terça-feira, 22 de maio de 2012
os banqueiros fugger
SUPER Interessante
Gallez defende que, não se sabendo mais
sobre outros flibusteiros e aventureiros anteriores
a essa data, muito provavelmente terá
sido em 1511-13 (se não antes) que se deu a
descoberta do Estreito de Magalhães, aquando
da viagem que teve como piloto João de
Lisboa e financiamento alemão. É possível que
tenha sido essa aventura a provocar a ira de
D. Manuel I com Cristobal de Haro, que fugiu
à morte montado em mulas do Algarve para
Espanha, onde veio a financiar, mais tarde, a
expedição de Fernão de Magalhães.
Waldseemüller esclarece efectivamente
que recorreu a Vespúcio e a outras fontes tão
antigas como Ptolomeu. Os defensores mais
aguerridos de que Portugal escondia segredos
defendem que Vespúcio terá estado muito perto
do Estreito de Magalhães (nos 52 graus da
costa, ao invés de se ter dirigido para a mesma
latitude no alto Atlântico Sul), e que o mapa de
Significativamente, entre 1515 e 1520, Johannes
Schöner (1477–1557), astrónomo e geógrafo
de Nuremberga, publica mapas e globos
indicando que a América do Sul seria circumnavegável,
com o “continente” Brasília Inferior
situado a Sul de um estreito que dá para o
oceano que hoje conhecemos como Pacífico.
Alguns defendem que Schöner baseou os seus
mapas nas notícias da expedição clandestina
financiada por Cristobal de Haro, mas o que se
sabe actualmente sobre as novas informações
geográficas provenientes dessa expedição parece
indicar que seriam insuficientes ou inconclusivas
para permitir a Schöner ir tão longe.
Por essa razão, outros argumentam que Schöner
saberia de outras viagens mais a Sul.
Pensa-se que o mapa de Waldseemüller de
1507 pertenceria precisamente à colecção de
mapas de Schöner, antes de passar às mãos do
príncipe alemão. Supostamente, Waldseemüller
imprimiu mil cópias do seu mapa, mas o que
terá acontecido às outras 999 é ainda matéria
de discussão. Terão os portugueses eliminado
as restantes cópias, e por isso os mapas subsequentes
de Waldseemüller são muito menos
“ousados” a mostrar as costas da América do
Sul e por isso mais “favoráveis” ao secretismo
português? Entre outros, os mapas de Glareanus,
Ruysch e Stobnicza e o Globo de Lenox
são exemplos associados à polémica em torno
do que possa Waldseemüller ter escondido ou
deixado de mostrar, ou, de facto, ter simplesmente
desconhecido.
A cauda do dragão
Uma análise atenta do mapa de 1507 mostra
que não terão sido os portugueses os únicos
a guardar segredos. Uma “outra América do
Sul” surge como grande apêndice asiático,
naquilo que o Prof. Gallez defende revelar um
conhecimento prévio, proto-cartográfico, da
rede de rios da América do Sul, como escreve
no seu livro A Cauda do Dragão. Apesar de
notórias semelhanças com a rede fluvial sulamericana,
a questão da “cauda do dragão” é
motivo de muitas dúvidas e discussões, embora
esta “América do Sul” de facto apareça em
outros mapas europeus anteriores ao de 1507,
como o de Henricus Martellus de 1489.
Se de facto esta “cauda do dragão” representa
uma América do Sul descoberta a Oriente
da Ásia, desconhece-se a civilização que
terá desempenhado tal feito. Recentemente,
visitei, na Bolívia, as ruínas de Tiwanako, uns
70 quilómetros a Ocidente de La Paz, já muito
perto do Lago Titicaca. No museu cerâmico
de Tiwanaku, cuja cultura terá colapsado por
volta do ano 1000, estava exposta uma escultura
milenar de um rosto categoricamente
chinês (ou dos seus povos vizinhos). Há várias
discussões académicas sérias sobre eventuais
navegações chinesas até à América do Sul que
datariam de facto de antes do primeiro milénio
da era cristã.
No Ocidente, convirá acrescentar aqui que
foi Eratóstenes de Alexandria (276–194 a.C.) o
primeiro a provar a esfericidade da Terra. Não
há, infelizmente, muitos dados sobre a suposta
expedição do capitão Rata e do navegador
Maui, alegadamente feita ao longo do Pacífico
para provar a ideia de Eratóstenes. Parece razoável,
porém, que a utilização do torquetum
para medir longitudes com base na posição relativa
da Lua e das estrelas seja conhecimento
que se perdeu desde esses tempos. Cristóvão
Colombo teria um raro torquetum, que sobreviveu
aos séculos. Aliás, Colombo navegou
para lá da Islândia com o propósito de medir
longitudes aquando de um eclipse do Sol, por
volta de 1477, provavelmente no âmbito das
expedições conjuntas entre os reis Afonso V
de Portugal e Cristiano I da Dinamarca.
