domingo, 17 de abril de 2011

10386 - MANICÔMIO JUDICIÁRIO

PSICOLOGIA COMUNITÁRIA MANICÔMIO JUDICIÁRIO


RELATÓRIO DA VISITA REALIZADA AO HOSPITAL DE
CUSTÓDIA E TRATAMENTO PSIQUIÁTRICO
PROF. ANDRE TEIXEIRA LIMA.

Relatório apresentado como exigência para
conclusão do 4º semestre de Psicologia, docente
Cláudio José Cobianchi, Psicologia Comunitária.


Graduando: Robson Luiz de Teixeira de Oliveira


UNIVERSIDADE BRAZ CUBAS


Mogi das Cruzes – SP – 1999


Resumo


O objetivo proposto neste relatório é conhecer instituições de internamento de doentes mentais que apresentaram comportamento delituoso, bem como identificar o papel desempenhado pelo psicólogo junto a equipe inter-disciplinar.


A metodologia utilizada foi buscar, através de visita organizada a uma instituição de saúde mental judiciária, coleta de dados que pudessem, subsidiar uma análise crítica de seu funcionamento, bem como, da atividade dos profissionais que nela atuam.


Os resultados obtidos foram comparados com pesquisas de cunho científico. Para tanto, foi efetuada uma síntese do pensamento a respeito do comportamento desviante ao longo dos séculos até nossos dias. Construiu-se, também, avaliação crítica de alguns pontos do código penal brasileiro, em relação ao doente mental.


O presente relato não propõe esgotar o assunto, tal é a complexidade do mesmo, e a amplitude da sociedade brasileira.


Introdução


O caráter desse relatório é desenvolver um conjunto de informações que possam permitir uma avaliação de como funciona uma instituição penitenciária de saúde mental, no Brasil. Simultaneamente fazer uma avaliação da atuação dos diversos profissionais, especialmente psicólogos, que exercem, aí, suas atividades. Possibilitar uma visão da constituição histórica da doença mental desde séculos passados, até os dias de hoje. Assim como, descrever como foram, ontem e hoje, os tratamentos realizados. Demonstrar, através de recortes da imprensa escrita, como a sociedade brasileira ainda vê o doente mental, hoje em dia. Levantar a problemática entre o código penal brasileiro e a internação de doentes mentais criminosos.


Para desenvolver esse complexo estudo será descrito na íntegra uma instituição governamental. Foi tomado como modelo, para descrição e análise, o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico Professor André Teixeira Lima, que doravante será chamado de HCTP. Os dados da instituição foram coletados em visita realizada em 06 de outubro de 1999 sob a coordenação do docente Psicólogo Cláudio José Cobianchi.


O HCTP é uma instituição pública mantida pelo governo, vinculada à secretaria da administração penitenciária, através da coordenadoria dos estabelecimentos penitenciários. Está localizada na rodovia Luiz Salomão Chama, km 43, Vila Ramos, em Franco da Rocha, município do estado de São Paulo. Fundada em 1934 pelo Dr. Franco da Rocha, como uma colônia do complexo Juqueri. Atualmente conta com 500 funcionários, sendo 300 agentes de segurança penitenciária e os outros 200 divididos em auxiliares de enfermagem, auxiliares de serviços, atendentes de enfermagem, cozinheiros, escriturários, secretários, telefonistas, médicos, técnicos desportivo, psicólogos, dentistas, assistentes sociais.


O quadro dos profissionais da saúde estão distribuídos em:


Médicos: 09 - Técnicos Desportivo: 02


Psicólogos: 04 - Dentistas: 02


Assistentes Sociais: 06



O HCTP é um complexo formado por quatro unidades distintas.


A primeira unidade é o prédio onde funciona a administração. É um conjunto de salas pequenas, com instalações simplórias.


Na segunda unidade, funciona a colônia onde se realiza o processo de desinternação. É um conjunto de salões simultâneos em cujo centro há um pátio, pequeno, com dois bancos de cimento e mais nada. Um dos salões, o que servem para reuniões, possui em seu interior uma mesa e uma cadeira, dois sofás e nada mais. Uma sala, onde funciona o departamento de psicologia, contendo um único livro de psicologia; é uma sala pequena, com uma mesa com cadeira e outras três cadeiras ligadas umas nas outras. A cozinha parecia desabitada. Logo após a entrada, há um salão de espera onde estavam colocadas obras de arte (pinturas) produzida pelos internos. As pinturas são colocadas, quase amontoadas, sobre uma mesa, outras nas paredes. Os dormitórios continham leitos com uma “certa” distância entre si, no máximo com quatro internos. Banheiros em condições regulares, um pouco precários. Mesmo sendo alojamento de desinternação, continha fortes grades de ferro em todas as janelas, e um portão de ferro na entrada. Ao seu redor há uma horta com algumas hortaliças, cercada com estacas de madeira e arame farpado. É habitado por 60 internos em regime semi-aberto. Quase todos saem para trabalhar durante o dia, retornando, às 17 horas, para dormirem.


A terceira unidade é similar a um presídio fechado comum. Totalmente cercado por muros bem altos. No interior vários pavilhões sempre em frente a um pátio. Esse pátio não tinha, senão, o espaço vazio. É utilizado para tomar sol em pé ou deitado no chão de cimento. Cada salão continha um imenso número de leitos normais e alguns “leito-chão”. A distância entre uma cama e outra não era maior que 40 cm. O banheiro é bem precário. A iluminação bem reduzida. O estado da higiene estava regular. A CTI é dividida em duas alas de “enfermarias”. Num extremo, leitos normais em salas abertas e, ao lado oposto do corredor, outra ala constituída por um conjunto de celas fortes, com grades de ferro dispostas do chão ao teto. Há um pequeno salão onde se ministram “aulas” diversas, porém, com pouquíssimos recursos. Ao fundo uma quadra para prática de futebol. Os internos são recolhidos compulsoriamente em suas celas respectivas às 17 horas, só podendo sair às 8 horas do dia seguinte. Em cada pavilhão há um sistema de poder constituído entre os internos. Os lideres ocupam os cantos do salão e demarcam suas áreas, amarrando barbante entre as camas. Há uma moeda corrente entre eles. Os cigarros. As drogas circulam entre usuários. A homossexualidade é tolerada, mesmo porque durante a noite os internos, como já foi dito, ficam entregues a si mesmos. A aparência física é, em alguns casos, deplorável. A saúde bucal é inexistente. A única terapia aplicada é a farmacologia. Os internos são drogados até como punição. São mais ou menos em número de 400 homens. Referem-se a se mesmos como presos. Criminosos. Um dia, de qualquer um, é praticamente igual ao dia anterior ou posterior. As pessoas ali depositadas perdem o elo com a realidade.


