terça-feira, 8 de maio de 2012

AMADOR AGUIAR

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Alcançado pela disputa em torno da herança, travada há uma década e sem data para terminar, Amador Aguiar foi transformado, nas sete ações e nos quase 50 recursos que se arrastam pelo Judiciário, em um "homem senil, doente mental e que usava fraldas". Assim é descrito em muitas das 20 mil páginas que engordam os 60 volumes dos autos. A fortuna disputada pela família já foi calculada em US$ 800 milhões. Hoje está reduzida a R$ 150 milhões, composta de ações, carros velhos e imóveis. "É o que resta para ser dividido", afirma Afonso Colla Francisco Júnior, inventariante do espólio. Há uma explicação para a disparidade de valores. Na década de 80, Amador reinvestiu, por meio de doações, a maior parte do patrimônio no banco e pulverizou o controle do Bradesco, em um lance premonitório: queria evitar a dilapidação do império por um clã a caminho do colapso. Arrancar das mãos da família a posse do maior banco privado do Brasil - avaliado hoje em R$ 14 bilhões - foi um golpe. "Ele tirou o banco da família", reclama Mário Pileggi, um dos cinco advogados que disputam a herança em nome das facções de parentes. "O que sobrou é insignificante." A estratégia revela muito da personalidade de quem a engendrou. Terceiro dos 13 filhos de uma família humilde do interior paulista, Amador foi roceiro, tipógrafo, bancário e, por fim, o maior banqueiro do país. Em 1920, fugiu de casa porque o pai "fumava, bebia e era mulherengo". Amador não fumava, bebia apenas um cálice de vinho do Porto em ocasiões especiais, mas herdou o terceiro traço da personalidade paterna. Casou-se cedo e ainda pobre com Elisa, em Bebedouro, em São Paulo. O primeiro casal de filhos morreu antes de completar 1 ano. Uma gravidez tubária de gêmeos encerrou o sonho da descendência biológica. Em junho de 1938, um mendigo bateu à porta da agência bancária de Mairinque, em São Paulo. Oferecia uma das gêmeas recém-nascidas a "seu Amador". "Ele pegou a criança por caridade", afirma o amigo Hélio de Oliveira, também advogado do testamenteiro Luiz Francisco da Silva Carvalho. A irmã permaneceu com os pais biológicos e foi registrada como Emília. Dois anos depois, Amador mandou buscá-la e rebatizou-a como Lia. Registrou-as como filhas legítimas, uma ilegalidade. A terceira filha, Maria Angela, abandonada pelos pais e acolhida pelos Aguiar nos primeiros dias de vida, foi legalmente adotada em 1964. Estava completo o triunvirato feminino da descendência. O banqueiro jamais se interessou em adotar um varão para sucedê-lo, como rezava a tradição. Elisa era uma mulher doente e acabou sucumbindo em 1986 de esclerose generalizada. Há muito não caminhava. Amador contabilizou amantes durante o casamento. Relacionamentos duradouros, que nunca se preocupou em ocultar. A maior paixão atendia por Maria Antonieta Carneiro de Mello, a Nenê, secretária da diretoria do Bradesco. Amador permaneceu com ela por 28 anos, período em que cuidaram de sete tutelados. Para os funcionários, do faxineiro aos diretores, Nenê era a primeira-dama, figura obrigatória ao lado do chefe nas solenidades do Bradesco. Companheiros de banco contam que Amador dormia ao lado da esposa de segunda a sexta e desaparecia com a secretária, nas fazendas, em finais de semana. Em 1982, num dos idílios campestres, Nenê, conhecida pelo coração de ouro e pela personalidade radiosa, apareceu morta em circunstâncias não esclarecidas. Mais de um ano depois, vencido o período de luto, Amador Aguiar conheceu Cleide Campaner. Quarenta anos mais jovem, natural de São Carlos, em São Paulo, Cleide era funcionária graduada da Fundação Bradesco. Desde então, compareceu com ela aos poucos