasSo do mar que cada vez se
tornam maiores. Tem alguns affluentes como o Genipapo,
e outros de pequena importancia.

Aiartj/rf-ossii — Rio que desagua, no rio do Pari e cujas
cabeceiras ficam muito proxtmas das cabeceiras de alguns
affluentes do rio Arary, como seja o Larang^iras. E de pe-
queno curso, e a sua posi^ao relativa ao Arary, permittiu que
por ordem da presidencia da provincia em 1870 eu fizesse
abrir um canal de communicacao pelo qual as embarcacoes
do Maraj6-a3su passam para o rio Arary sem terem que
correr pela costa da Bahia de Marajd que e bravia e de dif-
ficil navega^ao pelas pedras que n'ella abundam. A pouca
distancia da bocca, e'stfi a florescenle villa de Ponta de Pe-
dras, na margem esquerda.

Se nao temesse tornar-me prolixo e enfadonho continua-
ria a descripcSo dos difTerentes rios que atraz enumerei, que
cortam a ilha de Joannes; sSo elles por^m de tSo pequena
importancia, e offerecem entre si uma tal semelhanca va-
riando s6mente dentro de estreitos limites quanto d sua
grandeza, que julguei dispensavel essa tarefa, completando
antes que me resta dizer quanto a esta ilha com uma no-
ricia de seus lagos, ainda que nao sao elles t3o numerosos
nem tao grandes como os do alto Amazonas.



(•) Ferreini Penna — A Ilha de Marajd.



i



Capittilo IV — Ilhas e Lagos 33 1

O numero d'elles era antigamente maior do que na
actualidade, mas os aningaes e o mururi tern acabado al-
guns d'elles transformando os em paues.

Hoje ainda se mencionam o Lago Arary, o do Al^apao,
o do Guaijar^, o de Santa Cruz, e o de Anabiju, todos os
mais conhecidos com os nomes de Lago das Mongubas,
das Tartarugas, Nazareth, Guard, Bom Jardim, e Chapeu.
Sao de uma importancia muito secundaria, e o unico ver-
dadeiramente consideravel e o seguinte:

Lago Arary — As dimensoes que Ihe assigna o sr. Fer-
reira Penna sao 2 a 2 e meia milhas de largura, com 10
de comprimento no sentido de N. a S., mas considerando
como uma continua^ao do lago a parte inferior do rio Apehy,
que nao i em verdade senao uma serie de pequenos lagos
interrompidos por curtos espa^os mais estreitos. O seu
fiindo varia de i a 2 \^ metros no verao e de 5 a 7 metros
no inverno. N'esta esta^ao os vapores da empresa Marajo
o tem navegado carregados com 80 bois, sem encontrar
difficuldade.

ILHA CAVIANA

Ao que eu poderia dizer sobre as duas ilhas d'este
grupo a Caviana prefiro transcrever que sobre ella e a
de Mexiana escreveu o sr. Ferreira Penna tao sabedor das
cousas amazonicas e que a morte derrubou a 5 de Janeiro
de 1888.

todas as ilhas do grande estuario e a segunda em extensao.
Atravessada na foz do Amazonas, como um anteparo
entre o grande rio e o oceario, e cortada pelo Exjuador,
como as suas visinhas Jurupary e Mexiana, a Caviana tem
a E. esta ilha ao S. a do Maraj6, a SO. a de Jurupary e
a NO. a Guyana.

cCom a extensao de gS a 100 kilometros, domina a Ca-'
viana a entrada do Amazonas dividindo em dous grandes
ramos a sua barra: o do N. que vae acompanhando o con-
tinente e o de E. que passa entre a ilha e o Marajo.



332 As Regides Ama\onica$

cFormada por depositos alluviaes e a ilha uma grande
planicie de que o solo e em parte alto e inalagaveU
e em geral baixo^ ds vezes pantanoso e com mui peque-
nos lagos: contem muitas fazendas, todas pequenas, mat-
tas de bastos, seringaes, em que se extrde muita borra-
cha, etc.

cHa cerca de 3o annos foi a Caviana dividida em duas
ilhas por um largo canal que Ihe rasgou atravez a poro-
roca, que nos plenilunios e novilunios a^oita a costa man-
tima da ilha. Pela ruptura que ella fez de um terreno alto
que guardava est^ costa, ]A antes muito corroida, a pore-
roca alcancou as cabeceiras ou baixas do igarape Guajuru,
cujo leito ella aprofiindou e alargou, e por este meio con-
seguiu penetrar, assim, dentro do Amazonas, em cujas
aguas ate entao nunca iora vista.

fNa extremidade NE. da Caviana ha algumas palhocas,
restos da povoa^ao que em 1700 teve a cathegoria do lugar
com o nome de Rebordelos; zxi entao tinha sido Aldea de
Peyhi^ antiga habitacao dos Aruans, da qual hoje nem ves-
tigios restam senao nas urnas soterradas em alguns pontes
que, s6 por acaso se p6de descobrir.

cA aldSa de Peyhe foi missionada pelos padres capu-
chos de Santo Antonio, que com tanta abnegacao e sacri-
ficios ate da vida de alguns d'estes grandes missionarios,
prestaram os mais assignalados e importantes servi^os ao
paiz, catechisando e pacificando aquellas tribus guerreiras,
de que a amisade e os bracos armados tao procurados
eram pelos estrangeiros que pretenderam dtsputar aos Por*
tuguezes a posse do Amazonas.

cOs Aruans, que escriptores bem pouco escrupulosos
calumniaram qualificando-os de antropofagos, foram, gra-
gas aos Santos esfor^os d'aqu'elles capuchos, os melhores
e OS mais uteis auxiliares que teve Portugal para conservar
e consolidar a sua colonia e o seu dominio no grande estua*
rios. Alguns prestaram tao grandes servicos ao Estado, que
el-rei os ennobreceu, e dous d'elles traziam o habito de
Christo ao peito pelos seus grandes merecimentos.»



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 333

Como conhecimento util aos navegadores accrescenta-
rei que entre a costa meridional da Caviana e a ilha das
Marrecas existe um canal que pode servir de excellente
abrigo aos navios que por alii cruzem quando nao exijam
mais de i5 pes de agua; sendo conveniente costeem a mar-
gem da ilha Caviana ate que do convez se avistem as ca-
sas da fazenda S. Pedro na distancia de 2 a 2 y% milhas.
A ponta oriental d'esta ilha tomada de bordo de um navio
situado a 800 bracas da costa fica a o**-2'-o" Lat. S. e
6*'-27'-o,6" Long. O.

cA Mexiana e a menor e a mats oriental das tres gran-
des ilhas do estuario e a ultima do Amazonas, tendo 64
kilometros de E. a O., e cerca de 28 de N. a S. E" cor-
tada pelo Equador e estd situada entre o Oceano a N. e a
E., a ilha de Maraj6, ao S., da qual e separada pelo braco
oriental do Amazbnas que alii mede 12 kiloifnetros de lar-
gura, e a ilha da Caviana a ONO., sendo d'ella separada
por outro canal de 8 kilometros de largura.

cContem dilatadas mattas com extensos seringaes, boas
Campinas para creacao de gado bovino de que ha alii uma
boa quantidade, pequenos lagos, serras, is vezes altas ou
inalagaveis, mas em geral alagadi9as, e abundancia de ani-
maes silvestres.

cE' uma propriedade particular formando uma fazenda
de creacao de gado com uma s6 casa de vivenda e ranchos
e de vaqueiros. E^td inculta. Em di versos pontos ha muitas
barracas de seringueiros que pagam ao proprietario da ilha,
uma quota, em especie, pela borracha que preparam.*

nha do Maracd — E' talvez sahir fora do quadro que
tracei o tratar d'esta ilha, pois estd ella alem do Cabo do
Norte, mas achando-se ella entre as ilhas proximas d costa
de Sotavento dentro dos limites da costa brazileira, e uma
das mais importantes, nao quiz deixar de fazer d*ella men-
;ao nao so pela sua extensao como mais ainda pela sua posi-
cao em rela^ao ao Amapd.

Ainda outro motivo puramente scientifico mas de bas-
tante importancia para a questao de limites com a Guyanna



334 As Reg&kt Ama^onicat

franceza merece ella fixa anen^ao; e ^ o seguinte: Em
grande numero de cartas acha-se coUocado o Cabo do
Norte na poiita continental separada da iiha do Maraca pelo
canal Carapaporis; e talvez mesmo a mais vulgamiente de-
signada esta colloca^ao; mas tambem o achamos collocado
em grande numero de cartas ftancezas como na de Froger
feita em Cayenna em 1696^ sobre dados e noticias do mar-
quez de Ferolles que conhecia bem as duas posi{6es.

Effectivamente parece que este e que e o verdadeiro
Cabo do Norte, pois que e o indicado nas cartas dos au-
ctores mats habilitados e que estudaram a questao em si
como Le Serrec o reconhece na pag. 34 do seu trabalho
Philo-amazonico de 1847 e Pauio Duboyer na narra^ao de
sua viagem com Bretigny i Cayenna (vide Oyapoc de J.
G. da Silva n." i8g5). Entre os francezes esta ilha e conhe-
cida com o nome de ilha do Cabo do Norte; ainda isto e
reconhecido por Simon Mentelie na sua carta da Guyanna
franceza feita em Cayena em 1778, em que no interior
da ilha do Maracd elle escreveu: Maracd ou ilha do Cabo
do Norte.

O ancoradouro d'esta ilha e magnifico como reconhece
Mentelie.



ILHAS DO BRiGUE E DO FAUSTINO

Ambas pertencem ao mesmo gnipo chamado das Ilhas
de f6ra, proximas d do Marinheiro. Entre estas ilhas a dif-
feren^a do nivel e de 4 '/) metros na lan^ante.

Ao longo da costa meridional da ilha do Brigue, a uma
milha da terra, corre urn canal cuja profundidade varia en-
tre 4 e 7 bratjas. Na bocca do igarape Xavier o mar sobe
4 metros oEferecendo um bom ancoradouro. A ilha do Bri-
gue e cercada pelas ilhas do Franco ao N., do Marinheiro
ao S-, do Curud ao SO., e pela do Faustino ao O-i e ponto
de espera para as can6as que de Braganca se dirigem para
p Aoiazonas, para Cabo do Norte, ou para o Amapa.



"^



i



rr



Capitulo IV — nhas e Lagos 335

ILHA DO BAILIQUE

Esta ilha, nao sendo em si mesma de uma grande im-
portancia, tem-na comtudo pela sua posi9ao, pois que ella,
assim como a do Brigue, como ilea dito, sao pontos obri-
gados para as canSas que esperam as quebras d'aguas.

N'esta iiha foi situado o antigo ponto militar, e para a
fiscalisacSo foi julgada tao apropriada, que foi elle o pri-
meiro escolhido para tal fim.

Na sessao da assemblea provincial de 1887 votou-se
uma lei mandando crear n'esta localidade uma freguezia e
uma escola, e esta medida e em verdade rasoavel para cha-
mar a um centro os conterraneos d'aquellas redondezas,
que nao achando nem soccorros espirituaes nem instruc^ao
para seus filhos, recorrem aos estabelecimentos francezes
de Cayena, que tudo facilita aos moradores brazileiros do
Amapd, e suas visinhangas, sendo feitos os baptismos de
iilhos de brazileiros residentes em Amapd, em Cayena e
inscriptos como francezes, tendo chegado o prefeito Apos-
tolico Monsenhor Emonet a estender a sua visita pastoral
aos territorios neutralisados do Amapi, casando, baptisan-
do, chrismando e pontificando.

A assemblea provincial votou na citada sessao mais
uma subven^ao para uma viagem mensal de um barco a
vapor para o Amapd; foi-me porem afBrmado que em con-
sequencia de difliculdades que tem esta navega9ao, o va-
por nao tem chegado ao Amapd, ficando muito distante e
mandando apenas (quando manda) um escaler dquelle logar.

A ponta mais septentrional da ilha do Bailique fica a
0^-59'- 12" de Lat. N., e 6H8'-3o" de Long do Rio de Ja-
neiro.

ILHA DAS GAIVOTAS

Ilha em extremo pequena e baixa, mas muito utit para a
balisagem da costa, pois que um pharol n*ella coUocado
permittiria, logo que deixasse de ser visivel o pharol da Ata-
laia, avistar o que n'esta ilha fosse collocado. Foi em atten-



336 - Ai RegiSes Ama\onica$

;ao a isto que em 1880 fiz coUocar alii um pharol que per-
sistiu ate 1S86, anno em que uma inunda^ao da ilha, de-
molindo-o em parte, obrigou a ser d'alli mudado para a
Cor6a Secca, mudant;a que nao foi realisada. Esta ilha e
pequena e vai diminuindo sensivelmente.

As demais ilhas d'este grupo de pouca importancia sao,
apenas a de Bragan^a e Tijoca a tem pela sua collocacao,
formando o canal por onde seguem os navios que deman-
dam o Parfl.

ILHAS DO RIO DO PABA KTt AO TOCANTINS

Ilha da Tatuoca. ilha dos Patos.

* do Arapiranga 1 das Mucuras.
■ Urubuoca. > Camapijo.

* do Fortim. > das On^as.
» Paquetil-mirim. » do Arrozal.

» Jararaquinha. » do Mandihy.

i Paquetd-assil. * do Capim.

* Jutuba. > do Goiabal.

> Jararaca. ■ das Pombas,

> Cotijuba.

Estas ilhas nao tem uma grande importancia; entre ellas
as de mais importancia sao a do Arapiranga, CoiijubLi e
Paquetd-assii e a das On^as; esta e bem frontcira a ci-
dade, e e a mais extensa d'este grupo, e o canal entre ella
e o ponto mais saliente do perimetro da cidade, que e a
ponta do Castello, tica d'ella distante 3:900 metros. N'estc
ponto junto ao antigo castello hoje desmantellado a cor-
rente do rio e em extremo violenta; existem n'esta ilha ape-
zar de bastante baixa alguns estabelecimentos.

A do Arapiranga, a mais elevada, e de uma feliz col-
locacao, alem da das Ow^as que a encobre em parte; a
face opposta & que oiha para a cidade defronta com a grande
bahia de Maraj6.

A de Catijuba presta-se pelo seu solo a qualquer cul-



\



Capitiilo 1 V- — Ilhas e Lagos

tura, e muito abuadante em pedreiras tendo um lago em
seu centro. Tern alii existido alguns estabelecimentos; sac
possuidas esta assim como outras d'este archipelago por
particulares, mas creio que com o simples direito de posse.

As das Mocuras, Pombas e Fortim sao pequenas e
sem importancia, e esta ultima tern diminuido muito, e
pouco a pouco tende a desapparecer.

A Jararaca e a Jararaquinha c Jutuba tambem pouca
importancia tem.

A da Tatuoca, extreraamente pequena, e muito aprasi-
vel e linda de forma circular, d beira do canal por ondc
entram os navios, com vi^osa vegetacao. E um logar de pre-
ferencia para os paraenses para os seus passeios; hoje que
estd comprada pelo governo, que n'ella quiz fazer um laza-
reto, acha-se abandonada. O seu circuito e apenas de -i
a 3 kilometros, entretanto occupa um logar bastatvtt;
triste na historia do Estado do Par^, pois que foi n'aquellc
estreito ambito que se jogou a sorte da provincia em i835,
quando ne|la se refugiou o Governo na triste epocha da
cabanagem, sendo tbeatro de luctuosas scenas e cemiterio
de muitos centenares de cidadaos.




ILHAS EXISTENTES DESDE A BOCCA DO TOCANTINS
PELO TAJAPURU ATB A FOZ DO XINGU



liha Jauroca


Ilhas Novas (2).


> Xipotuba.


llha Paulista.


* do Freixal.


* Sumauma.


> Murumuni.


» CamaleSes.


» Jararaca.


> Mucodes.


» Pacatal.


> dos Bois.


» da Cruz.


» do Aturid.


p Urui.


. do Jacij.


* do Japiim.


» Gomprida.


» Paxituba,


» Marajosinho



. V



5SS



As JlegiSes Ama:(


Ilha Paquetd.

Concei^ao.

Quanaticii.

dos Padres.

Maranbao.

do Caramujo.

Camaleao.

do Cabo.

Anauerd.

Pirii.
Uhas das Araras {%),
Ilha Oii.
» dos Breves.
» Comprida*
» Vira-saia.
> da Olaria.



Ilha Santo Antonio.

das Pacas.

Jutahy.

dos Sepedas ou Cone.*®

da Companhia.

Monsaris.

Boiassij.

Mutum-coara.

Miriliapina.

Curumd.
Uhas do Ituquara (3.)
Ilha do Limao.
» dos Caboclos.
» Pucuruhy.
» Redonda.



Deve notar-se que enumerei as ilhas que se ^ncontram
no caminho mais frequentado a quern quer entrar no Ama-
zonas subindo-o, pois ha diversos caminhos que todos le-
vam ao Amazonas, e em cada um d'elles se encontra um
grande numero de ilhas.

As vezes, conforme os mappas, encontra-se a mesma
ilha com diversos nomes; isto depende dos conhecimentos
que tem do logar aquelles que acompanharam o engenheiro
que levantou a carta hydrographica da regiao.



w

t '

1



4.» GRUPO

ILHAS DO AMAZONAS SEGUNDO O CANAL PRINCIPAL
DESDE MACAPA AT^ AO JAVARY



Ilha Card.
» Vcadinho.
> dos CamaleSes.
» das Cabras.
» de Sant*Anna.



Ilha das Araras.
» Raza (2).
> do Queimado.
» do Vieira.
» Paracuuba.



Capitulo IV—Hhas e L^gas



339



nha dos Patinhos.
do Muruim.
do Bagre.