A quarta unidade funciona a colônia feminina. É um regime fechado. Tem as mesmas condições biopsicosociais que a colônia masculina. É habitada por, mais ou menos, 60 internas. Está instalada num espaço físico menor em função, provavelmente, da demanda.


Os internos do HCTP são, na grande maioria, pobres, negros, jovens, sem profissão definida, sem escolaridade. São portadores de psicoses: esquizofrenia, oligofrenia e hebefrenia; neurose grave; psicopatia; epilepsia. Recebem atendimento assistêncial e não preventivo.
O atendimento aos portadores de HIV é realizado no COAS (Centro de orientação e apoio sorológico) da cidade de Franco da Rocha. A prevenção se dá através do corpo multidiciplinar formado por profissionais da saúde. A atuação engloba desde palestras a entrega de preservativos.


A homossexualidade é tolerada pela instituição, apesar de não permitida. O encontro entre internos de sexo oposto só é permitido pelo juiz corregedor, que, por sua vez, sempre nega. Em outro momento foi dada a permissão para o contato, porém, a instituição não deveria permitir o sexo. A instituição conta atualmente com 26 casos de AIDS, em tratamento. O conjunto de
normas internas são ditadas pelos representantes do judiciário sem divulgação de nenhum critério, que justificasse tais normas.



Situação geral da população interna



Pacientes existentes até – 04.10.1999


Masculino: 557 - Feminino: 62


Saída provável: 02 - Total: 621


Medida de segurança


Masculino: 513 - Feminino: 56


Total: 569


Sentenciado


Masculino: 20 - Feminino: 01


Total: 21


Réus


Masculino: 24 - Feminino: 07


Total: 31Distribuição por unidade


Pavilhão/Vagas/População existente


01 40 62


02 40 63


03 40 64


04 40 64


05 40 62


07 40 63


08 40 65


09 15 13


CTI -0- 10


Clínica 35 34


Colônia Nova


Feminina 56 55


População existente


Masculino 557 - Feminino 64


Total 621


Divisão de Psicologia



A divisão de psicologia passou a fazer parte da instituição em 1976. Desde então, e ainda hoje, o trabalho é limitado pois o número de internos é muito grande para a quantidade de profissionais contratados. A abordagem teórica utilizada é comportamental. As técnicas utilizadas são diversas e as atividades são grupais, assim como grupo de drogas, grupo multiplicadores de vida, grupo de estimulação (gincana, coral), grupo de apoio a portadores soro positivo, (para intervenção e tratamento). Os psicólogos também participam na avaliação para saída terapêutica, entrevistas de inclusões e perícia. Não há espaço físico adequado e as atividades são realizadas com ajuda de aprimorandos e estagiários. Os salários são baixos e a escassez de recursos reflete diretamente no resultado do trabalho. Falta verba para aquisição de materiais como testes psicológicos, tintas, telas, lápis, canetas e outros lúdico-pedagógico.


Com relação aos funcionários em geral não há acompanhamento psicológico. O grupo multiplicadores de infectados por HIV, realizam palestras de prevenção e, com alguma
periodicidade, uma tarde é destinada para que os funcionários falem sobre seus problemas com o trabalho e seus chefes.


Na avaliação do Núcleo de Psicologia, o HCTP é um lugar muito antigo, cheio de “manias”, costumes viciados e normas que aparentam mante-lo em equilíbrio, onde qualquer proposta inovadora indica uma ameaça.


O sofrimento mental e sua história


Idade média


O homem desde a muito tempo busca explicar o mundo e domar a natureza. Ao mesmo tempo que se encanta com o maravilhoso, ele caminha a procura de explicações para tudo aquilo que não pode entender ainda. Para Chaui (1997 : 308) o sagrado é criado no “processo de simbolização e encantamento do mundo”. O sagrado passa a dar sentido ao tempo, ao espaço e aos seres que, aí, nascem vivem e morrem. Surge então a religião com a finalidade assim descrita por Chaui (op.cit.: 308):


 “ proteger os seres humanos contra o medo da Natureza...
 dar aos humanos um acesso à verdade do mundo...
 oferecer aos humanos a esperança de vida após a morte...
 oferecer consolo aos aflitos...
 garantir respeito às normas...”
Apesar das críticas realizadas pelos pensadores antigos, como os pré-socráticos que condenavam o politeísmo e o antropomorfismo, e numa seqüência ininterrupta, aparecem Sócrates, seus discípulos e outros, a faze-la sistematicamente, há ainda hoje quem explique fatos e atos naturais como provenientes da vontade direta de Deus. Cria-se com isso a instituição do miraculoso. As raízes dessa instituição se encontram na igreja, desde que esta assumiu o poder e dominou o conhecimento. Com o domínio do clero o comportamento humano “normal” passou a ser aquele determinado pela igreja. Assim o comportamento normal era representado pelo “bem”, determinado por “Deus”. Entretanto todo comportamento contrário aos desígnios da fé, era mal e não era do “agrado” de “Deus”, e sim de seu contendor. O Demônio.


