quarta-feira, 2 de maio de 2012
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Uma Visita ao Barão
Carlos Osmar Bertero
Tatiana Iwai
RESUMO
A figura do Barão de Mauá ocupa lugar de indiscutível destaque no desenvolvimento econômico do Brasil. Sua trajetória é
largamente analisada não apenas pelas importantes realizações que promoveu, mas também porque se tornou símbolo de um
empreendedor, cuja falência dos negócios é freqüentemente debitada a um contexto institucional, que não soube entender sua
visão de desenvolvimento para o país e foi hostil a seus projetos de industrialização e modernização do Brasil. No entanto, se
revisitarmos sua trajetória, veremos que não apenas suas ações empresariais podem ser consideradas equivocadas, se
analisadas à luz dos atuais conceitos desenvolvidos na área de estratégia, como também guardaram certa intimidade com a
política governamental da época. Dessa maneira, Mauá foi, em certo grau, prisioneiro do contexto institucional brasileiro do
período. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é rever a posição de que Mauá, como empreendedor do tipo clássico, opôs-se à
ordem institucional vigente e, por isso, teria sido punido. Na verdade, veremos que, se ele se opôs a essa ordem, nela também
confiou e passou a dela depender.
Palavras-chave: empreendedorismo; estratégia; institucionalismo.
ABSTRACT
The towering figure of the Baron of Mauá holds an indisputable place in the economic development of Brazil. His trajectory
is widely analyzed not only because of his important achievements, but also because he became the symbol of an
entrepreneur, whose failure in business is often blamed on an institutional context that could not understand his vision of
development for the country and was hostile towards his industrialization projects and modernization of Brazil. Nevertheless,
if we review his trajectory, we will see that not only can his actions in business be considered mistaken, if analyzed in the
light of current concepts developed in the field of strategy, but they were also close to the governmental policies of the time.
Therefore, to a certain extent, Mauá was a prisoner of the Brazilian institutional context of his day. The aim of this article is
to review the position that Mauá, as a classic-style entrepreneur, was opposed to the institutional order of his day and, for that
reason, would have been punished. We will actually see that on the one hand, he was opposed to it, and on the other he also
trusted it and came to depend on it.
Key words: entrepreneurship; strategy; institutionalism.
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INTRODUÇÃO
A importância de Irineu Evangelista de Sousa, mais conhecido como Barão de Mauá, para o
desenvolvimento econômico do Brasil deixa margem a poucas dúvidas. Banqueiro, industrial,
comerciante, fazendeiro e político, seu nome está associado à construção da primeira ferrovia no país.
Foi também pioneiro no estabelecimento da primeira fundição, na iluminação do Rio de Janeiro, na
navegação de cabotagem no Amazonas e na viabilização do primeiro cabo submarino, ligando o Brasil
à Europa e, desse modo, possibilitando a comunicação via telégrafo.
No entanto, tão impressionante como suas realizações e o vasto império que construiu foi o
crepúsculo e o final de sua carreira empresarial. Para que se possa aquilatar a realização, no seu
apogeu, ocorrido ao redor de 1867, o valor total dos seus ativos contabilizava 115 mil contos de réis,
quando o orçamento do Império de D. Pedro II, era de 97 mil contos de réis.
Em 1877, após quase 30 anos de empreendimentos, Mauá teve sua licença de comerciante cassada
como resultado da decretação de falência de seus negócios, porque não conseguiu que o governo
renegociasse as dívidas, que vinha lutando para saldar desde a declaração da moratória da Mauá e Cia.
3 anos antes.
Na época da falência, o Barão redigiu o texto Exposição do Visconde de Mauá aos Credores de
Mauá e Cia. e ao Público (MAUÁ, 1996). Relata a trajetória de seus principais empreendimentos,
bem como analisa as causas que o levaram à falência. Dizia esperar que outros não viessem a sofrer os
dissabores que ele havia sofrido nas mãos dos dirigentes do seu país. Ficava implícito que as causas
para seu fracasso não se deviam necessariamente a alguma imprevidência sua ou falta de capacidade
gerencial no manejo e na condução dos seus negócios, mas resultaram de uma postura indiferente e,
muitas vezes, hostil do governo em relação às suas iniciativas.
Mauá sublinhava o papel institucional do Estado na condução de políticas públicas e o impacto
negativo que a intromissão governamental, em certas esferas, pode causar em iniciativas
empreendedoras, visando ao desenvolvimento econômico do país. Desse modo, a história de Mauá se
tornou um símbolo a ser lembrado de políticas governamentais incongruentes e de uma postura pouco
propícia ao desenvolvimento de negócios, cujos objetivos não deixavam de ser a promoção do bemestar
comum.
De fato, o ambiente institucional existente na época dos empreendimentos do Barão, que abrangeu
desde 1840 até meados de 80, quando ele finalmente teve sua licença de negociante cassada, não pode
ser considerado exatamente um convite a empreendimentos industriais. Envolvia uma política
econômica de restrição ao crédito, um cenário político de manutenção de antigas estruturas
mercantilistas e judiciário ineficiente, atrelado ao antigo clientelismo colonial.
O livro escrito por Jorge Caldeira (1995), no qual este artigo foi em boa parte inspirado, tomando-o
como referência e ponto de partida, ilustra muito bem esse contexto. No livro, Caldeira nos apresenta
Mauá contra o pano de fundo do Império brasileiro, já que as datas do barão coincidem praticamente
com a do período imperial de nossa história. Chega ao Rio de Janeiro como menino caixeiro pouco
antes da proclamação da independência, falecendo três semanas antes da proclamação da república.
Caldeira chega a fazê-lo, por vezes, contracenar com D. Pedro II, como se um representasse o Império
com as características institucionais que adiante exploraremos, enquanto Mauá é alguém fora do
mainstream imperial. Chega a rivalizar com o imperador, sendo seu vizinho, com seu palácio ao lado
do imperial em São Cristóvão. Além disto, Mauá aparece como dotado de um talento empreendedor
que seria diverso daquilo que se poderia esperar do nosso império. Afinal, a elite imperial brasileira
aparece como ligada a uma ordem econômica rural e escravocrata, e aspirando a ocupar cargos na
administração pública imperial. Nadando contra a corrente e afastando-se dos caminhos que a elite
imperial habitualmente trilhava, Mauá vai construindo o seu império, diverso do de Pedro II. Enquanto
o imperador tecia e construía uma ordem política e institucional aparentemente mantenedora do statu
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quo, Mauá tentava criar um Brasil mais próximo das tendências do século XIX europeu e norte
americano. A acumulação se faria através da industrialização, da iniciativa privada e do trabalho
assalariado, características de uma ordem capitalista moderna.
Nosso intuito é de rever parcialmente estas posições, mostrando que a excepcionalidade do barão é
inegável, porém não tão extensa. Nalguns aspectos ele conflita com a ordem institucional de nosso
Império, mas também, como não poderia deixar de ser, é marcado por esta mesma ordem que auxilia
na explicação de seu sucesso e também de seus fracassos, que não foram poucos. A explicação do
Empresário do Império pode enriquecer-se, se o analisarmos enquanto empreendedor fazendo uso de
conceitos atuais desenvolvidos na área de estratégia empresarial, analisando até que ponto foi capaz de
montar um grupo empresarial consistente e que poderia ser considerado estrategicamente coerente.
Neste artigo, primeiramente, mostra-se a importância de inserir na discussão da estratégia aspectos
institucionais que cercam a ação organizacional e sublinhar a contribuição que uma perspectiva
institucional pode prover aos estudos de estratégia. Em seguida apresenta-se o contexto institucional
do período, marcado por uma economia de vocação agrária, uma sociedade basicamente escravista,
uma monarquia conservadora, com poder centralizado pelo imperador, pela ausência de mercado
financeiro estruturado e, por fim, por uma mentalidade cujos interesses privados não convergiam para
o bem comum.