Grande de Gurupi.
dos Aruaes ou Aruans.
dos Murucujds.
do Jurutahy.
dos Caldeir6es.
do Gurupd.
das Velhas.
Cumandahy.
Cojuba.
do Pesqueiro.
do Jurupary.
da Velha Pobre.
Guajard.
Paracoara.
Acari-assu.
Itande.
Uruard.
do FrechaK
do Cussary.
das Barreiras.
do Ituki.

Grande do Tapari.
do Arapixuna.
Surubi-assu.
Paricatuba.
Marimarituba.
Arapiry.
do Meio.
Mamauru.
do Bomjardim.
Maracd-assii.
dos Caldeiroes.
das Ciganas.
do Mocambo.



Ilha do Pard.
Pequena.
dos Porcac.
Urucury-mbe.
do Mutrntt.
Grande de Serpa.
Cumandahy.
da Trindade.
do Autds.
Jauard.
da Eva*

Grande da Eva.
do Espirito Santo,
dos Muras.
do Curary.
da Paciencia.
da Conceigao.
do Marrecao.
do Uarauaa.
do Paratary.
dos Periquitos.
do Jauard.
do Purus.
do Uarauacoara.
do Cuxiuara.
Guajaratuba.
do Cudajds.
da Xipotuba.
do Camard.
Trocary.
da Botija.
do Inud.
Arauanahy.
do Camarid.
Surubiju.
Jacitara.
Ipixima.



»



9



340



As Regioes Ama\otticas






Ilha das On<;as.

Nova das Frechas.

do Frechal.

Boary.

Coanaru.

Turury.

Uanacaa.

Uape.

Capacd.

Canari^.

Jauarite.

Jussard.

Maia.

Coapani.

Palheia.

TaiassU-tuba.

Tupe.

Tuauonia.

do Cacdo.

Uarassd-tuba.

Tarard.

Ururianduba.

da Euvira.

Arutuba.

Bararod

Timb6-tuba.

Xamarie.



Ilha Uaranapi.
do Tapeua.
Carapanatuba.
Catud.
Chinony.
das Panellas.
do Jauarj-.
Ma ta vivos,
Caturia.
Tupinabarana.
Jacurapa.
do Algodoal.
Tupenduba.
Jauara.
Urary.
Juruinana.
Apara.
Acarateua.
Cajary.
Curaulete.
do Caldeirao.
Javary.
do Ucayale.
do Aramacd.
do Cleto.
Timboti.



D'este grupo de Uhas as mais intercssantes sao a de
Sam' Anna, a ilha grande Gurupd e a de Tupinabarana e
trasladarei para aqui o qi^e sobre a prlmeira d'ellas escre-
veu Jose Gualdino no primelro volume da obra que come-
qou a escrever, e que no fim do primeiro volume abando-
nou teraporariameme, vindo depqis a morte terminar infe-
tizmente o trabalho tao bem comecado.



Capihilo IV — Ilhas e Lagos 341

ILHA DE SANT'ANNA

•14 kilometros a OSO. de Macap6 e o"-!' de Lat. S.
NSo tem mais de 7 kilometros de extensSo, em rumo de
O. a E. Separa-a do continente um brace do Amazonas--
•magnitico canal de 200 a 3oo metres de largura.B (<)

iD'este lade aprescnta a iiha, em geral, o aspecto dc
uma alta muraiha ou barreira de pedra e pedregulhos pro-
jectando-se sobre e canal; nas curaiadas das barreiras eri-
gem-se de espaco a espa^o as casas rusticas — cebertas de
palhas tpdas— dos pequenos lavradores e pescaderes; no
fundo lica a fleresta virente, em toda a plenitude de sua
exhuberancia equatorial, em que os lavradores tem as suas
ro^as.

«Termina a iIha a O. defronte da barra inferior do
belle rio Anauerd-pucil; ao NO. defronte da bocca doMa-
tapy, que desagua 2 kilometres abaixe da antecedente; sua
ponta oriental estd quasi no parailcio da ponta continental
de Matte Grosso, da qual dlsta 4 kilometros.

«Ao N. a margem opposta do canal ^ a do continente:
OS Campos geraes comecam a pouca distancia d'essa mar-
gem, como em toda a costa de Macapd. ,

»D'este mesmo lado,- e ]& quasi defronte da extremi-
dade oriental da ilha, sai do continente um igarape, guar-
necido no lado occidental de sua bocca per um recife de
rochas argilosas, que avanca 10 ou 12 metres para deatro
do rio.

cDao-the o nome de Igarape da Fortaleza; eu (Creio
que e seu nome primitive era Cumaii.* {*)

«E' opulenta de tradic^es historicas, gloriosas para os
pormguezes, a ilha de Sant'Anna. Quando em 1616 Fran-
cisco Caldeira Castelle Branco & testa de i5o portuguezes,
chegeu a margem continental do bra^o oriental do vasto



(') Chrisioval de Acuna, A'uevo descobrimento del gran rio de las
Amajonas.

(') D. S. Ferreira Penna, A ilha de Marajo, VH 77 — 8,



342



As Regides Ama^onkas



Mar-dulce e, fortificando-se, lan^ava os fundamentos da
Belem actual, ji os hollandezes sc haviam anticipado na
occupa^So da Amazonia, (Hide haviam levantado dous for-
tes o de Nassau e o de Orange. Somente se tinham enga-
nado: julgavam-se do tronco do Amazonas e do lado da
Guyana, emquwito occupavam na realidade a niargem oc-
cidental do Xingii, affluence meridional do rio-mar. Em 1616
precisamente quando Caldeira fuodava a capita! do Para,
OS hollandezes conslruiam terceiro fiarte, em Gurupa, mais
proximo do estabelecimento portuguez.

(Os pcHtuguezes, em lucta entao com os indios, tive-
ram de tolerar por seis annos, as invasSes d'aquellc povo
essendalmewe navegador, que tem por formuias de cum-
primento: — Comonavega?... — Navega bem? . . . ('j— Tinham-
Ihes entretanto destruido um navio de guerra, ancorado na
bocca do Amazonas, de que a artilheria veio gunrnecer o
forte do Par^. Desde jurJio de 1620 os inglezes, juntan-
do-se aos hollandezes, haviam-se estabelecido no braco
oriental do rio; com seu tacto para escolher posicoes, ti-
nham preferido o melhor caminho para penetiar no tronco
do Amazonas, que ofiferecendo-lhes muito maior iargura
que algumas partes estreitas do braijo oriental, e entretanto
bastante estreito para ser perfeJtamente defendido.

iMas OS portuguezes, gracas a Pedro Teixeira e a Bento
Maciel Parente, haviam conseguido inspirar aos indigenas
affei^So ou terror, e poderam voUar suas armas contra os
intrusos. Em julho de 1623 Maciel Parente, expedindo os
hollandezes de Gurupfl, vai batel-os na llha de Sant'Anna,
onde se refugiaram. Em maio de 1625, Pedro Teixeira que
Ihes ham tornado os dous fortes do XingO, vai desalojal-os
defronte da ilha de Sant'Anna, onde haviam levantado um
forte com uma pequena torre, que os portuguezes chama-
ram Torrego. N'essa campanha tres fortes sao tornados,
OS chefes holiandez e inglez, Hosdam e Pulcei, ficam mor-
tos no campo da batalha; calguns inglezes e muitos hollan-



(') J. Caetano da Silva, L'Qyapoc et I'Amajone 'i. 3


Capitulo IV — llhas e Lagos 348

dezes sao conduzidos ao Pard; outros fogem apavorados^
Oyapock alem.»

cDesappareceram os Hollandezes do Amazonas.

cFicaram porem os Inglezes.

tO forte Torrego e tornado por Pedro Teixeira em 24
de outubro de 1629; Jacomo Raymundo de Noronha ex-
pulsa-os do forte Fhilip, a i de maio de i63i. cTomou o
< forte d viva forca; fez grandes destrocos nas hostes ini-
cmigas, que eram numerosas, venceu-as, mas nao podendo
cperseguir os fugitivos, demoliu o forte e foi para Gurupd
idescancar as suas tropas.»

cMas OS inglezes ainda estavam fortificados, ao pe de
um igarape a E. dos logares em qu^ tinham tido os fortes
de Torrego e de Fhilip, )i entao demolidos. Era o forte
de Cumahij, commandado por um valente capitao, Roger
Frey, guarnecido por 200 homens de tropas escolhidas.
Para desalojal-os foi nomeado Feliciano Coelho de Carva-
Iho, filho do governador do Pari.

cDepois de 18 mezes de preparativos, Feliciano Coeliio
apresentou'se nas immedia^oes do forte; estabelecendo
longe o seu quartet, mandou levantar trincheiras; mas o ca-
pitao Pedro Bayao, durante a noite e s6 com as pra^as que
guardavam o ponto indicado para as trincheiras, assaltou a
pra^a, lan^ou a desordem nos inimigos apoderando-se do
forte depois de grande mortandade, e mandou esta bella
noticia a Feliciano Coelho, que se cobriu de glorias sem
sahir de sua barraca.

cisto foi a 9 de julho de i632.

< Depois d'esta victoria decisiva, para que collaborou
constante e heroicamente um brazileiro, Pedro da Costa
Favella, natural de Pernambuco, (') nunca mais alii appa-
receram hollandezes nem inglezes.

cEm 1695 construiram os portuguezes sobre as ruinas
de Cumahij, uma fortaleza regular e imponente: a de Ma-
capd. Era governador de Cayenna Pedro Leonor de La

^) Visconde de Porto Seguro, Historia Geral do Brazil.



344- ' -^ Regioes Atna:{om'cas

Ville, senhor de Ferrolles. Por surpreza, apparece no Araa-
zonas, loma os fortes da Desterro, e do Tohere, que ar-
rasa e occupa o de Macapd, que guarnece com os seus sol-
dados. Desde 1688 que Ferrolles intimara ao commandante
do forte de Araguary «que toda a margem septentrional
fdo Amazonas periencia de direito a Sua Magestade Chris-
tianissima.i

«Quando Antonio de Albuquerque teve conhecimento da
perda dos tres fortes, de que o mais importante, o de Ma-
capd, fora por elle fundado, voliava de uma viagem ao Rio
Negro, e achava-se ainda em Gurupd, em convalescenca de
grave enfermidade. Foi-lhe grande a indignacao ao saber
que OS Cayenneses dominavam emfim a margem guaya-
neza do Amazonas, que o Brazil comprara aos hollandc-
zes e inglezes a alto pagar de sangue, e que elle, como seus
prodecessores, zelavam com tanto esmero. Mas preferiu a
vingan^a aos queixumes.

lExpediu immediatamente Francisco de Souza Fundao
e Joao Moniz de Mendon^a, e a 28 de junho de 1697 o
forte de Macapd era reconquistado pelos portuguezes.

tUm mez apenas tinham-no occupado os Francezes (').

■E' assim que n'esse cantinho do mundo se passaram
■scenas tao grandes que iliustraram os primeiros e os pe-
(nultimos annos da colomnia portugueza do Parft(*).

*A ilha Grande de Gurupd e mais extensa das que lor-
mam o estuario que comeca em sua extremidade SO.
(Ponta Jariuba) dividindo o Amazonas em dous grandes
bracos: o do Norte que acompanha a costa da Guyana e
o do Sul que vai receber o Xingii e inclinando-se depois
para NE. passa por Gurupd, onde comeca a subdividirse
em outros bracos.

tA ilha, que nao tem mais de 34 kilometros em sua
maior largura, prolonga-se 164 hilometros no rumo entre
NE. e NNE, indo terminar-se na ponta e Ftiro dos Alegt-es

(') J. Caetano da Silva, L'Oyapoc el I'Amajone. 'X. 14^—6.
(*) D. S. Ferreira Penna, A Ilha de Maraja.



\



Capitido IV — Ilhas e Lagos 345

que na carta de Montravel figura com o nome de Santa
Maria. ^

• Comp6e-se geralmente de terrenos argilosos, ora ala-
gadicos, ora enchutos ou pouco altos, constituindo uma lon-
guissima planicie, de nivel pouco superior ao do Amazo-
nas: tern mattas abundantes de seringaes, boas madeiras
e grande abundancia de animaes silvestres. Ainda ha pou-
cos annos cultivaram alii muito cacao, para o que e excel-
lente o terreno: hoje produz apenas a borracha, e produz
em grande quantidade.»

ILHA DE TUPINAMBARANA OU DE MARACA

Esta ilha pertence d parte das regioes amazonicas co-
nhecida em muitos mappas pela denomina9ao de Mondu-
durucania, e e formada ao N. pelo Amazonas, ao O. pelo
Madeira, e ao S. e a E. pelo furo Tupinambarana, nome
que e tambem dado d ilha, talvez por que n'ella imperou
por muito tempo a grande na(;ao india dos Tupinambara-
nas; isto e a tribu era a chamada Maracd da nacao Ta-
puia, a qual, nao pertencendo A grande na^ao Tupinamba,
foi chamada dos Tupinambaranas, falsos Tupinambas,
como indica a termina^ao ra«^ ou arajta (falso).

Dao-lhe uma e^ttensao de 5o legoas que e a que e me-
dida entre a foz do Madeira e o ponto em que o bracodo
mesmo Madeira chamado Urarid, se lan^a no Amazonas,
mas attendendo-se a que dous canaes, o Ramos e o Ma-
nes, sahem do Urarid e vem ao Amazonas que esta grande
ilha se acha dividida em tres, a primeira formada pelo Ma-
deira, pelo Amazonas e pelo furo de Maues com 20 legoas
pela margem do Amazonas, a segunda formada pelo Ama-
zonas, o furo de Maues, e X) furo do Ramos com 2 1 legoas
c a terceira formada pelo Amazonas furo do Ramos e o
Urarid com 17 legoas. E* considerada pela sua fertilidade
como uma das mais importantes do Amazonas.



44






i4$



As Regides Amaionicas



tHAS DO RIO MADCtRA



Ilha Capitary com

Urucurituba

Sebastiao

Rosario

Valentyn (2)

Maraci

Axinim

Magericao

Goiaba

Trucana

Borba

Guajari

Madidihy

Carapanatuba (2). . .

Isapucaia ou Jacare

Jose Joao

Aripuahi

Araras

UruJl

Mirili

Genipapo

Matapiri

Murassituba

Jacuarana (3)

On^as (2^

Jurard

Marmellos

Uruapiara

Baetas

Muras

Ilha Page.
» Periquitos.
» Pirahyauara.



1 legoa de estensao
100 bracas de
i5qo



300

45o

70

3ooo"

200

3oo

So

70

2000

4600

i5oo

3ooo



i5oo
i5oo



4000
25oo
9000
(5oo



Ilhas sem denomina^ao (3.)
» Punean (2).
> Mariahy.



I



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 847

Uha Pirahibas. Ilha Guaribas.

» Arraias (3). » Mandihy.

» das Flexas.

Alem d'estas que encontro enumeradas no estudo d'este
rio feito pelo sr. J. da Silva Coutinho, em alguns roteiros
e descrip^oes encontro enumeradas mais cinccr ilhas; nao
posso porem affirmar que isto nao seja devido a uma syno-
nimia, ou que se)am effectivamente ilhas conhecidas.

Os nomes d'estas cinco ilhas sao:

Ilha Araxid, em frente ao rio do mesmo nome; Ilha Ca-
rapana, abaixo do furo Tupinambarana; Ilha do Pagao,
duas legoas abaixo do Piraiauara; Ilha Pipuacd, abaixo de
Araretama; Ilha do Temtem, acima de Araretama.

6.» GRUPO

ILHAS DO RIO NEGRO

O numero de ilhas semeadas n'este rio e crescidissincio;
entretanto nao se encontra trabalho algum, nem mesmo um
simples roteiro, em que ao menos o numero d'ellas seja in-
dicado, e quando se encontram figuradas faltam-lhe os no-
mes; por isso me limitarei ds seguintes:

As Anavilhanas que constituem um verdadeiro archipe-
lago a 26 legoas de distancia da confluencia do Rio Negro e
Amazonas; acham-se estas ilhas dispersas em uma bahia
de 4 legoas de largura proxima ao rio Anauene na margem
esquerda do Rio Negro.

Ilha de Teniomin ou Timoni, abaixo da foz do Xiuard;

n'ella foi o acampamento dos rebeldes de Lama-longa

em 1757; Ilha Pedro 2.**; Ilha Marapata, logo acima de sua

confluencia.

7.° GRUPO

ILHAS RRINCIPAES DO TOCANTINS, DESDE CAMETA ATE AO
PORTO-REAL DO ARRAIAL DO PONTAL

Ilha Grande. Ilha do Curaud.

» Mararia. > de S. Lucas.



1 As Regtdes Ama\onicas

Jutuca. » de S. Miguel.

Tapissanera. • do Jutahy.

Curuata. » do Tocandns.

do Espirito Santo. n do Cajueiro.

do Bacury. » do Mandii-Pixuna.

Juqueira-pu6. » da Rainha.

das Pacas. » dos Camaleoes.

daSjAmas. ■ • de S. Jose.

dos Aiapapds. » dos Botes,

das Almas. > do Gorgulho,

de Tucumanduba. • do Jaij.



Esta enLimera<;ao de ilhas e formada sobre o mappa
feito na Reparticao de Obras Publicas do ParA, per occa-
siao das exploracoes do sr. J. M. Couto de Magaihaes, c
sobre o roieiro levantado pelo capitao-tenente Parahybuna
dos Reis ao qual juntou um retatorio apresentado ao
mesmo sr. Couto de Magaihaes. Comparando estes e ou-
tros trabalhos, ds vezes ha uma ilha com diversos nomes.