Como é descrito em Holmes (1997 : 26), essa fase, que ele denomina de “demonologia”(sic), é “a crença de que o comportamento anormal é causado por forças sobrenaturais que assumem o controle da mente ou do corpo...”. O autor explica que essas crenças eram perfeitamente aceitáveis, tendo em vista que naquela época fenômenos como “incêndios e inundações, também eram causados por forças sobrenaturais”. É nessa época que surge a introdução de explicações fisiológicas. Hipócrates (460-377 d.C), considerado o pai da medicina, assevera que o cérebro é o órgão responsável pelos transtornos mentais. Entretanto como informa Holmes (op.cit.: 27) a religião dominou (500 a 1500 d.C.), “em virtualmente todos os aspectos da vida européia”. Esse fato concorreu para que as idéias de Hipócrates fossem esquecidas. Reativada a “demonologia” retomam as práticas violentas de exorcismo. Assim “pessoas consideradas possuídas pelo demônio eram apedrejadas ou torturadas de outros modos”. A igreja não fazia distinção entre “doente mental”, “bruxas” e “possuídos”, assim todos eram queimados vivos. Holmes (op.cit.: 27) declara que “os indivíduos perturbados eram vistos como ameaças para a sociedade e mortos em uma tentativa de proteger os outros”.


Como pode ser percebido pelo descrito até aqui, submeter seres humanas “diferentes” a situações brutais de violência com o argumento de que é medida de proteção, tem origens antigas. É bom lembrar que esse foi o tratamento dado aos primeiros cristãos.


Renascimento


Três fatores muito importantes marcaram uma época de grandes transformações na comunidade européia e no mundo, segundo Mello e Costa (1993 : 15), “a grande fome (1315 – 1317),
a peste negra (1347 – 1350) e a guerra dos cem anos (1337 – 1453)”. Os autores apontam que essas tragédias foram responsáveis pelo desequilíbrio do sistema feudal. Sangrentas rebeliões, “conhecidas como jacqueiries”, brotaram entre os camponeses devastando a servidão. Começa então a aparecer o “sistema de arredamento de terra com base no pagamento em dinheiro”. Nesse período, as fortes pressões sofridas na economia levaram a burguesia, a nobreza e o clero a se unirem em busca de novos horizontes. Dar-se então o início das grandes navegações. O mundo começava a se interligar. E como conseqüência emerge a revolução comercial, e esta, por sua vez, desencadeia a revolução industrial. De acordo com Mello e Costa (op.cit.: 31), o intercâmbio cultural nascido do contato entre as diferentes comunidades, através das navegações, impõe a Europa grandes alterações culturais. Vários são os expoentes na arte, na literatura e na filosofia na época, e entre eles, especialmente estão o pintor Jerônimo Bosch e o pensador e escritor, o príncipe dos humanistas, Erasmo de Rotterdam.
Hieronymus Bosch ou Jerome van Aken ou El Bosco, para os países de língua espanhola, foi um pintor que produziu uma das obras mais “bizarras” no ocidente. A história não registra exatamente o seu nascimento, mas estima-se que foi por volta de 1450 e o falecimento em 1516. Suas obras marcaram algo de incomum até então. Bosch pintava formas humanas deformadas, como se fosse um surrealista. A peculiaridade de sua obra levou Carl Gustav Jung * afirmar “O mestre do monstruoso, o descobridor do inconsciente”. Assim também pensa o Frei José de Siguenza * quando afirma “ só ele tem audácia de pintar o homem tal como é, não por fora, mas por dentro”.


(* Pinacoteca Caras. Ed. Caras. Espanha 1998)


Alguns de seus quadros mais importantes são, “O Jardim das Delícias Terrenas (1504), Cristo Carregando a Cruz (1490), A Crucificação (1480) .

É importante salientar que a sociedade medieval, um pouco antes de Bosch, por força da igreja, estava caracterizada segundo Adalberto, bispo de Laon, In: Boutruche (apud, Mello e Costa. Op.cit.: 9), da seguinte maneira:



“A ordem eclesiástica forma um só corpo, mas a divisão da sociedade
compreende três ordens. A lei humana distingue duas condições. O
nobre e o não-livre não são governados por uma lei idêntica. Os nobres
são os guerreiros, os protetores das igrejas. Defendem a todos os homens
do povo, grandes ou modestos, e também a si mesmos.
A outra classe é a dos não-livres. Esta desgraçada raça nada possui sem
sofrimento. Provisões, vestimentas são fornecidas a todos pelos não-
livres, pois nenhum homem livre é capaz de viver sem eles. Portanto, a
cidade de Deus, que se crê única, está dividida em três ordens: alguns
rezam, outros combatem e outros trabalham.”



Como se observa o clero manipulava e oprimia tanto o nobre quanto o não-livre. A sociedade era àquela época estamental. O indivíduo nascia condenado a uma realidade, que lhe era peculiar, e não tinha a menor possibilidade de mudar. O que nascia servo morria servo. O nobre morria nobre. Não havia o espaço privado, o “eu”. Ao homem não era permitido ser algo diferente daquilo que “Deus” lhe determinava. Assim, todas as vezes que alguém se rebelava contra esse sistema, (fechado) era considerado louco, possuído pelo demônio, e teria justificada sua morte na fogueira.


É provável que Bosch pintava exatamente essa loucura. O homem se rebelando contra “Deus” e buscando a liberdade. Na tela cujo título é “ Jardim das Delícias Terrenas”, o pintor desenha figuras humanas, em sua maioria, em prática de sexo livre. Em outros tantos pontos da tela as
pessoas são introduzidas em algum objeto, numa demonstração de que o homem se encontrava, àquela época, totalmente reprimido sexualmente.


Em Erasmo de Rotterdam,* na obra O Elogio da Loucura, uma severa crítica é feita ao sistema de funcionamento da sociedade da época. Erasmo cria um personagem louco neste livro. E quando era questionado a respeito do sarcasmo e das críticas que continha sua obra, ele simplesmente dizia “não ser ele quem faz” e sim “Dona Estultícia” (a personagem). E quem deve tomar a sério a loucura ? . Pode-se observar o que desejava atingir com sua sátira, através do trecho abaixo.



“O resultado foi a crítica impiedosa dos juristas minuciosos, dos
filósofos escolásticos, dos nobres arrogantes, dos bispos luxuriosos,
dos negociantes sórdidos e estúpidos, dos militares que julgavam ser
suficiente atirar uma moeda numa bandeja para adquirir a
indulgência que os deixaria puros e limpos como quando
nasceram”. (Os Pensadores, Abril Cultural -p. XIII)



“O Elogio da Loucura” influenciou de forma decisiva o movimento chamado reforma. O livro abalou as estruturas sociais da época.