Caso de facto a “cauda do dragão” seja outra
“América do Sul”, parece razoável, pelo
menos para benefício da discussão, considerar
a hipótese de que tais conhecimentos se possam
ter perdido ao longo do tempo. No caso,
defende-se que o erro terá sido de Ptolomeu
ao interpretar mal as informações de Marino
de Tiro (cujas fontes são igualmente brumo-
E mais outro continente. Neste mapa de Johannes Schöner (1520) surge a referência
ao continente “Brasilia Inferior”, já separado da América do Sul por um estreito a 45 graus Sul.
Note-se que não é chamado “America Inferior”, o que sugere descoberta ou fonte portuguesa.
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sas, datando, diz-se, dos tempos de Alexandre,
o Grande). Ptolomeu terá encolhido desastradamente
a dimensão do Megas Kolpos ou Sinus
Magnus que alguns consideram ser o Pacífico,
o que se relaciona com as demais discussões
pantanosas em torno de Catigara e da sua localização
na Ásia ou na América do Sul, assunto
que também atormentou Colombo.
Que mais saberia Portugal?
As dúvidas são muitas e não apenas relativamente
ao mapa de 1507, mas o certo é que
Portugal sempre soube mais do que contou.
Ainda sob D. João II, note-se, por exemplo, o
caso da conjecturada base secreta da ilha de
Andros, nas Bahamas, que terá permitido um
conhecimento muito prévio da Florida (anterior
a Ponce de Léon, que chegou em 1513) e da
costa da América do Norte até ao Labrador.
O paradigma crucial para vislumbrar todo
este xadrez é, porém, o Tratado de Saragoça
de 1529, onde se reestabelece a linha de
Anti-Tordesilhas e a questão das Molucas. Se
Magalhães e a Espanha partiram à conquista
das Molucas e das suas especiarias, D. João III
comprou-as por 350 mil ducados de ouro. Esta
quantia era uma tal fortuna que esvaziou os cofres
de Portugal. D. João III pediu dinheiro a bispos
e nobres e cobrou ao povo o “imposto das
Molucas”. Além disso, como fizera D. João II
no caso do Brasil nas negociações de Tordesilhas,
D. João III “empurrou” a linha de Anti-
Tordesilhas uns 14 graus mais para Leste, para
lá do Mar de Arafura, ao longo do Estreito de
Torres e do Cabo York. Desta forma, a maior
parte da Austrália acabou por ficar sob jurisdição
portuguesa.
Provado que o grau de longitude português
era mais correcto do que o espanhol na correspondência
com quilómetros da superfície terrestre,
e que as Molucas afinal sempre estiveram
em território português, a Espanha nunca
devolveu os 350 mil ducados, como acordado.
Pelo contrário, deu-se a fusão das coroas. Apenas
com cerca de um milhão de habitantes à
data, Portugal estava para lá do limite camoniano
da força humana, por mais mares que
ainda houvesse para navegar...
A marca final da saga lusitana é o mapa de
1581 do monge alemão Heinrich Bunting, que
parece valer mais do que os dez milhões de
dólares do mapa de Waldseemüller de 1507.
Nele surge a parte da América do Sul que é
portuguesa e, puxada deliberadamente para
longitudes mais ocidentais, a Índia Meridional,
como os portugueses chamavam à parte
da actual Austrália, que já não conseguiram
reclamar como sua. Enfim, um bom tema para
outro artigo...
P.A.
O mapa teve
mil cópias,
mas apenas
se conhece uma
1507 foi censurado por pressões de Portugal.
Uma hipótese descabida, pois Vespúcio certamente
não teve conhecimento antecipado,
pessoal e directo do Estreito de Magalhães:
depois de ver dispensados os seus serviços por
D. Manuel I, após a sua segunda viagem em
expedições portuguesas, regressa a Espanha,
onde se torna ulteriormente piloto-mor. Nessa
função de alta responsabilidade, se Vespúcio
efectivamente soubesse de uma passagem pelo
Sudoeste para as especiarias orientais em
território de Tordesilhas espanhol, não deixaria
a nação vizinha encalhada no Golfo do México
à procura do mítico e inexistente Estreito
de Verágua por mais outra década. Vespúcio
morre em 1512 e só quando Balboa chega às
montanhas do Darien (no Panamá) e avista o
“Mar do Sul”, em 1513, é que a Espanha se decide
a contornar a América do Sul.
Brasília Inferior
O rei de Espanha envia então o português
João Dias de Solis (piloto-mor que sucedeu a
Vespúcio) nessa missão que vem a falhar nas
margens do actual rio da Prata, onde Solis é
canibalizado. E é Magalhães quem vem a dar
bom rumo aos desejos do rei de Espanha em
1519/20, quando Portugal já tinha atingido oficialmente
o Mar de Arafura e Timor, em 1511
ou 1512, sob o comando de António de Abreu.
Tesouro nacional. O famoso
mapa de Martin Waldseemüller
em exibição na Biblioteca
do Congresso dos Estados Unidos.
Andreas Praefcke
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