LAGOS

Nao menos descurado do que o das ilhas Tem sidu o
estudo dos lagos nos Estados do Gram-Pard l- Ainazonas;
n'este estado cspecialmente este estudo e oxtremamenie
diflicil pelo crescido numero d'elles que alii sc enconiram:
apenas os maiores ou os mais favorecidos pela sua posi-
cao sao conhecidos; d'aqui resulta que mesmo a enumera-
cao d'elles que vou fazer, sera incompleta, mas i. um cn-
saio, que outros dcpois de mim completarao.

Para a sua classifica^ao tomei por base o rio em que
elles desagoam, a comeqar da parte superior do Amazonas,
ao qual conservarei a denominacao gerdlmente acceita de
Solimoes e Amazonas, comprehendcndo a primeira parte
da fronteira ate a foz do Rio Negro, e a outra d este ponto
ate d sua embocadura.



/



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 849

LAGOS CUJAS AGUAS VEM AO SOLIMOES

Lago Caiari: desagua na margem esquerda abaixo do
igarape Tabatinga.

Lago Caniniba: desagua na margem esquerda logo
acima .do rio lea.

Lago Caiary: afflue a margem esquerda em frente d
freguezia de Javary.

Lago Codajds: o sr. Araujo Amazonas diz a respeito
d'elle: «.Lago da Guyana entre o Solimoes e o. Rio-Negro,
communicando com o Aniamd e Anamd, despeja na mar-
gem esquerda do Solimoes por duas fauces entre a ilha
Guajaratuba e o ribeiro Tininga, em frente a primeira da
segunda e terceira bocca do Purus, e a segunda da ter-
ceira e quarta bocca do mesmo rio, 46 legoas acima da
confluencia do Rio-Negro, e 1 24 da foz do Jamundd. O seu
desaguadouro, foi tido por muito tempo pela primeira e
mais oriental das nove boccas que suppunham ao rio Ja-
pura. Ha grande affiuencia n'este lago por occasiao da va-
sante para pesca do pirarucu e manipulacao da manteiga
de tartaruga, e do peixe-boi. E' mui apta a situacao para
Vima povoacao, nao so porque interpondo-se entre Manaos
e Coary quebrard a monotonia que encontra o viajante em
tao grande e penosa distancia, como pelas proporcoes que
oflFerece a fertilidade de suas margens, que ja contem al-
guns estabelecimentos ruraes.».

Esta previsao foi realisada, pois Codajas que era em
1874 uma freguezia, por lei de i de Maio de 1874 foi ele-
vada a villa.

Lago Capacii ou Ciipacd: despeja suas aguas na di-
reita do Solimoes, acima da ponta Paracary, em frente ao
rio Japurd.

Lago Curiid: desemboca no Solimoes abaixo do rio
Jurud.

Lago Manacapiirii: lan^a-se no Solimoes. na margem
esquerda abaixo de Codajds, 18 legoas acima da confluen-
cia do Rio-Negro. Abundante ^m pirarucu e tartarugas.



35o



As RegiSes Ama^onicas



pelo que durante a vasante affluem os pescadores para a
saiga de um e preparo de manteiga das outras.

Lago Maracand-tuba: traz as suas aguas d margem es*
querda do Solimoes, entre a freguezia do Javary e a aldea
de S. Jose.

Lago Taracajd: afflue pela margem esquerda acima de
Manacapuru.

Lago Caifara: afflue no Solim6es pela margem direita
pouco acima da foz do Japurd.

Lago da Ega^ lan^a-se no rio Teffe que o eleva ao So-
lim6es.

Lago Coary: nao sei se poderi ser chamado propria-
mente um lago, ou se o devemos considerar como um alar-
gamento do rio d'esse nome a cinco legoas da bocca; lanca
suas aguas pela margem direita.

Lago Atimneni: lago entre o Rio-Negro e o Japurd^
trasborda no primeiro e tambem no Solimoes pelo Codajas.



LAGOS CUJAS AGUAS VEM AO AMAZONAS



Lago Canumd: Desagua no rio Buvururii tambem co-
nhecido por Urubij, o qual vem d margem esquerda do
Amazonas.

Lago Canacari: faz parte do lago grande do Saraca,
que desagua no Amazonas perto do rio Uatumd.

Lagos do Saracd: Desagoam no Amazonas por seis boc-
cas comprehendidas entre o rio Atumd e o lago Amatari,
a ultima quasi em frente ao rio Madeira, com o nome de
Aruato, serve de foz ao rio Urubu, dista da primeira i3
legoas; compoem-se estes lagos do Canacare e Macuard
muito abundantes em peixe.

Lago d'El-Rei: na margem direita do Amazonas entre
Matari e Jatuarana, no extremo inferior da corrente do Pa-
raquecoara, no districto de Mandos.

Lago Sauid: derrama suas aguas na margem direita do
grande rio, logo abaixo do rio Acaricoara.



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 35 1

Lago Curumucurjr: e um formosissimo lago cercado de
terras altas, proximo a Obidos.

Lago Grande de Villa Franca: tambem chamado
Lago Grande das Campinas; desagua na margem direita do
Amazonas por quatro canaes de cinco a oito milhas de ex-
tensao que atravessam florestas gigantes. Sao elles o Ira-
tena, o Curumucury, e os dous dos Miranhas; quando se
entra pelo canal Iratena, depois de sahir nas campinas, pas-
sa-se aos lagos, denominados Iratena, da Bocca, da Porta,
e do Sale. D'este a 12 milhas de distancia ao SE., esta o
igarape Piraquara, que, confluindo com outro menor, forma
a cabeceira do Lago Grande que com uma largura de cerca
de duas milhas tem um comprimento de quarenta.

Esta extensao porem que se observa no tempo da cheia,
no tempo da vasante acha-se reduzida a uma especie de
igarape com 3oo a 400 metros de largura que ora se en-
costa ds terras altas que formam a margem direita do lago,
ora corre por um loda^al ou por um areal lancando-se no
Amazonas por duas boccas de pouca importancia, frontei-
ras d ilha Marimarituba. Eis em resumo o que sobre ella
escreveu F. Penna.

Lago Curud: nas campinas proximas a Alemquer.

Lago do Botos: ao O. do antecedente com o qual se
confunde e como elle sahem suas aguas na margem es«
querda do Amazonas.

Lago do Tostdo: fica entre o parand-mirim de Obidos
ao S , lagos do Curud e Botos ao N.; e o mais extenso do
municipio.

Lagos Uruxy^ Ciirumu e Capimtuba: ficam todos pro-
ximos d margem esquerda do parand-mirim de Alemquer;
o ultimo serve de limite entre o territorio de Alemquer e
Santarem.

Lago Surubiju: este lago, que encontro consignado nas
obras de Baena, e ate como contendo em sua extensao va-
rias ilhas, segundo F. Penna nao existe. Esta asser^ao de
Ferreira Penna que se demorou por aquelles logares estu-
dando, e que tao consciencioso e em suas descrip^oes, e



352 As Regides Ama'^onicas

digna de nora quando veraos que Heberth Smith que alii
persistiu algum tempo designa no mappa que levantou d'es-
las regioes o lago Sumbijia, e predsament? no mesmo lo-
gar em que elle e designado no mappa de Spix e Manias
que percorreram detidamente estes logarcs, sendo formado
pelas aguas do rio Surubiju que tambem deita agiias para
o lago Cumamania ou de Alemquer. No mappa grande
d'estes logares de H. Smith o lago Surubijii-mirim e mar-
cado como desaguando no canal formado por um braco do
Amazonas em frenie a uma das boccas por onde corre o
rio Curud; n'aquetia parte em que i chamado igarape de
Alemquer, vasa no Amazonas. O mappa de Martius e o
de H. Smith sao dignos de fe, este ultimo e muito minu-
cioso e acompanhado de uma legenda explicativa, de modo
que ha motivo para hesitar entre as duas affirmacoes; po-
rem, para quem tern viajado no Amazonas ella se explica
pelo seguinte — Nao ha dgus practicos do Amazonas ou dous
sertanejos que deem os mesmos nomes aos mesmos loga-
res, o que a Martius e Smith foi mosirado como Surubiju,
a Ferreira Penna o foi com outra denomina^ao, pois n'es-
tes logares os lagos sao em grande numero no inverno du-
rante a cheia, desapparecendo muitos durante a secca ou
vasante. Inclino-me comtudo a que ha um lago Surubiju
porque no mappa recente de Peierman (1887) da America
do Sul, Optimo mappa em que ate encontro consignadas as
ultimas investigacoes do Rio Xingii pela commissao allema
vejo marcado o lago Surubiju.

Lago do Juruty: na margem direita do Amazonas, sahe
em frente a Maracd-assu pelo canal Balaio.

Lago Jamundd: segundo F. Penna, -e formado por uma
dilata^ao do rio do mesmo nome antes de se lancar no
Amazonas, diz elle. Com effeito apenas sc fecha o lago
enira ahi logo na margem direita o Cabury, o primeiro
braco ou parani-mirim que o Amazonas Ihe envia.

Lago Attimamiri: logo em seguida ao Surubiju e des-
aguando no parani-mirim de Aritapera.

Lagos de Ptratauara, da Emeada^da Agiia-preta, fta-



J



^ Capitulo IV — Hhas e Lagos 353

riuey de Pirdcdoera^ do Pacao^ de Aramanat. Sete lagos de
diflferentes tamanhos existentes na ilha grande de Aritapera
e communicando, uns com o ramo principal do Amazonas,
outros com o parand-mirim ou canal que passa por detraz
d'ella.

Lagos do Maquieaua^ do Pacoval^ do Arrosal^ da Su-
tnaiima^ da Coricacasinha: todos indo desagoar no parand-
mirim da ilha Grande de Aritapera.

Lago grande de Paracary: descendo de Alemquer
pelo parand-mirim, deixando d esquerda a bocca do lago
Capimtuba entra-se no bra^o principal do Amazonas, de-
fronte da ponta da ilha das Barreiras ficando na costa d
esquerda a bocca do lago Paracary, cuja extensao e de 7
para 8 milhas do N. a S.

Lago grande de Monte Alegi^e, Ptracaba, Jacari-capd '
e Uxiacd: o primeiro e assim chamado por sua extensao
de 25 milhas por 5 de largura; fica situado ao SO, da villa
de Monte- Alegre e urn pouco ao S. da serra do Erere;
acompanha a costa do Amazonas desde as immedia^oes do
furo Tapard-mirim ate ao ponto da mesma margem corres-
pondente d bocca do Ituqui na margem fronteira do Ama-
zonasj e desagoa no Amazonas pelo rio Catauary perto do
Tapard o qual secca no verao. No mappa de H. Smith nao
encontro este rio ou igarape, e em seu logar encontro um
furo communicando com o lago com o nome de furo do
Ricardo, nome que nunca ouvi pronunciar, nao obstante ter
eu sido creado n'estes logares e correr este rio Catauari
em terras minhas de que elle era a divisa.

O outro desaguadouro do lago e o rio Gurupatuba ou
de Monte-Alegre com o qual se communica pelo igarape
Apard (rio torto).

Communicando com o lago grande de Monte Alegre, te-
mos mais os tres lagos de Piracaba, Jacare-capd, e Uaiacd
todos muito menores que aquelle e muito farlos de peixe.

Lago Urubucuara: formado pelas aguas do rio do mes-
mo nome, um pouco acima da Prainha, tem a sua commu-
nicacao com o Amazonas pela margem esquerda; e impor-
45



3^4 -i^s RegiSes Ama:{onicaS

tante este lago e muito abundante em peixe. A sua locali-
dade e muito proxima do ponto em que existiu a povoa^ao
do Outeiro.

Lagos do Curud: na margem direita do Amazonas tem
eile seu escoadouro; nao deve portanto ser confundido com
OS lagos do Curud de Alemquer ou do Curud-panema. Sao
em numero de tres os lagos de que tralo e sao formados
pelas aguas do Rio Mahicd, e outros acima um pouco das
barreiras do Cussary.

Lagos Cumau ou Matapi: pequenos lagos formados pe-
las aguas do no d'este ultimo nome, despejando-as na mar-
gem esquerda do Amazotias perto de Mazagao.

Lago Uruard: no mappa de Spix e Martius encon-
tra-se este lago indicado mas sem nome, no moderno mappa
de Peterman de 1887, porem vem elle indicado no mesmo
logar mas com o nome de Lago Uruara, e de facto e assim
chamado, pois recebe as aguas do rio d'este nome, que
fica muito proximo e que segundo aquelle mappa sc com-
munica com o rio Guajara na margem direita em freme a
Prainha.

LAGOS CUJAS AGUAS VEM AO JAPURA

Lago Aiamd ou Aiaiid: na margem esquerda Jo Japura
no districto de Miripi, communica ainda a uma grande dis-
tancia com os lagos Anamd e Codajus.

Lago Anamd: Siiuado entre os rios Solimoes, Negro e
Japurd e entre os lagos Aiamd e Codajds, desagoa na mar-
gem esquerda do Japura e communica ciMn os dous lagos
acima rcferidos.

Lago Marahd: desaguando no rio Japurji pela margem
esquerda e communicando com rio Urubaxi que desagoa
na margem direita do Rio-Negro.

Lago Urubaxi: entre os rios Negro e Japurd commu-
nicando com ambos.



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 355

LAGOS DESAGUANDO NO RIO PUROs

Margem direita: Lago Bururu^ Anana\^ Paricatuba^
Jary^ Tapira^ Macaco^ Supid, Taua-mirim^ Ariman^ Ma-
guarfy Mapixi^ Jamandud^ Jauary^ Canacahan^ Cuya-
riha, Samuary^ Jacari^ Lary.

Margem esquerda: I^go Caud^ Tapurii^ Japti^ Pi-
raiauarUy Parili^ Paripi^ na margem esquerda pelo furo
Curd-curd, Macopd^ no mesmo fiiro, Mabadiry, pelo fiipo
Cahinahan, Jamaheary^ Apomao^ Mucurutii^ Cupariha.

N'esta enumeragao apenas comprehendo talvez a
quarta parte dos lagos ligados ao rio Puriis, mas entre os
viajantes e geographos que tem estudado o rio, que ainda
sao bem poucos, nenhum se occupou com este estudo alias
interessante enumerando apenas os que se achavam quasi
a visto dos que transitavam pelo rio ou que jd tinham bas-
tantes habitantes para fornecer borracha ao commercio.

LAGOS DESAGUANDO NO RIO JURUA

Margem direita: Lago da Ala^ da Ottfa^ Pungd^ Juba-
ry^ Marary^ Apupahd^ Aianu.

Margem esquerda: Lago Altnerod, por um parana-mi-
rim d'este nome, que vem ao Solimoes, Andird ou Afiderd
desagoa na margem d'este rio. Este e o maior dos lagos
que vasam no Jurud. Mart-mart^ Aniquichi^ Chibaue^ Ocoa^
Mapurany^ Aracuan^ Canumd.

Muitos lagos alem d'estes se acham ligados com este
rio e com os sens affluentes Tarauaca, Embira, Jaluarana,
e outros, mas sabendo-se com certeza de sua existencia,
nem mappas nem rqteiros os designam e quando em al-
gum lallam nem a posicao Ihe designam. E este rio e de
ha muito conhecido por geographos e historiadores, pois foi
n'elle assassinado Pedro Orsua em i56o, quando regres-
sando para o Peru queria como quando viera passar
d'elle ao Hiutahy ou Jutahy. Pelos tratados de 1750 e
1777 e por elle e pelo seu confluente Cumiari que limi-



356 As Regioes Amaionicas

tavam as possessoes portuguezas e hespanholas, o que dctd
logar a em 1781, tendo sido come^ados serins trabathos da
demarca^ao, serem elles interrompidos por ter sido suspcnst
o commissario brazileiro Ghermont que assignara um tr*
tado para se limitar a demarca^ao no Apaporis em vez (f
chegar ao Cumiari. Hoje apenas e frequentado por scrin^
gueiros e isso ha poucos annos.

LAGOS DESAGUANDO NO RIO-NEGRO

Margem direita: Lago Canapo^ entre as freguezias c
Itarendaud e Aracari; Lagos Atauhts, numcrosas lagoai
que desagoam pelo rio d'esie nome no Padaviri, affluentel
do Rio-Ncgro; Uarurds, lago entre o Japiira e o Rio-Nc-
gro em que desagoam pelo rio do mesmo nome; Unibonr^
lago desaguando no rio I^and, afQuente da margem direita
do Rio-Negro; Ayand., desaguando no rio Uarira, afDuentc
da margem direita; Itaiareni, communicando com o prccc-
dente e formando a extremidade do rio Uarira

Alem d'estes, alguns outros lagos encontro figurados
nos mappas mas sem nome; outros ha qui^ sei que existem
e nao encontro figurados.

LAGOS DESAGIJANDO NO RIO BRANCO

Margem esquerda: La^ Curiucu, entre o lago Emc-
memeni e o lago Uaricury; Mussu„ Pirarara, lago cujas
aguas vem ao Rio-Branco; Uadanau, vem ao Rio-Branco
pela margem esquerda do Macuare; Uaricury^ entre o
lago Curiucii e o rio Uanauau, Cupii, Cuareimc, Uracnra,
Mata-matd.

"Margem direita: Muauari, Mehadi, Cariuiici.