Em seguida, analisam-se as estratégias adotadas pelo Barão nos seus negócios. Constata-se que a
lógica de seus negócios, bem como o histórico de decisões, evidenciam não só ações empresariais
equivocadas, a partir do que hoje sabemos sobre estratégia, como também não se opôs radicalmente à
política governamental da época.
A PERSPECTIVA ESTRATÉGICA
O desenvolvimento da área de estratégia foi até o momento marcado por uma abordagem
predominantemente econômica, o que acabou significando a colocação da estratégia no universo da
racionalidade. As perspectivas do posicionamento, da dependência de recursos e dos custos de
transação fazem uso de uma racionalidade formal, prescindindo das variáveis espaciotemporais. Não
importa onde, quando e o que se decida. As decisões serão sempre as mesmas, desde que se tenham
adequado aos princípios da racionalidade estabelecidos e consagrados na análise econômica. A
estratégia explica-se em função de variáveis e critérios que são os da análise econômica e é dotada de
universalidade.
A percepção da importância da abordagem institucional em estratégia vem sendo desvendada mais
lenta e recentemente. Algumas perspectivas podem conter indicações de elementos institucionais,
como a abordagem cultural e a da estratégia enquanto poder e negociação, como apontadas por
Mintzberg (1998). Mas há que considerar que muitas das estratégias adotadas só encontram explicação
dentro de um contexto institucional, ou seja, quando se leva em consideração a história, as instituições,
a cultura, e o contexto legal das sociedades em que as estratégias são formuladas. Não é possível negar
o importante papel que o mimetismo desempenha na formulação e adoção de estratégias,
especialmente nos ramos oligopolizados, onde constatamos que há uma única estratégia adotada por
diversos players que integram o mesmo grupo estratégico.
A importância do institucionalismo já vem sendo enfatizada nos domínios da própria economia. O
tratamento de questões econômicas, apenas em termos de análise econômica, vem encontrando
restrições, na medida em que se dá ênfase a outros fatores, como a cultura, o passado histórico e o
contexto institucional em que a atividade econômica acontece. A afirmação de que o desenvolvimento
ou crescimento econômico está relacionado com a cultura de um povo já de há muito é aceita, o que
explica o fato de o capitalismo ter ocorrido na cultura ocidental e não noutras culturas. A
universalização de uma economia de mercado em nossos dias ainda é marcada por interrogações. E
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estas são predominantemente de natureza que chamaríamos de um contexto institucional. Até que
ponto o quadro institucional não só resiste a uma economia de mercado, mas pode mesmo ser avessa a
ela, impedindo que seja adotada?
Estas considerações justificam que se estendam à estratégia as mesmas indagações e se questione
qual o papel do contexto institucional na formulação e adoção de estratégias. Trabalhos recentes
(FLIGSTEIN, 2001) mostram como certos movimentos estratégicos não encontram explicação, se não
incluirmos uma perspectiva institucional. O caso da adoção de estratégias generalizadas de
diversificação nos Estados Unidos nas décadas imediatamente posteriores ao final da Segunda Guerra
Mundial se explicam também pela existência e aplicação de uma legislação antitruste, que dificultava
a criação de diversificação downstream e upstream, deixando como alternativa a adoção de uma
diversificação que se adequasse à concepção da empresa como portfolio de negócios, resultando numa
estratégia de diversificação, que envolvia diversos ramos não necessariamente relacionados e que
poderia, no limite, chegar, como nalguns caso se chegou, à criação de conglomerados.
Em nosso país, podemos pensar em várias situações em que a aplicação de uma perspectiva
institucional seria necessária à explicação de movimentos estratégicos. Até que ponto as
transformações que se registraram no ramo bancário, quando o negócio bancário se altera
substancialmente, poderiam ser explicadas sem alterações na legislação e a criação de um novo
contexto regulador, com a Lei de Reforma Bancária de 1964 e a criação do Banco Central? Até então
o negócio bancário era entre nós uma atividade de pequenos e médios bancos. Mesmo os grandes
bancos não seriam, pelos padrões atuais, mais do que pequenos estabelecimentos e desprovidos de
qualquer caráter nacional. Eram apenas bancos regionais e isto se aplicava aos principais bancos de
então que eram os paulistas, os cariocas e os mineiros.
Ainda em nosso país, quando se olha para o grande surto de crescimento, que caracterizou a
economia brasileira desde o final da Primeira Guerra Mundial até o final da década de setenta,
constatamos que não poderíamos explicá-lo sem recorrer às alterações no quadro institucional.
Mudanças na legislação, criação de agências de fomento, alterações no sistema tributário, alterações
na política comercial e industrial etc. Não se abandonou a agenda de preocupações de muitos, isto é, a
questão da criação de uma política industrial. Claramente isto significa coisas diversas para diferentes
atores. Mas todos lembram que o país possuía uma política industrial até o final da década de setenta.
Esta se foi esgotando, o que se pode perceber através de vários indicadores. Em seu lugar nada de
equivalente foi até o momento colocado. Sempre houve e há os que reclamam disto. Quando se discute
a criação de zonas e acordos de comércio, como Mercosul e atualmente a gestação da ALCA, se está
discutindo também a criação de um contexto legal em que as estratégias das empresas se inserirão. No
limite, serão forçadas a levá-lo em consideração, por ocasião de suas revisões e formulações de
estratégias.
Estas questões sobre o contexto institucional e a estratégia são identificáveis, quando se constatam
diferenças em estratégias empresariais em países diferentes. O trabalho já referido de Neil Fligstein
(2001) mostra como a governança corporativa e a concepção de sociedade anônima diferem nalgumas
nações capitalistas ricas, Estados Unidos, Alemanha, França , Japão e Reino Unido. O autor sustenta
que o movimento de Fusões e Aquisições, que assumiu enorme importância nos Estados Unidos a
partir do final da década de setenta e se estende até os dias atuais, não aconteceu nos demais países,
com a possível exceção do Reino Unido, mais semelhante aos Estados Unidos. Isto se deveria ao fato
de que a concepção de sociedade anônima, e do que seja uma grande empresa, vigente nos Estados
Unidos, por razões históricas e institucionais, não existe nos outros países estudados, particularmente
Japão, França e Alemanha. Nestes, a história, a cultura e as tradições, que se refletem na cultura das
organizações empresariais, não gerariam as condições para um grande movimento de fusões e
aquisições semelhante ao que vem ocorrendo nos Estados Unidos.
O Brasil só pode ser explicado como parte de um império colonial português. A tentativa de se olhar
o Brasil como colônia no contexto amplo do império português, com ligações profundas com as
colônias africanas de Portugal, durante o período de formação colonial (ALENCASTRO, 2000;
BOXER, 2002), tende a produzir explicações mais satisfatórias sobre nosso passado e que auxiliam no
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entendimento de nosso presente. O país independente emerge de um contexto colonial que conserva
traços econômicos e instituições sociais, como a escravidão, fundamentais para o país. Isto nos parece
justificar um levantamento do quadro institucional do Império para a devida contextualização do
empreendedorismo de Irineu Evangelista de Sousa.
O CONTEXTO INSTITUCIONAL DO IMPÉRIO
O contexto institucional do Império brasileiro não pode ser entendido como conducente a um
empreendedorismo que fosse contemporâneo ao que ocorria nos países que se industrializavam na
Europa e com os Estados Unidos. O tema do anacronismo brasileiro é um leit motiv bastante difundido
na nossa historiografia e nas ciências sociais. Euclides da Cunha, com seu clássico Os Sertões (2002),
vê nele o elemento fundamental para explicar o fenômeno do messianismo do Arraial de Bom Jesus.
