terça-feira, 29 de maio de 2012
miséria e fome no semi-árido nordestino
HISTORIANETAtualidadesO Combate à Fome
O Combate à Fome
Cláudio Recco
Um dos pontos do programa de governo de Lula, a política de combate a fome, tornou-se o elemento mais importante após a eleição e carro chefe do início de seu governo.
Encerrado o segundo turno, o discurso tornou-se um só: "fome zero".
A questão da miséria foi elevada a primeiro plano e é utilizada para a mobilização da sociedade. A sociedade civil deu uma série de demonstrações de como pretende participar e ajudar, porém, para o governo, o mais importante é ajuda de entidades de classe, principalmente patronais, que ao mesmo tempo sirvam para dar solidez a um grande projeto de conciliação em torno do novo governo.
Mas como realizar um projeto capaz de combater efetivamente a fome, sem que se torne mais uma atividade assistencialista, que ataque de fato as razões da fome e da miséria.
Desde a posse do governo Lula, a idéia tem sido organizar uma ação que envolva praticamente todos os ministérios, no sentido de combater esse mau que assola o país, que é um dos maiores produtores de grãos do mundo. Uma solução para se resolver o problema seria a implantação de políticas ativas de proteção à saúde e educação, incentivo às pequenas e médias empresas, democratização do crédito e promoção de oportunidades para toda a população.
A situação do Brasil quanto à fome se assemelha a de outros países. Líderes e representantes de mais de 180 países se reuniram no final do ano passado em Roma, na Cúpula Mundial da Alimentação organizada pela FAO, para reiterar seu compromisso com o objetivo de salvar cerca de 400 milhões de pessoas da fome até o final de 2015. A mesma cúpula havia manifestado essa intenção em 1996 e até o presente momento pouco avançou.A ONU define a luta contra a fome no mundo, nos últimos anos, como um grande fracasso.
A História
Não é de hoje que o governo "demonstra" preocupação com a fome no país. A primeira ação governamental nesse sentido ocorreu no final do século passado, para enfrentar os efeitos da seca de 1877/89 que assolou a região nordestina e foi responsável por mais de 500 mil mortes. Desde então o problema da seca e seus desdobramentos imediatos foram vistos como um dos mais graves problemas nacionais.
Como o discurso, na época, era o de que o atraso do Nordeste e a pobreza da grande maioria de sua população eram decorrentes da escassez e má distribuição das chuvas, aliadas ao descaso do poder central, o problema estaria resolvido na medida em que o Estado nacional assumisse o compromisso de atuar no sentido de fortalecer, economicamente, a região e de minimizar os efeitos perversos da estiagem sobre a população.
Vale lembrar, no entanto, que o "poder central" era formado principalmente pela elite agrária e pelos grupos vinculados a expansão da lavoura cafeeira na região sudeste do país, para onde era canalizado a maioria dos recursos disponíveis. Outro aspecto importante a ser ressaltado é a visão que essa elite agrária possuí da grande massa de trabalhadores rurais: homens que nasceram para trabalhar, inferiores, grande parte negros ou mulatos,
"gente que não vale o que come". O preconceito não é apenas em relação à cor dos indivíduos, mas principalmente em relação a sua condição social. O mesmo preconceito que existe hoje, de forma escamoteada, o preconceito contra o pobre, contra o trabalho braçal.
As primeiras ações do governo pretenderam minimizar o problema das populações atingidas diretamente pela seca, no entanto, não se restringiram apenas a doaçao de alimentos, havendo já naquele momento a elaboração de iniciativas que se pretendiam mais permanentes, como a construção de poços, açudes, ferrovias e rodovias, que seriam responsáveis por fortalecer a infraestrutura da região e ao mesmo tempo, gerar emprego. Também no rol das medidas propostas no século passado, estava a construção de um grande canal - o canal São Francisco/ Jaguaribe - que transportaria a água do Rio São Francisco para o semi-árido cearense.
HOJE
Ao olharmos hoje a situação da região, percebemos que os problemas e as necessidades são as mesmas. Porque?
Se desde o século passado já existia uma preocupação e uma política, com diretrizes traçadas para o problema, o que explica a situação atual? A construção do canal São Francisco/ Jaguaribe continua a ser considerada uma obra essencial e faz parte da proposta de Transposição do Rio São Francisco, que, no momento atual, é considerada por muitos estudiosos do problema como a solução de mais amplo alcance para os problemas do semi-árido nordestino.
Por volta dos anos 50, muitas das obras planejadas já haviam sido concluídas. Nos anos 50 a vida urbana se desenvolvia, estimulada pela política iniciada por Getúlio, e conheceria grande salto a partir do Plano de Metas de Juscelino Kubitschek. A construção de Brasília e o ingresso das multinacionais são as principais marcas desse governo empossado no início de 1956. São as marcas do progresso que deveriam ser visíveis em 5 anos. Ao mesmo tempo a seca continua a devorar a vida de milhares de nordestinos que morrem de fome. Os investimentos realizados pelos governos anteriores promoveram a construção de açudes e, de fato, possibilitaram o armazenamento da água. Porém os açudes se encontravam no interior das grandes propriedades e suas águas foram usadas apenas segundo os interesses das elites agrárias nordestinas. Mais uma industria surgiu na época de JK, a "indústria da seca".