LAGOS DESAGUANDO NO RIO MADEIRA

Lago Anamanka, margem esquerda perco da foz; Anaiia-
lubd, abaixo do rio das Guaribas; Lagos A!'ta-{L's, desagoam






Capitulo IV — nhas e Lagos 357

no Solkcoes e no Madeira, muito extensos e em parte inex-
plorados; em grande parte estendem-se nos territorios situa-
dos entre o Madeira e o Purus; Cauintii^ desagoa na margem
esquerda acima do furo Tupinambarana; do Frexal^ abaixo
da freguezia de Araretama entre os lagos de Cauintii e Ma.
racd; das Guartbas^ na margem direita entre Araretama
(Borba) e o furo Tupinambarana; Jatuarana^ desagoa na
margem direita abaixo de Araretama; dos Macacos^ desagoa
na mesma margem que o precedente entre Araretama e o
furo Tupinambarana; Massuarajii^ desagoa na margem di-
reita; Matari^ desagoa na margem direita acima de Borba;
Muruciitu ou Murucutuba^ desagoa na margem direita; Sa-
rat'mo^ desagoa abaixo da tapera do Crato, entre o rio
Baeta e o igarape do Crato; Taboco^ desagoa acima do
furo Tupinambarana entre os lagos Cauintii e Frechal;
Uaiciirupdj desagoa no parand-mirim Tupinabarana; Ua-
nary^ desagoa na margem esquerda acima do rio das
Arraias; Puncdo^ desagoa na margem esquerda entre o rio
Ipanema, e o ribeiro Maparand, proximamente d primeira
cachoeira; do Sampaio^ na mesma margem; Ariiruny ou
Ararany^ idem; Sapucaiaroca na margem direita; Mani-
cutuba^ idem; Macoapy^ na margem esquerda; Baetas^ des-
aguando no Madeira pela margem esquerda e pelo rio do
mesmo nome acima do Crato, entre os lagos Saraimo e
Maruintiba, este no rio do mesmo nome; Jurupary-pira^
desagoa na margem esquerda; Cupara^ idem e rio Cupara;
Punca^ vem suas aguas a margem esquerda; Matupin\
idem; Sararium^ na margem direita (mappadePeterman);
Jacari^ idem; Sacare^ desagoa na margem esquerda (map-
pa de Peterman); Mucura^ idem (mappa de Spix e Mar-
tius), Cayad^ idem abaixo do Crato; Cuyubaba^ no rio do
mesmo nome; Guaria^ pela margem direita; dos Muras^
idem abaixo do rio Piraiauara (mappa de Spix e Martius);
Oropy^ idem do Madeira, segundo Spix e Martius,



358 As Regioes Ama:(omcas

LAGOS DESAGUANDO NO RIO CURUA (DE AI.EMQUEB)

Margem direita: Lago Pacupixi-grande, pelo Curua,
do Aruma., do Jifrupary, do Tucumacachy, do Frechal^
de S. Josi^ de Castanhanduba, do Cuecd, Jacare-piiru, Ma-
mauru, Janantud, de Santo Antonio, da Siimaiima, do Ma-
qiiicaua^ do Pacoval, do Arroi^al^ do Tapereba, da Cwi-
cacastnha, desagoa no parand-mirim perto da ilha das
Barreiras, do Curicoara^ da Jacitara, Branco.

Margem esquerda: La^ Pacuptxi-pequeiw, Mancicut-
paua, de Cupau, do Jurupary-coara, do Stirubiju-mirim
escoa pela margem esquerda, e ]A d'elle'tratei entre os lagos
que escoam pelo Amazonas, Tucunari^ do Andird, do
Curud. Este lago divide-se em differentes partes, que tern
rccebido differentes nomes como o de Lago do Cardoso,
do Tostao, dos Botos, alguns ainda Ihe addlcionam os la-
gos Macura e Jqvary; durante o tempo da enchcnte todos
eiles formam um s6 lago, ligando-se entre si por canacb
que na vasante ficam seccos, constituindo os lagos parciacs
enumerados; a extensao total do lago e de 20 a 22 milhas
e e em extremo abundante. Este lago Curud liga ao rio
Curud pela margem esquerda d'este. Lagw Munguaiepe^
do Varador, do Mongubal, Cucuy, do Barros, do Pat Au-
lonioy do Caranaiali das Gar<;as, Cuipea, (na ilha do Ja-
vary), Atsica, do Bom ^Retiro^— do Pacury, do Jaburu, da
Tartaruga, de Itacarard, do Taicht^ do Bom Logar, de
Boa Visiay da Capella, do Piraiauara, de Parai-coard, do
Cben-chem — do Curumu, Uruchi, do Amarj; de Capim-
litba, do Attingal, de Papiranga, de Curicaca

N'esta ultima rela^ao os lagos que estao contidos a dcn-
tro dos travess6es desagoam na parte do Rio Curua que
fica depois do lago do mesmo nome e que econhecido por
Igarap^ de Alemquer.

Todas estas notas sobre o Curud foram tiradas ou dos
trabalhos e mappas de H. Smith, ou dos escriptos de Fer-
reira Penna.



Capitulo IV—llhas e Lagos SSg

LAGOS DESAGUANDO NO RIO TROMBETAS

Margem direita: Lago Achipicd^ Sapucud^ Mureru-uacd.
Margem esquerda : Lago do Caypuru^ do Paraucu^ do
Aripichi^ Itapicuru^ Kiri-kiri^ Curumu.

LAGOS DESAGUANDO NO RIO MAECURO

Margem direita: Mago do Mimi^ do Mimisinhoy da Su-
mauma^ do Jacari^ do Jucary^ Cujubt\ do Mururu, das
AningaSy do Turard^ do Tatu, do Maripd^ do Maripd (do
centre), do Itauduba.

Margem esquerda: Lago do Augusto, do Caranamdu-
ba^ do Apuhf ou Guapuhy, do Pipaud^ do Panacu.

Estas notas referentes aos lagos do Maecuni sao tira-
das do minucioso trabalhode H. Smith, sobre estes loga-
res, as quaes reconheci exactas por ter mais de uma vez
percorrido estas paragens onde passei alguns annos.

LAGOS DESAGUANDO NO RIO TAPAJ6S

Lago do Taparf, desagoa na margem direita, da Agua
Preta, idem, de Alter do Chdo, idem.

A bahia defronte e ao N. da povoa^ao e separada de
um lago que Ihe fica ao NE. por uma peninsula de areia
de 1 2 metros de largura, ficando encostado i praca da po-
voacao um estreito canal de communicacao. O lago e ro-
deado de terras altas formando varios seios a E. e a S.,
terminando todos em cabeceiras de pequenas fontes que
descem dos montes visinhos.

«

LAGOS SITUADOS ENTRE O AMAZONAS E O TAPAj6S

Lago Curumucury, e Lago do SaU,

Ambos estes lagos desagoam no furo do Sale, que co-
meca na margem direita do Amazonas, em frente d ilha
de Santa Rita, proximo & bocca do parand-mirim de Ca-



As Regi6es Ama^onicas



36o



rapanim, um pouco acima de Obidos. Este furo do Sale
depois do lago do mesmo nome prolonga-se formando po-
0es e lagos e toma a ligar-se com o Amazonas pelo fiiro
do Trovoada e igarape Itacunoinim.

Lago de Pirapitinga, desagoa nos mesmos fiiros que
OS precedemes, na parte chamada Igarape das fctzendas;
e lago da Preguifa, como o precedente.



LAGOS DO RIO ARAGUARY

La^ Tracajatuba: desagoa na margem esquerda aci-
ma da colonia railitar de Pedro II. Lago do Rci: em alguns
mappas o encontro figurado pela margem direita abaixo da
colonia, porem no mappa do sr. Duarte Ponte Ribeiro de
i863, vem este lago como pertencendo e desaguando no
Amap4.

LAGOS DESAGUANDO NO RIO AMAPA

Lago Grande do Amapd,, pela margem direita; Calhi-
cha ou Callusca, lan^a suas aguas pelo Amap;i, pela mar-
gem direita; Pracuuba, pela mesma margem; Comprido,
idem: Novo, pode ser con^iderado como fazendo parte do
precedente. E^Ia posicao do Lago Novo tem sido por ve-
zes indicada como devendo ser preferida para um ponto
militar nao so pela abundancia dos lagos proximos como
porque transporta uma pequena zona alagada que o cerca;
tem optimos campos, e a sua communicacao com o Ara-
guary por uma estrada seria facil, tomando assim grande
importancia para o dominio do Amazonas; das duas Boccas,
desagoa pela mesma margem, e grande e cercado de ter-
ras altas; T^doitdo desagoa na margem esquerda; Ja-
bum, na margem direita.

E' com muita reserva que escrevi esta enumeracao dos
lagos do Amapd; pois encontro contradiccao ciitre os map-
pas, alem de que o que uns enumeram, outros nem men-
cionam. Assim alem do lago Pracuuba ha um consideravel
espaco, segundo Ponte Ribeiro, formado por uma serie de



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 36 1.

lagos a que chamam L. Stambul, Lago Cujubi, que todos
levam suas aguas ao desaguadouro do Amapd.

LAGOS DA ILHA DE MARAJ6

Sao elles os seguintes: Arary, Guajard, Santa Cru\,
Alcapdo, Anabiju, da Nazareth, da Monguba, das Tarta-
rugas, do Chapio, Bemtevi^ Guard e Tres Irmdos.

Dos cinco primeiros, tratei na parte relativa d iiha de
Maraj6; os ultimos nao tern importancia egual aos primei-
ros pelo seu tamanho, sao porem todos de utilidade para
a crea^ao de gado e desenvolvimento agricola da ilha.

Nao posso terminar estes estudos hydrographicos da
Amazonia, sem fallar em um phenomeno que se observa
em diflFerentes de seus rios, conhecido com o nome de Po-
roroca; e elle o mesmo phenomeno que em Franca em uns
pontos e chamado Barre e em outros Mascaret.

Este nome ou vocabulo Pororoca diz o sr. Barbosa Ro-
drigues que e inteiramente da lingoa tupjr ou indigena for-
mado ou derivado das duas poroc, rebentar e oca que si-
gnifica casa^ isto e, que chega a rebentar em casa, substi-
tuindo por euphonia, como e uso, o c por um r, ou como a
lingoa e toda unomatopaica de poroc poroc^ isto e, reben-
tar seguidamente, que bem exprime o successivo rebentar
das vagas, a que por abreviagao e corruptella suprimirara
o c final da primeira palavra, e substituiram o jt? da pri-
meira syilaba da segunda ficandojpororoc, d'ondeji7ororoca.
Sem entrar na discussao de qual a mais provavel das duas
derivacoes, com o pouco que conhego da lingoa indigena, me
parece mais natural a segunda, pois muitas palavras da lin-
goa indigena sao formadas por imitacao ou unomatopaicas.

A Pororoca dd-se em toda a sua selvagem belleza junto

& margem esquerda do Amazonas e entre as ilhas do Curud

e a foz do Araguary e a do Amapd, mas alem d'estes lo-

gares pode ser observada nos rios Guama, Mojii, Capim

e Arary e segundo refere o tenente coroncl explorador La-

bre, creador da Villa Labrea no no Puriis, tambem n'este

ella e observada a 700 milhas da foz.
46



362



As



Amasfomcas



N'estes rios, ainda que nao tao coUossal como proximo
ao cabo do Norte, e ainda este espectaculo digno de ser
observado. O que se pode v6r do phenomeno e em pou-
cas linhas narrado pelo padre Bento da Fonseca que vio
no cabo do Norte este movimento anormal das aguas que
tern logar na occasiao da enchente das mares, nas conjunc-
96e& da lua nova e lua cheia dous dias depois da conjunc-
9ao. tPrincipia a pororoca ao N, do rio Mayacare em 2®-3o'
de Lat. N., vem correndo por toda a costa do cabo do
Norte entrando pelos rios e lagos d'ella, com tal impeto,
qual logo diremos, chega ate i villa de Macapd e prose-
gue o seu curso por entre as ilhas ate i costa da ilha de
Joannes entrando pelos rios que descem'da dita ilha ate
cousa de dez legoas acima da ponta de Maguary; para cima
de Macapd pouco corre, nem ]& se sente na bocca do rio
Tajipurii que desemboca no Amazonas. Nao se sente no
meio do rio onde ha fundo, senao pela for^a das correntezas,
porque as grandes mar^s que levanta s6 sao em coroas de
areia e baixos, e em canaes apertados com ilhas, e muito
mais nos rios, por onde sobe com um impeto inexplicave^
ate quasi ao fim d'elles.

tA forma e tempo em que principia e quando a mare
quer encher; parece que o peso das aguas do rio pugna
com a for9a da mare do mar, e com effeito a demora mais
de tres horas, ate que finalmente rebenta contra o rio com
tal furia que parece cousa viva e espirituosa. Levanta-se
primeiramente um promontorio ou monte de agua de seis
ou sete varas de alto, a este ainda se seguem outro e ou-
tro e ds vezes quatro, e d'aqui corre com tal velocidade
por aquellas costas e baixios como um cavallo descnfreado,
arrasta e despedaca tudo quanto encontra e se Ihe opp6e;
arranca arvores, e bailam os troncos de maior grossura e
grandeza com ella, como se fossem uma boia. Segue-se a
este tres ou quatro mares grandissimos, uma corrente tao
arrebatada como se fora uma manada de cavallos uns so-
bre OS outros; de sorte que os navegantes pelos rios acima
despedem cousa de um quarto de legoa depois da poro-



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 363.

roca, e nSo s6 nao i necessario remar a embarca^Io rio
acima mas e precise muitas vezes encontrar os remos
para a embarca^ao nao ir cahir nos mares da pororoca, e
fazer-se n'elles em peda^os; de sorte que dd e»te pheno-
meno uma facil navega<;ao pelos rtos acima onde ella entra.

■O modo que usam os navegantes para livrarem as em*
barca^oes do perigo que Ihes faz a pororoca e esperarem-na
em um logar muito fundo, porque nas partes flindas aba-
tem aqueltes promontorios de agua e 36 se sente uma in-
tumescencia ou altura d'agua para o que ou tern dado fiindo
a fortes amarras, e as vao largando por mao, por nSo que-
brarem nos primeiros impulses da agua, ou estao cm terra
com cordas tendo mao por ellas ds embarca^Ses, emquanto
passa a maior furia da correnteza das aguas, passada a
qual, vao seguindo a mesma pororoca com summa veloci-
dade e facilidade. Enche a mare em menos de um miniito
e quern a observa de terra, em um abrir e fechar d'olhos
a vfi subir do profundo rio na vasante, at^ sua maior al-
tura, ainda nas margens mais flindas. ■

mais de duas horas, e na vasante perto de dez horas.>

«Faz um grande estrondo o mar da pororoca e ouve-se
a uma legoa de distancia; commove tambem os ares, em
forma que sempre a precede um grande vento commovido
dos mares d'ella.*

Nos rios Capim e Guajard, onde abaixo da pororoca do
Araguary i ella a mais violenta, as cousas passam-se de
uma manetra analoga; a sua localidade presta-se a deizar
observar melhor o phenomeno, e assim que pode bem ser
observada pela lua nova ou lua cheia na enchente da mar£;
como primeiro symptoma da pororoca temos o passarem
as aguas do rio que ate ahi deslisavam serenes e formarem ao
longo como que uma linha de espuma que se transforma
em um r61o cada vez mais rapido e mais volumoso, em-
purrando as agoas ate que nos pontos em que o rio e mais
estretto se altere, subindo a grande massa e sempre au-
gmentando de rapidez, fazendo assim em pouco tempo



364 ■^ Regides Amaionicas

passar a baixa-mar a pr6a-mar. N'este rio a agua ja ele-
vada precipita-se pelo impulso da mare pelo rio dentro, e
quando este muda de direccao rapidamente, esta massa
enorme de agua, seguindo a primeira dcrectriz, atira-se con-
tra a margem que e ievantada com medonho fragor, elevan-
do-se muito, fonnaRdo uma vaga alterosa que se ernpina e
desfaz em catadupas de espuma, e continuando revoltas ate
que de Jiovo se forme, O estrondo e ouvido a grande dis-
tancia. A quem observa a pororoca em S. Doraingos o es-
pectaculo parece imponente e pomposo, nao so devido a
existencia de baixios, aos quaes supponlio dever em grande
parte ser attribuido o phenomeno, como porque a direccao
quebrando-se quasi em angulo recto com a direccao que
trazia, e logo depois apresentando uma curva, faz que A
elevacao devida aos baixios se reuna o immenso fragor, e
o recuo das aguas conra a margem elcvada. As vezes o
rolo das aguas parece uma muralha de forma curva tapando
o rio, outras vezes e uma barra elevada e transversal.
Quando as grandes ondas se desfaz^m, segucm as aguas
com grande rapidez, formando banzeiros.

Nao e de certo a lucta corpo a corpo entre o rio e o
mar, entre a agua doce e a agua salgada; nao sc observa
aqui a poesia embusteira das obras de Mr. Km. Carrey;
mas e um espectaculo imponente e ciijo poder deve ser
avaliado pelos estragos que causa ha ribanceira, nas mar.
gens, e nas arvores e troncos que arrasta.

A explica9ao e dada por Wallace na sua obra Travels
' in the Ama:{on.







/ K \




K ■-^. A


n






^^ — ^






.^.-.^.T


^,^^


. ^


^E



Eis o diagrama que elle apresenta para a sua theoria:
AA representa o nivel da agua na baixa mar; DD repre-



Capitulo IV — Ilhas e Lagos 365

senta o fundo do rio; BB a profundidade em que a agua e
posta em movimento na mare baixa, nfio alcangando a pro-
fundidade em que se acha o baixio C no fundo do rio, pois
nao havendo entao ondas, apenas existe uma tranquilla e
rapida porrente. CC mostra a profundidade ate A qual as
aguas sao postas em movimento nas mares de aguas vivas;
quando a massa achando-se em movimento e posta em
contacto com o fundo no ponto C, e levantada pelo choque
contra este obstaculo, que diminue a capacidade do leito e
que a faz elevar tanto mais, quanto maior e a diminuicao
da capacidade do leito, formando uma enorme vaga; e
acima do nivel superior que ella se desmancha, tomando
o seu nivel, repetindo-se com novas saliencias no fundo do
rio.

