segunda-feira, 16 de abril de 2012

APONTAMENTOS SOBRE A FORMAÇÃO HISTÓRICA DA AMAZÔNIA

FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
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Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
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espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
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A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
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áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
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corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
12
FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
18
FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
20
FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
21
FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
1
Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
3
FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
4
FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
5
FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
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FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
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FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
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Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
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FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
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FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
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FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
12
FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
20
FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
21
FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
1
Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
3
FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
4
FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
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FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
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FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
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Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
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FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
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FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
15
FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
20
FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
21
FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
1
Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
3
FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
4
FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
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FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
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FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
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Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
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FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
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FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
12
FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
15
FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
19
FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
20
FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
21
FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
1
Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
3
FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
4
FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
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FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
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FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
1
Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
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FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
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FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
10
FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
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FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
18
FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
19
FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
20
FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
21
FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
25FLACSO - Brasil
Apontamentos sobre a formação hiistóriica da
Amazôniia:: uma abordagem contiinentall[1]
Kelerson Semerene Costa
Introdução
Uma síntese da história da Amazônia, considerada em termos continentais,
deve levar em conta, pelo menos, três aspectos: a diversidade geográfica e ecológica
dessa imensa região, influenciando nos processos e padrões de ocupação humana;
a continuidade da presença humana na região, que remonta a mais de 12 mil anos,
que se combina com rupturas e descontinuidades dos padrões e processos de
ocupação – a maior das quais, sem dúvida, inaugurou-se com a chegada dos
europeus, no século XVI; e a diversidade dos processos de colonização iniciados
pelos países europeus, no século XVI, e continuados pelos novos estados nacionais
independentes surgidos na primeira metade do século XIX.
1. Configuração do território
A atual configuração do que denominamos Amazônia, em suas linhas gerais,
resulta do processo de ocupação da região pelos colonizadores europeus, entre os
séculos XVI e XIX, que envolveu não apenas conflitos entre estes e os diversos
povos autóctones, mas também disputas entre Espanha, Portugal, Inglaterra,
Holanda e França, no marco das várias guerras coloniais do período. De acordo
com o Tratado de Tordesilhas (1494), a América do Sul deveria ser repartida entre
Espanha e Portugal. Mas, ao ocuparem grande parte do litoral norte do continente,
a partir do final do século XVI, no que hoje corresponde à Guiana, à Guiana
Francesa e ao Suriname, ingleses, franceses e holandeses romperam o pretendido
domínio ibérico sobre a totalidade do continente. A hegemonia de lusos e
1
Série Estudos e Ensaios / Ciências Sociais / FLACSO-Brasil - junho /2009
FLACSO - Brasil
espanhóis foi colocada em jogo em muitas outras regiões do mundo colonial, como
as Antilhas, os centros de fornecimento de escravos na costa africana, as diversas
colônias na Ásia e o litoral brasileiro – cuja porção nordeste os holandeses
ocuparam por mais de trinta anos, na primeira metade do século XVII.
As cartografias holandesa e francesa do século XVII projetavam os virtuais
domínios de seus países sobre a totalidade do que então se denominava região da
Guiana – bem mais ampla da que conhecemos nos dias atuais e, em alguns mapas,
também denominada “Reino das Amazonas”, delimitada, ao sul, pelo rio
Amazonas; a oeste, pelo rio Orenoco; ao norte, pelo mar do Caribe e, a leste, pelo
oceano Atlântico (Costa, 2002). Nas quatro primeiras décadas do século XVII, o
Amazonas foi bastante freqüentado por expedições inglesas e holandesas que
penetravam no grande rio navegando ao norte da ilha de Marajó e chegavam até a
confluência do rio Xingu, travando longas disputas com os portugueses pelo
controle do curso inferior do rio Amazonas e de sua desembocadura. Porém, não
alcançaram êxito nessas empresas, consolidando apenas o controle da Guiana.
Os franceses, estabelecidos em Caiena desde o final do século XVI,
realizaram tentativas de ocupação do atual litoral norte do Brasil, onde fundaram a
cidade de São Luís, em 1612, e iniciaram um movimento para o oeste, chegando a
freqüentar o rio Tocantins, como parte de um amplo projeto colonial denominado
“França Equinocial”. Malogrados seus intentos de expansão territorial, fixaram-se
na Guiana. Mas, até o ano de 1900, ainda disputavam com o Brasil, em cortes
diplomáticas, o território ao sul do rio Oiapoque (Costa, 2002).
Holandeses e ingleses concentraram-se, especialmente, nas regiões dos rios
Essequibo, Demerara, Berbice e Suriname, alternando entre si o controle dessas
áreas entre meados do século XVII e o início do século XIX. As colônias do
Essequibo, Demerara e Berbice foram fundadas e controladas pelos holandeses até
as últimas décadas do século XVIII. As diversas iniciativas privadas dos primeiros
anos foram substituídas, em 1621, pelo monopólio da Companhia das Índias
Ocidentais, que durou até a segunda metade do século XVII, quando o controle e a
administração das colônias passaram às mãos das câmaras das cidades holandesas
de Veere, Middelburg e Vlissengen (Farage, 1991:88-89). No final do século
seguinte, em 1796, os ingleses ocuparam esse território pela força das armas e,
depois de sucessivos conflitos e alternância do domínio, compraram-no aos
holandeses em 1814, unificando as três colônias sob o nome de Guiana Inglesa,
alguns anos mais tarde, em 1831.
No rio Suriname, foram os ingleses os primeiros europeus a estabelecer
ocupações permanentes, instalando plantações de cana-de-açúcar, em 1656. Mas os
holandeses assumiram o controle da região quando, em 1667, o Tratado de Breda
pôs fim à guerra anglo-holandesa e estabeleceu, entre outros acordos, a troca do
Suriname por Nova Amsterdã, na América do Norte. A região abrigou plantadores
de açúcar anteriormente instalados no litoral nordeste do Brasil, de onde os
holandeses haviam sido expulsos em 1654.
2
FLACSO - Brasil
A maior parte do território amazônico, no entanto, tocou aos dois países
ibéricos, Espanha e Portugal. Ainda na primeira metade do século XVI, os
espanhóis empreenderam uma série de incursões a leste dos Andes, das quais a
mais célebre é a expedição Gonzalo Pizarro/ Francisco de Orellana (1541-42), que
desceu o rio Napo e realizou a primeira navegação, por europeus, até a foz do
Amazonas. Mas, uma série de outras incursões, realizadas entre 1536 e 1560,
“permitieron la penetración más sistemática y el reconocimiento de una franja de
unos cién kilómetros de ancho, constituida por el declive externo de la cordillera
oriental y el sistema subandino (hondonadas y pequeñas cordilleras paralelas al
eje general de los Andes y conjuntos de colinas en las bajas estribaciones) y su
incorporación provisional a la economía colonial” (Jean Paul Deler, 1987:55).
Efetivamente, resultaram no desenvolvimento de atividades como a exploração de
ouro e o cultivo de algodão, na formação de diversas povoações edificadas segundo
um plano rigoroso de construção e de uma estrutura administrativa relativamente
complexa (Deler, 1987).
Porém, em fins do século XVI, em virtude da decadência da exploração
aurífera, do deslocamento dos interesses para as minas de prata descobertas em
Potosí e das grandes insurreições indígenas do período, tais como a insurreição
geral da Audiência de Quito e as insurreições dos Jívaro, na Amazônia, a vertente
oriental entrou em franca decadência, com o abandono ou a destruição dos
estabelecimentos espanhóis (Deler, 1987).
Após o fracasso dessas primeiras iniciativas, a colonização espanhola da
Amazônia passaria a ser feita, entre fins do século XVI e meados do século XVIII,
quase exclusivamente pela ação missionária, pois, como forma de conter os
excessos dos Conquistadores, a coroa espanhola, por meio da Real Cédula de 1573,
proibiu novas expedições armadas ao Oriente e determinou que toda ação
colonizadora naquela região fosse realizada apenas pelas ordens religiosas (Tibesar,
1989: p.16).
O movimento português sobre a Amazônia, cujos marcos iniciais são a
conquista de São Luís aos franceses, em 1615, e a fundação de Belém, em 1616, teve
como eixo orientador a calha do rio Amazonas. Essa longa planície fluvial, em uma
extensão de cerca de três mil quilômetros, figurou-se como uma região a ser
virtualmente explorada e ocupada pelos colonizadores lusos, sobretudo depois que
Pedro Teixeira, em trajeto inverso ao de Orellana, chegou em Quito após remontar
o Amazonas, fixando muito além do meridiano de Tordesilhas os limites mais tarde
reivindicados por Portugal – provavelmente, na confluência dos rios Napo e
Aguarico, hoje em terras equatorianas.