eventos sociais que privilegiava com sua arredia presença. Elisa morreu sem saber que o marido e Cleide dividiam o cotidiano. Da amante, o banqueiro ciumento exigia presença constante, guarda-roupa sóbrio e cabelos presos em coque. Preocupava-se tanto com a juventude da mulher que viajou para a Suíça. Sonhava rejuvenescer à custa de placenta de carneiro numa clínica geriátrica. Não conseguiu. Durante os sete anos que permaneceram juntos, seguiram a cartilha do banqueiro, avesso às badalações. Amador sempre se orgulhou de viver para o trabalho. Com Cleide, enclausurou-se ainda mais. As visitas ao casarão escassearam, os 11 netos foram afastados e os portões se cerraram. Quando finalmente decidiram se casar, em discreta cerimônia, em outubro de 1990, só Maria Angela foi convidada. Três meses e um punhado de dias traçaram o destino do espólio de Amador Aguiar. De outubro de 1990 a janeiro de 1991, o banqueiro, internado em hospitais sucessivas vezes por obra de uma asma renitente, consumou três atos cruciais na trajetória de um homem: casou-se com a nova mulher, assinou o derradeiro testamento tornando-a herdeira universal e morreu, aos 86 anos. No testamento, informava que Lia e Lina não eram filhas legítimas e não tinham direito a nada além do que haviam recebido. Dias depois da morte, Maria Angela também descobriria que fora "desadotada" em suposta manobra paterna. Ao assinar uma escritura de terra, doada por Amador a uma de suas filhas, ela conta ter rubricado algumas folhas a mais. Teria sido a concordância em abrir mão da filiação. Mal a terra cobriu o esquife, a imagem do banqueiro começou a ser devorada pelos vermes da cobiça. De self-made man, foi reduzido pela trama familiar a um velho claudicante, manipulado pela mulher e destituído de vontades. "Foi transformado em um incapaz", diz Jurandir Portela, advogado da viúva. A guerra silenciosa, iniciada mesmo antes da morte, acabou chegando aos tribunais. Uma década depois da extinção do patriarca, o clã encontra-se dilacerado pela disputa da fortuna. No quadrilátero da Vila Nova Conceição, um dos bairros mais valorizados da capital paulista, vive a maioria dos personagens da guerra familiar. Talvez tenha sido essa a última cartada de Amador na ânsia de manter os parentes unidos. Ou uma tentativa de controlá-los mais de perto. Muito perto mesmo. No número 308 da Rua Professor Filadelfo Azevedo vive a viúva. No 179, Maria Angela. Nas costas de Cleide, com entrada pelo número 554 da Rua Bastos Pereira, a neta Denise Aguiar Valente, filha de Lina. Com o irmão, João Aguiar Alvarez, Denise lidera os netos pela posse da herança. Ambos trabalham no Bradesco. Lia e Lina mudaram-se porque se sentiam ameaçadas pelos filhos. Instalaram-se em um elegante prédio da Chácara Inglesa, bairro de São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Intrigas à parte, todos vivem bem. Amador preocupou-se em garantir o futuro em doações de imóveis e ações do Bradesco. Quase certamente receberam mais do avô em vida do que a parte do espólio que caberia a cada um. Em contrapartida, convivem muito mal. Cleide não fala com nenhum dos parentes. Lina e Lia romperam com os filhos. "Elas os acusaram de mantê-las em cárcere privado", conta o advogado Hélio de Oliveira. Os filhos não conversam com as mães. Maria Angela não vê as irmãs, que a culpam por seguir freqüentando a casa do pai depois da aparição de Cleide. A tragédia familiar abriga uma ironia: no cômputo final, a fortuna poderá totalizar menos do que um pedinte da Praça da Sé tem no bolso. Pior: pode estar negativa. Essa é a tese dos advogados Ulderico dos Santos, que representa as gêmeas Lina e Lia, e Mário Pileggi, defensor de Maria Angela. Depois de confirmar na Justiça que as