quarta-feira, 29 de setembro de 2010

5557 - LÍNGUAS DO PERU

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Ashaninka
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Terras habitadas
Kampa do Igarapé Primavera
Kampa do Rio Amônea
Kampa e Isolados do Rio Envira
Kaxinawa/Ashaninka do Rio Breu
Kaxinawa do Rio Humaitá
Riozinho do Alto Envira
Jaminawa/Envira
Foto: Beto Ricardo, 1989
AshaninkaOutros nomes
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Kampa Onde estão
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Acre, Peru Quantos são
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869 (CPI/Acre, 2004)
55.000 (1993)
Família linguística
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Aruak
História no Peru
A história do contato entre os Ashaninka e o mundo dos brancos é muito variável segundo as regiões. No Peru, alguns grupos locais foram contatados desde o final do século XVI com a atuação missionária do regime colonial, enquanto outros só iniciaram o contato com a sociedade nacional no fim do século XIX, no período do caucho e da borracha.

Podemos dividir a história do contato dos Ashaninka com os brancos em dois grandes períodos: a época colonial, marcada principalmente pelas incursões missionárias na Selva Central, e o período do Peru independente, caracterizado pela expansão da borracha que moldou várias regiões amazônicas e pela atuação de novos segmentos da sociedade branca junto às populações indígenas. Se os contatos com os brancos mudaram profundamente a vida dos Ashaninka, a história desse povo indígena não começa com a chegada dos europeus.



Comércio e guerra na Selva Central
Os Ashaninka estão presentes na Selva Central peruana há pelo menos 5 mil anos. O território dos Aruak sub-andinos foi fronteiriço da parte central do Império incaico, enquanto na região amazônica os limites entre os Aruak e os grupos Pano eram menos definidos (ambos sendo chamados pelos Inca de Anti). Em vários trabalhos, a antropóloga francesa Renard-Cazevitz (1985; 1991; 1992) mostrou como esses três conjuntos se estabeleceram relações de vizinhança que tomavam, segundo as circunstâncias, o caráter amistoso ou guerreiro.

Embora em pequena escala, antes da chegada dos espanhóis, existiam redes comerciais contínuas em tempo de paz entre os povos das terras baixas e os Incas, e os Ashaninka participavam ativamente desse comércio. No período estival, delegações de índios amazônicos subiam às cidades incas mais próximas com produtos da floresta: animais, peles, penas, madeira, algodão, plantas medicinais, mel… Em troca desses bens, os Anti voltavam aos seus territórios com tecidos, lã e, sobretudo, objetos de metal (jóias de ouro e prata, machados…). Muitos desses produtos eram distribuídos nas redes de parentesco e no comércio inter-amazônico. Além de seu valor econômico, adquirir bens raros e portanto preciosos era também um meio de garantir a paz, estabelecendo alianças políticas entre os negociantes e até laços de parentesco.

A despeito desses intercâmbios, períodos de paz alternavam com as guerras e o Império aspirava sempre conquistar a selva e seus habitantes. Apesar de um aparato militar superior e de esforços contínuos, as tentativas expansionistas do Imperio incaico em direção ao oriente foram inúteis e desastrosas. Quando a ameaça inca se intensificava, os "povos da floresta", guerreiros e experientes em seu meio (com vales abruptos, matas e rios de difícil acesso), mobilizavam suas amplas redes, baseadas no comércio interno nas terras baixas.

Anteriores ao Império Inca, as bases das redes comerciais e guerreiras inter-amazônicas operaram até o final do século XIX, começando progressivamente a desabar com a penetração mais intensa dos brancos na Amazônia no período da borracha. Nesse sistema comercial e guerreiro, os Ashaninka e, de uma maneira geral, os Aruak sub-andinos, ocupavam um lugar de destaque. Sua situação privilegiada resultava não só de sua localização estratégica entre as terras altas e os grupos Pano – que lhes permitia ativar a mobilização dos "povos da floresta" quando a ameaça Inca ou branca se intensificava –, mas também do controle da produção do principal produto envolvido no comércio amazônico: o sal, chamado tsiwi entre os Ashaninka do rio Amônia.