Embora não possa ser considerado como elemento determinante, já que
diversos fatores devem ser levados em conta na explicação de êxitos ou fracassos
das políticas coloniais, é certo que o fator geográfico desempenhou papel relevante
em favor dos portugueses, facilitando o deslocamento Amazonas acima em um
ambiente relativamente homogêneo em toda a sua extensão, ao compararmos com
as dificuldades enfrentadas pelos espanhóis: o grande desnível entre os Andes e as
3
FLACSO - Brasil
áreas amazônicas representava não apenas obstáculos ao deslocamento – relevo
abrupto, rios não navegáveis – mas, também, uma rigorosa diferença climática que
levou à morte milhares de índios deslocados compulsoriamente da cordilheira para
o trabalho nas regiões de floresta.
Conflitos entre portugueses e espanhóis ocorreram no curso do Amazonas,
no trecho em que ele recebe o nome de Solimões, opondo os jesuítas a serviço da
Espanha, em particular o tcheco Samuel Fritz, que haviam estendido as missões de
Maynas rio abaixo, e os portugueses caçadores de escravos. Além disso, baseados
nos feitos de Pedro Teixeira, os portugueses reivindicavam a posse sobre aqueles
territórios. Com efeito, nos primeiros anos do século XVIII, os jesuítas de Espanha
retiraram-se da região, que passou para a responsabilidade da ordem dos
Carmelitas portugueses. Mais tarde, os tratados de Madri (1750) e de Santo
Ildefonso (1777) sacramentaram a posse portuguesa até a confluência do rio Javari.
Ao longo dos séculos XIX e XX, foram solucionadas disputas fronteiriças
localizadas, envolvendo todos os países da região. Algumas dessas disputas eram
resultantes da antigas indefinições de limites; outras, da expansão territorial
ocasionada pelo aumento da exploração de produtos florestais. De todo modo, as
principais questões de limites entre domínios espanhóis e portugueses, na
Amazônia, haviam sido solucionadas pelos tratados de 1750 e 1777, definindo as
linhas gerais do território amazônico.
A colonização, porém, não se realizou em espaços vazios. Não se tratava, em
absoluto, de um território desabitado a ser disputado e partilhado pelas potências
coloniais européias. Ao contrário, no cerne do processo de colonização estava a
relação entre os colonizadores e os povos indígenas, ocupantes originais do
território.
2. Povos indígenas, ocupantes pré-coloniais da Amazônia
Sabe-se que o Homem está presente na Amazônia há, pelo menos, onze mil
anos. Porém, apesar de crescente, o conhecimento sobre a ocupação pré-colonial da
região ainda é lacunar e motivo de algumas importantes polêmicas, sobretudo
quando os temas são a densidade e os padrões dessa ocupação. A esse respeito,
podemos identificar duas correntes explicativas da ocupação humana.
Uma corrente da arqueologia da Amazônia, desenvolvida a partir dos anos
1950, ao considerar que o padrão de organização dos grupos indígenas amazônicos
do presente seria o mesmo dos grupos indígenas anteriores à chegada dos europeus
(população pouco numerosa e baixa densidade demográfica, sociedades pouco
hierarquizadas etc.), encontra no meio ambiente, especialmente na pobreza dos
solos, os fatores determinantes que limitariam as sociedades humanas locais,
impedindo o desenvolvimento de culturas complexas no trópico úmido. Um
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FLACSO - Brasil
corolário dessa afirmação é que inovações culturais, como a cerâmica e a
agricultura, não poderiam ter conhecido um desenvolvimento local, tendo chegado
à Amazônia apenas por diferentes levas de imigrantes pré-coloniais, oriundas das
áreas de difusão localizadas nos Andes e no noroeste da América do Sul.
Outra corrente, mais recente, sustenta que a floresta tropical não seria
apenas receptora de tradições culturais, mas seria, ela própria, um centro produtor
de inovações. Por exemplo, a Amazônia tem sido considerada como um centro de
domesticação de plantas, entre as quais a mandioca e a pupunha. Mais ainda, há
fortes evidências de desenvolvimento autóctone da cerâmica, seja pela difusão,
Amazonas acima, de uma tradição polícroma originária da ilha de Marajó, no
século IV de nossa era, seja pela localização de peças com datas que, se
confirmadas, remontariam a mais de cinco mil anos antes do presente – mais
antigas, portanto, do que as cerâmicas do litoral noroeste da América do Sul
(Roosevelt, 1991; Neves, 2006)
Em que pese esta divergência, não resta dúvida, contudo, de que povos
andinos e amazônicos mantiveram, por milênios, intensas relações, que ocorriam
em uma área de montaña situada entre 500 e 2000 metros acima do nível do mar e
cujos eixos de deslocamento eram, em geral, rios que ligavam a serra às áreas mais
baixas de floresta. Por meio dessas relações, os povos andinos procuravam obter
produtos de outros pisos ecológicos, situados em área tropical. São vários os
registros arqueológicos da presença desses povos nas áreas de montaña, desde
períodos pré-incaicos. Mas foi durante o império inca que tais relações se tornaram
mais intensas. No entanto, os incas nunca lograram estabelecer domínio sobre
povos amazônicos, nos moldes em que estabeleceram na serra. Sua estratégia de
incorporação de territórios e povos amazônicos – como ocorreu no Alto Huallaga,
nos afluentes do Alto Madre de Dios e no Alto Beni - associou a presença militar e a
construção de fortificações estratégicas com o estabelecimento de colônias que
cumpriam o duplo papel de centros de produção e de elementos de intercâmbio
com os povos da Amazônia (Santos Granero, 1992).
Ao contestarem a idéia de que o meio ambiente teria sido um fator limitante,
afirmam diversos arqueólogos que, especialmente nas áreas de várzea – áreas de
aluvião inundáveis do Amazonas e alguns de seus afluentes - houve condições para
o desenvolvimento de grupos humanos numerosos, organizados em sociedades
relativamente complexas, que teriam se desenvolvido cerca de dois mil anos antes
da chegada dos europeus. As margens do Amazonas teriam sido, portanto, contínua
e densamente povoadas entre o ano 1.000 antes de nossa era e o século XVI.
Estudos de demografia histórica conduzidos por William Denevan, nos anos 70,
afirmam que a população de toda a Amazônia Continental alcançava mais de cinco
milhões de habitantes (Ribeiro, 1992: 79).
A arqueologia também tem encontrado diversas evidências de que algumas
populações amazônicas pré-coloniais teriam promovido relevantes alterações na
paisagem, por meio da construção de, por exemplo, canteiros drenados, elevações
no terreno para agricultura, habitação, defesa e sepultamentos, em áreas da
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FLACSO - Brasil
Venezuela, da Bolívia, do Brasil e da Guiana (Beckerman, 1991: 145, Roosevelt,
1995: 120), ou da formação, involuntária, das chamadas “terras pretas de índios”,
que são terrenos de alta fertilidade resultantes da decomposição de matéria
orgânica em antigos assentamentos humanos. Também os métodos de
aproveitamento de antigas áreas cultivadas, a seleção e a combinação de plantas em
áreas específicas (Posey, 1987), seriam indicadores de relevantes intervenções
humanas no ambiente amazônico pré-colonial. Mas a descontinuidade da ocupação
humana que se seguiu à chegada dos europeus – em muitas áreas, transcorreram
séculos entre o desaparecimento de seus habitantes originários e a efetiva ocupação
colonial – permitiu que novo crescimento da floresta sobre áreas antes habitadas
ocultasse aquelas marcas da ação humana (Costa, 2002).
3. Trabalhadores indígenas, africanos e asiáticos
As crônicas do século XVI, das quais as mais relevantes são as de Gaspar de
Carvajal, cronista da expedição de Orellana, e as dos diversos cronistas da
expedição de Pedro de Ursúa e Lope de Aguirre, dão conta de populações muito
numerosas vivendo nas margens do Amazonas e nas desembocaduras de seus
principais afluentes. Menos de um século mais tarde, a situação havia se
modificado: referindo-se à atuação dos jesuítas nas missões de Maynas, que teve
início em 1638, Jean Pierre Chaumeil (1988) chama a atenção para o fato de que as
sociedades com as quais os missionários entraram em contato já estavam bastante
reduzidas e alteradas pela presença direta ou indireta dos europeus.