Por muito tempo se suppoz que a pororoca era devida
ao simples encontro das aguas da mare com as aguas do
rio, tendendo a caminhar em sentido opposto; mas se as-
sim fosse, o phenomeno nao teria logar em quatro ou cinco
rios da Guyana e mais outros tantos espalhados pelo globo
e sim em todos aquelles em que o encontro das duas for-
cas se desse, o que nao acontece.

Estes effeitos que em sua primitiva causa sao devidos a
influencias lunares nao sao tao sensiveis no mar como nas
costas e nos rios que n'ellas desembocam; esta influencia
e mais forte nas phases da lua nova e lua cheia, em que
as aguas do mar, tomando uma eleva^ao de muitos pes
acima da altura ordinaria, precipitam essa enorme massa
pelas embocaduras dos rios com uma forca irresistivel, e
se attendermos & massa impulsora nem aproximadamente
ella pode ser calculada.

Na proximidade da linha equinoxial, estas for^as ava-
liadas pela velocidade das mares que As vezes superior
a dez e doze milhas por hora; sao tres e quatro vezes su-
periores i velocidade da corrente dos nos que geralmente
e de uma a trez milhas por hora, serao portanto estes sem-
pre vencidos, estkndo a demora e violencia do phenomeno
dependente da rela^ao em que estiverem as duas for^as



366



As Regides Ama^onicas



uma para a outra, dependendo tambem das direccoes que
tiver o rio e que obrigam a violencia das aguas a lancar-se
ora contra uma ora contra outra margcm, da sua malor
ou menor iargura, e finalmente da existcncia de baixlos no
fundo do rio que determinarao a existencia e formacao de
ondas alterosas que se desfazem logo que as aguas encon-
tram logares mais baixos e fundos, toriiando a formar-se
quando novos babuos se apresentem.



CAPimo V



PRO0RE98O B DE8ENV0LVIMBNTO DAS RBGIOBB AMAZONICAS.— AbERTURA DO AMA^ONAS A TOOAS
AS NA^BS.— COKPANHIA DE COMMERCIO K NAVEGACAO DO AmAZONAS. BcLKM E Man6a8
EM 1894.

Duas epochas tern os povos das regioes amazonicas a
consignar em sua historia entre as que mais contribuiram
para o seu desenvolvimento: uma 6 a do decreto que au-
thorisou a crea^ao da Companhia de Navega9ao e Com^
mercio do Amazonas sob o numero 1087 de 3o de Agosto
de 1 852, e a segunda e a do decreto marcando a data da
abertura do Amazonas ao commercio de todas as na^oes
datado de 3i de Julho de 1867 sob n.° 3920.

O primeiro d'estes commettimentos foi devido d inicia-
tiva do Barao de Maud (Irineu Evangelista de Souza), nome
que o Pari e o Amazonas deyem conservar em seus an-
naes como o de um benemerito dos dous Estados, e hoje
que se come9a a commemorar os servi^os de seus filhos com
estatuas e mausoleus, nao e muito que commemore os
d'este cidadao que, sem ser filho da Amazonia, podemos di-
zer que foi o primeiro author do seu desenvolvimento.

A navega^ao foi iniciada pela Companhia do Amazonas
com tres pequenos barcos a vap6r, Marajd, Rio-Negro e
Monarcha; logo nos primeiros annos o desenvolvimento
que tomou o commercio entre as duas provincias e o Perii
na parte em que era utilisada esta navega^ao ate Nanta,
mostrou a necessidade de augmentar o numero de vapores
em vista do desenvolvimento que tomava a Companhia.

Este progresso animou o cidadao portuguez Alexandre
Paula Brito Amorim, a celebrar um outro contracto para
a navega^ao dos tres grandes rios Madeira, Funis e Negro.
O commercio interior dos Estados cada vez crescia mais e



368 As Regtdes Amaionicas

com o exterior, e logo apoz o decreto de 22 de Juoho que
authorisou aquellas linhas, uma nova linha de vapores, e
creada por outra companhia em 28 de Outubro de 1869
entre Belem e Manaos subvencionada pelo govemo do Pari
com o nome de Companhia Fluvial do Alto Amazonas.
Logo depois e aberta a navega^ao dos rios Cairary e Acard
por uma outra companhia recentemente creada sob o nome
de Companhia Fluvial Paraense devida & iniciativa de Joao
Augusto Correia, a qual um pouco enceta a navega^ao
para ou^ros pontos como Baiao, Igarape-mirim, Tapaj6s,
alem de outros pela Companhia do Amazonas entao com
cerca de vinte navios.

Os particulares, a seu turno, vendo o bom resultado obti-
do pelas companhias, mandam vir vapores seus, e auxiliam
pela facilidade de transportes o desenvolvimento commer-
cial dos dous Estados; entao os fabricantes de borr^cha
(seringueiros), seguros de terem meios de transporte para
sens productos, lan^am-se por esses sertoes invios, por es-
sas immensidades desconhecidas em que a extensao dos
rios se mede por centenas e milhares de kilometros, os
recessos mais desconhecidos sao devassados, o Madeira e
Purus sao explorados com sens afQuentes Aquiri, Painim
e muitos outros at6 ao territorio da Bolivia; ligacSes ate
ahi ignoradas entre diversos rios sao descobertas, as ca-
choeiras com sens saltos reconhecidas e estudadas, e Ju-
tahy, o Jurud, o Japurd, Javary, lea, sao navegados por
toda a sorte de embarca^oes.

Como era natural, as cidades do Pard (Belem) e Manaos
nas quaes se depositavam, vendiam e compravam as mer-
cadorias de importacao e exportagao, cresciam, com a af-
fluencia dos vapores extrangeiros que desde 1867 navega-
vam ate Mandos, e comecava a atten^ao dos commerciantes
europeus a ser excitada. O Amazonas, vendo bem a vanta-
gem que teria em tornar o seu commercio independente da
pra9a do Pard, concede favores a linhas de vapores para a
Europa e Estados Unidos, e hoje e o rio mar sulcado por
centenas de vapores. A iniciativa do Barao de Maud pro-



Cap.*^ V — Progresso das ^gtoes Amaionicas 369

duzia seu fructos e nao se limitavam elles a isto, conse-
quencias mais importantes e de maior esphera tomaram
origem no emprehendimento do benemerito rio grandense.

Em 181 5 no grande congresso de Vienna trataram as
difFerentes nacoes por seus plenipotenciarios de egualar a
navegacao de maior parte dos grandes rios declarando-a li-
vre para o rio Nekar, Mein, Moselia, Escalda e outros mais,
fazendo excepcao a esta regra a Inglaterra com o S. Lou-
fenco que nem mesmo aos Estados Unidos que eram ri-
beirinhos concedeu navegacao, e a Russia com o Danubio;
hoje estao livres.

Na parte da America de que me tenho occupado a ne-
cessidade da ^bcrtura do Amazonas era palpavel, o desen-
volvimento commercial que tomara a pra^a do Pari, o incre-
mento da nascente cidade de Manaos, devidos d creacao
de linhas de navegacao interna, tornavam evidente quanto
ganharia nao so o Brazil como os Estados ribeirinhos com
a livre navegagao do grande rio.

As republicas limitrophes e o Brazil com suas extensoes
desertas, com seus raros e pouco habitados centros de po-
pulacao davam clara demonstracao de quanto era necessa-
ria a imigracao.

Entretanto o governo brazilciro, conservando-se surdo
aos anhelos e supplicas dos que tinham communicacao en.
tre si ou com o estrangeiro pelo Amazonas, talvez por que
nao julgava a occasiao azada, continuava a nao permittir a
livre navegacao no maior dos rios, em contradiccao com os
principios lancados nos tratados de 26 de Maio de i83i e
de 21 de Novembro do mesmo anno em relacao a navega-
cao dos rios em que eram ribeirinhos o Brazil, a Confede-
racao argentina, e Republica oriental do Uruguay.

Nao eram porem somente as nacoes ribeirinhas que de-
sejavam a navegacao livre do Amazonas: a Europa que em
181 5 no tratado de Vienna firmara esse principio que aca-
bava de determinar a navegacao livre dos rios da America
do Sul acima mencionados, nao podia olhar com indiffe-
ren(;a uma tal questao; especialmente a Inglaterra que en-

47



370 As Regides Ama\micas

tre todas pela extensSo de suas rela^Ses commerciaes com
a pra^a do Par^, via n'este facto um modo de Ihc ampliar
a esphera,foi quern encetou a campanha das reclama0es
em um officio que dirigiu ao govemo imperial em 23 de
Novembro de 1854, no quai trata de o convencer da con-
veniencia d'aquellamedida, lamentando que o govemo bra\i-
let'ro nao tenha segutdo aquella marcha de poUtica Ubei-al
que devia ser esperada de um govemo tSo exclareddo.

Estc ofiicio do ministro inglez nao era o primeiro
que o ministerio brazileiro recebia; ji em 3 1 de Outubro de
1 853 sr. Fronsdale, ministro plenipotenciario e enviado
extraordinario no Brazil, enviara uma nota em que decla-
rava que a navegafoo do rio Ama^onas era objeclo de muito
ittteresse para os cidadaos dos Estados Vnidos, e accrcs-
centava o periodo seguinte, por demais expressivo:

lacSes com o govemo do Brazil, e lamentaria que fossem
essas rela^i5es afTectadas por insistir e)le emjuma politica
tSo opposta a todas as ideas liberaes das nacdes civilisa-
das e amantes do progresso.i

Foi n'este ofiicio que o governo americano^apresentou
a theoria pelo menos original de que o direito para os Es-
tados Unidos ou qualquer outra na^ao navegar livremenie
Amazonas nao se derivava de tratados, mas era um di-
reito natural egual ao que linham de navegar o Oceano,
que isto era authonsado pelo direito das gentes e pelos
principios firmados no congresso de Vienna em 181 5.

Nao obstante pensar que o Brazil tinha tudo a ganhar
com a livre navegacao do Amazonas, e que devia conceder
mais do que o que concedeu em 1867, ganhando nao s6
pelo lado commercial como sobretudo pela emigracao que
pouco a poucQ afHuiria, nao posso deixar de julgar origi-
nal que o ministro americano invocasse o direito das gen-
tes, que n'este ponto me parece ser-lhe contrario, e em op-
posicao ao que se passou com ostoes havidas para a navegacao do Massissipi, e S. Lou
renco com a Hespanha e Inglaterra, nSo obstante lerem a



Cap.^ V—Progre$so das Regioes Ama\onicas 87 1

a seu favor o serem ribeirinhas, o que nao acontecia na
questao do Amazonas com os Estados Unidos.

N'esta questao o sr. Limpo de Abreu (Visconde de
Abacte) apezar de ser ingrata a tarefa, mostrou-se muito
superior ao diplomata americano, pois disse elle em sua
resposta:

tO Governo Imperial esta firmemente convencido de que
cnao pode ser o Oceano assemelhado a um rio do qual o
cBrazil possue ambas as margens na vasta extensao de
C480 legoas, que tantas vao da bocca do Amazonas a Ta-
cbatinga, limite do Imperio. Ainda quando o Amazonas
«seja em alguns logares bastante largo, em outros e bas-
ctante estreito para que uma fortaleza possa impedir sua
passagem.

cO Brazil possue as duas tercas partes de sua exten-
.csao navegavel, tem em sua entrada as fortalezas de Ma-
«capd, e Gurupd) e rio acima os fortes de Mazagao, da
aBarra, de S. Jose do rio I^a, Tabatinga, e em ambas as
« margens, cidades, villas e povoa96es. Possue portanto o
« Brazil no Amazonas tudo quanto, segundo os principios
cadmittidos, serve para provar sua soberania sobre as aguas
fd'este rio.

cO Oceano serve de communica^ao a todas as na^oes
ado mundo, a sua navega^ao e indispensavel amuitas d'el-
clas que, poderosas e populosas como sao, nao poderiam
fsubsistir sem o extenso commercio que por elle fazem.

cNasmesmas circumstancias nao estd o Amazonas. Ain-
tque o seu extenso valle convenientemente povoado, possa
«dar yasto alimento ao commercio das na96es, comtudo
«estando esse valle quasi inteiramente deserto, nem a sua
anavega9ao e indispensavel, nem ainda pode em seu actual
cestado ser de interesse e vantagem para as na95es que
csao ribeirinhas. >

Depois de procurar mostrar que com o tratado de 28
de Outubro de i85i celebrado com o Peni para a navega-
9ao jfluvial, se attendeu ds necessidades d'esta nacao, pro-
cura demonstrar que tanto o Peru como Venezuella, na



!



372 As Regioes Ama\onicas

Granada e Equador na parte que oiha o Amazonas eram
quasi despovoados, e na parte povoada suppriam-se em
seu commercio ou pelo Pacifico ou pelo Atlantico, aUm de
que OS affluentes do Amazonas que passam por esses ter-
ritorios e que podem ser navegados, nunca o serao senao
por pcquenas cmbarca0es de pouco calado d'agua incapa-
zes de navegar no Oceano, e ainda uma grande parte d'es-
ses rios precisn de trabalhos hydraulicos para Ihes facilitar
a navega^ao.

Dizia ainda o sr. Limpo de Abreu que nao era intcn-
^ao do Brazil o conservar scmprc fcchado o Amazonas ao
commercio estrangeiro, mas que sendo assumpto bastante
grave, era preciso que fosse resolvido depois de madtiro cs-
ludo e reflexao. Chegada essa epocha, cuja opportunidade
deve ser exclusivamente apreciada pelo gbvernobrazilciro,
estava clle resolvido a nao conceder a na^ao alguma a nn-
vegacao d'aquelle rio na parte em que o Brazil possuc ani-
bas as margens, senao por meio de um convenio que ga-
ranta seus direitos de propriadade e que acautelle os seus
interesses aduaneiros, mantendo egualmente a policia do rio.

Terminava ainda o diplomata brazileiro que para o
verno brazileiro acto do congresso de Vienna constiuie
um mero direito coneencional que s6mente rege e obriga
as potencias que n'elle concordaram e o estipularam. Alem
de que este aero nao fora admittido pela Europa em geral
c menos por todo o mundo. Ainda e muito recente, dizia
elle, a data em que a Inglaterra e a Franca reconhccerara
por tratados solemnes que a navegagao do Parana, era
uma navegacao interior da Confederacao Argentina eni corh-
mum com o Estado Oriental.

Esta nota de i3 de Novembro mostra a intelligencia
fina do diplomata brazileiro, com qual concordo na parte
em que refuta a analogia entre o Amazonas e o Oceano,
nao assim quando pretende raostrar que as republicas hes-
panholas por cstarcm dcsertas na parte que olha pjira o
Aiiiii/nii.!-,, nao precisavam da abcrtura do grande rio, dc-
vcndu aliincntar seu dcsenvolvlmcnto somcnte pelo.s seus



Cap.° V—Progresso das Regtoes Amaionicas 278

portos do Pacifico e Atlantico," quando a consequencia de-
via ser a inversa.

Tambem concordando com o modo de ver do ministro
brazileiro quanto ds navegacoes estrangeiras nao ribeiri-
nhas, divirjo d'elle na parte que respeita ds nacoes ribeiri-
nhas, assumpto que cala em sua nota, deixando perceber
em seus ultimos periodos que olhava o Brazil como o unico
dc quern dependia a abertura do rio; apezar de brazileiro,
nao concordo com este direito reservado s6mente ao Bra-
zil, pois, que esta theoria traria a consequencia de que elle
podia a seu talante isolar do commercio do mundo 6s cinco
Estados que sao ribeirinhos.

Felizmente o decreto de 3i de Junho de 1867, faz raiar
uma nova epocha para o futuro de todos os povos ligados
ao Amazonas, e os factos tem demonstrado que sua aber-
tura tem sido altamente util, nao so para os Estados do
Para e Amazonas, como para o Peru e Bolivia na parte
que Ihe e proxima.

Duas grandes linhas de vaporcs inglezes e uma outra de
grandes vapores brazileiros fazem a navega<;ao regular com
vaporcs de 10 em 10 dias de Mandos para Liverpool, Ha-
vre e New- York, e para todos os portos do Brazil ate ao
Rio.

Em seguida transcrevo de um trabalho publicado pela
inspectpria da Alfandega do Pard o rendimento da mesma
alfandega a datar de 1862 em diante, isto e, do anno em
que comecou a funccionar a Companhia de Navega^ao e
Commercio do Amazonas. N'elle vSmos que o rendimento
e o seguinte:



Alfandega do Pard em i852 a i863 84i:565^5i6 reis

No exercicio seguinte i :388:648^5o5 »

Em 1866 2.251:822^062 »

» 1868 3.716:402^083 »

» 1887 10.173:624^269 »

» 1888 , ,.,.. c). 5 1 3: 148.7^42^ It



374 -^ Regides Ama\onicas

Em 1889 7.367:40035979 reis

. 1890 9.433 :o86aN5g3 .

Ou tirando uma media:— g.i2i:8i5s?092 reis.

Isto c onze vczcs o que era em i852, e quatro c meia
o que era cm 1867.

Finalmente para podcr demonstrar o rapido crcscimcnto
da riqueza paraense, reproduzirci os dous quadros que aca-
bam de scr publicados abrangendo ate o anno de 1894, da
renda da aifandega, um englobadamcnte, e outro discrimi-
nando as parcellas que corapoem o total da renda arreca-
dada.