Essa análise foi realizada para que se consiga demonstrar os vestígios de como foi sendo construída as idéias, ao longo dos séculos, que culminaram com o que seria, depois, a psicologia. De um lado a idéia de um homem portador de um universo interior e, do outro, a idéia do comportamento em busca do prazer e recompensa.


A caminho da idade moderna


Depois de algum tempo percebeu-se que pessoas perturbadas necessitavam de atendimento e não de exorcismo ou condenação. Segundo Holmes (op.cit.: 27), “ em 1547, o hospital Saint Mary of Bethlehem, em Londres, foi dedicado ao cuidado de pessoas perturbadas”. O autor relata que “cuidados” não descrevem bem o que era oferecido naquela época. Os asilos eram mais uma prisão do que hospital. As condições eram horríveis. Os pacientes eram algumas vezes acorrentados, e vez por outra, de maneira que não podiam dormir. Noutras ocasiões eram presos pelas correntes à grandes bolas de ferro. Nesta época os pacientes eram expostos ao público que pagava para vê-los. Era um divertimento.


Em 1792 surge Philippe Pinel com uma proposta renovadora. Ele ordenou que os pacientes fossem libertados das correntes, num hospital em Paris. Providenciou que fossem renovadas as instalações para se tornarem mais agradáveis.


Na Inglaterra, na mesma época, surge Wiliam Tuke e os Quakers. Eles abriram um retiro numa propriedade rural, pois achavam que ar fresco e descanso serviam de terapia.


Nos Estados Unidos aparece Benjamin Rush, “pai da psiquiatria norte-americana”, que introduziu tratamento humanitário no Pennsylvania hospital em 1783.


Entre 1841 e 1881, Dorothea Dix, professora de primeiro grau, comanda uma eficaz campanha para alertar a população sobre os maus tratos a que os pacientes eram submetidos nos hospitais. Durante sua luta conseguiu dinheiro e criou 32 hospitais psiquiátricos.


Ainda em Holmes (op.cit.: 27), existem relatos escritos informando que, após a retirada das correntes, os pacientes ficaram mais calmos. Entretanto não havia melhoras significativas.


Surgimento da Psicologia


A partir do século XIX, surge a crença de que comportamento anormal poderia ter causas psicológicas. Holmes (op.cit.: 28), descreve que foi Franz Anton Mesmer, uma das primeiras figuras importantes. Mesmer acreditava que comportamento anormal era fruto de um desequilíbrio do “líquido magnético”. O tratamento consistia em colocar o grupo de pacientes ao redor de uma enorme banheira contendo líquido magnético, e em seguida, ao som de música, estes se tocavam, nas partes
afligidas, com hastes de ferro retiradas de dentro da banheira. Na seqüência da sessão, alguns começavam a tremer, os membros contraiam-se convulsivamente, então gemiam, gritavam, choravam e no fim alguns dançavam de maneira selvagem ou dormiam. A crise continuaria por algum tempo, quando então alguns pacientes se acalmavam e ficavam livres do sintoma. No entanto a comunidade cientifica da época condenou a técnica de Mesmer e este foi taxado de charlatão e proibido de clinicar. Holmes ainda lembra que, apesar de Mesmer morrer na obscuridade, exerceu longa influência sobre a Psicologia porque é considerado pai do hipnotismo, originalmente, mesmerismo.


Outro pesquisador importante no desenvolvimento da psicologia foi Jean Martin Charcot, neurologista e diretor do Hospital Salpêntrière em Paris ( este foi o mesmo hospital que, um século antes, Pinel libertara os pacientes de suas correntes). Charcot, na época, se interessava pelos pacientes que sofriam “do que era então chamado histeria”. “Os transtornos histéricos envolvem sintomas físicos que não apresentam uma base orgânica”. Segundo Holmes, esses problemas são chamados de “transtorno somatoformes porque assumem a forma de problemas somáticos”. Charcot descobriu que os transtornos histéricos e a hipnose (a princípio ambas estavam associadas por ele) eram efeitos da sugestão, por tanto, tinham uma causa psicológica.


Com esse achado abriu-se campo para a psicologia e, pouco depois, surge a figura de outro neurologista, também interessado na histeria. Sigmund Freud. Como descrito por Holmes (op.cit.:29), no início de sua carreira, Freud fez amizade com outro neurologista, Josef Breuer, que estivera tratando de uma paciente, referida nos escritos do próprio Freud como Anna O., que apresentava alguns sintomas, incluindo paralisias de três membros. Breuer descobriu que depois que sua paciente, sob hipnose, “falava de seus sintomas”, estes “desapareciam temporariamente”. “A este processo deu o nome de catarse”, que significa “uma purgação que promove renovação espiritual ou liberação de tensão”. Este caso levou Freud a pensar em causas psicológicas e, pouco depois, deslocou-se para Paris onde estudou a hipnose com Charcot. Como o desaparecimento dos sintomas era temporário, Freud o descartou a hipnose e “criou o processo, chamado por ele, de associação livre”. No desenrolar de sua atuação foi o pioneiro na abordagem psicodinâmica ao entendimento do comportamento anormal. Freud acreditava que todo comportamento normal e anormal era fruto da interação entre as forças da mente. “A perspectiva psicodinâmica” referia-se às forças da mente que impulsiona ou remove nosso comportamento. Seu trabalho o levou a construir a Psicanálise.


Paralelo a Freud, desenvolvendo sua teoria do comportamento, surge o fisiologista russo Ivan Pavlov. Ele trabalhou com cães, em seu laboratório, e fez descobertas bastantes diferentes. Pavlov ( apud, Holmes op.cit.: 30) descobriu que “ se um estímulo (carne) que provoca uma resposta (salivação) fosse consistentemente combinado a um estímulo neutro (uma sineta), este inicialmente não provocava a resposta, mas após muitas combinações o estímulo neutro podia provocar a resposta”. É chamado hoje de condicionamento clássico.


Outro estudo muito importante foi realizado por Edward L. Thorndike. Observando como gatos resolviam problemas, Thorndike descreveu o processo, que ele denominou de condicionamento operante. Holmes (op.cit.: 30) informa que, “o termo operante vem do fato de que o animal age ou opera para obter gratificações e evitar punições”.