Chaumeil alude ao fato de que, mesmo sem uma presença permanente e
contínua em determinadas regiões, em poucas décadas os colonizadores
provocaram a desestruturação e a redução populacional de vários povos, seja pela
disseminação de doenças, seja pelas guerras para captura de escravos. Esse
fenômeno se acentuou nas décadas seguintes, de modo que, em meados do século
XVIII, quase todos os povos que habitavam a várzea do Amazonas estavam extintos
ou reduzidos, e muitos outros haviam fugido para os altos cursos dos afluentes
(Porro, 1996:37). Esses índios foram parcialmente substituídos por aqueles
deslocados para os aldeamentos missionários que se espalharam de leste a oeste,
ocasionando uma grande mudança na composição étnica e cultural das várzeas
amazônicas. Duzentos anos depois das primeiras incursões, os colonizadores
europeus haviam provocado o despovoamento de áreas muito remotas nas quais
eles ainda não haviam logrado se fixar, e as quais eles conseguiam atingir, direta ou
indiretamente, por meio das expedições de coleta de produtos florestais ou das
muitas ramificações do comércio de escravos índios.
De fato, era principalmente na força de trabalho indígena, explorada sob
diferentes modalidades de trabalho compulsório, que se sustentavam as atividades
econômicas na maior parte da Amazônia – a pesca, a lavoura e a coleta de produtos
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FLACSO - Brasil
como o cacau, o cravo, a quina, a salsaparrilha, entre outros -, situação que
perdurou por todo o período colonial e em grande parte do século XIX, chegando
mesmo a conservar importância em algumas áreas nas primeiras décadas do
século XX. A captura de prisioneiros em combate, bem como o rapto de mulheres e
crianças de grupos inimigos, entre sociedades amazônicas, eram práticas anteriores
ao século XVI, e foi explorando as rivalidades entre diferentes povos e utilizando-se
de redes de comércio estabelecidas em tempos pré-coloniais – envolvendo
alimentos, tecidos, utensílios e seres humanos – que os colonizadores europeus
supriram suas demandas por força de trabalho.
Os holandeses, por exemplo, desde as primeiras décadas do século XVII,
obtinham escravos índios para suas plantações no Essequibo, Demerara e
Suriname por meio de uma duradoura aliança com grupos índios, genericamente
denominados Caribes, que habitavam a região da atual fronteira entre a Venezuela,
a Guiana e o Brasil. Esses povos, por sua vez, estavam integrados em uma rede de
comércio que se bifurcava, de um lado, para a região do Orenoco e seus afluentes –
alcançando, por exemplo, as cabeceiras do Manapiare e do Ventuari - e, de outro,
descia pelo rio Branco, alcançando os rios Negro e Solimões. Por meio dessa rede,
produtos fornecidos pelos holandeses – como armas de fogo, vestimentas,
machados, facas, anzóis, espelhos – eram trocados por escravos, além de redes,
canoas, madeiras e tinturas (Coppens, 1998; Farage, 1991; Porro, 1996).
Nas áreas de colonização espanhola, durante as primeiras ondas de
ocupação nas franjas subandinas, na segunda metade do século XVI, além da
submissão dos povos locais, índios andinos submetidos à encomienda eram
deslocados para o trabalho nas áreas de floresta. Porém, no período de ação
exclusiva das ordens religiosas, os índios reunidos nas missões estavam livres da
encomienda e dos tributos à Coroa. A legislação portuguesa, por sua vez,
assegurava a liberdade aos índios considerados aliados - em geral, os convertidos
ao cristianismo. Mas mesmo estes poderiam ser feitos escravos, uma vez que,
capturados por índios inimigos para rituais antropofágicos, fossem libertados pelos
portugueses, por meio das chamadas “tropas de resgate”. Os índios considerados
inimigos poderiam ser capturados como escravos nas chamadas “guerras justas” -
isto é, as guerras motivadas por agressões aos portugueses.
Porém, a definição sobre o que seria, efetivamente, uma “guerra justa” ou
uma situação de “resgate” dependia, muitas vezes, dos interesses dos agentes
coloniais envolvidos. Não só na Amazônia portuguesa, mas em toda a região,
observa-se, com freqüência, uma distância entre a letra da lei e a prática dos
processos de colonização, de modo que a prática da escravidão, ou da exploração
semi-servil do trabalho indígena, foi muito mais ampla do que previam as
disposições legais. As diferentes formas de trabalho compulsório prolongaram-se
no período pós-colonial, pelos séculos XIX e XX, mesmo sem qualquer amparo
legal, implementadas em cada novo território alcançado pelas frentes de expansão.
A incorporação dos índios à sociedade colonial se deu, freqüentemente, por
meio de três estratégias que, muitas vezes, andaram juntas: a violência física
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FLACSO - Brasil
(guerras, escravização, punições etc); as alianças para o intercâmbio de bens ou
para a guerra, construídas entre colonizadores e diferentes povos indígenas – o que
explica, por exemplo, que as expedições portuguesas de conquista ao longo dos rios
amazônicos fossem majoritariamente compostas por índios armados; e, ainda, a
conversão ao cristianismo, por meio da atuação de diversas ordens religiosas.
A ação missionária das ordens religiosas se fez presente na Amazônia, pelo
menos nos territórios reivindicados por países católicos, desde as primeiras
expedições. Gaspar de Carvajal, por exemplo, cronista da expedição de Francisco de
Orellana, era um frade da Ordem de São Domingos de Guzmán. Além dos
dominicanos, também os agostinos, os carmelitas, os mercedários, os franciscanos
e os jesuítas aturam na região. Entre as missões religiosas a serviço da coroa
espanhola, destacam-se as missões de Maynas, conduzidas, inicialmente, pelos
franciscanos e, a partir de 1638, pelos jesuítas, que nelas permaneceram até sua
expulsão das colônias espanholas, em 1767. Compreendiam o Alto Amazonas e seus
formadores como o Morona, o Pastaza, o Napo, o Huallaga, o Ucayali, bem como
partes do Caquetá e do Putumayo, tendo como base a localidade de Borja. Os
franciscanos estabeleceram missões também no Caquetá e no Putumayo, na região
conhecida como Gran Caquetá (Sinchi, 2000), bem como no alto Ucayali, onde
formaram as missões do Cerro de la Sal (Tibesar, 1989), e no Orenoco, onde
substituíram os jesuítas, depois de 1767. As missões de Moxos, na região do rio
Guaporé, no atual território boliviano, foram fundadas e conduzidas pelos jesuítas,
no final do século XVII.
No extremo oriental da Amazônia, foram os franciscanos franceses os
primeiros missionários que atuaram na fundação de São Luís com os homens de La
Ravardière. Na porção francesa do planalto da Guiana, os jesuítas tiveram
destacada atuação no século XVIII, até sua expulsão, em 1764. Nos domínios
amazônicos de Portugal, a primazia coube também a franciscanos e, exceto por um
período de 34 anos (1652-1686), durante os quais a Companhia Jesus deteve o
controle preferencial sobre as missões, franciscanos, jesuítas, mercedários e
carmelitas organizaram aldeamentos de índios no Amazonas e em seus principais
afluentes. Em 1759, os jesuítas foram banidos da América portuguesa, dois anos
depois que uma nova lei, conhecida como “Diretório dos Índios”, houvesse retirado
de todas as ordens religiosas o controle dos aldeamentos amazônicos, substituindo
os missionários por diretores leigos.
Embora o trabalho indígena tenha predominado amplamente na Amazônia,
a escravidão africana teve grande importância em algumas regiões. Na amazônia de
colonização portuguesa, os escravos africanos foram mais numerosos na porção
oriental (São Luís e suas imediações, Belém, Baixo Tocantins, Baixo Amazonas),
empregados principalmente nos cultivos de cana-de-açúcar, arroz e algodão, assim
como no vale do Guaporé, próximo à atual fronteira com a Bolívia, a partir da
segunda metade do século XVIII. Essas populações negras estão na origem das
centenas de quilombos ainda hoje existentes na Amazônia brasileira.
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FLACSO - Brasil
Mas foi na Guiana, no Suriname e na Guiana Francesa que os escravos
africanos constituíram o principal elemento da força de trabalho, a partir do século
XVII – embora, nos domínios holandeses, o trabalho escravo indígena tenha
perdurado até quase o século XIX. Nessas colônias, não predominaram as
atividades extrativistas, mas a agricultura, em pequenas unidades, como na Guiana
Francesa, ou em unidades produtivas de grande porte, nas colônias holandesas,
onde predominou o sistema de plantation, com grandes cultivos de cana-de-açúcar
e, no século XVIII, também de cacau, algodão e índigo.
