segunda-feira, 30 de agosto de 2010

2837 - HISTÓRIA DA CARROÇA

1
COCHES, CARRUAGENS E CARROÇAS: ALCÂNTARA NA HISTÓRIA DOS
TRANSPORTES LISBOETAS. A FIGURA DO CARROCEIRO.
LUÍS FILIPE MAÇARICO (Antropólogo)
Lisboa, 9 de Março de 2003
Durante um longo período da História do Desenvolvimento Humano, o transporte de tracção
animal imperou, tendo Alcântara utilizado aquela forma de deslocar pessoas e mercadorias de
um lugar para o outro.
Rodeada de palácios, alguns dos quais ainda se encontram na Rua 1º de Maio e na Junqueira,
Alcântara teve garagem de coches do Paço Real no local onde funcionou, no século XX, o
cinema Promotora. O espólio primordial do Museu dos Coches foi recolhido nesse espaço...
Os cocheiros de reis e fidalgos constituíram os antecessores dos condutores de carroças. Em
1835, com a inauguração de carreiras de Ómnibus para Belém, e em 1864, com a abertura da
filial da Companhia de Carruagens Lisbonenses, Alcântara é um entreposto privilegiado de
viaturas puxadas por muares.
Em 1886, os carros do Jacinto (cujas cocheiras se situavam no Pátio do Jacinto) começaram
igualmente a transportar passageiros.
Entretanto, já em 1850, de acordo com o Relatório da Administração da Limpeza Camarária,
as carroças realizavam, entre outros, serviços de transporte de materiais para obras, rega de
ruas e jardins e transporte de “pipas de água”...
Segundo a historiadora Natália Antónia, “durante as duas primeiras décadas do século XX,
os meios de transporte mais utilizados pelo Município, continuaram a ser hipomóveis
conduzidos por “carroceiros”.
“ Nos finais dos anos 20- prossegue aquela investigadora- a CML dispõe já de uma frota
considerável-114 veículos automóveis e 494 hipomóveis e de oficinas (...) centralizadas em
Alcântara. Natália Antónia no seu estudo sobre transportes municipais, constatou que “os
veículos hipomóveis coabitaram com os automóveis até finais dos anos 60...”
O bairro de Amália conheceu também até meados do século XX a figura típica do carroceirovendedor
de fruta e hortaliça, cujo carro, ajoujado de produtos e puxado por um burro, cavalo,
mula ou macho, atravessava a cidade, entre o mercado abastecedor e as ruas, onde os
compradores aguardavam a frescura, a qualidade e o sabor genuíno dos artigos carreados.
Este mercador ambulante fazia-se anunciar pelo seu pregão e a sua paragem num largo, além
da baldúrdia resultante da aglomeração dos interessados nos víveres expostos, era pontuada
igualmente pelo relinchar dos animais e pela visão da carroça, muitas vezes engalanada com
pinturas de cariz popular.
2
Podemos então imaginar as ruas do bairro agitadas pela ruidosa passagem das inúmeras
carroças, repletas de pipas de vinho ou móveis em mudança...
Evaporou-se porém das artérias da cidade todo esse movimento e frenesim.
A agilidade dos carroceiros, a sua destreza na condução de jumentos e cavalgaduras, a
sinalética vocal para os animalejos estacionarem ou para acelerarem, fazem parte de um
imaginário que povoa as mentes mais saudosistas.
Enquanto símbolos de labor e sabedoria, de singeleza e altivez, os carroceiros, pela
multiplicidade das tarefas que desempenhavam, merecem esta belíssima homenagem que a
Sociedade Filarmónica Alunos Esperança idealizou ao preparar a Marcha de 2003.
Há muito que o abegão entregou as ferramentas ao silêncio...
Alguns pátios e recantos, livros e museus exibem velhos exemplares de artísticas carroças. É
todo um tempo que se pode descobrir, para lá dos versos e arcos que rapazes e raparigas vão
exibir num Verão efémero. Basta procurar o que ainda é possível conhecer. Nos depoimentos,
nas fotos, nos dedos espantados.
É toda uma identidade que se revela nos mais envolventes pormenores.
Só é preciso, para não a malbaratar, permanecermos acordados.
BIBLIOGRAFIA
Antónia, Natália (2001) “Transportes e Oficinas Municipais Alguns Aspectos da sua
evolução”, Câmara Municipal de Lisboa, pp.5-7 ;
Consiglieri, Carlos; Ribeiro, Filomena; Vargas, José Manuel; Abel, Marília (1996) “Pelas
freguesias de Lisboa. Lisboa Ocidental”, Câmara Municipal de Lisboa, Pelouro da Educação,
pp.146-147 e 154-159;
Chaves, Luís (1958) “Os Transportes Populares em Portugal”, Fundação Nacional para a
Alegria no Trabalho;
Neves, Correia das (2002) “Abegão: Uma Arte que resiste no Baixo Alentejo”, in “Diário do
Alentejo”, 6-12-2002, p. 6;
Vasconcellos, J. Leite de (1983) “Etnografia Portuguesa”, vol. VI, Imprensa Nacional;
Vaz, Adérito Fernandes (1994) “Algarve Reflexos Etnográficos de uma Região”, Faro,
Secretaria de Estado da Cultura.

COPYRIGHT AUTOR DO TEXTO

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Contador de visitas