Com as descobertas de Thorndike e Pavlov, o psicólogo norte-americano John B. Watson, promove a idéia de que comportamento normal e anormal em humanos, pode ser explicado por condicionamentos.


Pavlov (Apud, Holmes op.cit.: 30) afirma que


“os medos (fobias) são decorrentes de condicionamento
clássico ao invés de conflitos inconscientes e que comportamentos como acesso de raiva são
operantemente condicionados porque levam a gratificações”.




Essa forma de entender o homem foi denominada de comportamentalismo.


Outro norte-americano a defender radicalmente o comportamentalismo foi B. F. Skinner. O trabalho de Skinner deu base para o surgimento da perspectiva da aprendizagem “(ou condicionamento) sobre o comportamento anormal”.


Das críticas ao comportamentalismo (ignoravam os processos cognitivos) nasce a perspectiva cognitiva sobre o comportamento anormal.


O surgimento da Psicofarmacologia


Conforme Holmes (op.cit.: 31), diversas eram as tentativas de tratamento fisiológico para o comportamento anormal, porém sem eficácia. Esquizofrênicos eram amarrados numa cadeira giratória até que perdesse os sentidos. Ou eram submetidos a banhos quentes e frios. Entretanto, no início dos anos 50, químicos franceses trabalhavam na produção de anti-histamínicos para tratamento de alergia e asma, percebeu-se que ocorria um efeito colateral. Indivíduos normais submetidos aos anti-histamínicos, apresentavam uma tendência a sonolência. Aplicou-se então, em pacientes esquizofrênicos, uma versão mais forte de anti-histamínicos e estes se tornaram mais calmos, sua confusão cognitiva foi reduzida e o comportamento ficou mais normal. A partir desse resultado formas mais poderosas de anti-histamínicos foram produzidas e adaptadas para uso como drogas antipsicóticas. Com essa descoberta os hospitais ficaram mais calmos, o que possibilitou, ao invés da contenção, o tratamento dos pacientes. Muitos pacientes passaram a receber a medicação e viverem junto aos seus familiares. Outro fator importante foi que as causas do comportamento anormal passaram a ser pesquisadas de outra forma. “Se os pesquisadores pudessem determinar como o cérebro era afetado por tais drogas, seria possível determinar o que no cérebro causara o comportamento anormal”. Nasce assim a psicofarmacologia.


Definição de comportamento anormal


Segundo Cabral e Nick (1998 : 26), anormalidade é um “desvio mais ou menos extremo e prejudicial das condições normais de equilíbrio, integração e ajustamento, tendo como causa direta ou indireta fatores patológicos ou morbidos”.


Um outro foco de entendimento do comportamento anormal é fornecido pela Antropologia Social. Em Merton (1970) encontra-se a concepção de que a estrutura social é ativa, produtora de novas motivações não previstas na base do conhecimento dos impulsos endógenos do homem. O autor tenta demonstrar como a estrutura social e cultural geram a pressão necessária ao surgimento do comportamento desviante. Assim, Merton (op.cit.: 204-5), assevera que dentre os elementos da estrutura social, dois são de elevada importância para o desenvolvimento do “comportamento socialmente desviado”.


“O primeiro consiste em objetivos culturalmente definidos de propósitos e
interesses, mantidos como objetivos legítimos para todos, ou membros
diversamente localizados da sociedade. Os objetivos são mais ou menos
integrados – o grau de integração é uma questão de fato empírico e
aproximadamente ordenados em alguma hierarquia de valores. Um segundo
elemento da estrutura cultural define, regula e controla os modos aceitáveis
de alcançar estes objetivos. Cada grupo social invariavelmente liga seus
objetivos culturais a regulamentos, enraizados nos costumes ou nas
instituições, de procedimentos permissíveis para a procura de tais objetivos”.


Com esse pressuposto, Merton (op.cit.: 205-6), assegura que os objetivos e as normas apesar de funcionarem ao mesmo tempo, não significa que exerçam relação constante uns sobre os outros. A importância cultural dada a certos objetivos varia de maneira independente em relação a importância dada sobre os meios institucionalizados. Nesta óptica Mertoniana pode ocorrer uma tensão muito pesada e, por vezes exclusiva, sobre o valor de objetivos particulares sem contudo desenvolver meios institucionalmente recomendados para obtenção de tais objetivos.




“O caso-limite deste tipo é alcançado quando a amplitude de procedimentos
alternativos é governada apenas pelas normas técnicas em vez das normas
institucionais. Neste caso extremo e hipotético seriam permitidos todos e
quaisquer procedimentos que permitissem atingir esse objetivo tão
importante. Isto constitui um tipo de cultura mal-integrada”


Nestas condições a sociedade estaria “doente”, “instável”, “mal-integrada”, em situação de anomie. Esse conceito Mertoniano extrapola para uma patologia social. Porém o próprio Merton cria a expressão anomia para designar uma pessoa doente sem necessariamente fazer parte de uma sociedade em anomie. Todavia fica bastante evidente que o desequilíbrio dos valores sociais, objetivos e meios, provocam o surgimento do indivíduo doente.


Do ponto de vista de Holmes (op.cit.: 31), o comportamento anormal possui dois aspectos. Considerando o indivíduo como base, o foco é o sofrimento. Assim “os indivíduos são definidos como anormais quando estão ansiosos, deprimidos, insatisfeitos ou de outro modo seriamente perturbados”. O segundo foco é a incapacidade do indivíduo. Assim, “os indivíduos são considerados como anormais quando não são capazes de funcionar pessoal, social, fisiológica ou profissionalmente”. Em outras palavras, a anormalidade é definida em “termos de felicidade e eficácia”, sem contudo considerar o que “os outros pensam sobre ele”. Considerando como base a cultura o foco é o desvio da norma. Assim, “o grau no qual os indivíduos se desviam de normas culturais”. Holmes cita como exemplo a alucinação. Esta será anormal se a maioria das pessoas não alucinam. Quanto a essa realidade não podemos deixar de considerar que a normalidade vária de uma cultura para outra.