O Suriname foi a colônia, na região aqui considerada, que mais recebeu
escravos africanos e, entre os séculos XVII e XIX, a população branca residente
nunca representou mais do que 7% da população escrava. Os escravos promoviam
fugas em massa, instalando-se nas florestas do interior do país. Ao contrário do que
ocorreu em outras regiões da América, nas quais os escravos fugidos passaram a
constituir pequenas comunidades que, ou foram destruídas pela repressão branca,
ou permaneceram isoladas, no Suriname, os escravos lograram sustentar por
décadas hostilidades contra o colonizador – ataques às fazendas e libertação de
outros escravos -, que só foram encerradas com a assinatura de tratados de paz
entre os rebeldes e a administração colonial holandesa, em 1749 e 1769 (Van Lier,
2005). Essas fugas estão na origem de diversos grupos étnicos, tais como
Saramacá, Djuka, Paramaka, Matawai, Aluku e Kwinti, cujos direitos sobre partes
do território surinamês são, hoje, reconhecidos.
Com a abolição da escravidão (na Guiana, em 1837; no Suriname, em 1863),
trabalhadores de diversas nacionalidades - principalmente indianos e javanêses,
para o Suriname, e indianos e chineses, para a Guiana - foram recrutados em
regime semi-servil para substituir a mão-de-obra de origem africana, inciando
ondas de imigração que alteraram a composição étnica da população. No final do
século XIX, havia 340 mil imigrantes na Guiana, dos quais 250 mil eram indianos.
Atualmente, mais da metade da população da Guiana é composta por descendentes
de indianos e cerca de 30% são descendentes de africanos; no Suriname, os afrodescendentes
correspondem a apenas 10% da população, vivendo, em sua maior
parte, nos territórios do interior ocupados pelas comunidades originadas pela fuga
de escravos.
4. Fronteiras internas
Nas primeiras décadas do século XIX, os jovens estados independentes,
originários da colonização ibérica (a Guiana e o Suriname só se tornaram
independentes em 1966 e 1975, respectivamente, e a Guiana Francesa continua a
ser um território francês), dispunham de amplos territórios ainda não ocupados
pelas nascentes sociedades nacionais e, em muitos casos, delas totalmente
desconhecidos. Tratados firmados no século XVIII e as áreas de jurisdição das
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FLACSO - Brasil
antigas unidades administrativas do domínio espanhol definiam, ainda que, muitas
vezes, de modo precário, os limites entre os novos países. Porém, havia grande
distância entre os territórios delimitados e os territórios efetivamente ocupados.
Com efeito, a “conquista” e a ocupação do território não são um processo linear, de
avanço constante. Antes, trata-se de um processo oscilatório, com avanços e recuos,
fixação e abandono, configurando uma fronteira sempre móvel. Fronteira, aqui, é
entendida não como os lindeiros entre Estados nacionais ou suas possessões, mas
como a frente de expansão de uma sociedade dentro de seu próprio território, sobre
terras ocupadas por povos indígenas (Leonardi, 1996; Martins, 1997).
No caso das antigas colônias espanholas, a ocupação da região de selva,
baseada até então principalmente na ação missionária, sofreu grande retrocesso
com a crise do sistema colonial e com o declínio das missões nos territórios das
antigas audiências de Lima, Quito, Charcas e Bogotá, bem como no vice-reino de
Nova Granada. Esse retrocesso se deveu, também, à grande rebelião indígena
liderada por Juan Santos Atahuallpa, entre 1742 e 1752, quando diversos grupos
indígenas - como os Conibo, os Piro e os Amuesha, entre outros - retomaram aos
espanhóis o controle da selva central do atual Peru. Nesse país, por exemplo, o
avanço da fronteira interna rumo ao Oriente foi praticamente nulo na primeira
década após a independência (Jordan, 1995). Continuavam a existir núcleos
importantes de população em Moyobamba e seus arredores, no rio Marañon, mas,
ainda na década de 1840, a região aparecia nos mapas como “tierras
desconocidas”.
Na Bolívia, não deixou de haver um avanço, mesmo que modesto, de frentes
de exploração da quina, no Alto Beni, e de expansão da pecuária, a partir de Santa
Cruz de La Sierra. Porém, a maior parte do que então era denominado “Oriente”,
conceito que incluía todo o território amazônico boliviano e também o Chaco,
permanecia praticamente desconhecida e isolada do resto do país e, durante os
primeiros 50 ou 60 anos da República, os esforços dos governantes concentraramse
em malogrados projetos de concessões de terras públicas para colonização, em
explorações de reconhecimento e na busca de uma saída para o Atlântico pela
navegação dos rios amazônicos (Jordán, 2001).
Na Colômbia, a ocupação colonial do Território do Caquetá, que então
correspondia a toda a floresta amazônica daquele país, havia sofrido grande
retrocesso depois da expulsão dos jesuítas (1767) e da falência das missões
franciscanas no final do século XVIII. De tal maneira que a expedição do general
Agustín Codazzi àquela região, realizada na década de 1850 nos marcos da
Comissão Corográfica Nacional, “significó un cambio fundamental en el
conocimiento del Oriente de Nueva Granada y su ubicación en la conciencia,
tanto de los Gobiernos como de los granadinos em general” (Domínguez Ossa et
alli, 1996:45).
A situação era semelhante no território do atual Equador. Segundo Jean Paul
Deler (1987), na passagem do século XVIII para o XIX, a histórica soberania de
Quito sobre as missões de Maynas, decadentes por então, era apenas formal.
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FLACSO - Brasil
Mesmo depois da formação da nova república do Equador, em 1830, a região
amazônica não recebeu maior atenção do Estado equatoriano até por volta de 1860
(Cobes, 1995). Na Venezuela, as grandes cataratas do Orenoco, muito além das já
decadentes missões religiosas eram, para Alexandre de Humboldt, em 1800, como
o limite natural das “regiões selvagens e desconhecidas do interior” (Humboldt,
1986).
No caso brasileiro, podemos identificar diferentes situações no que se refere
à ocupação da Amazônia nas duas ou três décadas que se seguiram à
independência. Em um dos extremos, está Belém, antiga capital da Amazônia
colonizada pelos portugueses, o Estado do Grão-Pará e Maranhão, independente do
Estado do Brasil, com autoridades coloniais próprias e subordinadas diretamente a
Lisboa, que ofereceu grande resistência à ruptura dos laços coloniais e à integração
ao Império do Brasil, em 1822. Belém foi, ao mesmo tempo, o principal centro
urbano a partir do qual lusos e brasileiros projetaram-se sobre a Amazônia e o
porto por meio do qual a região se comunicava com Portugal. Embora não tenha
escapado imune às crises e oscilações, a cidade manteve-se como centro de
organização da sociedade na região, conhecendo fases de crescimento e relativo
desenvolvimento material e reunindo em suas proximidades a maior parte da
população amazônica computada nos recenseamentos do período.
Porém, ao longo do território amazônico brasileiro, outras situações se
registram, de regiões com graus variáveis de conhecimento e consolidação da
ocupação, algumas delas abandonadas depois de curto período de fixação, e o que
predomina são territórios desconhecidos da sociedade nacional – sobretudo os
interflúvios, os altos cursos dos afluentes do Amazonas/ Solimões, especialmente
aqueles que correm na porção mais ocidental do território.
Além de fronteiras “internas”, essas regiões não ocupadas pelo colonizador,
que os diferentes governos nacionais, em diferentes momentos históricos,
afirmavam ser “espaços vazios”, apresentavam-se também como espaço de refúgio
daqueles que, de diferentes maneiras, colocavam-se à margem das sociedades
nacionais, como escravos negros fugidos, que formaram comunidades isoladas em
áreas remotas, ou desertores do serviço militar. Além disso, continuavam a ser
áreas habitadas por povos indígenas com pouca ou nenhuma relação com a
sociedade nacional, e as tentativas de expansão das fronteiras internas produziam
novas situações de contato inter-étnico, reeditando, sob diversos aspectos, os
processos conhecidos desde o século XVI – agora, porém, não mais sob o comando
de espanhóis e portugueses, mas de bolivianos, brasileiros, colombianos,
equatorianos, peruanos e venezuelanos.