Importante discussão que se trava a partir da segunda metade do século XIX é o debate sobre a
industrialização (LUZ, 1961). Os Estados Unidos já surgiam, na segunda metade do século XIX, como
saliente entre as novas nações americanas, recentemente independentes, que haviam deixado os
vínculos dos impérios inglês, português e espanhol. Traço importante no perfil econômico do também
jovem país era seu avanço na trilha da industrialização. Questionava-se então se a industrialização
seria uma vocação brasileira ou se o país deveria seguir sua natural vocação agrária. O debate
finalmente termina em 1876, com a promulgação da Lei de Similares pela princesa Isabel, então no
trono, devido a uma viagem de seu pai ao exterior, o que assegurava a resposta de que a
industrialização não era pelo menos algo a ser evitado, como desejavam os partidários da vocação
agrária. Para eles, a Lei de Similares poderia provocar uma industrialização artificial. Mas a lei foi
promulgada e foi importante documento, mais útil à República do que o foi durante o período
imperial.
No quadro institucional do Império ressaltaremos a importância do regime monárquico e a
centralidade do imperador, as características do modelo econômico, o perfil da elite imperial, a
ausência de um mercado financeiro mais desenvolvido e estruturado, as restrições à livre iniciativa e
as comparações com o quadro institucional dos Estados Unidos.
A) O Brasil, ao tornar-se independente, adota um regime estranho para o hemisfério, a monarquia.
Herança do próprio processo como a independência aconteceu, a colônia tendo-se desligado da
metrópole por rebeldia do príncipe regente e que nunca deixou de contemplar uma reunificação com
Lisboa, pelo menos com sua presença em ambos os tronos. Adotamos, em conformidade com o
liberalismo político do início do século XIX, o modelo da monarquia constitucional, em que o
imperador deveria conviver com um poder legislativo de alguma forma eleito e que representaria a
nação. A constituição de 25 de março de 1824, que nos regeu até a promulgação da republicana de
1891, estabelecia quatro poderes: o legislativo, o judiciário, o executivo e um quarto poder, o
moderador. O executivo e o moderador eram exercidos pelo imperador. Atos adicionais, que
emendaram com Pedro II a carta de 1824, acabaram por criar um presidente do gabinete que, na
verdade, era um primeiro ministro, mas sempre como preposto do imperador. Ao monarca caberia
constitucionalmente a plenitude do poder executivo. O moderador conferia ao Imperador centralidade
absoluta no sistema e permitiu que exercesse papel fundamental na formatação das instituições
políticas do novo país.
A imagem, até hoje predominante, de que o Império foi caracterizado por maior estabilidade
institucional do que a tumultuada república, deve-se à centralidade do imperador, que manipulou com
grande competência as elites políticas e fez a dança de gabinetes entre liberais e conservadores
adquirir a monotonia freqüentemente encontrada em nossa historiografia do período imperial. O texto
de Jorge Caldeira ressalta bastante o papel central do imperador, como criador, mantenedor e operador
de um sistema e de um jogo político em que as coisas tendiam mais à permanência do que à mudança.
O trabalho recente de Lilia Schwarcz (1998) deixa clara a importância do imperador como
representante do Império Brasileiro e como levou a sério tal papel. Afinal, suas viagens internacionais,
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especialmente sua presença na Feira Industrial de Paris de 1867, estavam ligadas à promoção e
divulgação deste estranho Império nos trópicos, onde o imperador, impecavelmente vestido com trajes
europeus, carregava um manto imperial verde e amarelo. Pelas fotos que nos chegaram tinha pouco de
seu pai, exibindo mais no fenótipo a etnia austríaca de sua mãe. Nosso exotismo tem raízes.
D. Pedro II era homem erudito, sofisticado, europeizado e possivelmente de identidade confusa.
Resumindo, era um brasileiro. Via-se como europeu, apreciava Wagner, adorava ciência e tecnologia,
seria um liberal e, no fundo, até um cético com relação ao futuro da instituição monárquica que via
fenecer na própria Europa, onde as repúblicas começavam a se estabelecer. Mas daí não se pode inferir
que não convivesse bem com as singularidades brasileiras, que pouco tinham a ver com todas estas
características européias já mencionadas. Não se pode dizer que fosse, na sua ambivalência, um
proponente ou um incentivador de um modelo econômico liberal capitalista na segunda metade do
século XIX. Conviveu com a escravidão, com uma ordem agrário-exportadora, com um estado
centralizador e clientelista, cujo patrimonialismo ajudou a construir pela trama entre participação
política e ocupação de cargos na burocracia imperial. Tudo isto mostra que o Brasil não começou hoje,
vinha assim de algum tempo.
B) O modelo econômico do período imperial, em grande medida, foi caracterizado e descrito pelos
clássicos de nossa historiografia econômica (FURTADO, 2003; PRADO JUNIOR, 1976;
SIMONSEN, 1978). Pouca alteração ocorreu com relação ao modelo colonial que serviu para nossa
inserção no mundo econômico europeu e ocidental, como colônia agrário-exportadora, o que os
ingleses chamariam plantation economy. Exportações centradas num único item de exportação, o que
permitiu que nossos historiadores falassem em ciclos econômicos. O país se torna independente sem
estar num pico econômico, mas antes num vale. Apenas lentamente o café se firmará como produto
principal de nossas exportações, que não encontraram, por muito tempo, um substituto para o açúcar
de cana, que não conseguira manter competitividade diante dos novos produtores do Caribe.
A industrialização se encontrava ausente do horizonte, em parte devido à fixação no modelo agrário
exportador e sem grande atenção para as potencialidades de um mercado interno e em parte pela
herança vinda do período colonial, que nos impedia a industrialização por força do Tratado de
Methuen, celebrado entre Portugal e Inglaterra no início do século XVIII.
A isto se acrescente a importância da escravidão como instituição decisiva em nossa formação
social. Embora a escravidão tenha ocorrido em diversos países das Américas, no Brasil, assumiu
especial importância. Quando nos tornamos independentes, de uma população de aproximadamente
4,2 milhões de habitantes, estima-se que cerca de 3.0 milhões eram formados por negros escravos. A
escravidão, entre nós, permeou não apenas a vida nos engenhos e fazendas de café e algodão, mas
acabou por estender-se à vida urbana. A cidade do Rio de Janeiro teria mais escravos no ano de 1870
do que Roma na época de César Augusto. E isto só terminou com a Lei Áurea em 1888, quando no
Atlântico Norte se iniciava a Segunda Revolução Industrial e o trabalho assalariado na Europa e na
América do Norte já levara à formação de grandes sindicatos de empregados.
A escravidão criou um tipo de sociedade incompatível com os valores da cultura ocidental moderna,
vide as dificuldades e as seqüelas geradas em todos os países que a tiveram. Além dos problemas de
integração dos ex-escravos como cidadãos numa sociedade livre, ainda há as conseqüências puramente
econômicas. Ressalte-se a inibição de um mercado interno pela ausência de massa salarial, a
dificuldade em desenvolver mão de obra que tenha as habilidades e qualificações demandadas por uma
economia industrial e o envolvimento de parte substancial da atividade comercial e financeira com o
tráfego negreiro. Entre as razões para que a escravidão se prolongasse entre nós, apesar das pressões
internacionais, especialmente as vindas da Inglaterra, há que adicionar o envolvimento das elites não
apenas no uso de escravos como mão de obra em suas propriedades, mas como comerciantes. O
escravo significava um bom investimento e sua rentabilidade, apesar das precárias condições de saúde,
alimentação e higiene, que resultavam numa esperança de vida próxima dos 30 anos, ainda era das
mais elevadas, sendo considerada superior àquela que se obteria nessa época no mercado financeiro
londrino.