No capítulo destinado a tratar sobre o mito da doença mental, Holmes (op.cit.: 32), assevera que normalmente as pessoas se referem a comportamento anormal como reflexo de “doença mental”, e que, “o conceito de doença mental implica em que há algo ‘errado’ com o indivíduo, de modo que ele precisa ser ‘tratado’”. Entretanto, “alguns acham que doença mental é um mito” Szasz (apud, holmes op.cit.: 32). O autor afirma que não há tal “coisa” e os indivíduos não precisam ser tratados. Três pontos se baseia tal crença. “Comportamento anormal é simplesmente um comportamento diferente; o indivíduo pode ter uma crença incomum; é devido a algo errado na sociedade”. Essas propostas apontam para os riscos que o rótulo de comportamento anormal poderia trazer. “Poderia encorajar implicitamente o comportamento anormal”; aliviar “da responsabilidade” pelo comportamento; “se atribuímos comportamento desviante à doença, podemos ignorar e não trabalhar sobre fatores sociais como pobreza e estresse, de quem pode causar comportamento anormal”.


Holmes propõe a seguinte questão:


“Se o conceito de doença mental está errado, por que ele é
uma explicação tão popular para o comportamento ?”


Segundo Holmes, aqueles que apontam para o mito, alegam que esse fato se dá porque é uma “maneira conveniente” para lidar com “pessoas que nos perturbam”. Coloca-los “fora de nossa vista” e “fora de nossa mente”. Para evitar a “responsabilidade” da difícil tarefa de “mudar a sociedade”.


Mas o que seria então a doença mental, um mito ou realidade ? Ainda discutindo o mesmo capítulo, Holmes acredita que este ponto de vista tem seus méritos. Existem algumas “formas sérias de comportamento que resultam de fatores ambientais ao invés de doença”. E cita como exemplo


“O transtorno psicótico breve envolvendo alucinações, delírios e uma ruptura dos processos de pensamento, porém, em muitos casos, o transtorno é considerado como uma reação a um estresse avassalador e os sintomas se dissiparão quando o estresse for reduzido, independentemente de o indivíduo receber ou não tratamento”.


O autor sugeri que poderia haver uma deficiência na amplitude da definição de doença mental, e traz os seguintes exemplos.



“Se uma criança está apresentando dificuldade em aritmética, poderia ser
diagnosticada como sofrendo de transtorno matemático” ... “Se você está
indevidamente preocupado em relação a sua aparência, você poderia ser
diagnosticado como sofrendo de transtorno dismórfico”.


O autor pergunta se estas são realmente doenças psiquiátricas, e sugeri que o “sistema é abusado” ou “falha” e como conseqüência as pessoas são encarceradas em hospitais de “forma injustificada” ou por “engano”. Mas, o autor persevera que também existem “sérios e debilitantes sintomas dos quais estas pessoas sofrem e não são conseqüência de sugestão e não estão sob controle voluntário. Claramente, alguns indivíduos estão doentes”.


O surgimento dos Hospitais


A palavra hospital possui uma dupla significação. Encontra-se em Gonçalves e Borba (apud, Campos 1995 : 15/6), que a “palavra hospital vem do latim ‘hospes’, que significa hóspede, deu origem a ‘hospitalis e ‘hospitium’ que designava o lugar onde se hospedavam na Antigüidade, além de enfermos, viajantes e peregrinos”. Entretanto, quando o lugar se ocupava de “pobres”, “incuráveis” e “insanos”, era chamado de “hospitium”. Hospício é a palavra usada, por muito tempo, para designar, segundo a autora, “hospital de psiquiatra”. Desde antes da era cristã já se contam prédios, junto aos templos, destinados a enfermos. O tratamento consistia em colocar o doente próximo a “estatua do deus para que a ação dos sonhos associada à de medicamentos empíricos preparados pelos sacerdotes pudessem curar” (Campos, op.cit.:16). Com o passar dos tempos, os prédios foram sendo deslocados para junto às estradas, onde passavam o exército. Ali os soldados descansavam e os enfermos eram tratados. Nessa época aparece locais semelhantes para tratamento de civis e isolamento de pessoas portadoras de doença contagiosa, que precisava ser separadas do resto da sociedade. Ainda segundo os estudos da autora pode se dizer que os hospitais eram apenas depósito de pessoas doentes destituídas de recursos. Assim, em 360 d.C. nasce historicamente o hospital, fruto da influência do cristianismo que exaltava a preocupação com o semelhante. Percebe-se que, desde a origem, o hospital tem a finalidade de isolar e tratar.


Discussão


Até aqui realizou-se uma construção teórica para fundamentar algumas questões relacionadas com o crime, a loucura e o surgimento do manicômio judiciário. Como é possível perceber, segregar do meio social, pessoas diferentes, é uma prática muito antiga. Desde o início dos tempos o homem busca obter controle sobre a natureza. Quando esse intento é impedido por ignorância da coisa, surge o miraculoso para aliviar as angústias. Entretanto, a medida que a ciência desvenda alguns mistérios sobre a mente humana, o homem fica mais perto da realidade e de como lidar com ela. Porém, nem sempre esquece o mito. Ao contrário, soma o inexplicável com o explicável. Por causa desse fenômeno humano, assiste-se, ainda hoje em dia, práticas de expulsão de demônios, ao mesmo tempo que outros buscam as ciências para se cuidarem. Contudo, entre o que é aceitável como comportamento normal e o anormal pode haver o crime. Nesse caso não há procura nem pela igreja e nem pelo médico e sim pela segregação e isolamento. Como o exemplo que se segue:


“ O deficiente mental Genival Henrique da Silva, 27 anos, já havia sido indiciado
por tentativa de homicídio pela delegacia de Ipojuca. No dia 21 de janeiro de
1995, ele foi preso após tentar matar, com dez facadas, a pedinte Marinalva Maria
da Silva, no bairro de São Miguel, onde mora. O delegado de Ipojuca, Moisés
Texeira Barbosa, disse que, na época, o acusado foi encaminhado para o Presídio
Aníbal Bruno e depois transferido para o Manicômio Judiciário, localizado na Ilha
de Itamaracá.