Para os "povos da floresta", o sal era um produto altamente cobiçado pelo sabor que dava à comida e por ser o meio de conservação de alimentos no clima quente e úmido das terras baixas. Situadas nas proximidades do rio Perene, em território ashaninka, as minas das colinas do Cerro de la Sal constituíam tanto a principal fonte de abastecimento para os povos amazônicos, como o centro político, econômico e espiritual dos Aruak sub-andinos. Enquanto seu padrão de assentamento tradicional é disperso, nas proximidades do Cerro de la Sal estabeleceu-se uma concentração maior de diferentes grupos Amuesha, Matsiguenga, Nomatsiguenga e, sobretudo, Ashaninka.

Nesse cenário, os Anti impediram durante séculos a penetração em massa do não-amazônico em suas terras, mantendo a fronteira entre as terras altas e as terras baixas relativamente estável.



Colonização e revoltas indígenas
Contrariamente a outras sociedades indígenas da Amazônia, o povo ashaninka tem uma longa história de contato com o mundo dos brancos, iniciada desde o final do século XVI. Depois da ocupação da Costa e da Serra, os espanhóis conquistam o Império Inca e iniciam sua penetração em direção à Amazônia. Os jesuítas Font e Mastrillo foram os primeiros a estabelecer um contato com os Ashaninka, em 1595. Explorando a Selva Central a partir da cidade serrana de Andamarca, as duas cartas enviadas pelos jesuítas a seus superiores constituem a primeira fonte documentada sobre um grupo de índios Pilcozone, hoje identificado como Ashaninka.

Quarenta anos depois do primeiro contato realizado pelos jesuítas, os franciscanos iniciam a evangelização das populações indígenas da Selva Central com uma entrada mais ao norte, próxima à região do Cerro de la Sal. Em 1635, Jerónimo Jimenez inaugura a chegada dos franciscanos, entrando em território ashaninka e fundando a missão de Quimiri (atual cidade de La Merced). Em 1637, ele organiza a primeira viagem de exploração do rio Perene, mas encontra a morte, vítima de uma tocaia ashaninka. Em 1648, atraídos pelo mito de Paititi que apresenta o lugar como rico em ouro, uma expedição de missionários e aventureiros se dirige ao Cerro de la Sal, mas é novamente dizimada por um ataque ashaninka.

Apesar das derrotas sucessivas, as entradas dos espanhóis continuam. A desarticulação do sistema de trocas nativo, através da instalação de missões em sítios estratégicos, está presente pela primeira vez na empresa evangelizadora de Biedma, franciscano identificado como o primeiro explorador da região peruana de montaña.

Depois de obter, em 1671, uma licença para realizar novas entradas na região do Cerro de la Sal, Biedma organiza uma primeira expedição em 1673, abrindo novamente a missão de Quimiri, até então perdida, e cria Santa Cruz de Sonomoro, controlando desse modo as principais rotas de acesso às terras altas. Em 1674, Biedma funda a missão de Pichana com o objetivo de controlar o trânsito dos nativos entre os rios Ene e Tambo na direção do Cerro de la Sal. Deixada aos cuidados do Padre Izquierdo, a população ashaninka de Pichana, liderada pelo cacique Mangoré, apoiado pelos chefes do Cerro de la Sal, revolta-se contra a administração franciscana, que tenta proibir a poligamia, e mata os missionários.

Partidário do uso da força para conquistar os índios, Biedma morre em 1687 numa outra expedição para fundar uma missão no rio Tambo. A morte trágica de Biedma, provavelmente vítima da vingança dos Piro que, no ano anterior, tinham sido atacados pelos Conibo que acompanhavam o missionário, fecha praticamente o rio Tambo à penetração branca até o início do século XX.

Cem anos depois dos primeiros contatos entre os Ashaninka e os brancos, os resultados da penetração espanhola são praticamente nulos. Os esforços dos colonizadores continuam no século XVIII com a intensificação da pressão sobre o Cerro de la Sal. Em algumas missões, os padres instalam forjas e apresentam-se como os únicos provedores de instrumentos de metais para atrair e manter sob controle a população nativa. Ignorado na época de Biedma, o pedido franciscano à Coroa para a construção de fortes na região concretiza-se com a criação, em 1737, do primeiro forte na missão de Santa Cruz de Sonomoro.

As missões maiores podiam agrupar centenas de nativos, mas a proporção da população indígena aldeada é mínima. Muitos índios fogem abandonando as missões, outros preferem manter-se isolados dos brancos, enquanto a maioria estabelece contatos esporádicos, geralmente através de um chefe, com os missionários para obter instrumentos de metal e outras mercadorias. Apesar dessa constatação geral, o suporte progressivo da Coroa aos franciscanos, tanto em homens armados como em dinheiro, aumentou a pressão espanhola na Selva Central e a multiplicação das missões causou um impacto importante no modo de vida das populações indígenas, fundamentando as bases das revoltas nativas. Na visão indígena, a vida nas missões é também associada à morte e ao terror das doenças.