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C) A questão a natureza da elite brasileira coloca, no processo político e econômico do Império,
pode ser entendida como o resultado de uma formação também herdada da colônia. Quando se fala de
elite aqui, não nos referimos às elites provinciais, mas da que se concentrou na Corte, ou seja, na
cidade do Rio de Janeiro. A elite política e econômica tinha duas bases de sustentação que poderiam
mesclar-se e freqüentemente se mesclavam: a propriedade fundiária e o Estado, através de cargos na
administração pública ou pelo clientelismo pelo qual se usava o poder e os recursos do Estado para o
atendimento de interesses privados.
Já se mencionou que, em comparação com os Estados Unidos, nossa elite não possuía uma “moral
do trabalho” (MOOG, 1957). Seriam ecos de Max Weber? De qualquer forma, o empreendedorismo,
corolário desta moral do trabalho mais ligada à burguesia e ao puritanismo, não foi marca desta elite,
mais voltada ao exercício do poder político e à ocupação de espaços na maquinaria administrativa do
Estado. As origens desta elite são predominantemente rurais, pois se liga à propriedade fundiária, onde
se encontrava quase exclusivamente a economia do país, mas também às origens de nossos quadros
administrativos do serviço público. A administração pública imperial é herdeira da administração
colonial portuguesa, cujos cargos públicos eram recompensas ou prebendas por apoio político. O
monarca português centralizou seu poder, tornando uma nobreza feudal em nobreza de corte, apoiado
na concessão de benesses e prebendas na burocracia do Estado. E esta tendência continuou no país
depois que se tornou independente e somos tentados a dizer que persiste até os dias atuais. O fascínio
de nossas elites pelo Estado é fantástico. Vide a facilidade com que elites empresariais, intelectuais e
sindicais abandonaram e continuam abandonando suas posições para migrarem para o Estado.
A atração pelo Estado, pela carreira política, pela posição na burocracia estatal fez com que o
empreendedorismo acabasse sendo mais característica dos excluídos, ou seja, dos imigrantes. O surto
brasileiro de empreendedorismo, do final do século XIX à primeira metade do século XX, está ligado
a imigrantes e mais raramente às elites tradicionais. Há que agregar, pelo menos durante o Império e a
Primeira República, o fascínio pela burocracia eclesiástica, que fez com que filhos da elite,
especialmente da fundiária, se dedicassem à carreira eclesiástica, atingindo os quadros do episcopado
católico romano (MICELI, 1988).
D) A ausência de mercado financeiro mais estruturado deve ser levada em consideração. Na
verdade, quando nos referimos às fontes de capital para dar sustentação à atividade empresarial,
podemos imaginar que, sem mercado financeiro em que se possam colocar ações e títulos de
endividamento (equity e debt), o que resta são apenas os recursos individuais ou familiares. A
moderna sociedade anônima só tem sentido, quando há mercado financeiro institucionalizado capaz de
absorver riscos, aproveitar oportunidades e permitir, em última instância, a fragmentação do capital
com a democratização da propriedade empresarial e a ascensão de uma empresa profissionalmente
gerida, ou seja, cuja propriedade e gestão estão separadas. Na ausência de tal mercado, o que aparece
como sucedâneo é o Estado como fornecedor de capital e fomentador da atividade empresarial. O
Estado desenvolvimentista em algumas nações do Terceiro Mundo do século XX se explica no vazio
de um mercado financeiro criado e operado com recursos privados.
O Império brasileiro teve exíguo mercado financeiro e sempre com presença pesada do Estado. A
posição do Estado neste mercado é ambivalente; de um lado pode atuar como fomentador, mas de
outro pode também vê-lo como maneira de captar recursos para cobrir suas despesas, que não são
inteiramente cobertas com recursos fiscais. O endividamento público tem no Brasil uma longa
tradição, tanto no âmbito interno, como através do endividamento externo. O fato de não haver
mercado financeiro estruturado tornava o empreendimento dependente exclusivamente da capacidade
de aporte de recursos por parte de seus proprietários, limitando seriamente a capacidade de expansão.
No limite, poderia fazê-lo apenas através da reinversão dos lucros gerados.
E) O quadro institucional do Império era restritivo da atividade empresarial exercida privadamente.
Isto se pode deduzir do que foi apresentado até o momento, tanto pelas razões culturais, como pelo
cenário político, pela atuação das elites e em virtude do próprio modelo econômico existente de tipo
agrário-exportador. Retomando os principais pontos, lembraríamos a ausência de mercado interno
apreciável pelo fato de a economia ser baseada em mão de obra escrava, acarretando reduzida massa
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salarial. Registre-se ainda a pouca disponibilidade de capitais, seja sob a forma de endividamento, seja
de capital de risco. O Estado brasileiro sob o Império ainda não despertara para o papel
desenvolvimentista que poderia exercer no crescimento e diversificação da economia. Finalmente, a
questão cultural não conferia prestígio e status à atividade empresarial privada voltada ao mercado e
objetivando lucros e acumulação. Uma carreira política, ou na burocracia estatal ou eclesiástica eram
mais gratificantes, segundo os valores adotados pelas elites.
F) As comparações com os Estados Unidos auxiliariam a entender como o contexto institucional
pode atuar para estabelecer parâmetros para a estratégia empresarial. Politicamente, os Estados Unidos
é a manifestação, em terras do Novo Mundo, do Iluminismo e das tradições revolucionárias francesas.
A forma republicana de governo é a única que se apresentava como possível à nova nação. Houve uma
Guerra de Independência que marcou clara ruptura com a Inglaterra e que levou tempo a ser
remediada. As relações especiais entre Estados Unidos e Reino Unido só se desenvolveram a partir da
primeira metade do século XX. Uma república que surgiu da federação de treze colônias, que se
desenvolveram através do vigor de uma sociedade civil e não pela ação da coroa britânica.
A escravidão foi severamente circunscrita nos Estados Unidos, mesmo antes da Guerra Civil. Ela
acabou por se restringir aos estados do sul, onde predominava a monocultura algodoeira e não chegou
ao resto do país. Os Estados Unidos é um país que se construiu ao longo do século XIX por expansão
territorial em direção ao oeste e o movimento foi da sociedade civil e não do Estado. A escravidão,
embora não estivesse inteiramente ausente na marcha para o oeste, não chegou a exercer o profundo
impacto que teve na formação social dos estados sulistas nem remotamente semelhante ao que
aconteceu em nossa sociedade.
Há ainda o fator cultural de uma sociedade tipicamente burguesa, onde o ethos aristocrático das
colônias espanholas e da América Portuguesa nunca esteve presente. Nunca houve aristocracia na
sociedade que lá se desenvolveu e nunca foi sentida a sua falta. Isto preparou o caminho para que lá se
desenvolvesse a primeira sociedade de massas em nossa história, fato que não passou despercebido de
diversos observadores europeus durante o século XIX (TOCQUEVILLE, 2003). A burguesia traz
consigo a moral do trabalho, uma valorização do trabalho de preferência ao ócio, ao refinamento, ao
lazer, ao domínio do gosto, próprios de uma sociedade de tipo aristocrático, o que acaba levando a que
o empreendedorismo fosse traço importante no comportamento social. Os Estados Unidos estão entre
as culturas mais empreendedoras do mundo, pelo menos nos tempos modernos.
Uma solução precoce da questão fundiária evitou que os espaços continentais norte-americanos se
transformassem em latifúndios improdutivos. Isto levou ao desenvolvimento do farmer como ator
social e econômico, e que juntamente com a expansão urbana e a circunscrição da escravidão
contribuíram para que se formasse um imenso mercado interno.
Nos Estados Unidos, o sucesso nos negócios sempre atraiu muito mais e sempre foi socialmente
mais deferido, reconhecido e auxiliador na obtenção de estima, prestígio e status do que carreiras
ligadas à burocracia do Estado. O jacksonismo em administração pública também representa um
antídoto contra a tendência, de origem continental européia, de se criar uma administrative class
socialmente diferenciada e privilegiada.