Arecada^ de nndt pili airiDil^ do Pari em 19 uaos

5.663; 27031747

7-73'--499«^>*^

io.384:8()7aw,>9

10.996:393*148

8.078;6i2»346

7.940^95 J J!>8i 2

9.ii5:638#57i

io.i73:6i4J&i69

9.5 1 3: I483»4a9

7.367:4oo»q7y

- 9.433iI?^^6.-69»

9.583:6ia»3io

1891 io.i4":3'8»o55

l3.19i:389»S9i

1894 i6.i49:o32#304



Quadro da renda da ImporUfio em 19 tniiw



3.332.-o45a>3i5
5.072; 373»4a2
6.8o9;933jb390
7.498;. 3»S.7S7
5.33o:3i6ir.j66
5.078:84(tJS4i6
5.886: 96i»i3i



Cap.^ V—Progf^esso das Regioes Anta^onicas 276

1887 : 6.548:6i9«^283

1888 ^. 6.204:792^340

1889 4-475: 161^769

1890 * 5.779:074^395

1891 *.. 6.370:681^359

1892 i 6.597:058^532

1893 7.616:846^851

1894 • 8.784:245^359



37«



As Regtdes Ama\onicas



RENDA D'ALFANDEGA DO PARA.



iSCo
1881
iSSi
t883
1B84
188S

iste

.887
1B8S
isSg
1890
>8y.
iSgi
.^3






To

















3.33iM4S»3iS
5.o7i;373»4!i
b.8Q9:!ii3J>39a
7..|98:'3J>7i7
S.33a:3i6>i»S
S,078:a49»4'6
b 8Su:u(hA23i

6.S48:~6lc,ft2H3
li jiH^TO'*'-!''
4,475; i6i»;0cj
5.770:074*300
6.3^>;6Si*339
f).5y7;o5S*S3i
7.6ia:84(<»NJ[
B.7yi:i,>y>ci
9i.3Ki:iii»GS5



M^oHcAooo

14:1351*940
I4;791*73o
24:4H7»9SO
19:890*640
36:617*700

17 ]
14:6i<3*ia>
26.'43l»™
iH:6ii*6oa

33:275* Soo
38:94>*™

378:357*330



3,30d:(i83»5;6
3.gii:4'»»(|li3

4-581 ;57i*ci3t



Cap." V—Progresso das Regides Amaionicas 377



ECADADA NOS ANNOS DE 1880 A 1894



ULOS




«







TOTAL


Interior


Consumo


Extraordinaria


Renda

c/applieafSo tf.


Depositos




4o3:o9i;^l4




8:798*140


22:411*605


40:686*625


5.663:270*747


37i:65o]^ato





22:843*023


29.988*260


?9.o35*6i5


7.721:499*946


440:344*662


__


19:170^^2


14:452*155


70:355*268


10.384:897*299


467:3c9J^3o




18: 1 58*540


35:45o;K»46o


59:383*477


io.996:5924>l48


398:2*55*593





12:843*338


26:146*640


71:3124^959


8.078:6124^346


513:433*856





14:823*762


15:496*760


?4:568*865


7.940:952*822


330:228*888





14 840^^325


154:453*905


41:2824^888


9.215:638*572


489:199*325





16:143*685


441:664*753


42:9074^13


to. 1 73:6244^269


496:124*0.14





i6:8o5*362


413:081*612


.^9: 1704^527


9.513:1484^29


552:975*765





353:341*463





38:541*443


7.367:400*979


535:048*347





375:873*689





33:747*936


9.433:086*692


443:140*379





978:182*691





51:0674^618


9.583:622*5 10


105^69*928


lo.uoJbooo


87:654*495





52:280*334


10.241 :3i8*o55


403:054*761


7:ii9]b'5oo


65:483*293





1.154:141*223


13.191:389*891


657x73*812


6:488*560


91:761)^505





2 048:9424^894


16.149:032*364


6.85$^8I*784


23:717*860


2.096:7224^393


1.152:146)^145


3.827:4254^485


145.654:0874^)69







37S As RegiSes Ama^omcas

Se pelas transcrip^es que acabo de tancar n'este livro
se pode avaliar o rapido crescimento que tem tido o com-
mercio do Estado do Pari, pelos seguintes resumidos qua-
dro3 que em Chicago publicou o delegado do Amazonas a
Exposi^ao Columbiana, o sr. Lauro Bettencourt, vereraos
que o crescimento d'aquelle estado a datar de i852 nao foi
menos consideravel.

QBadra moitnido rapido crtulneato its rtndu di EiUdo a »ntv di 1892

Anno financeiro de i85a i9:ooo®465

De 1857 91:97226133

. 1862 ; . . 93:347Jb8o3

» 1867 a 1868 274:427^608

« 1872 a 1873 378:6o3jr3o7

» [87731878 785:978*765

» 1882 a i883 2.5o2:424»774

. 1886 a 1887 2.7i3:686ffio8i

• 1892 a i8g3 6.ooo:ooojpooo

Taes sac os dados dos rendimentos calculados que na
maiorjjarte foram excedidos. No ultimo anno foi paga a di-
vida publica de 2:000 contos e em Mar^o o balance do tKe-
souro do Estado dava em caixa 5. 000:000*000 reis.

Note-se que n'estes atgarismos acima nao foram inclui-
das as rendas das differentes municip alidades ou intenden-
cias, para ver quanto tem ellas augmentado. Em seguida
damos quadro relativo i municipalidade da capital:
Renda da intendencia de Manaos em iBbz i:o83a>o27

De 1857 5:i34»3o4

» 1862 8:349*426

• 1867 a 1868 50:048*154

» 1872 a 1873 81:806*419

» 1877 a 1878. • 90:903*279

. 1882 a 1 883 124:535*829

t 1886 a. 1887 144:083*941

» 1892 a 1893 55o:ooo*ooo






Cap.^ V—Progresso das ^gioes Amaionkas 879

A alfandega rendeu o seguinte, que nao menos eloquen-
temente mostra o crescimento das rendas:

Anno financeiro de 1877- 1878 209:021^8)862

• de 1886 a 1887 i.092:337aE>544

• de 1892 cerca de • 3.ooo:ooo©ooo

Quanto ao commercio, o mesmo folheto nos prova b seu
rapido desenvolvimento; eis seu valor official:

Anno Importa^ao Exporta^ao

1876-1877 1 .830:207^93 2.600:600^091

1881-1882 3.878:997;?!&25i 10.342:107^600

1886-1887 6.369:137^538 r4.634:898;2&o78

1891-1892 i6.ooo:ooov!C)00o 28.000:0003^000

Quanto & navega9ao, e feita quasi unicamente por va-
pores, que percorrem a extensao de 10:787 milhas, sendo:

Rio Amazonas 2:078 milhas

» Madeira i :204

• Negro 627 ♦

» Funis 2:104

Rios affluentes do Puriis i :o6o

Rio Jurud 2:964

Rio Javary 760

O numero dos vapores e sua tonellagem dos navios che-
gados a Mandos cresce tambem rapidamente:

Annos N.» dos vapores Total Tonellagem

Entrados Sahidos total

1872-73 61 45 96 46:600

1881-82. . . . 186 i38 324 125:900

1 891 3 1 7 447 764 566:8oo

Isto mostra um augmento de 35o por cento em 10 annos.



\



38o As Regides AMa:pmicas -

Nao e somente com o augmeoto do valor de renda adua-
neira, e com o progresso das rendas provinciaes que po-
demos avaliar o beneficio que auferimos da navega^ao
a vapor e da livre navegacao; o augmenio do commercio
de transito nos dd uma nova prova de quanto foram bene-
ficas estas medidas, mas o mesmb bem estar que ellas tern
levado a pontos recondi'os a que ate agora nao chegava ou
chegava insufRcientemente a navega^io e os generos de
toda a especie que hoje sao transportados dao d'isso exhu-
berante prova.

O primeiro effeito resultante da navega^So a vapor foi
como era bem de ver o perminir a rapidez nas communi-
ca^des a facilidade de fornecimentos de melhor qualidade
em que os gederos nao chegavam deteriorados nao per-
dendo o commerciante parte do lucre que devia esperar e
podendo fornecer mais barato os generos, mas um outro
resultado de grande alcance foi o seguinte: os grandes cen-
tros como Cameta, Santarem, Obidos, etc., nao cresceram
mas em compensacao surgiram em muitos outros pontos
nos trajectos dos vapores pequenos riucleos de povoacao
onde OS vapores tocavam recebendo generos ou deixando-os;
foram. estes pontos novas escallas para onde em pouco
tempo affluiram das cercanias generos nos dias em que de-
via passar o vapor, dando assim movimento e vida com-
mercial a logares ate ahi inhabitados e desertos. O lavra-
dor, o fabricante da borracha ganharam com isto muito,
nao mais foram obrigados a perder dias de trabalho em
transportar seus generos aos grandes povoados e foram
tamos mais dias aproveitados no trabalho.

Tem-se multiplicado tanto o numero d'estes nucleos,
que linhas ha em que os vapores fazem cerca de cem es-
calas. Este augmento de povoacao e de produccao tem tra-
zido a necessidade de crear novas linhas secundarias de
navegacao a vap6r, e hoje pode bem dizer-se que nSo ha
rio no Pari e Amazonas que nao tenha facil transporte por
meios mais ou menos perfeitos.

A ■ navega^So directa com o estrangeiro veio ainda pro-



J



bi .-J- TS



Cop.*^ V—Progresso das Regioes Ama:{onicas 38 1

porcionar a estas regi6es ainda maiores vantagens pois que
OS generos chegam ate Manaos sem serem sugeitos a repe-
tidas baldea^oes; os favores concedidos a companhias, pelos
Estados e principalxnente pelo do Amazonas, tem f?inda
contrfbuido para o augmento d'estes servi(;os.

A Companhia de barcos a vapor Lloyd Brazileiro, cuja
navega9ao terminava no Pard extendendo sua navegacao
ate Mandos, poz estas regioes em directo e rapido conta-
cto com todo o Brazil.

Ainda nao ha muitos annos chegavam d'esta linha ao
Pard vapores de i5 em i5 dias com cerca de 800 a
nooo volumes de carga, hoje chegam 4 vapores por mez,
e cada um traz para os dous Estados 10 a 11 mil volumes.

As linhas inglezas com sede em Liverpool, Booth Line
e Red Cross Line augmentaram o numero de suas viagens
que tem logar de 10 em 10 dias estabelecendo outras linhas;
fazendo servico entre Liverpool, Ceard, Maranhao, Pard e
Amazonas, estabeleceram tambem linhas para Nova York,
para onde ha vapores de 10 em 10 dias.

A navegacao para a America do Norte tem tido nao
menor incremento, depois de por muito tempo transportar
apenas algumas dezenas de tonelladas de carga; hoje alem
da linha subvencionada para New- York, navegam outros
muitos vapores completamente carregados.

E nao s6 sob este ponto de vista tem a navegacao tido
benefico iniluxo, ate os costumes se lem melhorado com
este contacto. Ha vinte annos, raros passageiros tran-
sitavam entre o Pard e Amazonas e o resto da Republica
ou para o estrangeiro; hoje raro e o vapor que vai ou vem
da Europa com menos de 200 e ate 3oo passageiros; para
o resto dos Estados brazileiros ainda maior e o transporte
de passageiros, e raro e quando o vapor traz menos de
800 passageiros, chegando a I:^|oo ds vezes; o numero de
pessoas que viajam pela Europa, os que da Europa vem
visitar o norte do Brazil todos os dias crescc; o numero dc
creancas, que gramas ds facilidades da navegacao sao edu-
cadas em Franca, no Rio, na Allemanha,«na Inglaterra;



382 As Regides Amic^omcas

numero de vapores que vao i America estudar a mecha-
nica applicada, os que sao mandados A Italia estudar bel-
las artes, todos os dias o seu numero cresce.

Alem das linhas a vap6r que mencionamos, outras ha
nacionaes e estrangeiras de service regular, laes cotno uma .
que faz o servi^o costeiro entre Maranhao e Pard, com es-
callas, a cLiverpooI&MaranhamS. S-CLim.," a Line* que alem da navegai;ao estrangeira tambem faz a na-
vega^So costeira. Ainda outras linhas aqui mandam seus
vapores com maior ou menor regularidade.

A navega<;ao do Amazonas que ate aqui era quasi mo-
nopolisa^o da Companhia do Amazonas, do Lloyd bra-
zileiro e das linhas Red Cross, e Booth Line, hoje e em
grande Jparte feita por vapores de propriedade particular
havendo casas que chegam a possuir seis vapores.

Para provar finalmente o augmento em que vao as ren-
das do Estado do Pard, bastard narrar que tendo sido or-
^ada na let annual a renda de i8gi a iSqj em reis
5.442;988;sooo, os dados fomecidos pelo Thesouro ao Go-
vernador mostraram no i." de Julho de 1892 que a renda
effectiva excedfira a que fora or?ada subindoa 7.437:^373^00
reis.

BELEM DO PARA

A Capital do Estado do Gram Pari, ainda ha 40 annos
bem pouco conhecida, come^ou a ter uma verdadeira im-
ponancta pelo lado commercial de entao para ca, pois pelo
lado artistico e industrial nada ainda tern de notavel. Co-
lonisado por portuguezes que per estes dous lados nunca
contaram primasias, necessariamente devia perdurar no
Pard a primeira fei^ao que Ihe fora imposta. Os ponugue-
zes, sobre tudo agricultores, navegadores, os primeiros
como descobridores e guerreiros, no Brazil como em quasi
todas as suas riquissimas colonias, hoje quasi todas deca-
dentes ou pertencentes a outros dominadores, so trataram,
estabelecido que foi o seu dominio, de desenvolver o com-
mercio de sua» drogas, productos e mercadorias com a



Cap." V—Progresso das Regi6es Ama\omcas -383

metropole que for^osamente engrandecia, emquanto que as
colonias pequeno desenvolvimento tinham, e os la^os de
uniao entre umas e outras se nao estreitavam. O Brazil
que de todas as colonias portuguezas parece ser aquella a
que maior futuro esti reservado, e a que no futuro maior
ascendente talvez venha a ter sobre a velha metropole, pa-
recia tambem estar destinada a um viver inglorio e esta-
cionario, se a invasao dos francezes em Portugal nao ti-
vesse obrigado a familia real a refugiar-se no Brazil acom-
^anhada das familias nobres e ricas que formavam a cdrte
portugueza.

* Entao foram levantados edificios, foram feitos melhora-
mentos que ate ahi nao existiam, creadas novas institui-
^oes, cada uma das provincias se tornou uma min'uscula
cSrie em que brilhou alguma das familias que pertenciam
i c6rte, e come^ou n'ellas a apparecer algum fausto e a
augmentar o hem estar. Entao para que esta nova corte
podesse crescer foram modificadas muitas leis opressivas
que exisdam jd em rela^ao ao commercio, ]& em rela^ao
aos direitos dos filhos do Brazil, e assim cresceu a prospe-
ridade e poude ser manudo o fausto da corte bragantina,
que pao sabia se poderia, ou quaado poderia regressar d
Europa, e se quando o podesse se o throno portuguez es-
taria ou nao occupado por algum parente ou general feliz
de Napoleao.

O commercio do Brazil tomou maior expansao, muitos
rapazes brazileiros percorreram e estudaram em diversos
paizes, e tendo cahido as leis que nao Ihes permitda
accesso egual ao dos nascidos em Portugal poderam se-
guir difTerentes carreiras, ao mesmo tempo que viajantes
e escriptores tomavam mais conhecido o Brazil.

O Pard nao podia deixar de seguir o mesmo impulso,
e a importancia de sua posi^ao geographica, que alguns mi-
nistros jd Ihe tinham reconhecido, a construc^ao de bons
edificios, a de um arsenal de marinha, a de grandes forta-
lezas, a sea posicao como provincia fronteira que obrigou
o governo portuguez a sustentar aqui tres Tegimentos, as



384



As Regioes Ama^onicas



demarcacoes feitas entre Portugal e Hespanha mandando
para ellas os sens melhores cosmographos, a separacao do
governo de Maranhao, foram outros tantos factores para o
desenvolvimento de sua agricultura e commercio.

O numero de engenhos de assucar e agua-ardente, as
numerosas fazendas de gado creadas ao principio por or-
dens monasticas, immediatamente imitadas pelos particular
res, a vinda de bra^os africanos que felizmente vieram em
pequeno numero, mas n'aquella epocha foram uteis, as
plantacoes em larga escalla de arroz, algodSo, cafe, annil,
ourocu, a facilidade de communicacoes com o interior por
meio de barcos, os generos de alimenta^ao que eram re-
cebidos do interior, a sua posicao na bocca do Amazonas
que tornavam Belem o centro de toda a vida agricola e
commercial, asseguraram & nova provincia um progresso
ainda que lento ao menos constante e seguro porque se ba-
seava na agricultura.

Com o engrandecimento e florescimento da provincia, o
crescimento e embellezamento de Belem, sua capital, era
infallivel; infelizmcnte porem as artes ainda nao ttnham
feito sentir seu agradavel influxo. As construccoes ressen-
tiam-se da pouca illustracao do pessoal que formava a maio-
ria dos habitantes, as edificacoes particulares d'isto se res-
sentiam, e os edificios publicos, embora apressentasseni
certa grandeza e tivessem obedecido a regras architectoni-
cas, por isso mesmo acompanhavam o estylo dominante em
Portugal que n'essa epocha jd nao era o florido estylo cha-
mado Manoelino composto de arabe e do gpthico e fSra
substituido pelo pesado e monotono estylo latino que nos
tempos de D. Joao V e seguintcs dominou.