O padrão de assentamento imposto pelas missões traduziu-se primeiro pela sedentarização e a convivência obrigatória em aldeias multi-étnicas de uma população heterogênea caracterizada por laços de afinidade, mas também por conflitos e rivalidades internas. A perda da liberdade, essência da vida ashaninka, intensificou-se com a proibição da poligamia. Como assinalou Bodley (1970: 4-5), durante os primeiros séculos da conquista espanhola, o papel dos chefes foi determinante nos sucessos e fracassos das missões. Ora, enquanto a distribuição de mercadorias ao chefe permitia aos missionários exercer um certo controle sobre a população, o comportamento dos caciques desafiava o ideal cristão. Atributo de prestígio para os chefes, a poligamia era considerada pelos padres franciscanos como um comportamento social escandaloso, revelador de uma caótica promiscuidade primitiva.

Nesse contexto, a insurreição indígena dirigida por Juan Santos Atahualpa ocupa um lugar de destaque na história peruana e merece uma atenção especial. Através ela, os índios da Selva Central e, principalmente, os Ashaninka, recuperam sua autonomia política e a integralidade de seu território tradicional, progressivamente cedido aos brancos. Apresentado como um mestiço andino ou um índio quéchua, Atahualpa teria recebido uma educação religiosa em Cuzco e viajado pela Europa e África (Angola e Congo) com um padre jesuíta. Ele chega a Quisopango, no coração do Gran Pajonal, em março de 1742, acompanhado por um chefe Piro. Auto-proclamado Inca ou “filho de Deus”, herdeiro legítimo do Império roubado pelos espanhóis, Atahualpa pretende restaurar seu Reino perdido e expulsar os intrusos com a ajuda de seus irmãos indígenas, unidos na luta contra o branco.

Com a notícia da chegada do Messias libertador, mensageiros indígenas são enviados do Gran Pajonal e se espalham pela Selva Central e nas terras altas vizinhas. Os índios respondem à mensagem e, rapidamente, as missões franciscanas são abandonadas. Ashaninka, Amuesha, Piro, Conibo e outros grupos convergem para o Gran Pajonal animados pela esperança de ver o filho de Deus. Índios serranos juntam-se ao movimento e a revolta pan-indígena se organiza na Selva Central. Juan Santos Atahualpa convida os espanhóis e africanos a se retirarem para as terras altas. O convite é recusado e o confronto armado se torna inevitável.

Entre 1742 e 1752, os enfrentamentos entre índios e tropas espanholas se multiplicam, oferecendo aos rebeldes uma série de vitórias que garantiram a autonomia política dos índios da Selva Central peruana e a inviolabilidade de seus territórios tradicionais durante mais de um século. O ideal revolucionário de Atahualpa não se limitava às terras baixas, mas pretendia reunir todos os índios contra os "não-índios”.

Durante as décadas que seguem a revolta de Atahualpa e dos Anti, a Selva Central peruana encontra-se sob domínio dos índios. Os espanhóis limitam-se a controlar as rotas de acesso às terras altas e a proteger suas posições na Serra. No Baixo Ucayali, os missionários estabelecem um comércio com os grupos Pano ribeirinhos, mas o território ashaninka é inacessível aos brancos. Quando o Peru conquista a sua independência em 1822, a Amazônia permanece uma região em larga medida desconhecida; uma terra misteriosa e ameaçadora cuja integração é necessária à consolidação do novo Estado-nação.



Os Ashaninka e a economia caucheira
A reconquista da Selva Central peruana organiza-se progressivamente a partir da região de Chanchamayo em direção ao Cerro de la Sal e do Perene. Embora prossiga o trabalho iniciado pelos espanhóis nos séculos anteriores, a nova colonização peruana adota um rumo um pouco diferente, guiada, principalmente, por interesses econômicos e políticos e, secundariamente, religiosos ou civilizatórios.

Primeiro passo da reconquista, uma expedição militar peruana é organizada em 1847 em direção ao Cerro de la Sal. Apesar da resistência indígena, os militares, acompanhados por colonos andinos, fundam o forte de San Ramón, estabelecem novos povoamentos e retomam progressivamente o controle das fundições ashaninka.