A ação do Estado foi decisiva para que os Estados Unidos criassem um dos mais eficazes e
persistentes modos de se fomentar uma economia, que até hoje teima em sobreviver apesar da retórica
da globalização e do liberalismo: o protecionismo. Tão americano como a torta de maçã e o
hambúrguer, foi a maneira encontrada logo após a independência para proteger a nascente e modesta
economia das treze pequenas colônias do impacto possivelmente esmagador das potências econômicas
européias, particularmente da Inglaterra.
Criaram-se barreiras alfandegárias aos produtos importados e partiu-se para um modelo, em grande
medida, autárquico. O tamanho do país, seus recursos naturais aparentemente inesgotáveis, uma
política de atração de imigrantes, as condições da economia mundial e o estado da tecnologia fizeram
com que, ao longo de um século, as treze colônias se transformassem num país de dimensões
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continentais, que na transição do século XIX para o XX, já se apresentava como uma das maiores
economias do mundo ao lado das potências européias como a Alemanha, a França e, naturalmente, a
Inglaterra.
O quadro institucional norte-americano nos permite entender melhor como lá se desenvolveu uma
economia capitalista de mercado, com um tipo de empresa que é a moderna sociedade anônima e
como estas empresas puderam crescer, perseguindo estratégias de crescimento através de focos, escala
e diversificações (CHANDLER, 1990).
Em conclusão, diferiam em muito os quadros institucionais dos Estados Unidos e do Império
Brasileiro. Se, fiel a uma interpretação institucionalista, o contexto institucional norte-americano
auxilia a explicação do capitalismo e a concepção de sociedade anônima que lá se desenvolveu,
permanece a indagação de como um empreendedor manchesteriano e antítese do Império, do qual
Mauá seria uma expressão, poderia ter-se aqui desenvolvido. Se isto ocorreu, estaríamos diante do
excepcionalismo de Mauá, o que demandaria explicação à altura.
ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS DO BARÃO
Projetos de industrialização, quando a agricultura acenava como a vocação manifesta do país;
diversificação de negócios, quando os grandes detentores de capital acreditavam em uma única
empresa comercial; contratação de empregados assalariados, quando a elite brasileira esperneava
contra as restrições ao tráfico negreiro impostas pelos ingleses. Essas, dentre outras iniciativas,
indiscutivelmente auxiliaram a construir a imagem do Barão como empreendedor industrial e
visionário, cujo comportamento divergia do pensamento vigente da época.
Com isso, não surpreende a consolidação da idéia de Mauá como empresário à frente do seu tempo e
dotado de personalidade e talento singulares. De menino pobre, nascido na distante estância de Arroio
Grande no vilarejo de Rio Grande, chegou ao Rio de Janeiro em 1823, para trabalhar como caixeiro
numa firma comercial. Em pouco mais de vinte anos já se havia firmado como dono da primeira
indústria montada no Brasil, o estaleiro Ponta da Areia.
Foi capaz de tornar-se comerciante, quando a Coroa portuguesa tinha uma política deliberada de
alijar nativos na disputa de vagas para a atividade comercial. Uma vez dentro desse negócio, sua
trajetória foi de sucesso, que culminou com a transferência da direção do negócio do seu último patrão
para suas mãos. No entanto, ainda que tenha sido bem-sucedido em driblar esses obstáculos, na fase
em que atuava no comércio, não pôde resistir aos outros que se levantaram ao longo de sua trajetória
como empreendedor. Dessa maneira, o modelo político, econômico, legal e social brasileiro,
juntamente com a inveja imperial de intrigas e complôs, criou um contexto institucional muito adverso
à manutenção dos seus negócios e normalmente é apontado como o grande causador do declínio e da
falência dos negócios de Mauá. Como Caldeira (1995) enfatiza: “Mauá não conseguira enraizar seus
negócios na base fofa de um país escravista, onde o mercado era rarefeito e dependente do governo, e
onde os homens de fortuna só queriam o progresso que não colocasse em risco seus privilégios”.
De fato, ao contrário da sociedade da sua época, o movimento de Mauá, ao deixar o foco mercantil e
passar à condição de industrial, pode até indicar que tinha algo como um projeto para o Brasil, uma
visão do que deveria ser o nosso futuro. Estas concepções estariam claramente fundamentadas no
modelo de industrialização inglês que conheceu e do qual se tornou admirador confesso. Mas a
maneira como levou adiante tal visão mostram que era prisioneiro do contexto institucional brasileiro
marcado por dependência com relação ao Estado e pelas limitações impostas por um mercado
consumidor limitado pela falta de uma economia assalariada, pois o trabalho permaneceu sendo
escravo até a última década do século XIX. Outra limitação era a escassez de mão de obra mais
qualificada e que não fosse escrava. Imigrantes nunca chegaram ao Brasil nas mesmas quantidades que
chegaram à Argentina e especialmente aos Estados Unidos. Ausência de um mercado financeiro onde
10
pudesse obter recursos. Isto explica a criação de um banco e a sua transformação em empresa central
do conglomerado de Mauá. Há que notar ainda a falta de uma mentalidade de investidores que não
estivesse ligada a uma racionalidade mercantil, ou seja, viam a rentabilidade do capital basicamente
através do mark up, ou seja, diferença entre custo da compra e o preço da venda. Atividades industriais
tinham outra lógica e um ciclo e uma racionalidade nublada para os nossos investidores de
mentalidade mercantil.
Na verdade, vemos que Mauá lançou-se com grande sofreguidão a empreendimentos dependentes de
elevada capitalização, diríamos hoje, com elevadas barreiras de entrada sob a forma de necessidades
de capital e de tecnologia, dois recursos que claramente não possuía e não controlava. Isto porque as
empresas de Mauá se inserem nos serviços de utilidade pública, como ferrovias, navegação,
iluminação pública e, quando se trata de pecuária, caso de seus negócios no Uruguai, dependentes de
decisões governamentais. Empresas de serviços de utilidade pública ainda dependem de uma
concessão governamental, que assegure algum tipo de monopólio em sua exploração. Todas estas
coisas indicam que Mauá estaria bem distante do modelo de um empresário manchesteriano. De certa
forma, confiava na ordem institucional do Império que lhe deveria assegurar condições para o sucesso
de seus empreendimentos, o que implicava certa contradição.
Se revisarmos seus principais negócios, a partir de seu próprio texto na Exposição aos Credores e
ao Público, encontramos aí boas razões para o insucesso, explicáveis a partir do que hoje conhecemos
sobre estratégia empresarial.
O Estabelecimento da Ponta da Areia era um estaleiro, que teria como principal, senão exclusivo
cliente, o próprio Estado. Foi formado parcialmente com recursos do próprio Mauá e o restante com
recursos públicos. Havia ainda o benefício da legislação protecionista (tarifas Alves Branco)
estabelecidas em 1844, e que criavam barreiras alfandegárias ao produto importado. Posteriormente
estas barreiras foram alteradas e o produto nacional perdeu competitividade.
A Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro pode ser visto como raro bom negócio, na
medida em que obteve sucesso, foi lucrativa e acabou sendo vendida aos ingleses por um preço
vantajoso. Novamente, estamos diante de empresa dependente de concessão do poder público. Na
obtenção da concessão, Mauá mostrou-se competente lobista, pois teve acesso ao que hoje
chamaríamos de informação privilegiada e acabou oferecendo uma tarifa inferior a do outro
concorrente, o que lhe valeu a obtenção da concessão.
Envolvimentos na Bacia do Prata. Os negócios de Mauá no Uruguai envolviam bancos e
fornecimento de carne ao exército uruguaio. Na verdade, Mauá declara ter prestado serviços ao Brasil,
ao se envolver no Uruguai para deter o avanço do ditador argentino Rosas e, desta forma, salvaguardar
os interesses brasileiros. Na verdade, estamos longe de um negócio que pudesse parecer atividade
empreendedora sem outras conotações que não os negócios. Os interesses de Mauá e da Coroa se
mesclam e isto sem que se possa dizer que ele estivesse fazendo bons negócios, como acabou sendo
demonstrado com o passar do tempo.