Registra-se uma continuidade nos métodos coloniais de ocupação do
território e de exploração da força de trabalho. Em muitas regiões, a violência
contra os povos indígenas tornou-se ainda maior do que no período colonial. Por
exemplo, em meados do século XIX, no atual estado do Amazonas venezuelano, a
exploração da população em geral, especialmente a de origem indígena, pelos
comerciantes da região, atingiu níveis inauditos, constituindo objeto de denúncia
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FLACSO - Brasil
ao presidente da República (Coppens, 1998). Na região do rio Caquetá, na
Colômbia, em 1880, o tráfico de escravos índios para o Brasil – atividade
absolutamente ilegal – havia aumentado desde meados do século XIX (Domínguez
Ossa et alli, 1996) e, ao longo do século XX, as populações tribais daquela região
continuavam submetidas à exploração semi-escravista (Hildebrand, Bermudez e
Peñuela, 1997). No Brasil, a espoliação territorial e a dizimação de populações
indígenas sem contato com a sociedade nacional prosseguia, por exemplo, no alto
Purus e no alto Juruá, nas últimas décadas do século XIX.
5. Frentes de expansão no século XIX
Com efeito, ao longo do século XIX, as diversas sociedades nacionais
projetaram-se sobre seus territórios amazônicos, motivadas, sobretudo, por
diferentes surtos extrativistas, como os da exploração da quina e da borracha.
Contudo, esse movimento não foi homogêneo em todos os países, e obedeceu a
diferentes ritmos.
No que se refere aos países andinos, o primeiro produto do extrativismo a
provocar um movimento em direção às suas áreas amazônicas, no século XIX, foi a
quina, explorada nos Andes desde o século XVIII, ganhando ampla aceitação nos
mercados europeus em virtude de suas propriedades medicinais. A quina tem uma
vasta área de ocorrência e não se restringe às terras amazônicas. Porém, à medida
em que se esgotava nas regiões próximas aos centros mais povoados – o método de
extração consistia no simples corte das árvores -, sua exploração avançava rumo ao
oriente. A extração alcançou o auge entre 1850 e 1884, quando o êxito dos cultivos
no sudoeste asiático, especialmente em Java e no Ceilão, derrubou definitivamente
os preços da quina silvestre sul-americana. Nesses 34 anos, contudo, seu comércio
teve grande significação para as economias nacionais e foi, entre 1881 e 1883, o
principal produto de exportação da Colômbia, onde passou a ser explorada, a partir
da década de 1870, nas regiões do Alto Caquetá e Alto Putumayo. Na Bolívia, a
quina foi explorada em Caupolicán e, mais tarde, em Larecaja e no Alto Beni. Teve
grande importância para a economia boliviana, motivando ações do governo
central para controlar sua comercialização (Dominguez e Gomez, 1990; Zárate,
2001).
Houve um declínio geral da economia e da sociedade nas áreas que se
mantinham exclusivamente pela extração e pelo comércio da quina, com a falência
de empresas comerciais, despovoamento e abandono de povoações. Porém,
especialmente nos casos do Alta Amazônia colombiana e da Amazônia boliviana,
sobreviveu uma mínima infra-estrutura de serviços e sistemas viais que foram
aproveitados na incorporação dessas áreas à exploração das gomas elásticas. Além
disso, alguns dos mais destacados negociantes da quina lograram converter-se à
exploração e ao comércio do caucho (Zárate, 2001).
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FLACSO - Brasil
As propriedades e utilidades do látex da seringueira foram transmitidas
pelos Omágua, índios do Alto Amazonas, aos portugueses, na primeira metade do
século XVIII, bem como a diversos outros grupos indígenas. Sua divulgação no
meio científico europeu deu-se através dos escritos de Charles Marie de La
Condamine, em 1736 e 1745, o que logo deu início a uma série de tentativas para
aperfeiçoar o seu uso industrial.
Durante décadas, o látex extraído na Amazônia brasileira teve uso apenas
local, restrito à produção de seringas e à impermeabilização de roupas e calçados.
Em 1820, calçados produzidos com látex passaram a ser exportados pelo porto de
Belém (Santos, 1980). Mas, de fato, foi apenas após o advento da vulcanização –
método de tratamento do látex que ampliou as possibilidades de sua utilização
industrial -, em 1841, que a demanda mundial pelo produto aumentou ao ponto de
ocasionar um boom comercial que durou cerca de 70 anos e alcançou, com
diferente intensidade, todos os países amazônicos então independentes.
Entre 1850 e 1920, o período do boom, as áreas de exploração da borracha
deslocaram-se ao longo do rio Amazonas, desde sua desembocadura, na ilha do
Marajó – um dos principais centros produtores em meados do século XIX – em
direção ao Ocidente, avançando também sobre os afluentes, sobretudo os da
margem direita. Na década de 1880, quando a produção atingiu níveis ainda mais
elevados, as áreas produtoras já haviam alcançado os rios Solimões, Purus, Juruá e
Negro, entre outros rios da porção ocidental da Amazônia brasileira.
Foi também na década de 1880 que a produção do látex conheceu grande
incremento na Bolívia, na Colômbia, no Peru e no Equador, embora explorações do
produto fossem registradas desde, pelo menos, a década de 1860. Contudo, na
Colômbia, a produção de látex dos anos 60 e 70 era extraída nas florestas da área
de influência de Cartagena e no Panamá, então território colombiano. Só na década
de 1880 alcançou a Alta Amazônia, substituindo a decadente extração de quina, e
também as regiões dos rios Guaviare, Vaupés e Negro. Na década seguinte, atingiu
o Médio Caquetá e o Médio Putumayo, com a expulsão de vários grupos indígenas -
entre os quais, Witotos e Boras - de suas terras (Dominguez e Gomez, 1990). No
Amazonas venezuelano, essa atividade teve impacto local na exploração do
território, na afirmação de poderes locais e na disseminação de relações de trabalho
semi-servis, mas não teve a mesma importância econômica que nos demais países
(Iribertegui, 1987:138). Na Guiana, praticou-se a coleta da balata nas cabeceiras do
Essequibo e em algumas áreas das margens do rio Rupununi (Silva, 2005)
Na Bolívia, as primeiras explorações de seringais nas regiões mais ao norte,
em direção ao Acre, ocorreram na década de 1870, com o estabelecimento de
empresas de maior porte na década de 1880. Os primeiros povoados da região
resultaram da atuação de casas comerciais, como Riberalta, fundado pela Casa
Braillard, em 1892. As rotas de acesso partiam de La Paz, descendo por Yungas ou
Sorata até o rio Beni; de Santa Cruz, descendo o rio Grande e o Mamoré e
alcançando Trinidad e Riberalta; e, finalmente, de Cochabamba, alcançando o rio
Mamoré após descer os rios San Mateo, Chapare e Marmorecillo, caminho pelo
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FLACSO - Brasil
qual deslocou-se grande quantidade de mão-de-obra indígena e mestiça para o
trabalho nos seringais (Beltrán, 2001).
A expansão das frentes de extração da seringa suscitou – e, em alguns casos,
reacendeu – diversas disputas por territórios antes considerados como espaços
remotos e “vazios”. Por exemplo, nos seringais dos vales do Purus e do Juruá,
chocaram-se as frentes extrativistas de brasileiros, bolivianos e peruanos. Desse
choque, resultou a questão do Acre, quando as frentes de seringueiros brasileiros
avançaram sobre território boliviano. Também houve disputas entre Peru e Bolívia
pelos territórios do Alto Madre de Dios. Limites imprecisos também havia nos
afluentes da margem esquerda do Marañon e do Alto Amazonas, como os rios
Napo, Tigre, Pastaza, Morona e Santiago, onde o rápido avanço das frentes
extrativistas peruanas aguçou o diferendo territorial entre Quito e Lima,
solucionado apenas mais de um século depois, em 1999. A região do Putumayo, por
sua vez, foi motivo de litígio entre Peru e Colômbia. Muitas vezes, esses conflitos,
pelo menos em sua fase inicial, não opunham os governos nacionais, cuja ação era
requerida apenas para estabelecer as mediações finais de uma situação imposta
pelos interesses dos potentados locais, que se apossavam de vastos territórios na
fronteira longínqua e incerta.
A relativamente rápida expansão das áreas de exploração da borracha pela
maior parte da bacia amazônica, com o deslocamento de homens e mercadorias por
milhares de quilômetros, não teria sido possível sem a introdução da navegação a
vapor, em 1853. Essa alteração fundamental nos meios de transporte regionais
permitiu, além de significativo aumento da capacidade de carga, a drástica redução
do tempo de duração das viagens pelos rios amazônicos. Até então, o transporte
regional dependia exclusivamente de pequenas embarcações de comerciantes,
movidas a vela ou a remo, e uma viagem de Belém a Manaus poderia durar entre
40 e 90 dias, a depender da variação do volume dos rios e da disponibilidade de
ventos favoráveis, segundo as estações do ano. Com os barcos a vapor, o mesmo
trajeto poderia ser percorrido em oito dias.