Vários vizinhos já prestaram queixas na delegacia contra Genival. "A reclamação era sempre a mesma. Ele agredia as pessoas jogando pedra em quem passasse perto de sua casa", explicou o delegado. Considerado violento pelos próprios
parentes, há cerca de um mês, o deficiente tentou furar a própria sobrinha Cláudia
Gomes de Sales, 23 anos. "Eu fui na casa dele buscar umas roupas e meu tio ficou
nervoso e tentou me agredir. Só não morri porque estava na frente da casa e
consegui correr", contou. Ela disse que a única pessoa que se aproximava de
Genival era a mãe dele. "Ele só queria morar com ela. Eram muito unidos",
destacou.



Familiares afirmaram que Genival foi internado em vários hospitais psiquiátricos do Recife. A última internação foi na Clínica Luís Inácio, de onde o deficiente
recebeu alta no último mês de fevereiro. "Eu não entendi porque deixaram ele
voltar para casa, pois ele continuava violento e sem querer se comunicar com
ninguém. Se tivessem deixado ele internado, essa tragédia teria sido evitada",
lamentou a irmã do acusado, Lídia Gomes de Sales. O delegado de Ipojuca explicou
que Genival será encaminhado novamente para o Manicômio Judiciário, onde
ficará aguardando julgamento.” (fonte internet).




É nesse ínterim que vamos encontrar o HCTP localizado como instituição “protetora” da sociedade, contendo àqueles que desviaram e cometeram crime.


Os internos do HCTP são indivíduos que estão sob medida de segurança, réu e sentenciado. Sob medida de segurança são aqueles indivíduos, que no ato do crime, não eram detentores das condições mentais normais, e portanto não entendiam que o ato era delituoso. São submetidos à um tratamento (pena) de um a três anos. Réus são aqueles que não foram julgados, mas no decorrer do processo percebeu-se que é portador de deficiência mental. Sentenciados são aqueles presos comuns que durante o cumprimento da pena apresentam algum sintoma de sofrimento mental.


Segundo Delmanto (1986 : 25/6), o código penal brasileiro prevê em seu artigo 26 da inimputabilidade.



“Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou
desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao
tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de
entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de
acordo com esse entendimento”.


“ Redução de pena


Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois
terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental
ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não
era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou
de determinar-se de acordo com esse entendimento.”



“ Natureza – A inimputabilidade é uma das causas de exclusão
da culpabilidade. O crime persiste, mas não se aplica pena, por
ausência de reprovabilidade”.






Do Hospital de Custódia e tratamento Psiquiátrico





“Art. 99 – O Hospital de custódia e Tratamento Psiquiátrico
destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art.
26 e seu parágrafo único do Código Penal.
Parágrafo único. Aplica-se ao Hospital, no que couber, o
disposto no parágrafo único do art. 88 dessa lei.



Art. 88 – O condenado será alojado em cela individual que
conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único – São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de
aeração (sic), insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de seis metros quadrados.”



Como observa-se a lei é confusa, pois, ao mesmo tempo que isenta a culpa, condena. Como se lê no art.88. (o condenado ...). Essa observação também é feita por Carrara (1998 : 27), onde se lê, “tive a impressão (dessas tão caras à antropologia) de estar entrando em uma instituição híbrida e contraditória, de difícil definição”. Referindo-se ao estudo realizado no manicômio judiciário Heitor Carrilho no Rio de Janeiro. E, mais adiante na mesma página, o autor concluí, tendo em vista a bibliografia clássica nas ciências sociais, que “sob a fachada médica das instituições psiquiátricas, desenrola-se, na verdade, uma prática secular de contenção, moralização e disciplinarização de indivíduos socialmente desviantes”. Denuncia-se, assim, a prisão que está por traz de cada hospital.


O problema é: quem a sociedade brasileira envia para o manicômio, culpados ou inocentes ?


Para refletir sobre essa questão necessita-se de uma análise do comportamento desviante.


Do ponto de vista jurídico - o comportamento desviante é aquele previsto pela lei. Encontra-se em Delmanto ( op.cit.: 3), “ nenhum comportamento pode ser considerado crime, sem que uma lei anterior à sua prática (e não apenas ao seu julgamento) o defina como tal”. O jurista assevera que esse princípio garante a liberdade das pessoas e elimina a possibilidade de haver punição por um comportamento que não é considerado delituoso. Conforme o código penal brasileiro,


“Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena
sem prévia cominação legal”.


É bom que se compreenda que lei é um conjunto de normas instituídas pela sociedade e que tem por objetivo determinar direitos e deveres do indivíduo e do estado. Dessa forma é a sociedade quem define quem deve ser punido, o que deve ser punido e como deve ser essa punição.


Do ponto de vista da ciência - a definição é mais complexa. É de responsabilidade da ciência corrigir erros na avaliação do que seria normal ou anormal, pela sociedade e promover o devido tratamento, caso possível. Como foi descrito no tópico que tratou da definição do comportamento anormal, o indivíduo desviado é aquele que não possui equilíbrio, integração e ajustamento. Esse conceito é também contemplado pela antropologia através de Merton na definição de “anomie e anomia”. Porém é o Psicólogo David Holmes quem melhor amplia a discussão sobre comportamentos. Holmes analisa os dois aspectos do comportamento desviado, o indivíduo e a cultura. O indivíduo é desviado quando sofre ou é incapaz, sem considerar o que os outros pensam. No polo
cultural, desviado é aquele que não se submete a um mínimo de normas. Ou seja, é desviado aquele que não responde conforme o que é esperado pela sociedade.


Segundo Holmes, na base dessas idéias, está a possibilidade de não haver doença mental e sim comportamento diferente, crença incomum ou algo errado na sociedade. Então porque atribuir o título de doença mental ? A explicação dada é a de que a sociedade está acomodada (equilibrada) e não quer ser perturbada, e para isso quer o problema bem longe da mente e das vistas. Não deseja assumir a responsabilidade de mudar.