A Estrada de Ferro de Petrópolis foi a iniciativa de Mauá, que teve o condão de torná-lo mais
conhecido e também favoreceu seu registro histórico de empreendedor. Na verdade, foi seu
empreendimento mais visível na época e que contribuiu para a consolidação de sua imagem de grande
empresário. Mas enquanto negócio foi outro insucesso. Se olhada do ponto de vista da viabilidade,
haveria que lembrar que não havia nem passageiros, nem carga suficientes para mantê-la operando.
Para que tal ocorresse, seria necessário construir uma rodovia de acesso, que só foi construída
tardiamente. Posteriormente, a estrada teve de sofrer com a concorrência de outra ferrovia que acabou
por inviabilizá-la. Mauá recorreu ao governo, solicitando que fundos públicos fossem usados para lhe
assegurar o pagamento de juros por um período de 10 anos, referentes ao capital investido na ferrovia.
A prática, que não era incomum na época, mostra um quadro institucional em que o governo tinha de
intervir, eliminando o risco do investimento. Trata-se de procedimento também pouco compatível com
a concepção de empreendedor manchesteriano.
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A Navegação a Vapor do Rio Amazonas foi uma empresa criada por iniciativa governamental,
mas que encontrou em Mauá um sócio disposto a assumir o negócio. Foi talvez um caso precoce do
que hoje se chamaria uma parceria entre o governo e o setor empresarial privado. Foi um bom negócio
para Mauá.
As empresas Estrada de Ferro do Recife a São Francisco e a Companhia Diques Flutuantes
nunca chegaram a existir.
Outro negócio foi a Companhia de Curtumes, onde Mauá entrou como minoritário, aportando um
sexto do capital. Não foi o sócio gerente. A empresa acabou sendo mal gerida e terminou por acumular
enorme débito junto à empresa Mauá & Companhia, controlada pelo Barão e que nunca foi saldado. O
saldo foi mais um mau negócio que auxiliou na criação do passivo que faria finalmente o barão ir à
falência. A esta lista de fracassos, pode-se adicionar a Companhia Luz Esteárica, semelhante ao da
Companhia de Curtumes. Dívidas se acumularam e não foram nunca pagas.
Outro caso interessante é o da Montes Áureos Brazilian Gold Mining Company, que acabou se
revelando nada mais do que uma falcatrua, pois as jazidas estavam totalmente esgotadas. Na
Exposição aos Credores não fica claro como Mauá se envolveu com tal empreendimento, nem
quanto teria perdido. Aparentemente, emprestou seu nome e seu prestígio para levantamento de capital
na praça de Londres, mas quando uma equipe de técnicos foi proceder ao levantamento das jazidas
para cuja exploração a empresa estaria sendo criada, verificou-se que as jazidas estavam esgotadas.
Finalmente, temos o caso da empresa mais longamente exposta na Exposição e que se arrastou até o
final de sua vida. A viúva morreu, já no século XX, tentando receber o que, segundo Mauá, os ingleses
lhe deviam. Trata-se da São Paulo Railway, ferrovia que ligava o porto de Santos ao planalto paulista,
indo até a cidade de Jundiaí. A ferrovia começou a operar em 1867 e foi na época significativo feito
tecnológico, pois se tratava de transpor o paredão da Serra do Mar, o que foi feito, usando-se um
sistema de catracas que permaneceu em operação durante o século seguinte. A ligação se fazia
necessária devido à expansão cafeeira em direção ao interior de São Paulo. O vale do Paraíba, região
por onde o café entrara em São Paulo, já declinara e o Estado reconhecia no café sua grande e
principal fonte de riqueza, que serviu de fundamento à posterior expansão econômica do estado de São
Paulo.
Mauá entrou no negócio quando obteve a concessão para construir a ferrovia. Como o
empreendimento demandava muito capital, dirige-se a Londres, o que consegue, mas a um custo de
captação elevado, pois o estabelecimento inglês de Rothschild & Sons decide cobrar caro para pôr seu
nome na empresa. Tratava-se de associar alguém de prestígio internacional ao empreendimento, a fim
de assegurar os demais investidores potenciais. A obra finalmente se inicia e há uma série de estouros
orçamentários que levam o Barão a arcar com substanciais desembolsos para que a obra prosseguisse.
Com a obra muito mais cara do que se pensara inicialmente, o Barão acabou metido em imenso
imbroglio, que acabou potenciando sua falência. Houve também queixas contra o governo da
província de São Paulo que decidiu construir uma rodovia com o mesmo traçado da ferrovia criando
uma concorrência desleal.
No final, pode-se dizer que o caso da Santos a Jundiaí, nome pelo qual a ferrovia passou a ser
conhecida durante a segunda metade do século XX, pode ter envolvido imprudência de Mauá e
desonestidade e oportunismo dos ingleses. Mas do ponto de vista do Barão, o episódio em sua
inteireza revelam mais uma propensão a negócios mal sucedidos.
De uma perspectiva estratégica, não causa surpresa o insucesso de Mauá. Ele seria explicável e
previsível, se atentarmos para o conhecimento acumulado sobre estratégia empresarial. A nossa
avaliação leva em conta o contexto institucional brasileiro, o que serve para se julgar com maior
severidade as estratégias empresariais do barão.
Portanto, revisitando seus empreendimentos, podemos perceber uma estratégia de diversificação
excessiva, que carecia de economias de escala e escopo: um grupo de negócios que apresentavam alta
alavancagem financeira, o que parece bastante complicado, dada a precariedade do mercado financeiro
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na época. Adicionam-se ainda investimentos, cuja conotação era pesadamente política e que, no final
das contas, acabaram por contribuir para o insucesso final do Barão. Outro conjunto de negócios, que
morreu no próprio nascedouro, sendo a simples idéia de iniciá-los um equívoco. Finalmente, temos
ainda um grupo de empresas altamente dependentes de concessão governamental, dada sua natureza
de utilidade pública.
O quadro que segue coloca em forma gráfica e ilustra, ao longo do tempo, os empreendimentos até
aqui relatados.
(*) Algumas empresas não estão apresentadas na figura. São elas: as estradas de ferro da Tijuca, Bahia – São Francisco e
Recife – São Francisco, o Botanical Gardens Rail Road City e a Companhia de Curtumes.
O início, ou posterior sobrevivência, de um razoável conjunto de investimentos do Barão dependia
do Império, em maior ou menor grau, desde concessões de exploração até financiamentos e subsídios.
Assim, podemos incluir: o Estabelecimento de Fundição da Ponta de Areia, cujo maior, senão único
cliente, era o próprio governo; a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro, concessão
governamental fornecida a Mauá; de igual modo, a Companhia Fluminense de Transportes obteve
permissão do Império para atuar no transportes de cargas por carroças; a Companhia da Estrada de
Ferro de Petrópolis, outra concessão do governo para a exploração da área de Porto de Estrela até
Petrópolis; a Companhia Navegação a Vapor do Amazonas, viabilizada pelo monopólio de navegação
de 30 anos dado a Mauá, além de um subsídio anual de 120 contos de réis para colocar em
funcionamento linhas de transporte, onde não havia carga para levar; e, finalmente, a já citada Estrada
de Ferro Santos – Jundiaí, outra permissão do governo para a construção da ferrovia.
