sexta-feira, 25 de maio de 2012

economia de trocas

Troca e Reciprocidade: Uma Comparação Preliminar de Representações Sociais Autor: Rodrigo Cantú de Souza Orientadora: Adriana Sbicca Fernandes O objetivo deste estudo é analisar os conceitos de reciprocidade e troca, desenvolvidos nas obras de Karl Polanyi através da introdução de elementos da pesquisa etnográfica e etnológica na história econômica, com o intuito de trazer algumas contribuições para a economia na sua definição substantiva, dando-se atenção especial à compreensão da distribuição. Isto foi realizado com o apoio do pensamento sociológico francês, utilizandose obras de autores como Durkheim, Mauss e Godelier. §1 Polanyi trabalha com o conceito substantivo de economia e admite que somente esta definição é suficiente para “an investigation of all the empirical economies of the past and the present” (POLANYI, 1957, p.244). O conceito substantivo é definido como “an instituted process of interaction between man and his environment, which results in a continuous suply of want satisfying material means” (POLANYI, 1957, p.248). É necessário, então, salientar o processual e o contínuo instituídos. Por instituição entende-se uma concentração de atividades sociais e, enquanto fazem parte deste processo, é considerada econômica. A institucionalização do processo econômico leva conseqüentemente a sua unidade e estabilidade. Estas são atingidas através da combinação de formas de integração, ou seja, padrões que podem ser observados empiricamente em dados etnográficos e históricos. §2 É através então da história e da etnografia que Polanyi desenvolve os padrões de integração. Ele usa a literatura histórica e, ainda, a etnográfica. Esta, apesar de já ter pelo menos um século de existência em meados do século XX, permanecia totalmente obscura ao estudo da economia. A economia tradicional sempre se baseou nas trocas de mercado; estudou, de certa forma, profundamente suas implicações; formulou, à moda vigente, pobres teorias históricas evolucionistas nada empíricas sobre o desenvolvimento desta maneira específica de troca; ou seja, com uma experiência pobre no assunto, resolveu-se a essência humana em relação às trocas de objetos materiais. Porém, os fatos se mostravam contraditórios. Nada apontava para uma aprovação da teoria da escolha racional do consumidor, mesmo porque em quase todos os casos, no tempo e no espaço, relatados por historiadores e etnógrafos, não existiam consumidores como na concepção moderna e sua racionalidade provou estar incrustada em um nível subjacente da ação humana, isto é, na formação inconsciente de valores sociais, aos quais a economia estava sujeita. §3 Enfim, com um exame geral das atividades humanas em torno da produção, distribuição e consumo de meios materiais, Polanyi chega à seguinte conclusão: “A study of how empirical economies are instituted should start from the way in which economy acquires unity and stability, that is, the interdependence and recurrence of its parts. This is achieved through a combination of a very few patterns which may be called forms of integration” (POLANYI, 1957, p.250) Estes padrões são simetria, troca no mercado, redistribuição e domesticidade. §4 Vejamos a descrição de como funcionaria o padrão de reciprocidade, ligado à simetria: “A reciprocidade é enormemente facilitada pelo padrão institucional da simetria, um aspecto freqüente da organização social entre os povos iletrados. A marcante ‘dualidade’ que encontramos em subdivisões tribais colabora para a união de relações individuais, ajudando assim o tomar-e-dar de bens e serviços na ausência de registros permanentes. As metades da sociedade selvagem, que tendem a criar um pendant em cada subdivisão, acabam resultando de, e ajudando a executar os atos de reciprocidade sobre os quais o sistema repousa. Pouco se conhece a respeito da origem da ‘dualidade’, porém cada aldeia da costa nas Ilhas Trobiand parece ter a sua contrapartida numa aldeia do interior, de forma que a importante troca de fruta-pão e peixe, embora disfarçada de distribuição recíproca de presentes e na verdade deslocada no tempo, pode ser perfeitamente organizada. Também no comércio de Kula cada indivíduo tem o seu parceiro em uma outra ilha, personalizando assim, numa extensão marcante, a relação da reciprocidade. Não fosse a freqüência do padrão simétrico nas subdivisões da tribo, na localização dos povoados, bem como nas relações intertribais, seria impraticável uma ampla reciprocidade baseada na