A colonização do vale do Chanchamayo, do Perene e do Cerro de la Sal é estimulada pelo governo através de uma política que facilita a migração de origem andina e de incentivos à imigração estrangeira.

Em 1891, o governo peruano concede 500.000 ha de terra situados nas margens do rio Perene à Peruvian Corporation. A empresa britânica é encarregada do desenvolvimento da área, principalmente, através de plantações de café nas quais centenas de Ashaninka são progressivamente incorporados como mão-de-obra.

Deslocados para o Gran Pajonal e as terras baixas ou reunidos nas colônias agrícolas, os Ashaninka cedem pouco a pouco frente à presença branca que se intensifica. No final do século XIX, os peruanos controlam o Cerro de la Sal e começam a produção industrial do produto. Enquanto a perda do sal anuncia a dependência econômica, uma história dramática atinge as terras baixas da Amazônia peruana e modifica profundamente a vida das populações indígenas: o boom do caucho.

A procura pela borracha, espécie nativa da Amazônia, modificou profundamente a história da região e teve conseqüências dramáticas para as populações indígenas. As baixas terras peruanas, assim como o Acre, foram o teatro da dizimação de vários povos indígenas. Essa exploração inicia-se na década de 1870 e atinge os Ashaninka na região do Alto Ucayali. É importante salientar que a principal produção de borracha nessa área é o caucho (Castilloa elastica) e não a seringa (Hevea brasiliensis). De qualidade inferior à seringa, o caucho distingue-se pelo caráter itinerante de sua produção, que necessita de uma mobilidade permanente da força de trabalho à procura das árvores fornecedoras.

Contrariamente ao seringueiro, assentado no seringal e percorrendo diariamente as estradas de sua colocação para recolher o látex da hévea, a extração do caucho exige a derrubada da árvore e conduz a uma expansão territorial permanente da força de trabalho, à medida que a produção de cada área é esgotada. Se os métodos de extração são diferentes e o impacto ambiental mais destruidor no caso do caucho, a economia da borracha, tanto seringueira como caucheira, está baseada num mesmo sistema econômico: o aviamento ou a habilitación.

Na habilitación como no aviamento, toda a economia da borracha é estruturada através de uma cadeia hierarquizada de dívidas ligando os diversos intermediários. Na sua base, ou seja, na relação patrão/produtor, o dinheiro não circula e serve apenas como referencial abstrato para o estabelecimento da dívida, reativada permanentemente através da aquisição e fornecimento de novas mercadorias em troca da borracha produzida. Os preços fictícios são determinados arbitrariamente pelo patrão com o objetivo de manter seus trabalhadores sob seu domínio através do controle da dívida que nunca deve ser cancelada. Sistema moderno de escravidão, o aviamento amarra o seringueiro ao seringal e ao patrão seringalista. De modo análogo, a habilitación estabelece, através de uma dívida eterna, uma relação de dependência entre o patrão caucheiro e seus trabalhadores. Embora importante, a diferença entre a exploração do caucho e da seringa reside, basicamente, na mobilidade que se torna necessária no sistema caucheiro, mas a estrutura econômica que fundamenta e orienta a produção da borracha, de uma maneira geral, é idêntica.

A exploração caucheira na Amazônia peruana está associada às figuras sanguinárias dos grandes patrões como Carlos Scharf ou Julio Cesar Arana. Este último possuía um "império" na região de Iquitos, mas a história elegeu Carlos Fitzcarraldo como o "Rei do caucho". Fitzcarraldo refugiou-se entre os índios do Gran Pajonal depois de ser acusado de espionagem para o Chile e condenado à morte pelas autoridades peruanas. Interpretado pelos Ashaninka como o "Messias" de volta, e mais especificamente, como a personalização de um espírito amachénka enviado por Pawa (o demiurgo ashaninka), Fitzcarraldo consegue juntar sob seu controle vários Ashaninka a quem ele retribui com armas. Aos Campa se juntam os Piro e alguns mestiços, constituindo uma "verdadeira milícia" que permite a Fitzcarraldo controlar a produção de caucho em uma vasta área. A morte de Fitzcarraldo durante um naufrágio no Alto Urubamba em 1897 encerra as aventuras de um personagem responsável pelas correrias sanguinárias que marcaram a história da região. A exploração do caucho provocou a dizimação de muitas populações nativas. Além de usar as rivalidades tradicionais entre os grupos, Fitzcarraldo promoveu correrias intra-étnicas entre os Ashaninka, rompendo a proibição da guerra interna ao grupo.