Com isso, o que se percebe é que a pretensa imagem de independência de Mauá parece não ter muito
sentido, quando observamos esse grupo de empreendimentos, cuja história estava amarrada, de uma
forma ou de outra, ao governo. No mínimo, podemos dizer que se o Império foi duro com o Barão, em
Estabelecimento de Fundição e Es taleiros da Ponte de Areia
Banco do Brasil
Estrada de Ferro Petrópolis
Cia de Iluminação a Gás do RJ
Cia de Navegação e Comércio do Amazonas
Cia de Diques Flutuantes
Cia de Luz Es teárica
Cia Fluminense de Transportes
Montes Aureos Brazilian Gold Mining Company
Mauá McGregor e Cia
Cia Agrícola Pastoril
The Brazillian Submarine
Cable Company
Mauá e Cia
Banco Mauá y Cia (Uruguai)
Estrada de Ferro Santos – Jundiaí
Companhia de Gás de Montevidéu
Financiamento ao
governo uruguaio na
guerra platina contra
a Argentina
Transferência da
direção da empresa
comercial para
Mauá
1836
Cassação do registro
de negociante de Mauá
Reabilitação da matrícula de
comerciante de Mauá
1840 1850 1860 1870 1880
44 46 48 50 52 54 56 58 60 62 64 66 68 70 72 74 76 78 80 82 84
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vários momentos de sua trajetória, ele também se utilizou dele em outras tantas situações e pôde
viabilizar muita das suas empresas através dos laços que nunca deixou de ter com a Coroa.
Outro fator que chama atenção nos negócios do Barão era a alta alavancagem sobre a qual eles se
balizavam. Podemos até mesmo dizer que a centralidade dos bancos de Mauá nos seus negócios se
devia muito ao fato de que era através deles que esse empreendedor buscava alimentar todos os seus
outros empreendimentos. Isso porque, desde a criação do Banco do Brasil em 1851, passando pela
concepção de seus outros bancos – Mauá McGregor e Cia (1854 – 1866) e Banco Mauá e Cia no
Uruguai (1856 – 1874) – a lógica que Mauá seguia era de juntar capital de terceiros para financiar a
formação de outras empresas, incluindo as suas. De fato, foi a captação de recursos do Banco do Brasil
que possibilitou, em grande parte, arrecadar dinheiro para os investimentos necessários no projeto de
iluminação do Rio de Janeiro e na empresa de cabotagem no Amazonas. Mesmo depois, quando o país
já havia adotado uma política conservadora de restrição ao crédito, controlando as emissões de títulos
bancários e aumentando os juros sobre os empréstimos, Mauá inaugurou os negócios de diques
flutuantes, transportes, luz esteárica e mineração através do banco Mauá McGregor e Cia. Como
Caldeira (1995) explica:
O estatuto do Banco do Brasil, por exemplo, permitia fazer empréstimo sobre uma caução de ações de
empresas, inclusive do próprio banco. Com isso, assim que o dono do banco integralizou sua parte no
capital, pôde empenhar ali mesmo os papéis e receber de volta quase tudo o que tinha gasto como
empréstimo, duplicando o capital a sua disposição. Esse dinheiro era aplicado numa nova empresa e,
assim que as ações eram recebidas, seguia o caminho da caução – deixando de novo o proprietário com
capitais livres. E como a nova empresa mantinha ela própria conta no banco, se fosse preciso, ainda
podia tomar mais empréstimos para financiar sua implantação. O ciclo, sempre repetido, gerava uma
cadeia de multiplicação de capitais, inteiramente baseada no uso do dinheiro de terceiros. No fim das
contas, Mauá e suas empresas deviam ao banco uma parte ponderável do capital e dos investimentos de
todas elas (pág. 253).
No entanto, se os bancos tiveram papel fundamental na expansão do seu império, se tornaram a
grande fragilidade dos seus negócios. Isso porque, se em dado momento houvesse uma queda nos
depósitos, os bancos do Barão ficariam expostos, visto que não haveria dinheiro para pagar os
investidores, uma vez que o capital estaria imobilizado em outros negócios.
Naquele tempo, os bancos tinham de conviver com a realidade de grande parte de seus depósitos
exigíveis à vista e empréstimos a prazo. Com isso, a capacidade de um banco de entregar dinheiro
após uma corrida de correntistas era muito limitada. E como não havia Banco Central, para socorrer
com suas linhas automáticas de redesconto dos ativos em carteira nos momentos de crise, grandes
corridas acabavam provocando o fechamento dos bancos, ainda que gozassem de uma situação
econômica boa. E, de fato, alguns de seus bancos fecharam as portas exatamente porque não puderam
agüentar corridas de correntistas, tão comuns na época. No entanto, como os bancos ocupavam
posição privilegiada no império de Mauá, o fechamento de um banco debilitava fortemente o resto dos
seus empreendimentos, uma vez que o colapso se dava justamente no coração do sistema empresarial
montado por Mauá.
Outro ponto importante que vale a pena comentar é a natureza fortemente política de algumas de
suas ações e que, no fim, acabaram por favorecer a falência do seu império. Decisão bastante
ilustrativa desse tipo de negócio foi o envolvimento do Barão na questão do Prata, prestando serviços
relativos aos interesses da política do governo imperial de D. Pedro II na região.
Os motivos para o governo brasileiro intervir na questão platina, apoiando o Uruguai contra a
Argentina, se devia a fatores de demarcação de fronteiras e à disputa territorial. Era pelos rios da Bacia
Platina (rios Paraná, Paraguai e Uruguai) que escoava quase toda a produção da Argentina, Uruguai,
Paraguai e de algumas províncias brasileiras. No entanto, se as causas de D. Pedro II eram claras, as da
intervenção do Barão eram um pouco mais nebulosas.
Mauá foi o financiador da guerra uruguaia em uma decisão que, podemos dizer, foge bastante do
comportamento esperado de um empreendedor. Ele adentrou nessa guerra, esperando conseguir
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aproximar-se de D. Pedro II e, desse modo, colher os favores e privilégios que desfrutavam aqueles
que estavam sob as asas protetoras do imperador. Novamente, o que vemos é uma postura que não
condiz com a tão propalada independência e altivez do Barão em face da visão do Império brasileiro.
Assim, não se pode afirmar que Mauá não agia com a mesma reverência ao governo como os
comerciantes portugueses ou os fazendeiros e traficantes brasileiros. Também não podemos ratificar
totalmente a idéia de Mauá como praticante ortodoxo do livre mercado e avesso aos privilégios
políticos e legais, vistos como entraves ao desenvolvimento e diminuidores da eficiência de mercado.
Desse modo, caberia observar que, na articulação de seus negócios, Mauá não se portava como
empreendedor de tipo clássico, voltado ao seu negócio e buscando naturalmente obter dele o maior
lucro e a maior rentabilidade. Mesclava seus interesses com os interesses nacionais e certamente usou
os negócios para marcar presença também no cenário político do Império, o que inegavelmente
conseguiu fazer. Não esquecer que o modesto menino caixeiro tornou-se barão, integrou a assembléia
nacional, circulava com desenvoltura no meio da elite política e morreu visconde. Isto fez com que
mesclasse negócios com política de maneira que, muitas vezes, tem-se a impressão que a política
atrapalhou os negócios. Curiosamente, dependia do quadro institucional do Império para poder
viabilizar os seus negócios, quadro institucional que seria adverso a um empreendedor de tipo
manchesteriano, que é a maneira como se apresenta Mauá.
Temos ainda outro grupo de negócios que poderíamos caracterizar mais como projetos de
empreendimentos, uma vez que muitos deles mal chegaram a iniciar suas operações e, quando
conseguiram, apenas comprovaram sua vocação para o fracasso. A Companhia Diques Flutuantes, a
Companhia Luz Esteárica, a Montes Áureos Brazilian Gold Mining Company ou a Companhia
Fluminense de Transportes são exemplos claros desse tipo de negócio. Grandes investimentos cujos
resultados nunca foram atingidos e, no final, apenas debilitaram a saúde financeira do império do
Barão.
Vale ainda sublinhar outro aspecto dos negócios de Mauá. Observando os empreendimentos que
compunham seu império, podemos enxergar uma nítida estratégia de diversificação não relacionada.