Esse termo vem sendo utilizado nos últimos anos para explicar o que aconteceu com os investimentos realizados pelo governo federal; atenderam os interesses de uma minoria, que se apropriaram ilicitamente das verbas ou as utilizaram em beneficio próprio. Essa "industria" aumentou ainda mais as disparidades entre proprietários e trabalhadores rurais. Essa situação serviu para preservar o coronelismo e muitas vezes reforçar o clientelismo. Já naquela época, tudo indicava que qualquer solução para o problema teria, necessariamente, que passar por uma reformulação do sistema de posse e uso da terra, o que era, e continua sendo, em larga medida, inaceitável para os grandes proprietários de terra. Entrava em cena o poder das elites locais com o objetivo de bloquear qualquer ação do poder central que pudesse vir a ameaçar o statu quo.
A Grande Tentativa
Em 1959 aumentaram as pressões sobre o governo JK. Se por um lado formava-se uma classe média urbana que ouvia "Bossa Nova" e acreditava em anos dourados, por outro, a situação do nordeste era calamitosa, fruto da seca do ano anterior. Por isso, o presidente convocou reunião com o economista Celso Furtado - interventor do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN).
A ação de Celso Furtado foi decisiva para a mudança na orientação da política do Estado frente aos problemas do nordeste. Na região o maior problema não era a falta de industrias, mas algo mais básico, a falta d’água ou sua má utilização. Era necessária uma ação que pudesse promover o desenvolvimento da terra e humano.
A fundação da Sudene foi uma grande conquista, contrariando os interesses das
classes dominantes nordestinas. Em grande parte foi fruto da pressão da opinião pública nacional, incentivada pelas denúncias do jornalista Antonio Callado no Correio da Manhã, criticando a chamada "indústria da seca". O semi-árido nordestino era, então, conhecido como a mais vasta zona de miséria do hemisfério ocidental. Foi fundamental o apoio da Igreja Católica, nas duas reuniões dos bispos nordestinos, de 1956 em Campina Grande e de 1959 em Natal.
" O que incomodava aos poderes regionais era, em primeiro lugar, o sentido público e anti-oligárquico da concepção da Sudene. Previsto como um sistema de contrapesos, o Conselho da Sudene era composto por governadores de nove estados, representantes de ministérios federais e um secretário executivo, nomeado pelo presidente da República e com amplo poder de iniciativa. As deliberações do Conselho eram feitas em torno de projetos previamente estudados e fundamentados pelo secretariado técnico. Foi sintomático, neste sentido, a pressão da maioria dos governadores da região para a substituição de Celso Furtado durante o episódio parlamentarista, após a renúncia de Jânio e antes do plebiscito que conferiu plenos poderes presidenciais a Jango, por sua resistência a instrumentalizar o órgão para fins clientelísticos eleitorais.
Em segundo lugar, os planos da Sudene previam algumas alterações importantes na estrutura agrária da região, com a introdução da agricultura familiar de alimentos na zona da monocultura de açúcar e com um projeto de colonização, que propunha o assentamento de um milhão de nordestinos do semi-árido no noroeste do Maranhão e sul da Bahia. O projeto de Lei de Irrigação, que passou com dificuldade no Conselho da Sudene mas foi derrotado no Congresso, propunha que, antes dos planos de irrigação, as terras beneficiadas deveriam ser objeto de desapropriação com finalidade social."
A Geografia *
Estudando a realidade nordestina há 50 anos, Manuel Correia de Andrade explica que a seca é um fenômeno natural, acontece periodicamente e a principal causa é o fato da região estar localizada num ponto que é atingido perifericamente por três massas de ar diferentes: a equatorial continental que se forma na Amazônia, a tropical atlântica que se forma no Antártico sul e a intertropical formada no Atlântico Norte. Há ainda a interferência da massa polar antártica que sobe pela costa, provoca as chuvas no Sudeste e vai até a Paraíba. Quando essas massas de ar chegam no semi-árido nordestino já estão fracas e são insuficientes para provocar chuvas, que em alguns anos escasseiam completamente. Além disso, quando ocorre o El Niño - como em 1997 -, junto com outro fenômeno, chamado Dípolo do Atlântico, a probabilidade de ocorrência de uma seca nos meses subseqüentes é de 95% e isso se confirmou.
O Polígono das Secas não é um deserto e sim uma região semi-árida que, segundo os critérios da Sudene, totaliza uma área de 950 mil quilômetros quadrados, dos quais 43 mil são de serras, vales úmidos e sub-úmidos e é considerada a mais densamente povoada do mundo: 26 milhões de pessoas moram no sertão e no agreste nordestinos, das quais 10 milhões na zona rural. A parte maior e mais seca do semi-árido é o sertão, onde a estação de chuva - de três a cinco meses de duração - ocorre a partir de novembro. No agreste, que vai do Rio Grande do Norte até a Bahia e abrange uma faixa de transição entre a região úmida da zona da mata e o sertão, a estação de chuva dura de três a cinco meses e ocorre a partir de abril. As precipitações médias anuais no semi-árido variam de 400 a 700 milímetros, bem abaixo da média de 1.500 a 2.200 milímetros registrada na zona da mata.
Historicamente, diz o professor, os períodos de seca são cíclicos: secas menores e localizadas de quatro em quatro anos e maiores que atingem todo o semi-árido em ciclos de onze anos. Mesmo quando chove, as precipitações são irregulares no tempo e no espaço e muito localizadas. Além disso, enquanto 50% da área é de terrenos sedimentares, com boa capacidade de armazenamento de águas subterrâneas, a outra metade é de solos com embasamento cristalino, com acumulação de água, geralmente salobra, apenas nas fraturas.
*Esse último parágrafo, sobre a geografia, foi extraído da Revista Teoria e Debate
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