Retornando a discussão sobre quem é enviado ao manicômio (culpado ou inocente), encontra-se em Carrara (op.cit.: 27) que “para prisão enviamos culpados; o hospital ou hospício recebe inocentes”. O autor relata que a percepção da loucura e do crime, que já conta com mais de dois séculos, está na “essência” entre as transgressões levadas a termo por indivíduos ‘alienados’, “que não teria controle sobre suas ações”, e por aqueles considerados normais em pleno controle de seus atos e consciência do caráter delinqüente. Entretanto Carrara adverte que ainda há, de maneira subliminar, introjetada pelo senso comum, “a idéia de que crime se opõe à loucura como a culpa à inocência”. De uma forma ou de outra, no caso do manicômio, a idéia de pena e de tratamento se excluem, pois a “reação penal nunca deixou de significar explicitamente castigo ou expiação de uma culpa”. Ocorre então o que o autor considera “defeito constitucional”.


Esse fato é criticado por Foucault (1987 : 23 ), ao afirmar que, na França, apesar do supremo tribunal de justiça lembrar que “o estado de loucura não podia acarretar nem uma pena moderada, nem sequer uma absolvição, mas uma improcedência judicial”. Ainda assim, por uma falha de interpretação da lei (art. 64), considerou-se o louco criminoso: “culpado sem dúvida, mas que deveria ser enclausurado e tratado e não punido”.


O que foi encontrado no HCTP reforça a idéia de que a instituição é, muito mais, um presídio do que um hospital. Basta tomar como exemplo a distribuição dos profissionais que ali atuam. Dos 500 funcionários existentes, 300 são agentes de segurança. Há somente nove psiquiatras e quatro psicólogos para executarem o que deveria ser tratamento da saúde mental.


Mas como é possível equacionar o problema aqui encontrado. Se é a ciência quem determina o que é anormal, porque ela própria não pode determinar como e onde tratar os acometidos por desvios ? Onde estão as justificativas para ser o judiciário a instituição a tomar tais decisões ? Quem inventou o manicômio judiciário ?


Segundo Carrara (op.cit.: 70/9), diante de peculiaridades que certos crimes apresentavam, no início do século XIX, aparecem os “alienistas”, por solicitação dos tribunais, para solucionarem o enigma. Surge dessa forma o elo entre a psiquiatria e o aparelho judiciário. Mas, é justamente a medicina da época quem define o comportamento desviante como procedente de uma “doença congênita ou hereditária que se revela em surtos rápidos e repentinos, às vezes na fugacidade de um único gesto”. Assim, durante o século XIX a loucura aparece como algo imprevisível e, logo, perigoso. Estabelecida esta evidência ocorrem dois fatores importantes na instituição asilar. Se por um lado aumenta o poder social da medicina, já que só a técnica poderia decifrar e cuidar do imprevisível, ao mesmo tempo, perde-se esse poder em conseqüência dos resultados curativos da intervenção psiquiátrica. Como explica Carrara, como curar algo já definido como congênito ou hereditário ? Como tratar loucos morais cuja doença não lhes permite assimilar as normas sociais ? É a partir dessa perspectiva que a loucura vem se firmando dentro de asilos há mais de dois séculos. Mantido esse papel da psiquiatria que compreende apenas definir quais são “as populações passíveis de punição (culpáveis) das que não são”, ficam destinado aos juristas legitimarem a reação penal. Dessa óptica a própria medicina endossa o sistema cruel e punitivo existente, mas, ao mesmo tempo consolida seu poder perante outros profissionais de diferentes áreas específicas.



A inserção da Psicologia no Manicômio


No Brasil a Psicologia, só a muito pouco tempo, ganhou status de ciência. Como o país tem um sistema viciado, onde os interesses capitalistas são exacerbados, a Psicologia não tem incentivo para pesquisa e os espaços oferecidos para atuação do psicólogo nas instituições são mínimos. Dois inconvenientes a Psicologia traz. O primeiro é abster-se do uso da farmacologia, o que causa prejuízos. O segundo é o caráter da reflexão e questionamento dos valores sociais que propõe. Ou seja, a Psicologia implica mudanças.


Para Paim ( 1993 : 182) “o hospital psiquiátrico se tornou uma instituição condenada justamente porque os pacientes não dispõem de espaço pessoal”. O autor salienta que a primeira degradação sofrida pelo interno é a perda da identidade. O ato de isolar impede a distância pessoal. Os internos são desrespeitados pelos médicos, enfermeiros agentes e outros profissionais, que não percebem que “ali” são seres humanos. Como poderia, a psicologia atuar aí ? A sociedade não tem interesse em rever as condições subumanas a que submete os indivíduos, como se estes, não fossem uma continuação da própria existência.


Como descrito anteriormente, no HCTP só existem quatro psicólogos para uma demanda de 621 internos. Não há verbas para aquisição de instrumentos e materiais. O trabalho é desenvolvido precariamente.


Mesmo considerando o avanço das pesquisas, em outros países mais desenvolvidos, a respeito da eficácia da psicoterapia, no Brasil, tal fato parece ser ignorado.


Bibliográficas


CABRAL, A e Nick. Dicionário Técnico de Psicologia, 10 Ed. São Paulo: Cultrix 1998 ///
CAMPOS, T. C. P. Psicologia Hospitalar, São Paulo: EPU 1995 ///
CARRARA, Sérgio. Crime e loucura, São Paulo: EdUSP 1998 ///
CHAUI, Marilena. Convite a filosofia, 9ª Ed. São Paulo: Ática 1997 ///
DELMANTO, Celso. Código penal comentado, Rio de Janeiro: Renovar 1986 ///
FOUCAULT, M. Vigiar e punir, 14 ª Ed. Petropolis, RJ: Vozes 1996 ///
HOLMES, David S. Psicologia dos transtornos mentais, 2ª Ed. Porto Alegre: Artes
Médicas 1997 ///
MEDEIROS, João B. Redação Científica, 3ª Ed. São Paulo: Atlas 1997 ///
MELO, L. I. e outro. História moderna e contemporânea, São Paulo: Scipione 1993 ///
MERTON, Robert K. Sociologia - Teoria e estrutura, São Paulo: Mestre Jou 1970 ///
PAIM, Isaías. Curso de psicopatologia, 11ª Ed. São Paulo: EPU 1993 ///
SEVERINO, A J. Metodologia do trabalho científico, 20ª São Paulo: Cortez 1996 ///









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