atuação, em última instância, de atos isolados de dar-e-tomar”. (POLANYI, 1944, p.68) E agora a troca no mercado: “A troca (de mercado) constitui um princípio de comportamento econômico que depende do padrão de mercado para sua efetivação. Um mercado é um local de encontro para a finalidade da permuta ou da compra e venda. A menos que este padrão esteja presente, pelo menos em parte, a propensão à permuta não terá escopo suficiente: ela não poderá produzir preços”. (POLANYI, 1944, p.76) §5 “Exchange, substantively defined, is the mutual appropriative movement of good between hands” (POLANYI, 1957, p.266). Conceituada desta forma, a troca pode muito bem caber ao princípio de reciprocidade e ao de troca no mercado. É necessário, então, distinguir quais elementos são particulares a seus devidos princípios. A troca de mercado envolve forças antagônicas1 e tem a razão quantitativa entre bens determinada por um mecanismo externo: o mercado. Na reciprocidade a troca é regrada por diversas outras instituições que não são puramente econômicas e seus termos de equivalência não estão, definitivamente, sob a égide do mercado. §6 Com estas definições e distinções em mente, reparamos elementos sociais distintos no que tange a razão quantitativa de bens em clássicos exemplos de Malinowski das populações das ilhas Trobriand na Melanésia. O urigibu é a distribuição de bens e prestações ao marido da irmã. Este, por sua vez, retribuirá o cunhado (e aliado), pois a avareza é extremamente condenada na ética trobriandesa. Neste caso, observa-se que uma prestação, obviamente não somente material, tem uma contrapartida subjetiva e se estabelece em função deste valor de hierarquia suprema nas trocas que é a generosidade. O vaygu’a é uma forma de troca hierarquicamente superior e envolve objetos específicos: colares e braceletes feitos de conchas que tem sua própria história mítica e circulam segundo regras específicas (MALINOWSKI, 1978). Eles têm uma importância imensa na cultura destes povos, mas, apesar de sua maior valorização social, sua troca se fundamenta 1 “Exchange at fluctuating prices aims at a gain that can be attained only by an attitude involving a distinctive antagonistic relationship between the partners. The element of antagonism that accompanies this variant of exchange is ineradicable.” (POLANYI, 1957, p.255). na mesma base do urigibu, ou seja, a generosidade. Este tipo de comportamento é tão peremptoriamente lacônico que define o que ao entendimento dos primeiros colonizadores e mesmo dos primeiros etnógrafos seria a chefia do grupo tribal. Todavia, a chefia nestes grupos estaria mais ligada a um acumulo de “prestígio” (CLASTRES, 1978), que acarreta certas funções particulares que muitas vezes nada mais são do que valores gerais amplificados e polarizados no “chefe”, que uma posição de poder no conceito weberiano. Nestas sociedades, quem acumula mais “prestígio” tem muito maior possibilidade de estabelecer relações do tipo urigibu, onde lhe são fornecidas esposas para tal, e, também, do tipo vaygu’a. Logicamente, concentrando-se várias relações destas, pode-se adquirir um fluxo considerável de bens para si, levando a uma conseqüente maior disponibilidade de bens para se distribuir. Isso serve para exemplificar um caso onde um valor social determinado define a circulação de objetos materiais. §7 A questão da representação é levantada por Mauss e Durkheim em seu texto Algumas Formas Primitivas de Classificação, onde a análise de povos da Austrália e África levou a seguinte pergunta: “Toda a classificação implica uma ordem hierárquica da qual nem o mundo sensível nem nossa consciência oferecem o modelo. Deve-se, pois, perguntar onde fomos procurá-lo.”(DURKHEIM, MAUSS, 1995, p.403). Um dos exemplos é o da tribo de Port-Mackay, na Queenslândia, que tem seu grupo dividido em dois. Nessa tribo há uma classificação do mundo em duas partes: Yungaroo e Wootaroo. Isso quer dizer, todas as coisas, de fenômenos da natureza e constelações a plantas e animais, são colocadas nestas duas categorias. Diversas outras tribos australianas possuem, ainda, um sistema de classificação totêmico, ou seja, “o agrupamento dos homens em clãs de acordo com os objetos naturais” (DURKHEIM, MAUSS, 1995, p.409). O que os autores, então, propõe é que, por outro lado, este sistema é também um agrupamento dos objetos naturais segundo os agrupamentos sociais. Estes tipos de classificação refletem e surgem a partir da morfologia do grupo; estas classificações “nada mais fazem senão exprimir, sob diferentes aspectos, as próprias sociedades no seio das quais elas foram elaboradas.”