A introdução dessa inovação técnica nos rios amazônicos não apenas
estimulou o avanço sobre áreas ainda não ocupadas pelas sociedades nacionais ou
propiciou às áreas amazônicas sub-andinas uma saída alternativa para o Atlântico,
mas, principalmente, permitiu a conexão interna de pontos extremos da região aos
principais centros articuladores do comércio, ultrapassando as fronteiras nacionais,
e sua vinculação, como um conjunto, a um mesmo processo de circulação de
mercadorias, sustentado pela extração e comércio do látex.
A navegação na bacia amazônica teve início com a empresa brasileira
Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas. Nos vinte anos seguintes,
outras duas companhias entraram em operação e, em 1874, sete anos depois da
abertura do Amazonas à navegação internacional, foram todas encampadas pela
Amazon Steam Navigation, cuja estrutura revelava a dimensão do
empreendimento: capital inglês, sede em Belém, diretoria no Rio Janeiro e diversas
agências distribuídas no interior da Amazônia brasileira, peruana e boliviana
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FLACSO - Brasil
(Nogueira, 1999: 77). Além de outras companhias menores, as grandes casas de
comércio também possuíam vapores próprios, de modo que, em 1884, mais de uma
centena de barcos desse tipo cruzavam os rios amazônicos, transportando milhares
de migrantes, abastecendo cidades, vilas e seringais, e recolhendo os produtos da
floresta, sobretudo a borracha.
Esses barcos ligavam os portos amazônicos a outros portos da América do
Sul, como Rio de Janeiro e Buenos Aires, bem como da Europa e dos Estados
Unidos – como Liverpool, Gênova e Nova York. Com exceção do Amazonas
venezuelano - que tinha como referência o porto de Ciudad Bolívar, no rio Orenoco
-, conectavam-se os diferentes pontos da Amazônia, da foz do Amazonas ao
Maranõn, ao Huallaga, ao Putumayo, ao Alto Purus e ao Alto Juruá. Por exemplo, a
ligação entre o Baixo Amazonas e o Marañon foi estabelecida já com os primeiros
vapores, em 1853, quando a Companhia de Navegação e Comércio do Amazonas
estabeleceu uma linha entre Belém e Nauta, em colaboração com o governo do Peru
que, por sua vez, tinha quatro vapores próprios, dois dos quais faziam a ligação
entre Tabatinga e Yurimaguas; os outros dois, menores, eram empregados na
exploração dos afluentes do Marañon (Tavares Bastos, 2000: 86; Deler, 1987: 117).
Em 1896, mais de 40 barcos a vapor navegavam por todos os rios do departamento
de Loreto, além do Napo e do Putumayo (Dominguez e Gonzáles, 1990: 171).
Embora os investimentos na navegação a vapor estejam quase sempre
associados ao comércio do látex, a sua introdução no rio Putumayo, em 1875,
deveu-se ao crescimento das exportações de quina, por iniciativa de um dos
maiores comerciantes locais, Rafael Reyes. Sua produção era transportada, por
terra ou em pequenas embarcações, desde o Alto Caquetá até o Médio Putumayo,
de onde os vapores de Reyes a conduziam aos portos europeus e norte-americanos
(Dominguez e Gonzáles, 1990).
A expansão da exportação de borracha levou grandes mudanças à região. Sua
economia recebeu investimentos de empresas européias e norte-americanas,
muitas das quais ali mantinham sede e representantes. O desenvolvimento urbano
acelerou-se, não apenas com o surgimento de novas povoações nas frentes de
expansão, mas também com o crescimento de antigos núcleos urbanos. No Peru, a
pequena aldeia de Iquitos, que contava com apenas algumas centenas de
moradores, em 1870, era já uma cidade de dez mil habitantes, em 1896, e em toda a
parte, edificações em alvenaria substituíam a palha e a madeira. Manaus também
conheceu crescimento vertiginoso: de pequena vila com edificações muito
precárias, na década de 1850, passou a grande cidade, na virada do século XIX,
contando com um conjunto arquitetônico de estilo eclético, e esteve, com Belém,
entre as primeiras cidades brasileiras a receber os serviços de iluminação elétrica e
água encanada. Para a expansão da cidade, pequenos rios foram aterrados dando
lugar a novas ruas. Os excedentes do comércio da borracha, aliados à circulação de
cidadãos dos principais centros europeus, contribuíram para transformações do
comportamento e para a diversificação dos hábitos de consumo, inclusive de bens
culturais: não apenas o teatro, a ópera e a fotografia, mas também o cinema que,
15
FLACSO - Brasil
ainda em seus primeiros anos, havia chegado a algumas cidades do interior da
Amazônia.
As mudanças também afetaram o mundo do trabalho: índios continuaram a
ser empregados largamente, quase sempre nas mesmas condições em que o foram
no período colonial, mas a Amazônia incorporou, também, grandes contingentes de
trabalhadores oriundos de outras regiões, como as serras andinas e o semi-árido
brasileiro, que passaram a predominar numericamente sobre os trabalhadores
indígenas, ocasionando uma nova ruptura na composição da população regional.
Além disso, a região recebeu imigrantes de diversos países. A título de exemplo,
basta lembrar que a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, no Brasil, contou
com trabalhadores de, aproximadamente, cinquenta nacionalidades diferentes:
além de bolivianos, brasileiros, colombianos, equatorianos, peruanos e
venezuelanos, contou também com trabalhadores cubanos, granadinos, irlandeses,
suecos, belgas, chineses, japoneses, hindus, turcos e russos, entre tantas outras
procedências (Hardman, 1988). Mas, em contraste com o fausto experimentado
pelos grandes seringalistas e exportadores, o trabalho nos seringais e em grandes
obras revelou-se um sorvedouro de vidas humanas, idéia bem expressa na
afirmação de que cada tonelada de borracha exportada era produzida ao custo de
uma vida humana e no fato de que, dos quase trinta mil trabalhadores envolvidos
na construção da Madeira-Mamoré, entre 1907 e 1912, cerca de seis mil perderam
suas vidas por uma ferrovia nunca acabada.
Na segunda década do século XX, a queda de preços tornou-se irreversível,
pois o látex extraído dos seringais silvestres da Amazônia não poderia concorrer
com seu similar oriundo dos seringais cultivados no sudeste asiático, decretando o
colapso da economia baseada na borracha (Santos, 1980:237). A débâcle
econômica teve fortes impactos em todos os níveis. À fuga dos investimentos
externos e à falência generalizada dos comerciantes instalados na região, seguiu-se
a drástica diminuição das atividades comerciais em toda a região, a desativação de
diversas linhas de navegação, o abandono de seringais, o despovoamento de muitas
áreas de produção e até mesmo o desaparecimento de vilas e cidades. Na Amazônia
brasileira, por exemplo, a população regional, que havia crescido a taxas elevadas,
entre 1850 e 1910, passando de 200 mil para um milhão e 200 mil habitantes, caiu
para pouco mais de um milhão, em 1920.
Em toda a Amazônia, muitas áreas incorporadas pelas frentes de extração do
látex foram abandonadas, voltando à categoria de “espaços vazios”, e antigas
conexões motivadas pelo comércio da borracha – seja no âmbito dos territórios
nacionais, seja no plano internacional – fragilizaram-se ou mesmo se desfizeram.
Desse modo, nas décadas que se seguiram à débâcle, estiveram em curso processos
relativamente independentes de adaptação das sociedades locais à nova situação,
em geral por meio de atividades já desenvolvidas, mesmo em caráter secundário,
durante o auge da borracha. Essa adaptação envolveu a diversificação das
atividades extrativistas para comércio em proporções reduzidas (extração
madeireira, coleta de resinas, caça para comercialização do couro), ou a abertura de
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FLACSO - Brasil
novas frentes extrativistas, como da castanha-do-brasil, no Alto Tocantins. Na
porção oriental do estado do Pará, continuavam a ser desenvolvidas atividades
agropastoris que há muito ali se desenvolviam, com fins de abastecimento. O
mesmo pode-se dizer do departamento de Loreto, onde as atividades agropastoris
tornaram-se o eixo da economia local até a década de 1940 (Barclay, 1995). Não se
pode esquecer, tampouco, que as gomas elásticas continuaram a ser
comercializadas, em baixa escala, conhecendo novo e breve momento de
valorização quando, durante a 2a Guerra Mundial, os consumidores da Europa e
dos Estados Unidos não puderam contar com a produção do sudeste asiático.