Posteriormente, depois da revolta chamada a cabana-
gem, em i835, e sobre tudo depois da creacao da Compa-
nhia de Navegacao e Commercio do Amazonas em i85o,
raiou uma nova era de prosperidade para Belem que at£
hoje nao tem sido interrompida, as construccoes de taipa
e frontal foram feitas com pedra, cal e tijollo, as fortunas
crescendo, as relac6es com o estrangelro augmentando^



Cap.^ V—Progresso das Regioes Amaionicas 385

crescido numero de rapazes tendo viajado e estudado dif-
ferentes. sciencias e artes, a iniciativa mais pronunciada do
governo do Estado « do Municipio tra^ando bairros novos,
o cal^amento da cidade, a dua illumina9ao pelo gaz, a in-
troduc^ao de boa agua potavel, tudo cbntribuio para me-
Ihorar material e moralmente a cidade de Belem.

O grande elemento que para seu crescer teve o Pari
foi a Companhia do Amazonas, e se com justi^a brilham
em nossas pracas as estatuas do general Gor)ao e do dou-
tar Malcher, uma representando a coragem militar, a outra
as virtudes civicas, o busto do Barao de Maud de ha muito
devia n'ellas occupar logar distincto como prova da grati-
dao dos amazonienses. A ingratidao humana porem, e a
qualidade que mais constante se revella nas mianifesta^des
da vida social, temos pracas, temos ruas, temos avenidas
com OS nomes de quantos politiqueiros tem figurado bem
ou mal na nossa historia, mas o nome do Barao de Maud
ainda nao foi lembrado, assim como jdz no esquecimento
o do fundador do colegio do Amparo que tantos bens tem
produzido.

Hoje o Pard e uma cidade com uma area egual d de
Madrid com cem mil habitantes. Em i85o a cidade era
composta de dous bairros, o velho bairro chamado da Ci-
dade, cujo centro era a cathedral, e o bairro chamado da
Campina que se agrupava em roda da igreja de Sant'Anna
estendendo-se para Nazareth que passou a constituir o
novo bairro sendo tra9adas e alinhadas as grandes estra-
das ou avenidas de Nazareth, S. Jeronymo, S. Braz, da
Constituicao, e Conselheiro Furtado e prolongada a de S.
Joao, e as ruas que as cortao indo do Guamd ao Guajard,
abrio-se a grande pra^a de S. Braz, desenvolveu-se a parte
da cidade entre a Estrada de Nazareth e o Guajard sendo
conhecido pelo nome de bairro de Marijal ou Umarizal, e
a que fica entre a Estrada de S. Braz e o Guamd consti-
tuindo o novo bairro de Baptista Campos hoje um dos
mais bellos da cidade. Foram calcadas na maior parte a
parallelipipedos as estradas e ruas da cidade, fez^se o bello

49




386 As Regi6es Amaionicas

caes quecircumda parte da cidade, a introduccao de agua
de fontes permittindo abandonar os velhos pocos de ma-
deira, desde iS5o tudo se transformou; at£ entao o curro
publico era tnsuffidente, matavam-se 3o rezes por dia e o
custo da came era de loo reis por libra. Nos theatros in-
formes, de madeira, appareciam de vez em quando uns
berradores que se intitulavam companhias dramaticas-
Companhia lyrica apenas ate i860 apparecera uma de qua-
tro figuras que queriam dar-se os foros de companhia. Os
circos que fiincdonavam eram volantes; os carros publicos
nao passavam de dez ou doze^ os vapores de navegacao
interna ou de servi90 do porto eram somente os da Com-
panhia do Amazonas entao ainda em pequeno niuTiero; as
edifkac6es em geral terreas ou abarracadas; as rcparticoes
publicas funccionavam quasi todas em casas alugadas; as
casas de modas assim como os armazens de fato feito nao
existiam ainda; a construccao era muito demorada, nao ha-
via offidnas a vapor; os melhoramentos materiaes muito
poucos; a locomo^So, ou por mar ou por terra, dilVicil, cara
e is vezes impossivel, as transac^Ses commerciacs demo-
radas, pois ainda nao eiistiam as communicacocs telegra-
phicas, de modo que cambio entre o Rio e Hclem offe-
reda grande differen^a; as communicatees, quer olficiaes
quer commerciaes com o interior, demoradas e Jifticcis.

Amesmavidapolitica era, podemos. bemdizer, barbara;
OS jornaes eram o esgoto em que os odios politicos e os
particulares eram lan^ados de envolta; a discnssao raras
vezes escapava ao azedume da invectiva, da injuria e ate
do insuho. As nossa eleicdes eram mmultuarias,
mo-l'o francamente, a denega^ao da liberdade ou da ma-
nifesta^ao de cren^as poHdcas: a reuniao de mil ou duas
mil pessoas em estreito local, a demora que havia no pro-
cesso eleitoral, tudo exaltava os antmos, determlnando fre-
quentes luctas, e authorizando a interven^ao da forca ar-
mada.

A instruc^ao popular erti insufficiente, pequeno o nu-
mera de escolas publicas e particulares; os professores na



Cap.^ V — Progresso das ^gioes Amaiontcas 387

maior parte inhabeis, ou nomeados sem provas de habili-
tagoes litterarias; o numero de disciplinas insufficiente, o
que obrigava os paes a mandar os filhos para o estran-
geiros, isto mesmo exigindo para elles apenas a instruc^ao
que e dada nos lyceus. O ensino pratico mas racional era
inteiramente desconhecido, nem uma escola de desenho ou
pintura, apenas no colegio do Amparo havia uma escola
s6 para as alumnas em que se ensinava alguns tra;os in-
correctos, e o mesmo para o desenho.

De musica propriamente dita nem a intui^ao d'ella creio
que existisse, pois que a nossa popula^ao que tantas dis-
posi9des tem para este ramo das bellas-artes ainda a nao
tinha ouvido, e nem fazia idea do grdo de belleza e do en-
canto que se pode achar na boa execu^ao artistica de um
escolhido trecho, quando hem executado, ou de um fra-
gmento de uma boa opera.

A danca tambem ainda nao mostrara suas difficuldades
o que nao deve admirar, quando vemos accontecer isto
com povos, cuja civilisa^ao comecou muito mais longe.

Passam os annos, succedem-se os partidos no governo
da Provincia e todos, qualquer que fosse sua orienta^ao po-
litica, nos seus or^amentos .lan^avam sempre verbas para
melhoramentos materiaes da cidade, e para o progresso
da instruccao publica. O numero de escolas, nao s6 na ca-
pital como no interior do Estado, cresce; a proficiencia dos
professores cada vez mais se eleva, e a escola normal soLc
no seu nivel litterario. A imprensa dirigida por escriptores
mais acostumados a boas praticas da discussSo polida per-
de suas agruras, a lingoagem melhora e jd mais raras se
tornam as invectivas insultuosas.

Sao creados gremios litterarios, um museu, bibliothe-
cas, novos bancos, caixas economicas, o vap6r e introdu-
zido em diversas officinas, abrem-se armazens com moveis
e utensilios servindo ao conforto, construem-se novos edi-
ficios mais condignos e apropriados aos fins a que eram
destinados, o ensino se nao e ainda perfeito tem melhora-
do, ha mjais methodo na divisao das materias, a politica



388 As RegtSes Ama:{onicas

ainda uma ou outra vez se faz sentir na escolha dos mes-
tres mas nao com o desbragamento antigo. A escola nor-
mal, especialmente no sexo feminino, espalha a instruccao e
anima as mats intelligentes alumnas alcancando um diplo-
ma para terem um meio de vida.

Novas linhas de vapores abrem novos horisontes ao
commercio, cada rio explorado e uma nova fonte que brota
em favor da produc^ao e riqueza publica; as tcniativas da
Companhia do Amazonas sao imitadas por outras compa-
nhias como a do Alto Amazonas; a Fluvial do Gram-Para
e a do Pard e Amazonas; estabelecem-se linhas regulares
de vapores em communica^ao com a Europa e America do
Norte; e o paraense Joao Augusto Correia estabelece linhas
de navtos de vela para pontos estrangeiros que ate ahi nao
commerciavam com o Pard.

Com singular vantagem para n6s, a borrachaou gomma
elastica, obtem na industria dia a dia novas applica^oes e
6 o valle amazonico o unico producior da borracha de pri-
meira qualidade; sobe cada vez mais seu preco, augmen-
tSo as fortunas, novas casas commerciaes estrangeiras sao
fiind^das no Pard e Amazonas, e esta riqueza se revella
em novas ruas que se edificam; os bairros de Nazareth e
de Bapiisia Campos crescem rapidamente, o gosto pela
melhor decoracao faz-se sentir na jardinagem, a vinda de
jardineiros francezes ensina a utilisar as nossas Hores agres-
tes, jardins publicos e particularcs sao creados e as suas
gallas brilham em nossas salas, as casas ja nao sao tao
despidas, e maior conforto se faz sendr.

Com a terminacao do grande e bello theatre da Paz co-
me^am a affluir auxiliadas pelo governo provincial compa-
nhias dramaticas e de canto que de anno a ;inno mclho-
ram, a luz electrica completa o embellezamento do theatro,
que as toilettes elegantes das senhoras vem abrilhaniar.

Novos contractos para a illuminacao da cidade peia luz
electrica, para a traccao nas linhas de tramways ser fcita
pela electricidade asseguram novos meihoramentos, Monu-
mentos aos nossos conterraneos illustres sao erigidos em



1



1



Cap.^ V-^Progresso das Regioes Amaionicas SSg

nossas pra^as arborizadas e ajardinadas. A limpeza da ci-
dade melhora com o cal9amento, com os canos para esgo-
tos; e a hygiene das casas melhora com a iritroduc9ao de
agua trazida pela companhia para este fim creada. Um co-
digo de posturas municipaes veio melhorar nao so a edifi-
caijao como todos os servicos municipaes. Os cemiterios
sao collocados a distancia maior do centro da popula^ao e
n'estes memos sao feitos melhoramentos.

O advento da Republica, apezar das perturbaijoes que
o estabelecimento de um novo regimen necessariamente
traz, nao diminuiu a prosperidade publica. A dissiminacao
das rendas estaduaes e municipaes que augmentaram
muito, e ainda mais o terminar a excessiva centralisacao
dos tempos monarchicos, desenvolveu ainda a industria e
a fiindacao de novas associa^ded; novas obras estaduaes
e municipaes sSo come9adas, a divida publica tem larga
diminui9ao, sao assignados contractos para a introdu^ao
de imigrantes, e trata-se de preparar lotes para os rece-
ber formando nucleos agricolas. Sao organisadas fabricas
de cordas e de papel, a primeira poe pela primeira vez
em aproveitamento a immensa variedade de fibras vege-
taes cuja resistencia finura e belleza coUocam muito aci-
ma das fibras empregadas na Europa na cordoaria; o pa-
pel empregado em nossos jornaes comeca a ser o nacional,
as grandes fabricas de tijolo e telha sao montadas com
Optimo resultado.

Finalmente a reforma da magistratura vem purificar os
nossos costumes; e o melhoramento de seu pessoal e ine-
gavel, e melhor seria se as condescendencias politicas nao
viessem crear obstaculos a tao meritoria tarefa.

Hoje, no fim de iSgzj^ e Belem, a capital do Estado do
Pard, uma cidade de cem mil habitantes com 8 avenidas,
87 ruas, 64 travessas, 17 pracas todas edificadas, 11 igre-
jas, 3 doccas, 26 edificios publicos estaduaes, federaes ou
municipaes, 8 edificios pertencentes a companhias ou asso-
cia^oes, 3 rampas e 2 pontes para desembarques, i campo
para corridas de cavallos, 2 circos, i grande theatro, o me-



390



As Regides Amaionicas



Ihor do Brazil, i arsenal de'marinha^ i arsenal de guerra,
I deposito de agua para a alimenta^ao publica, i fomo ere-
matorio em que diariaxnente sao queimados os detritos da
limpeza da cidade, e 3 cemiterios.

Acham-se installadas hoje no Pard as seguintes institui-
96es e estabelecimentos industriaes: 3 fundigdes, 3 serra-
rias a vap6r, i estabelecimento de artefactos metallicos e
construcgSes navaes, i fabrica de gfilo, i fabrica de cer-
veja, 2 cordoarias, i fabrica de polvora, i fabrica de pa-
pel, 4 saboarias, 8 bancos de desconto, i estacSo telepho-
nica, I companhia de tram-ways, 2 companhias de luz ele-
ctrica, i de luz de gaz, i de agua, i companhia de nave-
ga^ao do Amazonas, i companhia de navegacao, o cLoyd
BrazileiroB, com sede no Rio, 6 companhias de seguros, 4
filiaes ou agendas de companhias de seguros estrangeiras,
I Jockey-club com campo de corridas, i escola normal, i
lyceu de estudos preparatorios e curso de agrimensura, i
lyceu de artes e officios, i escold de aprendizes marinhei-
ros, I instituto de educandos artistas, i coUegio de carida-
de para a educacao de meninas pobres ate 18 annos dan-
do-lhe irni dote para casarem, i colegio dirigido por irmas
da caridade, i grande hospital de caridade, i hospital de
Beneficencia Portugueza, i hospital daordem3.' de S. Fran-
cisco, I hospital para loucos, i prisao publica, i estabeleci-
mento penitenciario em construc^ao, 2 seminarios, 5 socie-
dades ma^onicas beneficentes, 3 sociedades recreativas, 2
sociedades litterarias com publica^ao mensal, 5 jornaes dia-
rios alem de dois outros hebdomadarios, i sociedade velo-
cipedista, i tauromachica, 2 linhas de vapores inglezas fa-
zendo de 10 era 10 dias a navegacao para Lisboa, Havre,
Liverpool, New- York, Maranhao, Ceard, Pernambuco, Ma-
naos e Antuerpia, contando 22 vapores, i linha ingleza
Prince Line, com vapores semanaes do Rio a Pernambuco,
Pard e New- York, i companhia de vapores americanos en-
tre o Rio, Pard, New- York, i companhia costeira para o
Maranhao.

Eis o que e hoje a pequena cidade fundada em 1616,



Cap.^ V—Progresso das Regioes Amaionicas Sgi

por Francisco Caldeira Castello Branco e que em i832 con-
tava 12:467 habitantes, em i85o cerca de 5o mil, e actual-
mente mais de cem mil.



MANAOS

No decurso do que jd levo escripto sobre as regioes
amazonicas, expuz quaes os limites do Estado do Amazo-
nas; por isso aqui apenas repetirei brevemente que so em
i85o, deixando de ser uma comarca da provincia do Pard,
Ihe foi dado o predicamento de provincia.

Fica ella situada entre 5°-io' de Lat. N., e io^-3' de
Lat. S., e entre 1 3^-40' e 32° de Long. O., comprehenden-
do uma area de 2 milhoes de kilometros quadrados. Os
seus limites ficam marcados pelos territorios seguintes: ao
Norte pela Guyana Ingleza, Venezuella e Columbia, ao S.
pelo Estado brazileiro de Matto-Grosso e pela Bolivia, ao
Oriente pelo Estado do Pari, ao O'ccidente pelas Republi-
cas do Peru e Equador.

Antes de ser considerado Estado fazendo parte da Re-
publica Brazileira, fora em tempos do dominio portuguez,
Capitania do Rio-Negro, em 1822 passou a fazer parte do
Estado do Pard, e finalmente em i85o foi considerado
como provincia sendo installado em i852.

Manaos e a sua capital, e a sua posi^ao e das mais fe-
lizes a seis milhas da bocca do Rio-Negro em cuja margem
esquerda estd situada.

Este simples enunciado de se achar quasi na bocca de
um grande rio, e tao proxima do ponto em que elle vai en •
troncar com o Amazonas, o rei dos rios; o ter o Rio-Ne-
gro um curso de mais de 3:ooo kilometros, com afHuentes
como o Rio-Branco navegavel a vapor por mais 400 kilo-
metros e o Guaupes ou Uaupes que leva suas aguas ate
Venezuella, e bastante para indicar qual o desenvolvimento
e grandeza que o futuro Ihe reserva.

O que e ]& hoje esta Capital do Estado do Amazonas,
e o que era quando o escriptor Baena a descrevia em seu



\



3^2 As Regides Ama:(onicas

Ensaio G>rographico publicado em iSSg, e o que rapida-
mcnte vou p6r sob as vistas do leitor.

Dizia Baena fallando de Mandos cabe^a de comarca de
Rio-Negro: cDas casas que este logar tern no scu ambito,
o maior numero tern cobertura tecida de ramage: e com a
mcsma se acham telhados o Palacio dos antigos governa-
dores, a Provedoria, o Quartel e os edificios de uma pe-
qLiena Ribeira de construc^oes de canQas e batelloes. Sao
coberios com telha a Ollaria, o Hospital militar, os Arma-
zeiis da Provedoria, e os dos meios de guerra como Ar-
mas e polvora, e algumas casas dos moradores.*

fTudo isto forma onze pequenas ruas e uma praca. Ha
duas igrejas, uma pequenina, e outra que i a Matriz, cujo
urago e Nossa Senhora da Concei^ao. Ella foi levantada
em [695 pelos Missionaries Carmellitas que entao come-
CLivam a instruir nas disciplinas da piedade catholica os Syl-
vicolas do Rio-Negro; o Governador Manuel da Gama Lo-
bu e Almada a reediticou e amplificou.i

«A popula^ao consta de 347 homens brancos, 327 mu-
Ihures brancas, 418 mamelucos ('), 45o mamelucas, 797
humens ba^os, 1:042 mulheres da mcsma raca, 2i5 escra-
vos, 164 escravas, 225 mestizos e 206 mulheres d'esta
casta: todos os numeros de gente livre assommam a 3:809
c Qs dos escravos a 379.*

fNumero de fogos 232. >

Para bem salientar o rapido progresso d'esta nascente
cidade, transcreverei a rapida noticia que sobre ella publi-
cou em Chicago em 1893 o delegado do Amazonas Dr.
[.juro B. Bettencourt*, diz elle :

pcdra, e cobertas com telhas de barro. As paredes e os
sojihos sao das majs bellas madeiras nacionaes, e com el-
las sao tambem construidas as portas e as janellas.

iiEntre os monumentos publicos que adornam a cidade
notam-se, o Palacio do Govemo, o Thesouro, o Lyceu, a



1



('} Mamelucos, resultado do cruzamenio entre bra



Cap.^ V — Progresso das l^gioes Aifta^onicas SgS

Thesouraria Federal, as Igrejas da Concei^ao, Remedies,
S. Sebastiao, o Hospital militar, o Hospital da misericor-
dia, o Institute de Educandas, o Institute Benjamim Cons-
tant, OS Armazens do Estado, o Mercado Publico, o Quar-
tel de Artilheria, e o novo Deposito e mais construcgoes
para o fomecimento de agua d Capital.!