três são legalmente filhas de Amador e Elisa, eles conseguiram anular uma ação do passado. Quando Elisa morreu, as filhas cederam ao pai o direito à herança materna. Do contrário, seriam deserdadas em seu testamento. Em troca da capitulação, receberam pequena parte da holding que controla o Bradesco. Os bens de Elisa, fixados quando a fortuna de Amador era superlativa, terão de ser devolvidos às filhas. A conta será paga pelo espólio do banqueiro. Os advogados analisam que, se elas receberem toda a herança disponível, o morto ainda lhes deverá milhões. "O espólio deve R$ 160 milhões às filhas e não tem como pagar", diz Santos. Pelas contas de Pileggi, o inventário de Amador se encerrará com uma conta negativa de R$ 12 milhões. "A viúva vai ficar com zero", aposta. Em outra cancha da batalha judicial, os netos estão uma cabeça à frente. O advogado José de Oliveira Dias venceu o primeiro páreo em 2 de março. O juiz José Rebello, da 4a Vara de Família, anulou o testamento que beneficia a viúva. Baseou-se no depoimento de Hysao Mytsumore, motorista de Amador por 30 anos. Ele afirmou que o patrão, no final da vida, "não dizia coisa com coisa". Hysao hoje trabalha para Denise, uma das contempladas pela sentença. Com a anulação, vale o testamento de 1986: herdeiros são, portanto, os 11 netos. O advogado de Cleide vai recorrer. Meia dúzia de médicos e enfermeiros já declarou à Justiça que o banqueiro morreu lúcido. A viúva chegou a propor um acerto, mas Lina e Lia recusaram. "Terminar esse caso é o maior desafio de minha carreira", afirma o inventariante Francisco Júnior. A partilha do dinheiro ainda está longe do fim. A dos sentimentos está encerrada: a família acabou. Vara de família Processo expõe a face sombria do clã adotado pelo banqueiro Trechos dos autos revelam um homem debilitado às voltas com desencontrados interesses familiares. O casamento em 1990 (diálogo extraído de uma fita de vídeo): Juiz de paz: "O Amador... seu Amador primeiro." Cleide: "Ele escreve o nome, né?" Juiz: "É, Amador Aguiar." Cleide: "É aqui, Amador, ó." Amador (para os presentes): "Porque eu quase não tô podendo assinar." Cleide: "Não é aquela assinatura, é nome, tá?" Como teria sido feito o segundo testamento, segundo a viúva Cleide Aguiar: Juiz: A senhora sabe em que data foi lavrado o testamento? Depoente: Dia 11 de dezembro de 1990. Juiz: A senhora assistiu à lavratura do testamento? Depoente: Assisti. Juiz: O testamento foi lavrado na casa ou chegou pronto? Depoente: Foram feitas diversas minutas por Amador Aguiar. Ele ditava, e depois foi entregue ao cartório e a assinatura foi feita na minha residência. A senilidade do patriarca, na versão do neto João Aguiar Alvarez: "Os sinais eram óbvios. Ele delirava, chorava, parecia criança, tinha até uma fisionomia indescritível. Estava em outro mundo." A suposta manipulação da segunda mulher, na versão da neta Denise Aguiar Alvarez Valente: "Daí, dois dias antes ele me ligou. 'Eu estou tendo problema aqui com a Cleide. Ela só vai se ela ficar no altar, porque ela disse que não é mulher rampeira, aliás, rameira.' Eu fiz: 'Eu não posso colocar ela no altar porque, se eu colocar ela, eu tenho que tirar minha mãe'. Eu disse: 'Vamos fazer o seguinte: você não precisa entrar comigo, eu me viro e você fica com ela'." José Luiz de Oliveira Dias, representante dos netos, confronta a viúva: "Outras vultosas doações foram feitas em favor da co-ré, mulher jovem e viçosa, que dizia amar o homem senil, mais velho que ela apenas 40 anos!!" Volta ao Sumário Copyright 1998-2002 © Editora Globo S.A. - Termos legais É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Editora Globo. COPYRIGHT EDITORA GLOBO S.A.

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