6. Alterações ambientais entre os séculos XVI e XX
Foi apenas a partir de meados do século XX, com a ocupação da Amazônia
em ritmo mais intenso e acelerado, que os danos ambientais resultantes da ação
humana tornaram-se mais visíveis. Sobretudo, o avanço de atividades econômicas
como a agricultura e a extração madeireira aumentaram, em escala inaudita, o
desmatamento, a face mais visível da degradação ambiental na região. Porém, ao
longo dos quatro séculos anteriores, registram-se sensíveis danos ambientais
provocados pela ocupação colonial. Alterações ambientais resultantes da ação
humana envolvem uma quantidade muito grande de aspectos, e aqui serão
considerados apenas os danos ambientais ocasionados por algumas marcantes
atividades extrativistas desenvolvidas na região.
Uma característica comum às diversas frentes extrativistas, dediquem-se
elas ao látex, à quina ou a outros produtos vegetais, é que não se preocupavam em
utilizar métodos que preservassem a vegetação local para novas safras, em anos
futuros. Ao contrário, ocupadas em coletar o máximo no menor tempo possível,
utilizavam os recursos mais rápidos que, quase sempre, implicavam no simples
corte das árvores ou na aplicação de técnicas que as levavam à morte. Os exemplos
são vários.
No rio Tocantins, cujo curso inferior era freqüentado pelos portugueses
desde a segunda década do século XVII, a exploração do pau-cravo (uma lauracea)
foi tão intensa que, em 1688, as autoridades portuguesas proibiram sua extração
nas margens daquele rio para evitar o seu esgotamento. Também a salsaparrilha
(cipós do gênero smilax, usados como depurativo), em meados do século XIX, só
poderia ser encontrada em áreas muito remotas, pois se havia esgotado nas
proximidades das áreas povoadas. Também foi intensamente explorada a
entrecasca da castanheira (Bertoletia excelsa), usada como estopa para o calafeto
das embarcações desde o século XVII, antes mesmo que a castanha se tornasse um
dos principais produtos de exportação da região. Para extrair a entrecasca, as
castanheiras eram abatidas ou tinham a casca cortada em toda a circunferência do
tronco, o que provocava a morte das árvores, de modo que se tornaram
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FLACSO - Brasil
progressivamente escassas em algumas áreas de ocupação mais antiga (Costa,
2006: 90-92; Leonardi, 2000: 68-73)
Os dois principais produtos do extrativismo na Amazônia no século XIX – a
quina e o látex – também estão associados a importantes processos de degradação
ambiental. Além de todas as alterações que as frentes de expansão a eles associadas
provocaram na forma de ocupação do território, os métodos empregados em sua
extração tinham grande capacidade destrutiva. A quina, por exemplo, passou a ser
explorada em áreas amazônicas depois de esgotada nas áreas de extração mais
antigas, próximas aos centros de povoamento andinos, pois as árvores eram
cortadas em grande quantidade para a retirada da casca, cujo aproveitamento era
relativamente pequeno, uma vez que se aproveitavam apenas as partes mais finas.
No Equador, as reservas de quina da região de Loja, primeiras a serem exploradas,
já estavam exauridas antes do final do século XVIII, forçando o deslocamento das
frentes de extração para o Oriente, o mesmo que aconteceria, no século seguinte, na
Bolívia, Colômbia, Equador e Peru (Domínguez e Gomez, 1990; Zárate, 200)
A extração do látex, em suas diferentes variedades, enfrentou problema
semelhante. Na Alta Amazônia, onde predominam as árvores do gênero castilla (o
caucho negro), de menor produtividade do que as heveas, empregava-se o abate
das árvores. A destruição foi grande, as áreas de extração esgotavam-se
rapidamente, provocando o deslocamento das frentes de extração para novas áreas,
que teriam o mesmo destino. Domínguez e Gomez (1990: 89), registram que, na
Colômbia, as árvores produtoras de látex haviam sido destruídas em uma faixa de
200 km de largura, paralela aos Andes, estendendo-se do rio Ariari até o Equador.
No caso do gênero hevea, predominante nas terras baixas e na região do Orenoco, a
extração se deu tanto pela derrubada das árvores como pelo método do “arrocho”,
que consistia em fazer incisões em todo o tronco e amarrá-lo com cipós para forçar
o escoamento de todo o látex – o que provocava a morte da seringueira. No Brasil, a
partir da década de 1870, desenvolveu-se o método menos daninho de retirar o
látex por meio de pequenas incisões feitas no tronco, coletando o produto em dias
alternados, o que permitiu maior perenidade aos seringais (Santos, 1980:80).
Quanto à fauna, utilizada sobretudo para a alimentação, mas também para a
exportação de peles e de penas, deve ser lembrada a grande pressão que sofreram
as espécies aquáticas, como o pirarucu e o peixe-boi. Contudo, merece ser
destacada a exploração de diversas espécies de quelônios de água doce, em
particular a Podocnemis expansa – conhecida como charapa, arrau ou tartaruga
do Amazonas. O consumo dessa tartaruga já era praticado em tempos précoloniais,
mas foi bastante ampliado nos séculos seguintes, principalmente nas
áreas de colonização portuguesa, onde a exploração da tartaruga gerou uma
atividade comercial de grande importância regional. O consumo de sua carne
expandiu-se a tal ponto, em todos os extratos da população, que, nas últimas
décadas do século XIX, o escritor brasileiro José Veríssimo referiu-se a ela como o
“boi da Amazônia”. Além disso, a manteiga produzida a partir dos ovos, empregada
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FLACSO - Brasil
como complemento alimentar e como combustível para a iluminação, era um
importante componente das trocas comerciais nos rios amazônicos.
Sua exploração foi tão intensa que, desde cedo, chamou a atenção de
autoridades e naturalistas, muitos dos quais afirmaram que o ritmo com que se
executava a matança dos animais e a destruição dos seus ovos (calculados,
anualmente, na escala de dezenas de milhões) poderia conduzir a espécie à extinção
(Costa, 2002). Em 1800, Humboldt calculou que, nas praias do rio Orenoco
situadas entre suas grandes cataratas e a foz do rio Apure, eram destruídos pelo
menos 33 milhões de ovos a cada ano para produzir a manteiga que os índios das
missões franciscanas trocavam com os comerciante de Angostura, atual Ciudad
Bolívar (Humboldt, 1985: iii, 338). Por isso mesmo, durante várias décadas do
século XIX, foram publicadas leis de proteção à espécie, porém, com eficácia
limitada.
Exceto por uma importante exploração desenvolvida no rio Orenoco, desde
fins do século XVII, a redução do número de indivíduos de P. Expansa foi anterior
nas áreas de colonização portuguesa – que coincidiu desde cedo com as áreas de
maior ocorrência da espécie – do que naquelas de colonização espanhola, menos
intensa nas regiões mais baixas, de grandes rios navegáveis. Assim é que, ainda nas
décadas de 1940 e 1950, caçadores e comerciantes oriundos do Brasil exploravam a
tartaruga no Médio Caquetá, na Colômbia, uma vez que os estoques dessa espécie
já estavam bastante reduzidos em águas brasileiras (Hildebrand et alli, 1987).
Embora não tenham representado ameaça maior à integridade do bioma
Amazônia, muitas vezes os danos ambientais relatados acima colocaram em risco a
sustentabilidade da ocupação colonial, pois o esgotamento localizado de alguns
recursos naturais ocasionou crises de caráter local, tornando inviável a
permanência de assentamentos humanos nas áreas afetadas.
7. Novos padrões de ocupação
Em meados do século passado, após sucessivos malogros das tentativas de
fixação e povoamento no amplo território, grande parte da Amazônia ainda se
apresentava para as sociedades nacionais dos diferente países que a integram como
uma fronteira interna, sobre a qual efetivamente avançaram – e seguem
avançando, em nossos dias - por meio de diversas frentes de expansão, espontâneas
ou incentivadas pelo Estado, originadas em diferentes motivações. Mas os padrões
de ocupação conheceram importantes modificações em relação àqueles que
predominaram nos séculos anteriores: a velocidade de deslocamento dessas frentes
e o grau de transformação que são capazes de promover nos espaços que ocupam
parecem tornar irreversível o processo de ocupação dessas “ultimas fronteiras do
planeta”.