«Em via de execu^ao e em projecto existe um grande
numero de trabalhos, taes como o novo Palacio do Go-
verno de um tra^ado explendido, o Forum, a Penitencia-
ria, algumas pontes e jardins.^

cNo principio d'este anno foi installado um observato-
rio meteorologico munido dos instrumentos os mais perfei-
tos vindos de Paris e Londres.

cMan&os possue como sede do Governo do Estado as
principaes reparti^oes estaduaes e federaes, como a The-
souraria, a Alfandega, Recebedoria, Obras Publicas, Ins-
truc^ao publica, e Tribunal superior de justi^a.*

«Alem d'isto tem uma Bibliotheca publica, Companhia
de Bombeiros, varias institui^oes de caridade, um Azylo
de orphaos, um Institute mechanice, Esta^So telephonica,
hoteis etc »

globo, mas brevemente deve estar illuminada pela electri-
cidade.i

Compare o leitor estas breves notas sobre o Mandos
de hoje com as de Baena, recorde-se do que ]& atraz disse
sobre as rendas d'este Estado, e reconhecerd que a pe-
quena villa da Barra, apenas transformada em capital de
Estado em i852, que apenas tinha em 1867 seis mil habi-
tantes, e a Provincia uma renda de cerca de 200 contos,
e hoje conta 20 mil habitantes, uma renda estadual de 6
mil contos, tem caminhado e crescido rapidamente apre-
sentando uma linda cidade moderna no local em que tive-
ram suas tobas os Indies Mandos e Passes, e ficard
persuadido de que no fim de secule que breve vae come-
9ar elle serd uma das grandes cidades da America do Sul.

5o



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NOTAS



NOTAS



Nota I ^ pagina 20.

O marco coUocado na foz do rio Oyapoc pelo Imperador Carlos
V, a existencia do qual tern sido por alguns posta em duvida, 6 quatito
a mim indiscutivel pois que a vemos attestada por Bernardo Pereira
de Berredo, CapitSo General do Estado de Maranhio, em seus annaes
publicados em 1749, pagina 7 da 2.* edi^ao. Ainda o M. S. de Alexan-
dre Rodrigues Ferreira sobre — Propriedade e posse das terras do
Cabo do Norte — . O Compendio das Eras do Pard por Ladislau Mon-
teirb Baena (i838) pag. 209, e mais espeetficadamente tratada pelo
mesmo a pag. 7 da memoria que a mesroo Baena apreseiitou ao Insti-
tuto Historico do Rio de Janeiro em 1846 sobre — A intnisSo dos
francezes nas terras do Cabo do Norte.

Baena diz — que em i823 expedk) o Governador do Pari o Capi-
tao Joio Paes do Amaral, um dos offlciaes encarregados de, todos os
annos em epochas proprias^ observar o littoral e os rios que n*elle
desemboccam, e o que n'esse territorio occorreise, acompanhado de
uma escolta a descobrir o padrao ou marco que o Imperador Carlos
V mandara collocar na foz do rio Oyapoc, e recolhendo*se elle de sua
Guarda-costa em fins de Desembro noticiou que vira tranchado no
cabe^o na Montanha d'Arjan situada ao occidente do Cabo de Oran-
ge, um padrSo de marmore branco tendo uma legenda na parte imme-
diata ao plintho datada de i543 que declarava abalisar os dominios de
Hespanha dos de Portugala o Oeste do meridiano da Ilha de Santo
Antgo a mais septentrional do Archipelago de Cabo Verde, se|(undo 9^



398 As Regides Amaiomcas

linha d« demar^ao determinada em Tordesillas no anno de 1494 e
confiraiada pelo Papa Alexandre VI; e como d*este acha^eoto oSo
apresentara uma escriptura authendca que o provasse cocao convinhai
o Govemador incumbio d^es'ta diligencia o Sargento-m6r Francisco
de Mello Patheta, o qual, dando um desenho feito por Constantioo
Leal coadunado com o Termo de Vistoria, que mandou lavrar aos i3
de Maio de 1827 na presen9a da tropa do Guarda-costa e de um Alfe-
res de Cayena, mostrou que em logar do padr§o com as Armas de
Portugal s6 existiam nove pedras com a superiicie superior figurada
pelo modo que representa a estampa adunada aos Documentos que
produ7o em prova de quanto refiro e vai debaixo do Nr« VI. A regu-
laridade das figures e a sua diversidade nas ditas pedras induiziram no
animo do Govemador Gama suspeita de que mSo franceza teria ope-
rado aquelles riscos. N*esse momento Ihe chegou Alexandre de Souza
Freire seu successor no bastao, deu-lhe parte de tudo e de qual era
verdadeiramente seu modo de pensar sobre este artigo. Partio a novo
exame o Capitao Diogo Pinto de Gaya, e do que vio com toda a sua
p^rtida mandou fazer Termo de Vistoria, e desenhar as pedras pelo
soldado Damaso Batiller aos 10 de Junho de 1728; como-se pode ver
do Documento N.° VII.

A confrontacao dos dous desenhos patenteou uma dessemelhan^a,
pela qual se ajuisou que a mesma ou outra mao practicara diverso
ideal na delinea^ao das figuras.

^k>te•se que esta nbticia escripta por Baena merece toda a atten-
9ao, jiao s6 pelo caracter sisudo do escriptor, como porque a foi tirar
dos documentos existentes nos archivos do Govemo no Para onde
teve ^mpla permissao para pesquizar, e sabe-se que este archivo era
urn dos mais ricos do Brazil e tan to que n*elle achou Baena materiaes
para os seus bellos trabalhos tanto das Eras do Pafa, como do Ensaio
Chorographico.



Nota 2 — Pagina 234.

Hoje toda a regiao acima e abaixo do rio Jauaperis na extensSo
de quarenta legoas pouco mais ou menos, i deminada pela tribu de
indios conhecidos pelo nome de Jauaperis ou Uamirys, o seu numero
tanto quanto parecia era crescido e suppunha-se alcan^ar a 3 mil.

Tem adquirido uma certa nomeada esta tribu pelos roubos e rou»
bos que tem commettido 3obre viajantes que surpreh^ndem em nu-
mero insufficiente para Ihes resistir, ou .disarm ados.

Em 1868 em noute de luar estive eu, quando presidente do Ama-

zonas, em uma praia fronteira a viJla .de Moura chamada dos Jauape-

' -ris, nao seodo atacado nao obstante saber no dia seguinte estarem

- elles muito proximo, o que attribui a ir em uma lanchaa vapdr com



• A^o/as ■ '■= ■ 399

bastante gente. N*esse anno atacaram elles diversas caiioas, e em 1873
ata'caram em forfa a vill^ de Mbura, e » tomaram tendo havido bas-
tantes'mortes refugiando-se os habitantes em uma ilha frohteira. '

Em 1874 atacaram novamente a villa, mas sendo prevenidos os-
moradores s6 mataram uma familia no Parana Ayssu onde desembar- '
cafam. Em 1875 ainda mais uma vez atacaram a villa tendo atraves-
sado para a praia chamada do Capitao, mas foram repellidos pelo des-»
tacamento de tropa alii existente e pelo$ moradores, foi prolongada a
lucta pois OS indios batiam-se valentemente auxiliados por suas mu-
Iheres que Ihes traziam flexas, retiraram finalmente com grandes per-
das mas levando seus mortos e f^ridos, infelizmente uma lancha a va-
p6r de flotilha de guerra do Amazonas cortou-lhes a retirada met-
tendo a pique as canoas e perseguindo as tripulacpoes. •

As suas depreda^oes abrangem as duas margens do rio Jadaperis^
e a margem esquerda do rio Branco ate abaixo da praia do Jacar^-
quasi em frente A povoa^ao de Moura-pinima.

Ha^cerca de dez annos o sr. Barbosa Rodrigues que, como natura-
lista tantos servi9os' prestou ao Estado do Amazonas, conseguiu esta—
belecer coromunicacoes com esta tribu, cujo verdadeiro nome. entao
se soube ser Crichanas, e desd3 entao deixaram elles de hostilUaros
moradores, tendo o snr. B. Rodrigues ido is suas malocas, e apezar
de algumas traicdes que is vezes fazem, estao ja em relacoe^ com
OS brancos.



Nota 3 — Pag. 342.

Ajuricala foi o chefe mais celebre dos indios Mandos que ao ser-
vico dos hoUandezes hostilisou constantemente os portuguezes, che-
gando a levar comsigo os indios que jd estavam aldeados por estes,
para os estabelecimentos hoUandezes.

Baena trata este chefe indio de fa^anhoso em crimes. Nao o en-
tendo eu assim: senhor com sua tribu de uma vasta regiao em que vi-
via socegado, vio-a invadida sem motivo pelos portuguezes; de animo
levantado era^natural que Ihes resistisse buscando auxilio n'aquelles
que como elle eram inimigos dos portuguezes/taxito mais que os mor-
ticinios praticados nos indios do Amazonas pelos portuguezes com
inaudita crueza, nao Ihe deviam aconselhar tal amizade. Deu-lhes ba-
talhas navaes e se nao f6ra o auxilio de outras tribus muito satigue
portuguez teria custado sua subjuga9ao.

Vencido afinal pelo numero e carregado de grilhdes, pffeferiu^mor-
rer atirando-se ao rio carregado de cadeias a viver escravo dos seus
inimigos.

Para os invasores era um indio criminoso, para os seus serd sem-
pre um heroe, e com justa razao.



400 As Reg$6es Ama^omcas

Nota 4 — pagma 382.

Em rela^So A data da funda^fio da cidade de Belem creio liSo de*
ver haver duvkia em que ella teve logar em 1616, pois se Berredo em
seus annaes se exprime pela forma que abaizo transcrevo e que faz
suppor que teve logar em 161 3, mais credito me parece merecer a
Rela^o apresentada pelo capitdo AndrSs Pereira que de ordem do
general que foi ao dito desoobriraento, pa$sou a Hespanha a dar conta
a S. M. de tudo quanto se deu n'aquefla viagem e se narra na dita
rela^ao.

Diz Berredo no g 402: Passados poucos dias nomeou Alexandre
de Moura a Jeronymo de Albuquerque por capitao*m6r da oonquista
de Maranhio que Ihe tocava como propria; e ao oiesmo tempo Fran-
cisco Caldeira de Castello Bran«l:), com egual patente para descobr|-
mento do Gram-Par^^ famoso rio das Amazonas, de que )i tinha ba|>
tantas noticias de Ravardidre.

4o3: Para esta nova expedi9ao e progressos d'eUa, deu lodas as
providdncias que Ihe pareceram necessarias; e ajudado muko da acti-
vidade do seu commandante, se hz d vela da mesma bahia do Mara-
nhio, avaA^ado ]A o met de Novembro, com a for^a de duzantos sol-
dados, (anno de 161 3), e mais petrechos, quecorrespondtaaiaumatal
empreaa, a bordo tudo de um pataxo, um caraveUao, e uma lancha
grande, de que eram capitfies Pedro de Freitas, Alv«ro Neioi, e Anto-
nio da Fonseca.

406: Sem a menor opposi^o, no dia 3 de Dazembro^ ate.

Noa paragraphos precedcntes a este, ji Berredo dissera que esco-
Ihera o sitio mais conveniente para pra^a de armas de sua cooquista,
a que chamara logo Grao-Pard.

Vamos a ver o que encontramos no livro publicado pelo escri-
ptor Marco's Ximenes de la Espada, intitulado: Viagem do capitdo Pe-
dro Teixeira, Aguas arriba del rio de las Amofonas.

Diz o seguinte em uma nota na primeira pagina: RelafSo do que
ha no grande rio das Ama^onas^ anno de 1 61 6.

wPrimeiramente depois que o capitao-mdr Alexandre de Moura
deu fim no MaranhSo ao que tocava ao servi9o del Rey em deitar f6ra
o inimigo como fez, e tendo a terra pacifica, e povoadas as fortalezas
como Ihe pareceu necessario, poz por obra mandar fazer este novo
descobrimento do grande rio das Amazonas (sic), e para tambem se
saber o que havia no Cabo do Norte, conforme a ordem que para isto
levava do Govemador Geral do Brazil, Gaspar de Souza; e assi man-
dou I So homens em tres companhias e por capitao m6r d*ellas a
Francisco Caldeira Castello Branco em tres embarca96es.

^Partimos para esta Jornada dia de Natal passado em que se deu
principio a esta era de 1616^ correndo sempre a costa^^ etc.. .

O leitor aprede esta affirmagSo precisa do dia de pertida em 25



Nota$ 40 1

de Dezembro de 181 5 que aao permitte o suppor que chegasse a ex-
pedi9ao ao Pard antes de ter come9ado o anno de 1616. Narra^ao es^
cripta na naesma occasiSo por um capitao Andres Pereira que com
outro emissario Antonio Martins foram mandados para>apresentar-a
rela9So d'ella a El-Rey.

NSo podemos suppor. que fosse escolhido alguem sem importan-
cia para uma tSo honrosa commissao, nem tSo pouco que commettesse
o commissario que fizera parte pessoalmenie da expedigao um erro
tSo capital com o da data da chegada em um documento que for90sa-
mente antes de ser apresentado a El-Rey havia de ser lido por Ale-
xandre de Moura que ordenara a expedicSo.

O esQciptor fez parte da expedi9ao, escreve-a no anno de i6i6:
for9adameote me merece mais credito sua narra9ao de que a de Ber-
redo, escrij^ta mais de cem annos depok.






5i



INDICE



CAHTOLO I — A AoMiOBia






Pag.



Sua posi9ao astronomica. — Limites dos dous Estados do Pard e
Amazonas com diversas Nacoes e Estados do Brazil.— Clima,
taboas meteorologicas. — Hydrographia do Amazonas. — Bacia
Amazonica, superficie de suas aguas. — Sua grandeza e sua ri-
queza. — Bergo do Amazonas e seu curso no territorio brazi-
leiro e fdra d'elle. — Seus diversos nomes, largura, corrente e
profundidade, mar^s, volume de ^uas aguas. — Enchente e va-
sante, variedade de epochas para umas e outras.— Divisao das
aguas, ilhas; Delta. — Theorias geologicas. — Communica^oes
pelo Amazonas com outros paizes. — Orographia

CAPITDLO II— Os tribaUrios do Amazonas. Hargem diroita

Huallaga. — Ucayali. — Javary.— Janaiatuba. — Comatid.— Iniat^.

— Acurui.— Patid. — Maturd.— Jutahy. — Icap^. — Mujuitiba. —
Manarud. — Puruini. — Gurumati. — Campina. — Umanapid. —
Cayaras. — Jurahy. — Jurud. — Acaricuara. — Teff6. — Cayame.

— Jiticaparand. — Catud.— Coary. — Mamia. — QuenariJ. — Ca-
mard.— Punis e seus affluentes. — Uautds. — Madeira e seus af-
Huentes. — Tapaj6s e seus afHuentes. — Andird.— Curud. — Urua-
rd. — Aquiqui. — Xingu. — Tajipuru. — Anapu. — Pacajd. — Ja-
cunda. — Tocantins e seus affluentes. — Capim. — Guamd.— Gua-
rajd



404 As Regtdes Ama:{OttKas

CAFITUIO Ilf— Oi IribDtulos do imiMUs. Hargem esquerda

O SanthiaBo.— Morona.— Pastaza. — Xambira,— Tigre. — Napo.

— I^ ou Putomayt..— Tunanlins.— Japiird ou Hyaupra.— Ma-
nacapunli.— Rio Negro.— Rio Branco.— Uaupes ou Ucayari.—
Matari. — Urubu. — Caiame. — Uaiuma. — Cararaucu. — Jamun-
di ou Nhamundd.— As Amazonas ou Ycamiabas, — O Muiraki-
tan.— O Trombetas.— Curud. — Tapara. — Caiauarj.— Gunt-
patuba — Javary.— Genipapo.— UrubucuarS.— I'aru.-^Vacara-
pj. — Toherf. — Macacos. — Cajuba. — Sarapo Baquia. — Jary.

— Cajary.— Maraca-pocii.— Aneurd-pocii. — Matapy,— Mulua-
ci.— Carapanatuba.— Araguary— Amapd ou Map;i.— Maiaca-
re. — Calsoen^. — Cunami. — Cassipurd. — Ua^a. — Ovapoc, Ja-

poc ou Yapoc ai5

C&PimOlY — DhueUgos

Ilhas. 197

Lagos 348

CIPITDLO Y — Pn|mw e DuniolTlnnto das Regifies imuonleu

Aberiura do Amazonas a todas as na^oes. - Companhia de Com-
mercio e navega^o do Amazonas. — Belem e Manaos em 18^ 367

Nolas 395

UPPAS:

Estado do Amazonas 71

Rio Tocantins 308

Rio Branco 240

[Uo Amazonas e seus tributarios 296

Uha de Maraj6 3a8

Estado do Pari 368

Cidade do Pari 394




/



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