A partir de 1912, a economia caucheira entra progressivamente em crise com a queda dos preços da borracha no mercado internacional. As correrias institucionalizadas pelos patrões caucheiros vão diminuindo durante as primeiras décadas do século XX, até desaparecerem. Com os avanços da colonização peruana na região amazônica, muitos Ashaninka passam a trabalhar em várias atividades econômicas promovidas pelos brancos: fazenda, agricultura, café, caça, madeira, caucho…

Frente à violência da economia caucheira, muitos Ashaninka também lutaram com as armas, alguns migraram para as regiões brasileiras e bolivianas fronteiriças, outros encontraram nas missões protestantes e evangélicas uma forma de proteção.



“Gringos” e “comunistas”
Para muitos Ashaninka, as missões norte-americanas que se multiplicaram na Amazônia peruana durante o século XX constituíram uma forma de proteção contra os patrões caucheiros e o trabalho escravo. Em 1921, Stahl, missionário Adventista do Sétimo Dia, cria uma missão no Alto Perene e anuncia o Apocalipse e a chegada de Cristo à terra. O messianismo atrai progressivamente cerca de dois mil índios das regiões do Perene, Tambo, Pango e Gran Pajonal (Bodley 1970: 114).

O evento anunciado não acontece e pouco a pouco a maior parte dos Ashaninka deixa o missionário. Nas décadas seguintes, as missões multiplicam-se. Através do Summer Institute of Linguistics, do South American Indians Missions, e sobretudo do Seventh-Day Adventist, a presença missionária norte-americana intensifica-se entre os Ashaninka e atinge números recordes.

A tradição messiânica indígena também foi acionada no envolvimento de grupos Ashaninka com o Movimiento de Izquierda Revolucionaria (MIR). A chegada do MIR, em 1965, dividiu as comunidades, mas alguns Ashaninka acabaram incorporados às tropas revolucionárias. A luta armada foi breve e os rebeldes foram rápida e severamente reprimidos pelos militares com uma violência extrema: aldeias bombardeadas com napalm, torturas e execuções. Guiados pelas profecias de um xamã, os Ashaninka viram em Lobatón, líder do movimento na região, a volta de Itomi Pawa, o filho de Deus, e a esperança de um futuro melhor (Brown & Fernandez 1991).

Na década de 1980, os movimentos de guerrilha revolucionários, dissidentes da esquerda peruana, entraram novamente em território Ashaninka. Fundado em 1969 por Guzman, o Sendero Luminoso (SL) iniciou sua propaganda maoísta na Selva Central, competindo com o Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), remanescente do MIR. Lutando entre si pelo controle da população rural e o comércio de cocaína que sustenta suas ações, os dois movimentos forjaram as bases da revolução armada contra o governo peruano que organizou, progressivamente, a contra-insurreição.

O estado de guerra que caracterizou a Amazônia peruana no final da década de 1980 e início dos anos 90 teve conseqüências desastrosas para os Ashaninka: assassinatos de lideranças, torturas, endoutrinamento forçado das crianças, treinamento militar, execuções… Em 1990, o SL dispõe do controle absoluto da região do Ene e do Alto Tambo e, no ano seguinte, cerca de dez mil Ashaninka passaram a viver sob o domínio da guerrilha (Espinosa 1993b: 80-82).

Frente a essa situação de violência, a reação ashaninka foi ativa e diversa. Alguns colaboraram, outros se retiraram das áreas de conflito e muitos lutaram com suas próprias armas, organizando a contra-ofensiva e declarando guerra aos "comunistas" do MRTA e do SL. Através de novas formas de organização política representadas pelas associações indígenas modernas, os Ashaninka reelaboram os antigos modelos de confederações guerreiras, usados com sucesso para conter o expansionismo inca ou espanhol. Frente à ameaça, a aliança política dos Aruak sub-andinos organizou-se e institucionalizou, mais uma vez, a guerra contra um inimigo comum.


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Ashaninka
Foto: Göteborgs Etnografiska Museum, s/d.

José Pimenta
Doutor em Antropologia. Professor Adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (DAN/UnB).
josepimenta@hotmail.com

setembro, 2005

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