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FLACSO - Brasil
Se, desde os Andes, o sentido em que se movimentam as frentes de expansão
é o mesmo, utilizando como base as estruturas de ocupação estabelecidas em
períodos anteriores, no Brasil, a situação é outra: ocorre uma alteração das rotas de
penetração que, sem substituir o antigo, introduz um novo padrão de ocupação do
espaço. Até meados do século XX, a entrada da Amazônia brasileira era a foz do rio
Amazonas e sua ocupação foi predominantemente ribeirinha. Nas margens dos
grandes rios, encontravam-se, e ainda se encontram, as principais cidades
amazônicas. As terras mais altas, na região do Planalto Brasileiro, ao Sul, e do
Planalto das Guianas, ao Norte, eram de difícil acesso, pois a navegação dos rios
que dão acesso a elas é limitada por grandes cachoeiras que indicam a transição do
planalto para a planície fluvial. Desde meados da década de 1950, quando o
planejamento regional definiu o que passou a ser conhecido como Amazônia Legal,
esse movimento se alterou, e a ocupação se dá a partir do centro do país, por meio
da abertura de rodovias que cortam o Planalto e ligam o restante do país às
principais cidades amazônicas. Por essas rodovias, movem-se as novas frentes de
expansão.
Além de preocupações de caráter geopolítico - que, em países como o Brasil e
o Peru, motivaram políticas estatais de colonização e povoamento -, o crescimento
da população, a concentração da propriedade rural e o desemprego nas regiões de
ocupação mais antiga também foram causas de novas migrações para a Amazônia,
que serviu como válvula de escape de tensões sociais, dando a origem a ocupações
de terras e assentamentos para atividades agropastoris.
No Brasil, “uma terra sem homens para homens sem terra” foi o lema com
qual os governos dos anos 70 procuraram estimular a ocupação de colônias
agrícolas ao longo da rodovia Transamazônica. Na Colômbia, onde se adiciona o
problema do deslocamento de populações pela violência das lutas entre facções
políticas na década de 1940, é ilustrativo o caso do Caquetá, onde ocorreu um
efetivo povoamento das áreas subandinas a partir de Florência, desde o final dos
anos 30, com grande incremento entre o final da década de 40 e os anos 60. Em
1951, a população de cerca de 40 mil habitantes era o dobro de treze anos antes e,
em 1964, eram mais de 103 mil os habitantes do Caquetá (Sinchi, 2000).
Também a região amazônica do Peru conheceu um grande crescimento da
população, que se multiplicou por cinco entre 1940 e 1980 (de 380 mil para 1,83
milhão), à custa, principalmente, de movimentos migratórios, mais intensos na
década de 1960. Essa população se distribui em duas áreas marcadamente
distintas: a “selva alta” - mais povoada, onde predominam as atividades
agropastoris e os núcleos urbanos de pequenas dimensões - e a “selva baixa”, onde
duas grandes cidades - Iquitos e Pucallpa – concentram a maior parte da população
regional e são os centros de articulação das atividades extrativas, predominantes na
região. Devido ao aumento populacional e às mudanças no uso do solo, a Amazônia
peruana passou a ocupar lugar de destaque na economia nacional, contribuindo
com quase a metade da produção agrícola e detendo 39% da superfície cultivada do
país (Barclay et alli, 1991).
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FLACSO - Brasil
Grandes levas de imigrantes foram atraídos, também, por novas “febres”,
como a do ouro, extraído em lavras clandestinas (os garimpos), ou da exploração
madeireira, cujos exemplos se multiplicam em toda a região. Ao mesmo tempo,
foram direcionados para a Amazônia investimentos de grande porte, em setores da
produção, como a mineração e a pecuária, e em infra-estrutura, como usinas
hidrelétricas dotadas de grandes barragens, rodovias, oleodutos e gasodutos – estes
dois últimos, especialmente na Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, onde a
exploração do gás natural e do petróleo em áreas amazônicas é intensa há várias
décadas e tem grande importância para as economias nacionais. No Equador, por
exemplo, na década de 1990, as áreas de concessões para mineração e para a
extração de petróleo correspondiam a cerca de 50 por cento da região amazônica, e
o petróleo produzido contribuía para quase a metade da renda nacional (Espinosa,
1999). Por sua vez, o Suriname conta com grandes empresas de mineração de
bauxita, ouro, manganês, ferro e platina desde a segunda década do século XX.
Os quase 500 anos de história de formação das sociedades contemporâneas
na Amazônia construíram uma paisagem diversificada, sob todos os aspectos, e
cada subregião apresenta as marcas, mais ou menos profundas, de acordo com os
processos de que serviu como cenário. Nestes primeiros anos do século XXI, é
possível encontrar lugares ainda remotos e quase intocados, como aqueles que,
cerca de 500 anos atrás, puderam avistar os homens que acompanhavam Alonso
Mercadillo, Diaz de Pineda ou Francisco de Orellana, assim como é possível
encontrar – nas florestas da Bolívia, do Brasil, da Colômbia, do Equador e do Peru
– povos que não mantém contato com as sociedades nacionais (os assim chamados
“índios isolados”). Nas frentes pioneiras, em nossos dias muitas vezes equipadas
com máquinas modernas, persistem a mentalidade e os métodos arcaicos de
séculos passados, expressos na violência com que populações tradicionais são
expulsas das terras que ocupam e na submissão de milhares de homens a condições
de trabalho análogas à escravidão.
Ao mesmo tempo, em grande parte da região predomina, em nossos dias, a
paisagem urbana, às vezes com cidades de mais de um milhão de habitantes que
trabalham nas mais diversas ocupações e enfrentam os mais contemporâneos
problemas da vida urbana, assim como desfrutam as suas vantagens. Algumas
dessas cidades também abrigam parques industriais e dezenas de universidades e
centros de pesquisa que se dedicam ao estudo da região, em seus diferentes
aspectos.
Povos indígenas, ocupantes originários da região, representam, hoje, a
minoria da população. Estima-se que mais de mil línguas – dos troncos Tupi,
Karib, Aruak, Pano, Tukano e Jê, além de línguas isoladas ou não classificadas -
eram faladas na Amazônia Continental, no século XVI. Atualmente, são faladas
cerca de 240 línguas de 52 famílias lingüísticas (Bessa Freire, 2004). Na Amazônia
brasileira, por exemplo, os índios não são mais do que dois por cento dos
habitantes e, na Colômbia, embora essa porcentagem seja seis vezes maior, para
toda a sua superfície amazônica, as proporções variam de 90 por cento, nas áreas
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FLACSO - Brasil
de ocupação mais recente – como Guanía e Vichada -, até um por cento, nas áreas
amazônicas de ocupação mais remota, como o Caquetá (Kremling Gomez, 1999).
Essa situação se verifica mesmo quando se considera apenas as áreas não urbanas,
como na Amazônia peruana, onde, em 1981, os índios representavam apenas vinte
por cento da população rural, na qual predominavam colonos não-índios (Barclay
et alli, 1991). De um modo geral, o mapa da distribuição dos territórios indígenas,
no presente, reflete o alcance dos processos de colonização e dos conflitos interétnicos
do passado: esses territórios são maiores e mais numerosos naquelas áreas
que não foram plenamente transformadas pelas frentes colonizadoras. Em
contraste, ao longo da calha do rio Amazonas, por exemplo, as terras e populações
indígenas são atualmente diminutas, como reflexo daquele processo de
despovoamento ocorrido ainda nos século XVII e XVIII.
O extermínio de populações indígenas, os processos de miscigenação e a
afluência de sucessivas levas de imigrantes alteraram substancialmente a
composição da população regional: em muitos lugares, uma ocupação histórica
produziu novas identidades culturais, hoje consolidadas – como, por exemplo, as
sociedades caboclas da Amazônia brasileira, originadas pelas migrações
procedentes do Nordeste do Brasil e pela miscigenação entre índios e não-índios,
vivendo do extrativismo, da pesca e da lavoura de subsistência nas margens dos
rios amazônicos. Em outros lugares, porém, ondas de imigração mais recentes, e
das mais diversas origens, vinculadas principalmente aos processos de colonização
agropecuária, configuram populações ainda em constante modificação, espelho de
um processo inacabado e em franco movimento.
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Nota
[1]. Este artigo foi originalmente escrito como contribuição ao Global Environmental Outlook
Amazônia (GEO Amazônia), editado pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica
(OTCA) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), onde foi publicado
parcialmente, integrando o capítulo 1. Aqui, apresenta-se sua versão completa.
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