(DURKHEIM, MAUSS, 1995, p.441). §8 Na sociedade de mercado, segundo Polanyi, trabalho e terra são transformados em mercadoria e servem então a este mecanismo “disembbeded” que é o mercado. A conseqüência na morfologia social seria a seguinte: “Separar o trabalho das outras atividades da vida e sujeitá-lo às leis de mercado foi o mesmo que aniquilar todas as formas orgânicas da existência e substituí-las por um tipo diferente de organização, uma organização atomista e individualista” (POLANYI, 1944, p.198). Com a inserção do mercado entre os indivíduos, as relações passam a ser econômico-contratuais, no sentido de conscientemente envolverem a noção de interesse (econômico). Esta noção determina o presente (no sentido das prestações descritas em §4 e §6) em oposição a uma compra e venda; nestas há “interesse”, aquelas se pretendem desinteressadas2, ou seja, são criadas 2 Essa idéia esconde o fenômeno da dádiva que, na verdade, segundo Mauss, é sempre interessada e envolve a obrigatoriedade de dar receber e retribuir (ver MAUSS, Marcel, Ensaio Sobre a Dádiva, in: Sociologia e Antropologia, EPU/EDUSP, 1974, p.49-67). A denominação “presente” foi bastante recorrente na sociologia até a primeira metade do séc. XX, porém mesmo Mauss reconhecia que seu uso não era de todo apropriado para descrever o fenômeno em questão: “Os termos que empregamos (presente, regalo, dádiva) não são novas representações sobre a relação que Polanyi denomina troca substantivamente definida (ver §5). Acontece uma reclassificação dos termos segundo distintas morfologias sociais. §9 Pode-se perceber que a concepção de Mauss da representação ligada à forma de agrupamento da sociedade choca-se, de certa forma, com a idéia de “disembbeded” de Polanyi. Para aquele, o mercado estria na sociedade e funcionaria nela como uma instituição específica. Quem desenvolve melhor este contraste é Godelier, seguindo, em parte, as teorias da escola sociológica francesa. A economia estaria “disembbeded” nas sociedades de mercado e estaria “embbeded” como no exemplo em §6. Todavia, “esta distinção nos parece equivoca, pois afinal de contas, ‘disembbeded’ sugere uma ausência de relação interna entre o econômico e o não-econômico quando em toda a sociedade existe essa relação” (GODELIER, 1969, p.332). “Se o que se produz, reparte e consome depende da natureza e da hierarquia das necessidades de uma sociedade, a atividade econômica está ligada organicamente às outras atividades políticas, religiosas, culturais e familiais que compõem com ela o conteúdo da vida dessa sociedade e às quais fornece os meios materiais de se realizarem” (GODELIER, 1969, p.327). Fontes Bibliográficas CLASTRES, Pierre, A Sociedade Contra o Estado, Livraria Francisco Alves Editora, Rio de Janeiro, 1978. DURKHEIM, Émile, MAUSS, Marcel, Algumas Formas Primitivas de Classificação (1903), in: MAUSS, Marcel, Ensaios de Sociologia, Ed. Perspectiva, São Paulo, 1995. GODELIER, Maurice, Racionalidade e Irracionalidade na Economia, Edições Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1969. MALINOWSKI, B. Os Argonautas do Pacífico Ocidental, Abril Cultural, São Paulo, 1978 (Coleção Os Pensadores) MAUSS, Marcel, Ensaio Sobre a Dádiva, in: Sociologia e Antropologia, EPU/EDUSP, 1974. POLANYI, Karl, A Grande Transformação, Ed. Campus, Rio de Janeiro, 2000 (1944). POLANYI, Karl, ARENSBERG, Conrad, PEARSON, Harry, Trade and Market in the Early Empires, The Free Press, New York, 1957. Bibliografia Auxiliar GUDEMAN, Stephen, The Anthropology of Economy, Blackwell Publishers, Malden, Massachusetts, 2001. LANNA, Marcos, Repensando a Troca Trobriandesa, in: Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 1992, v. 35, p. 129-148. absolutamente exatos. Não encontramos outros, eis tudo” (MAUSS, Marcel, op.cit., 1974, p.172). Na verdade o que acontece é apenas uma transferência de bens que por fugir da concepção mercadológica de troca não encontrava uma interpretação ideal. LANNA, Marcos, Reciporocidade e Hierarquia, in: Revista de Antropologia, São Paulo, USP, 1992, v. 35, p. 111-143. SAHLINS, Marshall, A Primeira Sociedade de Afluência, in: CARVALHO, E. (Organizador), Antropologia Econômica, Ed. Ciências Humanas, 1978. SAHLINS, Marshall, Cosmologias do Capitalismo: o setor transpacífico do sistema mundial, in: Religião e Sociedade, Vol. 16, no. 1-2, novembro de 1992.

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