Esse tipo de estratégia se caracteriza por negócios que compartilham poucos, ou muitas vezes
inexistentes, atributos em comum (BARNEY, 2002). Desse modo, dada a heterogeneidade do império
de Mauá, vantagens tradicionalmente associadas a diversificação relacionada, tais como, economias de
escala e escopo (CHANDLER, 1990 ) e sinergia (ANSOFF, 1986) não podem ser associadas aos
benefícios que os múltiplos negócios do Barão poderiam angariar. Isto poderia ser explicado em
função da limitação do mercado. A restrição que o trabalho escravo impunha à demanda agregada
tornava o potencial de crescimento sempre reduzido. Com isso, economias advindas de menores
custos de produção e contratos, bem como sinergias resultantes de compartilhamento de recursos
(DAWLEY; HOFFMAN; BROCKMAN, 2003) não se aplicam à vasta gama de iniciativas de Mauá.
Na verdade, estratégias de diversificação não relacionada normalmente se relacionam à redução de
riscos e aumento de lucratividade no longo prazo. No entanto, fazendo uma retrospectiva dos negócios
de Mauá, parece-nos que ele não seguia uma lógica de mitigação de riscos na construção do portfólio
dos seus negócios, mas de investir em qualquer suposta boa idéia, que lhe parecesse viável. Essa
diversificação de atividades mais parecia obedecer a uma lógica de comerciante do que de industrial.
Na verdade, a racionalidade do comércio implica vender tudo aquilo para o que se imagina existam
compradores. No caso de uma transposição de tal racionalidade para o setor industrial, fabricar-se-ia
tudo aquilo que pudesse ser vendido. Ora, isto abre um leque muito amplo e de difícil sustentação.
Pode-se também imaginar como seria a aplicação do conceito de “cadeia de valores” (PORTER, 2003)
aos negócios do Barão. Na verdade, seria problemático saber em que atividades, ou em que ponto de
cada uma das atividades, se geraria valor e como o acionista se beneficiaria do valor gerado.
Por último, outro ponto importante nas operações das empresas seria o controle administrativo. O
controle foi sempre função gerencial nevrálgica a ocupar o tempo e a demandar os talentos de
administradores. Isto vai desde os rudimentos da administração chamada de científica até o moderno
BSC e os Sistemas Integrados de Gestão. Fatores a dificultar o controle foram historicamente o
tamanho e a dispersão geográfica. As empresas de Mauá tinham que lidar com ambas as dificuldades.
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Algumas eram grandes empreendimentos para a escala da época e se dispersavam num território de
dimensões continentais, precariamente servidas por meios de transporte, e numa época em que o
telégrafo ainda dava os primeiros passos, sem que possivelmente tivesse chegado a nosso país. O
telefone só surgiu na virada do século e o primeiro cabo telegráfico submarino, conectando o Brasil à
Europa, ainda não havia sido lançado. Correios não eram de grande eficiência e cobriam apenas parte
do território nacional.
Assim, as atividades e os movimentos de Mauá mostram que estaríamos diante de um visionário, no
sentido que esta palavra adquiriu em estratégia de negócios, mas com dificuldades em adequar sua
visão às limitações inevitáveis que a realidade acaba impondo. Desta forma, Mauá parecia expor-se
excessivamente ao risco, o que acabou por vitimá-lo, enquanto homem de negócios.
No texto da Exposição aos Credores, queixa-se com freqüência dos demais, sócios, parceiros
ingleses, do governo imperial e de ministros de estado, usando um discurso moralista e, por vezes,
acusatório. Claro que não se esperaria que o texto contivesse uma avaliação crítica de sua estratégia
empresarial, mas isto não parece nunca ter preocupado o Barão. Aparentemente, morreu triste por ver
que o império empresarial que tentara construir acabou fenecendo, mas com a consciência tranqüila
por se considerar um homem ético e ter recuperado seu título de comerciante, depois de haver pago
todos os credores. Todas estas coisas são indiscutivelmente louváveis de diversos pontos de vista, mas
não servem ao propósito de resgatar a figura do empreendedor de tipo manchesteriano e o estrategista
de negócios.
CONCLUSÕES
Este artigo indica a importância de considerar-se o contexto institucional para a explicação de uma
determinada estratégia empresarial. Há contextos institucionais favoráveis ou desfavoráveis a certos
tipos de estratégia. A questão do favorecimento do empreendimento e do sucesso econômico permite
que se coloque o contexto institucional como tendo importância na explicação do desenvolvimento de
algumas sociedades e também no menor desenvolvimento de outras. Igualmente o contexto
institucional do Império brasileiro mostra que ele era pouco favorável ao empreendedorismo de tipo
clássico como encontrado nos Estados Unidos e noutros países lideres da Revolução Industrial. A
impressão difundida entre nós foi de Mauá se opondo ao contexto institucional. Teria sido um deviant
e como tal punido por sua oposição e desafios à ordem institucional vigente. Isto é apenas
parcialmente verdadeiro. De um lado de fato se opôs, mas também confiou e passou a depender da
mesma ordem na medida em que seus negócios pressupunham o apoio do poder público e do contexto
institucional. Este quadro institucional não favoreceria projeto empresarial clássico que implicava
visão, assunção de risco e liberdade para empreender independentemente da intervenção do Estado. O
Estado tolerado pela concepção liberal clássica é aquele que se caracteriza por manter as condições
institucionais necessárias para que o empreendedor atue e nada mais.
A trajetória do Barão foi utilizada por muitos, principalmente pelos defensores da industrialização
no Brasil a partir de 1920, não apenas como exemplo e legitimação da causa dos empreendedores, mas
especialmente como ilustração dos graves efeitos que uma postura hostil e restritiva do governo em
relação a empreendedores pode causar (BARMAN, 1981). Por outro lado vale observar que as
relações de Mauá com a ordem institucional e a sociedade de seu tempo eram marcadas por notória
ambivalência. Sua vida e trajetória empresarial e política indicam tratar-se de pessoa ambiciosa e
propensa à mobilidade ascendente. Mas que também buscava o amparo do poder público e desejava
ter, e por vezes efetivamente acabou tendo, o Estado como seu parceiro nas tarefas de fazer
concessões, diluir risco e financiar empreendimentos.
Não se pode deixar de registrar quanto Mauá se equivocou como estrategista de negócios. Mesmo
deixando de considerar o contexto institucional de sua época e aplicando-se às suas atividades de
gestão, com os conceitos correntes que hoje temos de estratégia empresarial não é surpresa que tenha
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falido. Seu itinerário estratégico distancia-se dos empresários bem sucedidos de sua época nos
contextos e países em que foram estudados. As comparações são mais fáceis com os Estados Unidos,
onde a história empresarial é disciplina mais desenvolvida. A falta de foco, caracterizada pela
disparidade e amplitude dos negócios, prenunciavam a impossibilidade de que se realizassem os
objetivos bem apresentados por Chandler com os conceitos de scale e scope.
Acreditamos que a imagem de Mauá como ainda hoje entronizada, como um modelo precoce de
grande líder empresarial e especificamente industrial é compreensível, especialmente quando o país
teve um projeto nacional apoiado numa burguesia nacional empreendedora e que ocupou boa parte do
século XX. Mas esta imagem é apenas parcialmente verdadeira. Não se está a desmerecer o barão, cuja
excepcionalidade não pode ser negada. Deixou marca profunda e de exemplaridade para os
empreendedores brasileiros. Talvez alguns, impatrioticamente, possam até lastimar que Mauá não
tenha nascido na Inglaterra. Talvez lá não tivesse falido e seu sucesso continuaria através de herdeiros,
empresas e sucessores até os dias atuais.
Artigo recebido em 20.07.2005. Aprovado em 21.08.2005.
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